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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 19 DE MAIO DE 1848.

Presidiu — O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios, os Sr.s V. de Gouvêa.

Margiochi

ABERTA a Sessão pela uma hora da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Concorreu o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Mencionou-se a seguinte

CORRESPONDENCIA.

1.º Um Officio do Ministerio da Fazenda, enviando, sanccionado, um dos authographos dos Decretos de Côrtes, concedendo ao Hospital de Guimarães um annel de agoa, e á Misericordia da mesma Villa a Igreja do extincto convento de Santo Antonio.

Passou o Authographo ao Archivo.

2.° Outro Officio do Ministerio do Reino, satisfazendo aos esclarecimentos pedidos pela Commissão de Fazenda, em 2 do corrente, pag. 606 col. 4.ª

3.° Outro dito do mesmo Ministerio, remettendo os esclarecimentos pedidos em 5 do corrente pelo D. Par V. de Sá, pag. 630, col. 1.ª

4.º Outro dito do Ministerio da Justiça, satisfazendo ao exigido em 15 do corrente (pag. 678 col. 4.ª) ao requerimento do Sr. Fonseca Magalhães, e a que respondêra logo em parte o respectivo Ministro, annunciando que o faria completamente.

Os Officios 2.°, 3.º, e 4.º passaram á Secretaria.

O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Peço á Camara que tenha a bondade de consentir, que eu faça a renovação de dous Requerimentos, que já tive a honra de apresentar nesta Casa: o primeiro em 4 de Maio (pag. 620, col. 2.ª), e o segundo em 12 de dito (pag. 653, col. 3.ª) Estes meus pedidos ainda não foram satisfeitos, e não me parece, que sejam tão difficeis, que tenham dado logar a uma demora tal: por conseguinte torno renova-los.

O Sr. PRESIDENTE — Como esses pedidos já foram approvados pela Camara, segundo o estylo, a Mesa encarrega-se de fazer nova participação ao Governo.

O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — No dia 3 deste mez fiz eu um Requerimento, que esta Camara approvou, para que o Governo mandasse todos os documentos, que podessem provar as asserções, que haviam sido feitas, de que a insurreição geral de Outubro de 1846 tinha o caracter de miguelista, e havia o decidido plano de desthronar a Sua Magestade a RAINHA, e fazer subir ao Throno uma outra dynastia. No dia 15 deste mesmo mez fiz outro Requerimento, insistindo em que estas provas fossem mandadas á Camara; mas até agora ainda nada veio. Entendo que pela minha parte dei sufficiente tempo ao Governo, para enviar esses documentos, que certamente haviam de existir na Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, por que foi dessa Secretaria, que se fizeram todas as communicações a tal respeito ás Potencias estrangeiras.

Rogo agora a V. Em.ª, que tenha á bondade, de accôrdo com o Sr. Presidente do Conselho, de fixar um dia, em que possamos entrar naquella questão, sendo conveniente que assistam a ella; não só o Sr. Presidente do Conselho, como tambem o Sr. D. Manoel de Portugal e Castro, e o Sr. C. de Thomar, ainda que era nesse tempo empregado subalterno do Governo; porque, é absolutamente necessario mostrar, que todas aquellas asserções foram falsas, embora S. Ex.ªs se esforcem em dizer, que são verdadeiras. No decurso da discussão se esclarecerá este ponto, porque é justo, que a Nação saiba a verdade.

Desejo pois, que os Sr.s a quem me referi, sejam previamente avisados do dia, que V. Em.ª fixar, á excepção porém do Sr. C. de Thomar, ao qual, vindo todos os dias a esta Camara, julgo desnecessario fazer-se-lhe recommendação. S. Ex.ª vai agora entrar na questão, para o que já tem a palavra; mas eu conto não a pedir, visto que a apresentação dos documentos mencionados, offerecerá a melhor occasião para entrarmos a fundo nesta questão. E para este fim remetto á Mesa

o seguinte

REQUERIMENTO.

Requeiro que seja convidado o Sr. Presidente do Conselho de Ministros, e o Sr. D. Manoel de Portugal e Castro, a assistirem á Sessão, que S. Em.ª o Sr. Presidente designar, para responderem á interpellação, que desejo fazer-lhes, para que apresentem os motivos, que tiveram para affirmar, que a insurreição de Outubro de 1846 tinha o aspecto miguelista, e que havia o plano de desthronar Sua Magestade, A RAINHA, e elevar ao Throno outra Dynastia — Maio 19 de 48 — Sá da Bandeira.

O Sr. C. DE THOMAR — O D. Par enganou-se, quando disse, que eu queria entrar na questão; porque eu pedi a palavra para dizer, que estava prompto a entrar nella quando S. Ex.ª quizesse.

O Sr. PRESIDENTE — A Mesa passará a fazer a communicação ao Sr. Presidente do Concelho, e quando se tiver fixado o dia para se tractar da questão, far-se-hão os competentes avisos.

O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Sr. Presidente, a maioria da Commissão de Inqueritos julgou do seu dever não demorar mais tempo a sua installação, e effectivamente acha-se installada, tendo nomeado para seu Presidente o D. Par o Sr. V. de Laborim, para Secretario Fonseca Magalhães, e para Relator o Sr. C. de Lavradio.

O Sr. PRESIDENTE — Antes de passarmos á ordem do dia tem a palavra o Sr. C de Thomar

O Sr. C. DE THOMAR — Vou ainda dizer algumas palavras sobre a questão, de que nos temos occupado nestas Sessões passadas.

A questão já se vai tornando um pouco fastidiosa á Camara, e a fallar a verdade podia ter acabado; mas visto que de novo se insistiu, e visto que se tirou a questão dos seus devidos termos, não tenho remedio senão dar ainda algumas explicações, será com tudo me fazer cargo de entrar profundamente na questão, e tanto mais que segundo o que acabo de observar, é ella uma das que fará parte da interpellação, que o Sr. V. de Sá da Bandeira deseja dirigir ao Ministerio, e para a qual pediu fosse eu intimado, e o Sr. D. Manoel de Portugal.

A questão tem aberrado, como disse, dos seus verdadeiros termos, e teria cançado muito mais a Camara, se se não pretendesse torna-la um pouco engraçada, com figuras poeticas, como aquella, de comparar á coallisão ao Adamastor, com a sua bocca negra, e dentes amarelos (Riso). Não empregarei figuras poeticas, nem combaterei no campo da poesia, a questão é de facto: expô-lo em toda a sua simplicidade, esclarece-lo, e prova-lo, eis o nosso objecto: tudo o mais póde complicar a questão, mas não esclarece-la.

A questão não é saber, se a predicção feita em 1846 no Parlamento, de que a revolução era dynastica, se realisou, ou se os factos vieram provar o contrario; a questão não é saber se a Junta do Porto foi miguelista, ou se os dous D. Pares, a quem se teem feito allusões, são, ou foram miguelistas; a questão reduz se a saber, se os miguelistas quando praticaram o acto de adhesão á Junta do Porto, abjuraram as suas crenças dynasticas, e os seus principios politicos: devemo-nos circumscrever aos termos destas asserções, e tractar de os desenvolver; e provar, porque tudo que não for isto, como já disse, é fóra da questão.

Os meus adversarios admittiram como verdadeiro, e incontestavel, que a união com o partido miguelista seria um grande crime, se ella não fosse acompanhada dessa abjuração de crenças dynasticas, e principios politicos; e disse-se mesmo que não teria coração portuguez quem consentisse similhante união sem tal condição: isto foi dito, e allegado para se salvar a Junta do Porto da nodoa que, mesmo na opinião dos nossos contrarios, havia de cahir sobre ella, se por ventura a

união feita com o partido miguelista não fosse acompanhada desta circumstancia; e pois que a tal circumstancia se foi buscar o fundamento para cobrir essa nodoa, é preciso que seja provada; mas provou-se ella?... Pedi-vos documentos, e dissestes — documentos não existem — se não tendes documentos anteriores a esse acto, de que vos resulta mancha, não provando a abjuração allegada, exigi agora declaração a esses (que tão cavalheira e patrioticamente se vos uniram) em como o fizeram abjurando os seus principios, e crenças dynasticas! Se nem uma nem outra cousa apresentais, então permetti que duvidemos da vossa palavra, que está em contradicção com os factos (Apoiados).

A esta segunda exigencia respondeu-se — essa declaração de nada vale — e recorre-se a uma singular prova!... Julgais melhor prova um argumento de presumpção, um argumento de indução? Eis-aqui toda a prova que apresentais! — o partido miguelista serviu debaixo das ordens da Junta, ergo abjurou das suas crenças dynasticas, e dos seus principios politicos. — Ao vosso argumento podemos oppôr outro, que é mais natural, e mais conforme aos factos — o partido Miguelista tinha a conseguir o seu fim; para isto precisava organisação, armas, artilheria, e cavallos, só o podia obter unindo-se á Junta do Porto; ergo a união foi sómente um meio de mais facilmente conseguir o fim! (Apoiados.) — (O Sr. C. das Antas — Prove-o) — Prove-o! Pois não estão ahi as provas? O que significam as declarações de muitos desses individuos, dizendo que são falsas as asserções feitas nesta Camara por alguns D. Pares? Não declaram mui explicitamente, que nunca por aquelle acto de adhesão á Junta do Porto se póde entender, que abjuraram das suas crenças dynasticas, nem dos seus principios? Que dizeis á vista dessas declarações?

De mais: argumentaste aqui com cavalheirismo, com sinceridade, e com boa fé, dos miguelistas que se vos uniram; dissestes que era impossivel, que quando esses cavalheiros se sujeitaram a junta, tivessem um pensamento reservado: pois bem, é para esse cavalheirismo, para essa sinceridade, e para essa boa fé, que eu appello, se existiu, nem da vossa parte deve haver duvida em pedir uma declaração, que confirme o que asseverais, nem da parte contraria deve apparecer recusa. Mas direi — podeis, sois capazes de proceder com esta franqueza?...

Eu não disse, que lamentára que o partido miguelista viesse abjurar as suas crenças dynasticas, e os seus principios: muito pelo contrario desejára eu bem, que estas asserções, que se teem feito aqui tão enfaticamente, fossem provadas, não só porque se lavaria a Junta do Porto, e lavar-se-iam os seus correligionarios politicos da mancha a que se teem arrogado, como elles mesmos teem reconhecido, mas tambem porque seria um grande serviço, que a Junta teria feito ao Paiz, concorrendo para a união da familia portugueza, fim este para que eu sempre tenho trabalhado, mas por differente caminho. E agora vem a proposito comparar o acto por mim praticado com aquelle, que praticou a Junta do Porto!

O D. Par, o Sr. Fonseca Magalhães, disse, que o acto da rectificação dos ecclesiasticos coitados aos seus beneficios, merecia elogios, e accrescentou S. Ex.ª — e quando eu faço elogios ao Sr. C. de Thomar, bem póde a Camara vêr, que não podem deixar de ser merecidos. O acto que mereceu elogios a S. Ex.ª é, como já disse, o que mandou restituir aos seus beneficios os ecclesiasticos, que delles se achavam privados sem processo, mas em virtude de medidas geraes, e só pelo fundamento de se haverem conservado no exercicio das suas funcções durante a usurpação. Devo porém notar, que os elogios que poderem resultar desse acto (assim como a responsabilidade), tocam-me tanto a mim como ao Sr. Fonseca Magalhães. S. Ex.ª não póde ter esquecido que, supposto este acto fosse praticado pela Repartição a meu cargo, e sobre lembrança minha, foi todavia resultado de uma deliberação em Conselho de Ministros.

Não posso realmente conceber como o D. Par entendesse, que havia alguma analogia entre o acto da restituição dos ecclesiasticos suspensos dos seus beneficios, e o acto da união da Junta com os miguelistas.

Disse S. Ex.ª — que eu fiz Abbades, e Conegos miguelistas, em quanto a Junta fez Capitães e Tenentes! Eu pratiquei um acto de grande justiça, fazendo observar a Lei, e restituindo aos seus beneficios ecclesiasticos que delles se achavam illegalmente privados, e sem outro crime, que o de se terem conservado no exercicio das suas funcções, durante a usurpação; mas quem melhor que V. Em.ª conhece esta materia? A Junta deu armas, e mandou organisar legiões miguelistas, cujo fim era destruir a Dynastia, e a Lei fundamental do Estado (Apoiados).

Note-se além disto, que nenhum ecclesiastico foi admittido sem primeiro requerer á SOBERANA, que lhe fizesse justiça, e reconhecendo assim o Governo da RAINHA, e mais ainda sem prestar o juramento solemne de reconhecimento, e obediencia a SUA MAGESTADE, e á Carta Constitucional (Apoiados).

Pergunto — acconteceu é mesmo da parte dos Miguelistas, com quem se uniu á Junta? Falla-se em palavra de honra, em cavalheirismo, e em patriotismo: mas além de não ser esse officio admittido entre nós, porque ainda não está em execução neste Paiz o Decreto do Governo provisorio, que aboliu os juramentos, bastará attender; a que tal palavra de honra não se prova ter existido, antes deve presumir se o contrario em vista das declarações, que tem sido feitas pela imprensa em nome, e por parte de muitos desses Cavalheiros (Apoiados.)

Admirou-se o D. Par, a quem estou respondendo, de que eu podesse duvidar das intenções do General Povoas, e a ponto de julgar fallaz a sua Proclamação. Devo declarar, que não tive

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em vista insultar o General Povoas; mas não posso consentir, que se lhe venham aqui fazer elogios depremindo os liberaes. S. Ex.ª, pelo modo porque defendeu este General da usurpação, pareceu que tinha em vista ganhar as sympathias deste individuo, desafiando as suas iras contra mim: declaro francamente, que nem ambiciono as sympathias do General Povoas, que o Sr. Fonseca Magalhães pode guardar, nem temo as suas iras: uma e outra cousa são-me absolutamente indifferentes.

Não ha duvida, que aquelle General, sempre absolutista, se ligou a um partido ultra liberal, e, que reputo a sua Proclamação falias porque nella não vejo invocado o nome da Rainha reinante, nem a Carta Constitucional, antes pelo contrario falla-se em direitos do povo, pela forma que houverem de ser regulados pelos Eleitos do mesmo povo; e falia-se além disto em antigas prerogativas da Corôa.

Em uma palavra, a questão, na opinião do General Povoas, dependia de resoluções futuras, o existente para elle era nada! Quer dizer, que a Rainha reinante, e a Lei fundamental do Estado, não existem para o General Povoas! (Repetidos apoiados). E não terei, em vista de tudo isto, motivo para duvidar das suas intenções, e para julgar falias a sua Proclamação? (Apoiados.)

Seja muito embora apresentado como tendo feito proesas e gentilesas na guerra peninsular; diga-se muito embora, que só por força de destino se achou envolvido na defesa da causa da usurpação; tudo isto não destróe o passado, de que eu me não occuparia, se senão se pertendesse lançar sobre mim um grande odioso, por haver commettido a temeridade de duvidar de tão alta reputação (Riso.)

Quanto a proesas, e gentilesas na guerra peninsular, devo fazer saber ao D. Par, que nenhumas existem, pois que depois da batalha de Albueira (na qual nada fez), nunca mais assistiu a alguma outra, conservando-se o General Povoas a. fazer sempre a guarnição em Almeida com o seu Regimento de Cavallaria, que para esse fim foi mandado apear pelo General Beresford (Vozes — É verdade.) Já se vê portanto, que não sentiu zenir as ballas, nem leve occasião de fazer proesas, e gentilesas!

Pelo que respeita á força do destino, que o levou a defender a causa da usurpação, era esse destino de data mais antiga, porque já em 1824 elle conduziu á prisão de Peniche, o Duque e Duquesa da Terceira, por desafectos a D, Miguel, e á sua tyrannia (Vozes - É verdade.) Teria sido melhor não lêr envolvido os elogios, que se pertendiam fazer a este General, com as censuras que se linha desejos de se me dirigir, porque não seria eu forçado a entrar nestes detalhes.

Um pouco me apartei da questão, mas eu havia dito, que o meu objecto seria antes dar algumas explicações. Quanto á questão devo repetir, que se limita unicamente a saber, se os miguelistas declararam ou não, que abjuraram as suas crenças politicas, e principios dynasticos. Folgarei de vêr esclarecido este ponto, o qual, sinto porém dizer, que por em quanto não foi provado.

Além do que já tem sido exposto em outras occasiões, recordo-me do que foi dito por um D. Par, que está agora junto de mim, por occasião das visitas que fez ao D. da Terceira e seus Companheiros, na Relação do Porto. Fallando-se alli da convenção feita com os miguelas, disse este D. Par — E verdade, fizemos uma convenção com os miguelistas para destruir o inimigo commum. E depois de reunido o que acontecerá? Isso fica para depois (respondeu o D. Par), quem tiver mais força, dará a Lei. (O Sr. V. de Sá da Bandeira — Isso e comigo?) É sim. S. Ex.ª não poderá negar o que digo (O Sr. V. de Sá — Peço a palavra pára uma explicação.) Ainda se observou ao D. Par, que um tal passo traria sem duvida o risco, e talvez a perda da Corôa da Rainha, a quem elle devia tantas obrigações, e a quem tinha dado em muitas occasiões provas de adhesão — E se a Nação a não quizer, que heide eu fazer? Todas estas perguntas e respostas estão de accordo com os factos. Effectivamente reunido o inimigo commum se veria, de que lado estava a força: se fôra superior a dos miguelistas teriamos D. Miguel! (Sensação.)

O Sr. Presidente — Já deram duas horas, na forma da resolução da Camara devemos entrar na ordem do dia, salvo se a Camara revogar a sua determinação.

O Sr. C. de Thomar — São duas palavras mais que tenho a dizer, não valle a pena de ficar com a palavra para outro dia (Vozes — Falle. Falle. — O Sr. Presidente—Visto que a Camara consente, pôde o D. Par continuar.) Concluirei dizendo, que uma asserção de tanta gravidade, como a que fez o Sr. Fonseca Magalhães, não se prova por argumentos de indução —deve provar-se com factos, e com documentos.

Agora só me resta declarar, que sentirei muito se molestei os ouvidos do Sr. Fonseca Magalhães: parece-me que S. Ex.ª, na Sessão passa da, disse, que eu gritava muito (Riso.) S. Ex. creio que não grita menos, e eu gosto de o vêr orar com animação. (Rito — O Sr. Fonseca Magalhães— Estamos no mesmo caso, e então perdoados) (Riso).

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Durante a minha demora no Porto, fui frequentes vezes visitar o meu nobre amigo D. da Terceira e os mais Generaes, que primeiramente se achavam na Foz, e depois na Relação. As nossas conversas eram de intimidade, -e não officiaes, e em geral adaptadas ás circumstancias em que estavam os meus amigos; e pelas minhas palavras procurava concorrer para dar esperanças aos illustres presos, de sahirem depressa do estado em que se achavam. Nunca me poderia lembrar, de que se havia de trazer á discussão nesta Camara uma conversação, que eu não sei mesmo se teve logar. Não me recordo de que tal se passasse, nem estou habituado a servir-me das conversas familiares para fazer accusações, porque acho isso um pessimo costume (Apoiados), visto que, procedendo-se por tal maneira, vem necessariamente a cessar a confiança nas relações de intimidade: n'uma palavra, não pôde haver sociedade entre amigos. Se um homem que estiver em qualquer cargo publico, fallando com intimidade, se achar exposto a que haja quem se sirva das suas palavras, para lhe fazer accusações, quando muitas vezes succederá que as pessoas que fazem taes accusações, ou ouviram referir a conversa a segundas, ou terceiras pessoas que successivamente vão disvirtuando aquillo que se disse; para esse homem cessará certamente de existir a sociedade intima, e pensará, quando fallar diante de alguem, que deve guardar-se de um espião, ou de um inimigo. Quanto ao dialogo em questão, não tenho a menor lembrança de haver dito o que o D. Par me attribue; mas se tivesse dito o que o D. Par acaba de contar, não negaria as palavras como minhas, e eu as explicaria. Aqui está o que eu linha a dizer em resposta a S. Ex.ª, e não me demorarei mais sobre este objecto. Agora em quanto aos Ecclesiasticos, que o D. Par reintegrou, posso dizer, que em meu poder param documentos interceptados, pelos quaes se prova, que o D. Par reintegrou Bispos, e outros Ecclesiasticos, que estavam em relações particulares com D. Miguel, ainda no anno de 1838, e que não consta haverem prestado juramento de fidelidade a Sua Magestade a Rainha, quando foram reintegrados.

O Sr. C. de Thomar — Sr. Presidente, em primeiro logar declaro, que não é exacto o facto referido pelo D. Par — de ter eu nomeado Bispos, que estivessem em correspondencia com D. Miguel. (O Sr. V. de Sá — Tenho tres documentos.) É falso. (O Sr. V. de Sá — Eu mostrarei que digo a verdade.) Pôde a allussão que fez o D. Par, ser relativa a algum Bispo nomeado por D. Miguel, e que fosse comprehendido na concordata ultimamente feita com o Papa; mas essa questão não é tanto comigo, como com o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, porque esses Bispos não foram nomeados por mim. (O Sr. V. de Sá — Reintegrados). Então já se vê que não e exacto ter eu nomeado Bispos miguelistas. Quanto aos reintegrados, o facto do juramento, e obediencia á Rainha existe, o que basta para mostrar a differença deste acto ao que praticou a junta do Porto; mas quando V. Ex.ª entrar nesta questão, não ha de ser comigo, ha de ser com o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães. (O Sr. Fonseca Magalhães — Peço a palavra para uma explicação.) O D. Par ha de responder cabalmente; eu tambem partilho a responsabilidade desse acto; mas o Sr. Fonseca Magalhães era o Ministro dos Negocios Estrangeiros naquella época, está mais habilitado para responder, e ha de tractar este objecto triumphantemente (O Sr. F. Magalhães — Apoiado).

Quanto ao outro negocio, em que S. Ex.ª tocou, direi — não é daquelles, que podem ser reputados de familia, mas dos que dizem respeito á politica; e o D. Par, no caracter e posição que tinha, servindo ás ordens da junta do Porto, não pôde deixar de vêr, que as suas expressões eram altamente significativas, e podiam ser reputadas quasi como officiaes.

O Sr. V. de Sá — Para mim está acabada a questão.

O Sr. Presidente — Passemos á ordem do dia, e começará a discussão no art. 3.º do Parecer n.° 23.

O Sr. V. de Laborim — é sobre objectos da tachigraphya? (O Sr. Presidente — Sim senhor). Então peço a palavra.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Parece-me, que a ordem do dia é o Parecer n.° 28 da Commissão de Fazenda.

O Sr. Presidente — Na Acta está designado aquelle Parecer...

O Sr. Secretario Margiochi — Se V. Em.ª me dá licença, a primeira parte da ordem do dia é (Leu a parte respectiva da Acta).

O Sr. V. de Laborim — Pedi a palavra para um esclarecimento.

O Sr. Presidente — Tem a palavra o D. Par. O Sr. V. de Laborim — é uma verdade, que quando eu tive a honra de occupar /a Cadeira da Presidencia, em consequencia do impedimento de V. Em.ª, a ordem do dia que tinha dado, era essa que consta da Acta; porém depois S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros mostrou a necessidade que havia, de discutir-se o Parecer n.° 28, e eu dirigindo-me á Camara disse, que talvez fosse da vontade della, que a discussão começasse - por esse Projecto, e a Camara acquiesceu. Esta é a verdade do facto.

O Sr. Presidente — Tem a palavra o Sr. Fonseca Magalhães sobre a ordem.

O Sr. F. Magalhães — Sr. Presidente, sobre a ordem de certo fallou agora o D. Par o Sr. V. de Laborim, e em quanto se não decidir aquella questão de ordem, cessa o meu direito, e até a minha vontade de fallar sobre a materia. Eu creio que não estava presente; e se a Camara decidiu que principiasse a discussão de hoje pelo Parecer n.° 28, não tenho eu a palavra.

O Sr. Presidente — Não está por ora decidido, é o que está na Acta. Agora se o Sr. Ministro da Corda pede, que consulte a Camara sobre dar a preferencia ao Parecem n.º 28, eu a consulto.

O Sr. F. Magalhães — Isso parecia-me proprio.

O Sr. Presidente — O Sr. Ministro pede que se principie pela discussão do Parecer n.º 28? (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Sim senhor.) Eu vou consultar a Camara, Resolveu que se começasse pelo Parecer n.º 28.

ORDEM DO DIA.

Parecer n.º 28 sobre a Proposição de Lei n.° 18, regulando o modo de pagamento de dividas á Fazenda, provenientes de impostos e contractos preteritos.

PARECER N. 28.

À Commissão de Fazenda, examinou attentamente o Projecto de Lei n.º 18, vindo da Camara dos Sr.s Deputados, regulando o modo de pagamento de dividas á Fazenda, provenientes de impostos e contractos preteritos; e assenta que deve ser approvado por esta Camara, e apresentado a Sua Magestade para obter a Sancção Real. Sala da Commissão, 15 de Maio de 1848. = C. do Porto Côvo. = C. do Tojal. = B. de Chancelleiros. — Felix Pereira de Magalhães. = José da Silva Carvalho.

O Sr. Presidente — Está em discussão na sua generalidade. (O Sr. S. Carvalho — Peço a palavra.) Tem a palavra.

O Sr. Silva Carvalho — Sr. Presidente, este projecto originariamente foi apresentado pelo Governo na Camara dos Srs. Deputados; mas a Commissão, adoptando o fim principal do projecto, variou a respeito da qualidade da moeda, em que se devia pagar aos credores do Estado; o Governo abraçou a transmutação, que fez a Camara dos Srs. Deputados, e nessa conformidade confeccionou o projecto, que veio para a Camara, e lá passou, e hoje nos occupa. O projecto no estado regular da fazenda era bem pomo admissivel, porque ha certamente alguma injustiça, tanto da parte daquelles que devem pagar as dividas da Estado, assim como daquelles que devem receber aquillo, que se lhes deve; mas todo o mundo sabe as nossas circumstancias, é necessario pagar aos servidores do Estado,

Recapitulo: admitte se o pagamento da divida do Estado proveniente de impostos, e contribuições desde 1833 até 1845, de uma maneira; e até 1847 de outra; e são exceptuados aquelles devedores do Estado, que contrahiram obrigações por meio de leiras, que não são outra cousa, senão obrigações do Thesouro, as quaes hão de liquidar-se para serem pagas conforme a moeda, que corria ao tempo em que foram contrahidas: tudo o mais são provisões a respeito do modo de pagamento.

Parecia-me, que a Camara podia dispensar a discussão na generalidade, e nos artigos se farão as observações, que se entender podem ter logar. Mas se houver quem se opponha á isso, não direi mais nada.

O Sr. Presidente — Não ha mais ninguem inscripto sobre a generalidade deste projecto, e por tanto vou consultar a Camara sobre ella.

1 Approvada o proposição na generalidade.

O Sr. Presidente — Está approvado, e por tanto passamos á especialidade, e vai ler-se o artigo 1.º

PROPOSIÇÃO DE LEI N.º 18.

Artigo 1.º E authorisado o Governo a cobrar as dividas á Fazenda Publica, provenientes de contribuições ou impostos vencidos desde o 1.º de Agosto' de 1833 até 30 de Junho de 1847, pelo modo seguinte:

§. 1.º As dividas anteriores ao 1.º de Julho de 1845 poderão ser pagas, na sua totalidade, em notas do Banco de Lisboa, pelo seu valor nominal.

§. 2.° As dividas contrahidas desde o 1.* de Julho de 1845 até 30 de Junho de 1847, poderão ser satisfeitas duas terças partes era notas do Banco de Lisboa, pelo seu valor nominal, e um terço em dinheiro de metal.

§. 3.º O beneficio concedido nos dous parágrafos antecedentes sómente poderá verificar-se quando o pagamento se effectuar dentro de sessenta dias contados da publicação da presente lei.

O Sr. Silva Carvalho — Aqui está a provisão para as dividas até 1845, que realmente são as mais mal paradas, e difficeis de cobrar; e quanto ao grande capital proveniente desta divida, creio que não é exacto o que se pensa, principalmente quanto aquellas dividas, que dizem respeito ás decimas decimas de juros, e mais impostos, que mal se podem cobrar, por não dizer impossivel saber aonde existem taes devedores, e assim assento que senão poderá fazer uma liquidação destas dividas.

Para facilitar os meios de pagar, admitte-se notas do Banco no seu valor nominal; mas não acontece o mesmo ás de 1845 a 1847, essas realmente estão mais bem paradas, e a sua cobrança não será tão difficil, se houver aquella actividade que é necessaria nos exactores da fazenda, cujos devedores podem pagar uma parte em metal, e dous terços em notas. — Aqui está o que quer dizer o artigo e §§. — para receber o que se deve á Fazenda por estas dividas de impostos, e decimas atrazadas.

O Sr. Fonseca Magalhães— Não ha observações ponderosas, creio eu, que oppôr; nem é para as oppôr, é antes para ser esclarecido que direi poucas palavras. Estas dividas da Fazenda que o Governo é auctorisado a cobrar, e cuja natureza está designada, são (leu.) Muito bem: são de 14 annos. Vamos á classificação (leu.) O illustre Relator da Commissão, e meu amigo, o D. Par Sr. José da Silva Carvalho, já disse, que a maior parte destas dividas estava mal parada, e assim me parece; portanto, estão por assim dizer lançadas á conta de dividas perdidas: e não acho estranho que o Governo queira auctorisação para as cobrar assim; uma vez que seja para amortisar notas, e não para pagar certas dividas; bem, supposto que a medida não preenche este fim. E ainda que no artigo 8.° se dá um destino a essas notas, eu entendo que é tudo á custa, dos desgraçados servidores do Estado. Com que desigualdade, comparados com os de mais cidadãos, são sempre tractados estes? Se o Governo destinasse estas notas para serem amortisadas, repito, votaria eu por isso. (O Sr. V. de F. Arcada — Apoiado); mas vejo que sahem para se derramarem de novo na circulação, e para terem maiores perdas de valor: dous inconvenientes que obstam ao grande fim que o Governo deve ter em vista, o de amortisar esta moeda tão depreciada, e contemplar os servidores do Estado no pagamento dos seus vencimentos. Por este modo commettem-se duas injustiças. A disposição seria justa, torno a dizer, se se tractasse de amortisar logo — sinceramente— queimando este desgraçado papel. Não vejo isso: é para solver dividas matando os credores, e para que se eternise a circulação das notas. Todos os esforços que se fazem, ou dizem fazer-se, para retirar tal moeda do mercado são não só inuteis, illusorios.

Estas observações as apresento eu simplesmente em forma de duvida, porque desejo ser esclarecido, e espero que, ou os nobres membros da illustre Commissão, ou o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que presente está, e assiste por parte do Governo a esta discussão, tenham a bondade de me illustrar sobre este objecto. Póde não haver este inconveniente que eu noto; e se me convencerem de que o não ha, de certo approvarei a medida do artigo.

Ora (leu), eu vejo aqui, que esta applicação fica no ar (leu.) Tem applicação primeiro para a satisfação das dividas dos servidores do Estado, e em segundo logar, se acaso sobeja (que não sobeja, porque não chega para amortisar divida), esta segunda destinação, a de amortisar, fora melhor não a pôr aqui. Se o Governo me disser que não tenho razão em pensar assim, pedir-lhe-hei a resenha das dividas activas e passivas, a que se pretende occorrer com estes meios. Estou inteiramente convencido de que se ha de receber pouco, porque são dividas, como disse, quasi perdidas; e essa parte que ha de ser applicada ao pagamento dos funccionarios, digo, aparte das notas por seu valor nominal, vem a proposito para que haja uma injustiça bem grande; porque se faz a este respeito contra elles uma excepção cruelissima.

Bem se vê a injustiça e parcialidade. Porque razão não pagará o Governo como recebe? sejam iguaes na contemplação da lei, o que paga e o que recebe. Isto não causará tanta estranheza; e parece-me possivel. (O Sr. Pereira de Magalhães— Não é.) Um dos illustres membros da Commissão diz, que não é possivel; eu não quero senão o que é possivel, e sem me dirigir ao D. Par, aconteceu que ambos ennunciamos o mesmo. Para effeituar este pagamento assim, diz o Projecto o seguinte: (leu.) Mas se se der o caso de se não verificar isto como aqui se diz? O que se ha de fazer então? Peço pois ser esclarecido.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu desejava, primeiro que tudo, que o Sr. Ministro tivesse a bondade de me dizer, em quanto importam estas dividas de que tracta este projecto. Quero dizer, em quanto importam as dividas que se favorecem agora, pagando-se na conformidade do que estabelece este projecto; e quanto são as dividas a cargo do Thesouro, que se pretendem pagar em virtude das provisões que o projecto indica. Faço estas perguntas, Sr. Presidente, para meu conhecimento, e porque vejo que continúa, e ha de continuar por muito tempo o systema de virem aqui todos os projectos sem nenhuns esclarecimentos: não se nos esclarece nada, deita-se um papel para a Camara, e diz-se—ahi o tendes descuti-o. Ora, Sr. Presidente, isto não pôde continuar assim, porque não é modo de legislar, sem ter nenhum conhecimento das materias. Peço pois ao Sr. Ministro queira ter a bondade de responder a estas minhas perguntas.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Eu espero responder satisfactoriamente ao D. Par; mas primeiro que tudo, tenho a dar uma satisfação á Camara, satisfação que é sincera. Como esta não é a minha Repartição, pôde acontecer que eu não seja muito exacto no que vou dizer: responderei porem o que poder, na ausencia do meu collega, o Sr. Ministro da Fazenda, que não pôde comparecer aqui, porque está na outra Camara assistindo á discussão da Lei da despeza, e é alli indispensavel a sua presença; mas fazendo eu esta declaração, não quero por isso desviar a minha responsabilidade.

Direi pois em resposta ás perguntas feitas pelo D. Par, o Sr. V. de Fonte Arcada, que tenho idéa de que essas dividas, de que falla este §. andam entre 4, a 5.000:000$000 de réis. Na outra Casa do Parlamento foram avaliados em uma cifra muito maior; mas não é assim, porque eu tenho dados que mostram, que andará a sua totalidade só pelo que acabo de dizer. E as dividas que o Governo tem a pagar por este projecto, se elle passar em Lei, andam por 1:200 a 1.300:000$ de réis. Persuado-me, Sr. Presidente, que assim respondo ao mesmo tempo a uma objecção do D. Par, o Sr. Fonseca Magalhães. Ha toda a probabilidade, de que se poderá pagar a divida aos Empregados do Paiz, com o que se receber daquella fonte: se porém não chegasse, havia de recorrer-se necessariamente a outros meios, por que a divida aos Empregados deve ser paga até ao ultimo real.

Sr. Presidente, este projecto vem evitar isso, que se tem praticado no nosso Paiz por muitas vezes, e a que se chama ponto, ou salto: se se não paga na moeda era que realmente se devia pagar, é isso devido ás circumstancias em que actualmente se acha o Thesouro Publico, e são ellas as que a isso nos obrigam.

Sr. Presidente, desde que as circumstancias obrigam a sair do estado natural, e que se paga em uma moeda fraca, os principios de justiça, e os principios de economia, callam-se na presença disto; quando se chega a dizer, que o papel é

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moeda, não ha remedio senão sujeitar ás tristes consequencias que d'ahi se seguem; mas está da parte do Governo, e do Corpo Legislativo, escolher o que fôr mais aproximado ao justo.

Sr. Presidente, eu desejava, como os D. Pares, que as notas fossem amortisadas; mas eu devo fazer uma declaração, e é, que todas as amortisações são feitas á custa do Thesouro, e as faculdades do Thesouro teem limites. Ora, tendo o Governo apresentado já varios projectos, todos tendentes a amortisar notas, e por outro lado, tendo o Governo feito quanto tem podido para a amortisação dellas, não póde passar alem de uma certa área, sem arriscar o serviço publico.

Em resposta porém ao que disse o D. Par, o Sr. B. da Vargem da Ordem, direi, que se desta fórma de pagamento resultar algum metal a favor do Thesouro, isso fará com que elle venda menos notas; e a Camara verá, quando aqui vierem os outros; projectos que estão na Camara dos Srs. Deputados, que nisto não ha inconveniente algum, mesmo se conhecerá isso, se se attender a que este projecto ha de fazer, com que o Governo perca menos dinheiro na venda das notas.

Concluo portanto, dizendo, que por este projecto não se podem amortisar as notas; mas outros ha que alargam essa amortisação; os Empregados publicos hão de receber nesta especie de moeda; mas temos toda a probabilidade para crer, que os Empregados hão de receber tudo quanto se lhes deve, sem ser necessario fazer ponto, ou salto. É o que tenho a responder ás objecções, que se fizeram.

O Sr. V. de Fonte Arcada— Sr. Presidente, eu pouco direi, e só o que bastar para fundamentar o meu voto sobre este 1.° artigo. Eu achei ser muito conveniente, que o Sr. Ministro declarasse, qual a importancia do que esperava receber em virtude desta Lei, e qual a importancia da divida, que tinha a satisfazer; mas eu achava que teria sido melhor, que não ficasse dependente da lembrança de um Membro desta Camara, pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro, a tal respeito: isto devia ter vindo aqui remettido pelo Governo, para esclarecer a Camara sobre a materia do projecto em discussão.

Sr. Presidente, eu voto contra este 1.° artigo pelas razões que vou expor. Eu acho que em passando este artigo, longe de se facilitarem as cobranças, pelo contrario ellas se tornarão mais difficultosas de dia para dia, porque com esta concessão se vai fazer um grande favor aquelles, que effectivamente não pagam: logo é claro que isto vai fazer, com que as contribuições não sejam pagas com promptidão, como convem que o sejam.

Sr. Presidente, passando este artigo, aquellas pessoas que pagam em dia, ficam extremamente lesadas, quando pelo contrario deviam ter um premio, porque da promptidão com que fizeram os seus pagamentos, resultou o concorrerem para que o Governo tivesse meios para satisfazer as obrigações, que sobre elle pesam.

Repito pois — que voto contra o artigo; mas votaria por elle se as notas que entrassem nesses pagamentos fossem amortisadas, porque esses são os desejos de todos nós, para se acabar esse grande flagello, que está pesando sobre o Paiz, proveniente do excessivo agio que ellas teem presentemente. (Apoiados.)

Observarei por esta occasião, Sr. Presidente, que esta grande divida prova, que o Paiz tem sido taxado alem das suas forças, porque se as contribuições tivessem sido lançadas segundo as suas forças, certamente a divida não seria tão grande. E qual é o resultado desse mal? O resultado é o fazer-se agora uma concessão desta natureza, a qual certamente se não faria, se os tributos não tivessem sido tão desproporcionalmente lançados.

O Sr. Silva Carvalho — Quando eu fallei pela primeira vez sobre este Projecto, disse logo, que elle no estado regular era inadmissivel, porque todos veem, que o máo devedor é o premiado, e castigado o bom credor; mas o que eu pedia ao D. Par era, que lembrasse outro meio para substituir o indicado no Projecto, o qual eu approva ria sem duvida, se visse que elle era melhor para o predito fim.

Eu tambem quero, que as Notas se amortisem, para que o Paiz todo não esteja soffrendo tanto damno, em proveito de poucos (apoiados); mas esta não é a questão, a questão é — tem o Governo outro meio para pagar aos funccionarios as dividas a que está obrigado? Não se descobriu meio mais proficuo do que este, mesmo por que assim se cobrarão mais facilmente dividas que alliás se não receberiam sem entrar na tella judicial, e a final seriam incobraveis. O que com este producto porém se vai pagar aos funccionarios, são as cedulas que se lhes deram, quando se lhes pagou as metades dos ordenados mensaes: estas receberam elles em partes iguaes de metal e Notas, o agora vai-se-lhes pagar as outras metades em Notas: isto é um mal, mas para elles é melhor do que não lhes dar nada. Este Projecto pois é filho da necessidade, e deve notar-se, que a divida aos funccionarios publicos é muito menos, do que aquillo que o Governo tem a cobrar; mas se agora não cobrar tudo, eu entendo que o Governo (depois de dar este salto mortal sobre os pobres Empregados Publicos), tem tenção de lhes pagar o resto que se lhes de vêr. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Apoiado.) Muito bem. Concluo pois dizendo, que este Projecto deve ser approvado, porque é o melhor, e unico meio que ha para se conseguir o fim desejado.

O Sr. Fonseca Magalhães — Pouco direi, porque não vejo meio de saír das difficuldades em que nos achamos: tem razão o nobre Ministro, e razão tem o illustre Relator da Commissão; mas esta medida vem apresentar-se isoladamente, sem referencia a outras, e nem mesmo a um systema ordenado com o fim de corrigir os defeitos da nossa administração: dous mui notaveis ha na administração da Fazenda, que provêm não da falta de intelligencia dos Srs. Ministros, não da sua falta de vontade, mas sim de ordem: e esta sente-se ha muito tempo. A confusão é immensa, e não se póde evitar porque se tome uma ou outra medida parcial, que deixa as cousas como estavam antes. A Commissão, e o Governo não podem ignorar isto. O D. Par o Sr. V. de Fonte Arcada, suscitou-me uma idéa, um sentimento de justiça; e por isso farei breves observações sobre o que S. Ex.ª avançou. Disse S. Ex.ª que o paiz está tributado mais do que elle póde comportar; não é isto tanto assim: a verdade é que a contribuição directa é horrivelmente desigual! (apoiados). Uma grande parte dos contribuintes paga não o que deve; muito menos do que deve pagar; e cumpre advertir que as classes menos abastadas são nesta desigualdade as menos favorecidas; isto é, as mais opprimidas. Em Lisboa, no Porto, e na Provincia do Alemtéjo, paga-se, nas primeiras a decima de predios urbanos, e na ultima a dos predios rusticos com mais severidade: póde mesmo affirmar-se que é com o devido rigor; porém no resto das provincias é inteiramente o contrario. É verdade que nós pela fatal estagnação do commercio interno, mal podemos pagar a igual das nações aonde elle florece; e em quanto não tivermos facilidade de communicações, seremos pobres, nadando em abundancia; e ser-nos-hão todas as contribuições violentas. Cereaes, e todos os productos da agricultura, e de alguma industria são como intransportaveis; porque as despezas do transito lhes tornam impossivel o consumo fóra da localidade em que se dão, e alli só desbaratando-os podem vender-se. Mas voltando ao nosso proposito, direi que o lançamento da contribuição, pela sua cega desigualdade, e pelo tristissimo systema da lei, constitue a causa — uma das causas — da insufficiencia dos nossos meios, (apoiados.) E o peor de tudo é, que os remedios que se lhe tem applicado não são os próprio»; em logar de diminuir, o mal tem augmentado. Eu ousaria lembrar ao Governo, que antes do que providencias destacadas sobre objectos desconnexos uns de outros, se resolvesse a apresentar ás Côrtes uma lei de lançamento e de cobrança, na qual Se consignassem os verdadeiros principios, e se attendesse á economia nas despezas com a recepção dos impostos. Quando isto digo, estou bem longe de servir-me de armas de opposição: pelo contrario, entendo que os desejos de todos consistem no melhor acerto, nem attendemos a nenhum fim de partido nas discussões destes objectos.

O Sr. B. da Vargem da Ordem — Sr. Presidente, este Projecto é uma Lei de meios para o Governo; mas eu estou convencido, de que o agio das Notas vai agora subir extraordinariamente, e muito alem do que tem estado. -No Projecto diz-se, que os fundos que se. obtiverem em Notas, provenientes de pagamentos das decimas atrasadas, serão applicaveis aos pagamentos dos servidores do Estado; mas vejo que no §. 2.° se determina, que desde o 1.º de Julho de 1845 até 30 de Junho de 1847, entrará um terço em metal; e então porque razão este terço em metal, não ha de ser applicado para o Governo poder comprar Notas no mercado, a fim de se irem amortisando pouco a pouco? O Sr. Ministro disse, que as cifras das dividas de que no Projecto se tracta, montaria o de 4:000 a 5.000:000$000 de réis, em quanto que a divida atrasada aos servidores do Estado andaria por uns 2.000:000$000 de réis: no entanto, quanto á terça parte em metal, uma vez que senão determina ser applicavel aos pagamentos desses servidores, nem se determina a fazer face a despeza alguma do Estado, entendia eu, que o melhor seria applica-la á amortisação das Notas, atenuando-se de algum modo esse grande mal.

Eu estou persuadido, de que esta medida não teve em vista, senão fazer um grande monopolio de Notas; porque, como ellas hão de necessariamente descer de agio, por isso que devem ter procura, segue-se que os cambistas as hão de ter mettido em si, para depois as venderem; mas como o triste Empregado, pelas circumstancias em que se acha, as não póde conservar, passa logo a rebate-las, do que resultará a sua immediata baixa no mercado.

Se esta Lei passar, seguir-se-ha que daqui por diante menos gente ha de pagar, porque esperarão sempre por estes beneficios, que se fazem quem não quer pagar. Em Lisboa sei eu, que pessoas ha, que devendo annos, e annos de decima, nunca teem pago um real, procurando todos os meios ao seu alcance, para que se lhes sustem as execuções.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros Sr. Presidente, não sei nada do machinismo, que faz levantar, ou baixar o agio das Notas; mas o que eu posso dizer é, que quanto mais tempo se fôr demorando esta, e outras medidas que o Governo apresentou, tanto mais essas Notas se hão de ir desacreditando. (O Sr. B. da Vargem da Ordem— Pois ainda estarão mais baixas!...) Eu estou persuadido, de que o Sr. Ministro da Fazenda, desde que se approvar esta Lei, ha de estabelecer um modo de pagar aos Empregados, que não depende do mais, ou menos, que entrou em uma ou outra semana, em um ou outro dia: ha de fazer um calculo da probabilidade da co branca, e depois estabelecer um pagamento se guiar aos Empregados; mas nunca poderá estabelecer esta regularidade, se estiver á espera de saber que dividas se cobrarão por terças partes metalicas; pelo menos ha de ser lhe isso muito difficil.

Em resposta ao D. Par o Sr. Fonseca Magalhães, que disse vir este Projecto isolado, devo dizer, que este Projecto faz parte de um complexo de outros Projectos, que o Sr. Ministro da Fazenda apresentou na outra Camara; mas deve-se observar, que desde que este se apresentou, contendo alguns favores para os devedores em mora, nunca mais: ninguem pagou nada, e por conseguinte, tornou-se de absoluta necessidade, que quanto antes se concedesse, ou rejeitasse este favor.

Apresentou tambem o Sr. V. de Fonte Arcada uma razão, que pareceu de toda a evidencia: disse S. Ex.ª — que esta medida era um premio aos mãos pagadores — não ha duvida; ninguem o poderá negar; mas ainda isto tem uma resposta, e S. Ex.ª que já muitas vezes me tem convencido, talvez agora se deixe convencer. Parece ser de justiça exigir-se o pagamento integral em moeda forte, para que os remissos não tenham um favor, que não tiveram os que pagaram exactamente; mas se deixarmos de considerar o caso na sua generalidade, e se attendermos ao estado porque o Paiz tem passado, abandonando muita gente suas casas, e faltando por isso ao cumprimento de seus pagamentos; ninguem dirá, que seria justo, nem mesmo conveniente, irem-se agora pedir cinco ou seis decimas de uma vez, e a final, porque o devedor não podia pagar, levar-lhe os bens á praça!... O máo pagador vai ser, na verdade, favorecido; mas o Governo não acha meio, com que possa fazer uma selecção nesta medida de bom, e máo pagador; isto é, daquelle que não paga porque não póde, e daquelle que não paga porque não quer.

Eu espero portanto da bondade da Camara, que approvará este Projecto, porque o Paiz interessa muito em que quanto antes elle passe.

O Sr. B. da Vargem — Offereço o seguinte

Additamento. Proponho que áparte em metal, que provier da Lei, que está em discussão, seja entregue na Junta do Credito Publico, para se comprarem Notas no mercado, e serem amortisadas. Admittido.

O Sr. Tavares de Almeida — Não me levanto para impugnar o Projecto, porque apesar de parecer abraçar idéas de justiça desigual, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros ponderou já, que a impossibilidade de fazer justiça inteira era a razão, que justificava o mesmo Projecto; mas lendo este §. 3.° do 1.° artigo, pareceu-me que seria preciso mais alguma expressão, para tornar este objecto mais completo, porque diz elle (Leu-o).

No principio do artigo começa dizendo (Leu-o). Vê-se por tanto, que debaixo da denominação de impostos, podem vir dividas sobre alguns objectos, que ainda não estejam liquidadas, e não se possam liquidar dentro dos 60 dias. Ora parece-me, que não é da intenção da Camara, ou do Governo, excluir dos beneficios concedidos neste artigo, os devedores cuja demora na liquidação dos seus debitos não dependa delles, mas sim das Estações competentes, o que se póde verificar, por exemplo—nos direitos da transmissão da propriedade, cujos devedores podem apresentar-se a requerer a liquidação deste imposto, para se aproveitarem do beneficio desta Lei, e dentro dos 60 dias não estar com tudo liquidada a quantidade, do que devem pagar, parece-me que á intenção do Governo deve ser a de fazer extensivos os beneficios a estes devedores. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Esses casos estão acontecendo frequentes vezes, e sempre que se requer em tempo, as Leis da Fazenda são favoraveis a essas hypotheses). Como vejo essa parte omissa, e não sei da pratica, por isso perguntava; mas ainda assim parece-me que não seria de mais accrescentar ao §. 3.° depois das palavras — dentro dos 60 dias contados da publicação da presente Lei — salva qualquer demora, que haja na liquidação, a qual não obstará os devedores a gosarem dos beneficios concedidos por esta mesma Lei (O Sr. Silva Carvalho — Peço a palavra); e se senão entende assim, ou se pelo menos póde haver duvidas, eu então requeiro formalmente, que isso seja aqui mencionado. Agora, visto que estou em pé, e tenho ouvido fazer algumas reflexões geraes sobre tributos, e sua arrecadação, não me sentarei sem fazer alguma referencia a ellas.

Esta Lei é na verdade uma Lei de meios, e de arrecadação; mas é certo, que depois que ella se apresentou nas Côrtes, as cobranças cessaram, e os maus pagadores ficára em virtude desta resolução com a idéa, de que todas as demoras que fizerem nos pagamentos, podem, a exemplo do que se pratica agora, serem premiadas com um beneficio, que hoje se lhes concede: era pois muito melhor, e muito mais necessario, que houvesse a maior actividade possivel nas cobranças, porque é certo que os maus pagadores resultam tambem dos maus cobradores, e muitas vezes succede, que alguns homens honestos na vida privada, tendo outras cousas em que cuidar, e posto que era geral sejam zelosos em pagar as suas dividas, são comtudo descuidados em pagar estas, porque não se lhes pedem. O Governo summamente descuidado na arrecadação; e seja isso pelo que fôr, a arrecadação não está boa. Eu, se bem que não sou o competente para melhorar similhante systema, com tudo bem veio, que era muito preciso considerar-se e tractar-se de melhorar este objecto, para fazer entrar no Thesouro o mais que fosse possivel. Talvez a arrematação da arrecadação dos impostos, principalmente directos, por uns tantos por cento a quem por menos o fizesse, produzisse um bom effeito, porque o interesse do arrematante é mais solicito, do que o dos empregados; ou era fim algum outro expediente haverá, que melhore o estado actual, que não é bom.

Agora direi mais com relação a uma persuasão, que o Sr. Fonseca Magalhães quiz transmittir ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, sobre a conveniencia de contribuição de Repartição. É verdade que a Lei da decima actual é defeituosa, e muito defeituosa, sobre tudo porque não dá garantias nenhumas aos contribuintes, que deixa expostos a muitissimas arbitrariedades os lançamentos, não dando tambem garantias bastantes á Fazenda, pela maneira como está organisada: era por tanto muito conveniente, que se melhorasse o cahos das Leis, que se tem feito sobre a decima, porque; ha infinitas Leis, infinitas disposições, infinitas instrucções, e infinitas provisões sobre o lançamento da decima, de maneira que hoje não se sabe bem por onde o contribuinte se ha de regular, ou defender das arbitrariedades, e injustiças, para solicitar os seus interesses: por tanto, era summamente conveniente fazer uma Lei especial, comprehendendo tudo o que se devesse comprehender, para que os lançamentos se fizessem com justiça para o povo, e para o Thesouro: feito isto, estou eu convencido, de que o lançamento da decima, e a sua cobrança haviam de dar grande augmento de receita (Apoiados), superior ao que se promettia pela extincta Lei da contribuição de repartição, e o que é mais, sem a resistencia, e impopularidade, que produziu essa Lei, a qual, para se restabelecer será preciso pensar muito bem, antes de assim o fazer, pelo conhecimento que já temos do quanto ella repugna ao bom senso dos povos, para quem é um systema muitissimo impopular, e cheio de vicios, e inconvenientes, que o povo sabe até onde chegam: por tanto, o que eu desejara era, que se formasse uma boa Lei de lançamento de decima, que desse muito melhor, e maior resultado, do que a actual, tirando primeiro que tudo as desigualdades (Muitos apoiados); porque ha muitos contribuintes, que pagam de mais, em quanto outros pagam de menos (Apoiados); porém se um grande numero paga menos do que deve pagar, e ainda assim estão atrasados, resulta tambem que o mau pagamento procede da má cobrança (O Sr. M. de Ponte de Lima — Apoiado); porque sendo as quantias do imposto assas modicas, como se diz, senão andam pagas era dia está claro, que não é por falta de posses do contribuinte, mas sim por negligencia da parte dos agentes da cobrança.

Faço estas reflexões com referencias ás idéas geraes, que ouvi expender, ainda que eu não tive era vista, pedindo a palavra, senão chamar a attenção do Governo, e da Camara, sobre o additamento a que alludi, e que se deve explicar, se acaso senão subentende; mas eu confesso, que não sei que haja Lei, que previna esta circumstancia de pagar com o mesmo favor, o que requereu no prazo delle, ou que requereu antes: todavia, senão ha duvida nenhuma, para que aquelle que senão aproveita do prazo, porque não tem a sua conta liquidada, não seja obrigado a pagar mais; isto e — se se lhe concede o mesmo beneficio, não obstante o motivo da prescripção do prazo do pagamento favoravel, desisto do additamento, porém senão fica assim entendido, então insisto nelle.

O Sr. C. do Tojal — Pedi a palavra meramente para responder ao D. Par o Sr. B. da Vargem, que isto não é um projecto de lei de amortisação de notas, mas sim um projecto de lei de meios para cobrar dividas do Estado, e satisfazer dividas do Estado: por consequencia, não é possivel privar o Governo daquella pequena, para não dizer mesquinha parte metalica, que ha a cobrar nas dividas contrahidas desde o 1.° de Julho de 35 até 30 de Junho de 47, porque essa época foi um tanto prospera; e a mim lembra-me, que nesse tempo as contribuições directas entraram com muita facilidade, este foi moda entrar promptamente, de maneira que até Outubro de 45 se cobraram mais decimas, e impostos, do que em outro qualquer semestre, e eu preso-me por isso, que pouco haverá por cobrar do primeiro semestre de 46.

O Governo, Sr. Presidente, reconhece que as circumstancias porque se tem passado, tornam absolutamente necessario conceder toda a facilidade de pagamento aos devedores fiscaes, ajudando-os mesmo a satisfazer as suas dividas; e sendo isto uma alternativa, para vêr se se cobram essas dividas, e se se obsta ao atrazo em que estão os servidores do Estado, acho que este projecto se deve approvar tal qual (Apoiados). Este projecto é um documento claro e verdadeiro, dos vicios do systema de contribuição, pois de certo, em quanto durar o actual systema de lançamento, e de cobrança de contribuições directas, eu julgo que não poderemos jamais organisar a Fazenda, e por isso eu declaro, que não comprava hoje fundos portugueses nem a dez, apezar delles estarem, como creio que estão, a dezoito. Em quanto senão regular convenientemente o systema das contribuições, ainda com os 4.000:000$000 de rendimentos da Alfandega, que apenas chegam para uma porção da divida, não se póde fazer face nem á terça, parte da despeza do Estado: por consequencia, se queremos organisar as nossas finanças, se queremos que se façam os pagamentos aos servidores do Estado, se queremos ser Nação independente, e se queremos que o Paiz tenha as suas finanças organisadas, para evitar um triste dilemma, é necessario que o Governo se occupe, quanto antes, de apresentar um projecto novo, que seja bom em relação ao systema de contribuições directas, porque sem isso não póde haver regularidade de pagamentos, Eu fui Ministro da Fazenda seis annos, e já aqui citei uma vez uma grande enumeração dos systemas de contribuição, tendo em vista vêr se era possivel entrar n'um methodo, que nos salvasse do abysmo, em que estavamos, por falta de contribuições bem derramadas, e bem pagas; porque, Sr. Presidente, abrem-se os cofres, nos primeiros tres mezes entram 300 ou 400:00$000 de réis, e ahi parou.

Não é só o mal, como disse o meu nobre amigo e collega o Sr. Tavares de Almeida, do systema e da cobrança. Em fim, nós carecemos de quasi todos os elementos para levar a effeito um systema complexo de contribuições directas, e em todos os paizes aonde existe este systema arbitrario de lançamento, não se póde conseguir ordem na effectividade dos pagamentos.

O directorio francez, que adoptou o mesmo principio, não póde cobrar cousa alguma; e em 1799, quando Bonaparte foi nomeado primeiro Consul, achou quatro para cinco annos por cobrar, e não podia deixar de ser assim, porque

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neste processo ha sempre parcialidade; e como depende das juntas de lançamento collectarem cada um conforme entender, fazem os seus favores, de modo que resulta não cobrar o Governo cousa alguma, em proporção do que devia receber. Em quanto ao methodo de contribuição de repartição, eu considero uma de duas — ou nós havemos de vir a este systema, ou ao de contribuição em especie pela decima rural, porque pelo actual de lançamento, que data do tempo de El-Rei D. Manou, e de D. João IV, não havemos conseguir cousa alguma; isto é um paliativo; e nós não temos nem os elementos, nem os cadastros necessarios para conseguir o bom effeito deste systema, com o qual estamos a luctar ha muito tempo. Este estado de cousas tem-se aggravado muito, em consequencia das circumstancias porque tem passado o paiz, e o imposto das notas não é tanto em virtude do estado financeiro do paiz, porque se houvesse certeza, de que a paz não era perturbada, havia de haver quem comprasse as notas, e ellas haviam de ser muito mais acreditadas, e bem pagas. Consideremos por hypothese quanto era a sommadas notas, que o Governo admittio como divida sua, e os valores que tem o Banco, e ver-se-ha se se justifica o rebaterem-se a mais de 50 porcento! E devido á nossa situação politica: portanto, este projecto é uma necessidade, avista destas circumstancias; e como o Governo não póde por uma Lei de meios introduzir um modo de amortisação de notas, que ha de ser objecto de Lei especial, eu voto pelo projecto conforme está, e não se póde exigir, que o Governo adopte outros meios, que hão de falhar.

O Sr. Silva Carvalho — Era unicamente para responder ao Sr. Tavares de Almeida, que estes impostos que se pertende sejam pagos em Notas, estão já liquidados; e aquelles que de certo não estiverem liquidados, requerem ao Thesouro, e tem de proceder á liquidação, segundo uma Lei de 1836, e para o que foi o mesmo Thesouro auctorisado. Portanto, o §. que diz respeito a estes impostos, são os que já estão liquidados; mas supponhamos que dentro dos sessenta dias apparece um imposto de transmissão, e se vai pedir, e aquelle que deve pagar vem allegar que não tem podido liquidar em tempo competente; o Thesouro ha de esperar, e elle ha de pagar desta fórma. Em quanto ao mais não respondo, porque não é para agora.

O Sr. Presidente — Não ha mais ninguem inscripto.

O Sr. Tavares de Almeida — Peço a palavra (O Sr. Presidente - Tem a palavra). Sr. Presidente, eu sempre quero mandar um additamento para a Mesa, porque pelo que acaba de dizer o D. Par Relator da Commissão, o artigo não comprehende todas as hypotheses. Já depois que estou aqui me consta ocaso de pessoa que me ouve, o qual ha mais de dous annos requereu pagar um imposto de transmissão, e ainda não se fizeram as avaliações: se passar ainda mais um anno, porque tempo, porque prazo, porque fórma de pagamento ha de elle satisfazer? Ha de ser tudo em Notas, ou só dous terços era Notas, ou tudo em metal? Quando poder verificar esse pagamento, porque fórma o ha de fazer? É necessario, me parece, consignar isto.

Seguramente, quem tem requerido deseja, e merece pagar pela fórma mais favoravel: se o não tem feito não é culpa sua; mas quando o póde verificar, tem passado os prazos das formas de pagamento as mais favoraveis, e parecia-me que não só aquelles, que tivessem requerido dentro deste prazo, pagassem as suas dividas a papel, e gosassem deste beneficio; mas aquelles que requereram antes, devem ser attendidos com o mesmo favor, porque não é da sua culpa senão pagaram. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Se V. Ex.ª me dá licença....) Eu contento-me com que V. Ex.ª faça essa declaração.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Essa é a pratica, indo pagar ao Thesouro, na conformidade da Lei de 16 de Novembro de 1836, qualquer divida passado o prazo estabelecido. Esta é mesmo a Legislação que vigora: requerendo no tempo competente gosa do beneficio da mesma Legislação (Apoiados).

O Sr. Presidente — Os Srs. que approvam o artigo e os seus 3 §§, salvo o additamento queiram levantar-se.

Foi approvado o artigo 1.º e seus §§.

O Sr. Presidente — Está vencido. Agora vou pôr á votação o additamento, que me parece devia ter logar quando se tractasse do artigo 8.º

O Sr. Pereira de Magalhães — Mas como se tinha discutido parecia-me melhor agora...

O Sr. Fonseca Magalhães — Parece-me tambem que o additamento pertence ao artigo 8.°, mas elle não contém só esta especie, e quem sabe se será votado como está? Parecer-me-hia melhor que ficasse para tempo mais opportuno.

O Sr. Presidente — Elle foi admittido á discussão juntamente com o artigo, e tem sido discutido...

O Sr. Silva Carvalho — O additamento não póde ser approvado, porque é estranho á materia do Projecto, que não e para amortisar Notas, mas para o pagamento de dividas; e se fosse approvado illudia o que o Governa pede. Portanto, se vier á Camara um Projecto sobre a applicação dos dinheiros, que se votaram, então se tractará disto, por agora parece-me que não tem logar.

O Sr. B. da Vargem — Peço a palavra.

O Sr. Presidente — Tem a palavra, mas já estava fechada a discussão.

O Sr. B. da Vargem da Ordem — O que a Commissão apresentou, e está votado foi applicar as notas, que se recebessem, ao pagamento dos Ordenados atrazados dos empregados, que não estavam pagos em dia. Eu notei quando aqui fallou o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, dizendo, que o metal tambem devia ser applicado para o mesmo fim; porém vejo que não é possivel, e que ha de ser pago, tudo em notas. Disse eu, approvando a Lei, que me parecia que a parte em metal, que é do que fiz cargo no meu Additamento, fosse entregue á Junta do Credito Publico para comprar notas, e serem amortisadas, porque o Projecto não faz menção nenhuma da parte do metal para applicar ás despezas do Estado: não diz nem uma palavra a este respeito, e só que ha de pagar os ordenados com notas.

Diz agora o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que essa parte do metal é para fazer face ás despezas, e ajudar ao Governo: o que eu procuro é attenuar o flagello das Notas, e estou convencido, e a pratica o dirá, que as Notas hão de subir muito, e muito. Dizem que vem agora muitos Projectos, para extinguir as Notas: eu tenho visto todos com a attenção que me é possivel; porém a experiencia mostrará, que o agio das Notas ha de crescer.

Eu concordo, em que as Notas ao principio baixem dois até tres tostões; mas estou convencido de que por cada tostão que descerem hão de subir tres. O meu Additamento foi acceito, se for rejeitado paciencia, eu o fiz muito conscienciosamente, porque assento, que virá uma pequenissima parte a pagar, como disse o Sr. C. do Tojal, pois que no seu tempo accudiu muita gente: finalmente, se for só 50:000$000 de réis, que produzir a parte metal para comprar Notas, tudo que sejam meios para as amortisar, ha de fazer bem feito, e o agio ha de descer.

Não duvido que as Notas baixem com as medidas, que hão de vir: não sei, o que eu estou tractando é da Lei, que está era discussão, e não das que ainda não vieram aqui, e que poderão ser muito uteis: por isso fiz o meu Additamento, e a Camara fará delle o que quizer.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Já o D. Par o Sr. José da Silva Carvalho disse (e creio que com muita razão), que não é este um Projecto de amortisação, e que aquella disposição seria aqui mal cabida.

Agora queria fazer outra reflexão, que creio não deixará de convencer o meu nobre amigo, o Sr. B. da Vargem. Não espero que esta medida haja de produzir muito, porque todos os factos antigos e modernos estão mostrando, que apezar destes favores, os pagamentos são limitados. Ainda agora o Sr. Ministro da Fazenda estabeleceu um methodo, para cobrar os impostos do segundo semestre de 1847, altamente favoravel aos contribuintes, e sabemos o pequeno numero de pessoas, que se aproveitou desta medida; de sorte, que esperando o Ministro receber 300:000$000 de réis, não tem recebido 70! Podemos estar persuadidos, de que os que se hão de aproveitar desta medida, hão de ser os das quantias mais limitadas. Ora agora, se o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães estremeceu pelos empregados, porque a cobrança não chegaria para pagar, o que se lhe está devendo; que fará se lhe tirar o terço em metal para a Junta do Credito? Então menos rendimentos ficarão para os empregados, e espero que o illustre Barão se convença, de que o seu Additamento pouco attendia a isto, e tirava o merecimento do Projecto, e o que se tinha em vista. (Apoiados.)

O Sr. Presidente — Os D. Pares que approvam o Additamento para se collocar, sendo vencido, no logar mais conveniente na ultima redacção, queiram levantar-se.

Foi rejeitado o Additamento do Sr. B. da Vargem.

Art. 2.° Aos devedores á Fazenda Nacional que, não havendo pago no praso do artigo antecedente, quizerem com tudo satisfazer suas dividas dentro de 120 dias desde a publicação desta Lei, é permittido faze-lo, entregando duas terças partes em Notas do Banco de Lisboa, e um terço em dinheiro de metal, se as dividas forem anteriores ao 1.º de Julho de 1845; e metade em Notas do Banco de Lisboa, e outra metade em dinheiro de metal, se as dividas forem posteriores ao 1.° de Julho de 1845, e não excederem a 30 de Junho de 1847.

Art. 3.º As Contribuições, ou Impostos vencidos desde 1833 até 1845, inferiores a 1$200 réis, e as de 1845 até 1847, que não chegarem a 1$800 réis, sendo pagas no praso estabelecido no §. 3.º do artigo 1.°, terão de abatimento 25 por cento; e 15 por cento quando sómente forem satisfeitas tio praso do artigo 2.º

Art. 4.º Não havendo lançamento, as Collectas serão reguladas pelas do anno anterior, dando-se ao contribuinte recibo interino, para em tempo opportuno ser trocado pelo competente Conhecimento. No acto da entrega do Conhecimento se ajustará a conta da respectiva collecta.

Foram approvados sem discussão.

Art. 5.° Findo o praso marcado no artigo 2.º, os devedores á Fazenda Nacional, alem de perderem o direito aos beneficios concedidos pelo mesmo artigo, ficam obrigados ao pagamento em moeda corrente, e a um juro de 5 porcento ao anno, calculado sobre a importancia total de suas dividas.

O Sr. Fonseca Magalhães — Não entendo bem (teu); não sei se isto é justo, parece-me que não. São as execuções da lei. Uma voz — É o juro da mora.) Executam-se os que não gosam do beneficio, ficando sujeitos aos pagamentos em moeda, e ainda em cima um juro de 5 por cento. Não sei qual é hoje a pratica do serviço sobre este objecto; mas sei que esta disposição, parece-me, deve ser reputada injusta. Até aqui entendia eu que o juro não tinha logar nas dividas á Fazenda, que tão pouco o paga, quando devedora. Aqui alem das despezas e custas do processo, carrega-se ainda com juro os que não tem meios de pagar o capital. Espero ser instruido sobre este particular. Eu quanto a mim, esta disposição e odiosa.

O Sr. Silva Carvalho — Sr. Presidente, não parece estranho que a Commissão adoptasse este artigo, porque assim como se fazia grande beneficio aos devedores remissos, que por tantos annos deviam, parecia conveniente impor tambem uma pena aquelles, que não pagassem em tempo competente, E verdade, que nas execuções de

Fazenda não se pagavam juros, e pagavam só uns tantos por cento para o Delegado, Escrivão, e Juiz nas execuções vivas, quando entravam os productos das mesmas execuções no Thesouro. Agora ocaso é differente com devedores, que não são executados, mas sim chamados a gosar do beneficio de pagar em moeda fraca, o que deviam ter satisfeito em moeda forte, e pelo que hão estão nas circumstancias daquelles, por isso que ainda assim, sendo remissos, se entendia ser de justiça impor-lhes uma pena se se não aproveitassem do beneficio: e para os obrigar a evitar esta pena, e virem pagar na moeda, que se concede fazer estes pagamentos. Esta é que foi a razão.

O Sr. Tavares de Almeida — Tambem quero pedir uma explicação a este artigo, e é, se estes 5 por cento de juros são só contados depois de passados os prazos, ou se são contados desde o principio da divida. Entro em duvida a este respeito, e não vejo, que fique claro pela maneira por que está consignado: a contarem-se desde o principio da divida, para algumas, desde 1833 até 1847, isso é horrivel! (Uma voz — Não é assim.) Ouço dizer, que não é assim; pois então que duvida póde haver, para que se consigne isso com clareza? O que eu vejo aqui é (leu o art.º relativo). Mas desde quando se ha de contar? (Vozes—Desde que não pagou.) Mas elle não pagou desde 1833: (Vozes — É depois do prazo). Fico pois entendendo, que a mente da Commissão é, só depois de passar o prazo. (Apoiados.) Mas assim mesmo, o juro de 5 porcento não me parece tambem justo, é isso um privilegio que nunca teve a Fazenda contra os devedores: alem do que, essas custas, essas despezas com as execuções fiscaes, que são emolumentos dos encarregados da cobrança, esses tantos porcento, tudo fica em pé, e creio que são mais que bastantes contra os devedores remissos; e se já pagam 6 por cento, e com mais 5 que agora se lhes quer impor, faz 11, isto é muito. Mas pergunto eu — se se querem facilitar estas cobranças, para que é que estão sobrecarregando mais os devedores? Se se diz que elles não podem pagar o capital, porque não teem meios, como hão de então poder pagar mais isto? Voto contra o artigo.

O Sr. C. do Tojal — Não se segue que por não se pagar, se siga logo uma execução: quando eu fui Ministro da Fazenda, contractei muitas vezes com devedores em acceitarem letras, addiccionando-se-lhe o juro de 6 por cento, e fazia eu isto por não querer mandar executar, e mesmo porque adoptei o systema de não querer affligir a ninguem, tirando proveito do methodo que acabei do referir; e estou persuadido, de que o Sr. Ministro da Fazenda ha de fugir, quanto fôr possivel, de mandar fazer execuções, para evitar assim o arrasar familias, e propriedades, porque disso nenhum bem resulta, e sim mal ao Estado.

Este caso pois dos juros, é para quando os devedores se sujeitarem a acceitar letras. Ora, o, Estado paga juros, e juros excessivos, pelos meios que obtem como emprestimo, e então não é extraordinario, nem injusto, que os devedores do Estado tambem o paguem neste caso, e é para elle que tem applicação a disposição, que se lê neste artigo.

O Sr. Silva Carvalho — Sr. Presidente, pagadores que deviam ter satisfeito as suas dividas ha doze annos, e que o não fizeram, porque foram remissos, concorrendo assim para que o Governo esteja falto desses meios, que delles devia receber, e fazendo por conseguinte sacrificios, • para obter fundos para satisfazer os seus encargos; que razão teem de queixar-se de injustiça por se lhes pôr na lei esta provisão? Nenhuma. Além do que, deve attender-se tambem, a que nós estamos agora fazendo a lei, e não nos estamos regulando pelas leis anteriores, e estamo-la fazendo, porque a não ha a este respeito: logo não vejo, que se possam apresentar razões, que obstem á approvação deste artigo.

O Sr. Barão da Vargem da Ordem — Sr. Presidente, eu estava resolvido a votar contra este artigo, mas tenho ouvido algumas razões que me fizeram mudar de opinião: a razão é, porque o máo pagador que para não satisfazer a sua divida tem obtido empenhos, continuará a fazer o mesmo, e não lhe importará com isso; mas se elle vir que lhe vai correndo este juro, elle para evitar paga-lo, ha de deixar de ser mais remisso, e ha de ir pagando o principal. Parece-me pois, que este meio é bom meio para os espertar, porque fallando com franqueza, eu sei de muitos que não teem pago, podendo-o fazer por terem meios; mas teem tido empenhos para se fechar os olhos a isso: em esses taes vendo, que lhes vai carregando mais o juro, hão de então pagar.

O Sr. B. de Porto de Mós — O D. Par o Sr. Silva Carvalho disse, que se deviam carregar os 5 por cento aquelles, que se não quizessem aproveitar das vantagens, que o Projecto offerece aos devedores; mas eu raciocino de outra maneira, e digo, que aquelle que convidado por grande beneficio não satisfez um encargo certo, teve para isso uma grandissima razão: a razão que se deve suppôr, é a impossibilidade de se aproveitar do beneficio, porque a não ser o devedor demente (e eu não estou resolvido a crer, que seja esta a especie), eu não supponho, que qualquer, tendo meios, senão quizesse aproveitar de um beneficio tão grande: logo a conclusão que d'aqui se ha de tirar é, que elle não póde pagar. Aquelle pois que senão aproveitou desse tão grande beneficio, e o despresou, e depois carrega com mais esta pena, o juro de 5 por cento, inhabilita-se mais de poder pagar o principal, juros, e as despezas accrescidas. Entendo portanto, que é util para o Governo não impor estes 5 por cento, que verdadeiramente não são 5 são 11 ao anno, pelos 6 que já paga, e se for mais de um anno mais será, e por conseguinte é difficultar a cobrança. Creio pois, que o devedor que senão aproveitar do beneficio immenso, que lhe offerece o Projecto, nunca pagará sem execução. Ha pois aqui um contrasenso; porque, se esta provisão é para facilitar os meios de cobrança entendo que ha de produzir os resultados oppostos. Digo mais: que ha uma especie de crueldade em exigir mais de quem menos póde: até o Governo não devia querer este meio, que se lhe quer dar, de facilitar a recepção dos impostos, porque produzirá o effeito opposto.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Á illustre Commissão pareceu, como pareceu tambem ao Governo, que esta medida era essencialmente justa, porque as custas só do processo, não obrigavam o contribuinte a vir pagar. As custas são por exemplo 6 por cento como disso o D. Par o Sr. Tavares de Almeida; mas o devedor demora o pagamento doze annos, e então vem a pagar só meio por cento ao anno, e assim em proporção de maior demora. Ora, Sr. Presidente, pareceu por todas estas razões, que o encargo dos 5 por cento era muito justo, principalmente depois de se lhe dar o favor de poder pagar pela primeira fórma.

Foi approvado o artigo 5.º

Art. 6.º As disposições dos artigos antecedentes, não são applicaveis ás dividas provenientes de contractos sobre rendimentos publicos, nem aos alcances dos Exactores, e Thesoureiros da Fazenda Nacional; devendo estes alcances continuar a ser pagos em moeda corrente, e regulando-se aquellas pelo disposto no artigo seguinte.

Approvado sem discussão.

Art. 7.º As dividas activas da Fazenda provenientes de contractos fiscaes, ainda quando por ellas se tenham assignado letras, serão satisfeitas. nas especies, que constituiam a moeda corrente ao tempo, a que se referem as obrigações, segundo os Decretos que então regulavam a fórma de pagamento.

§. unico. No caso em que a Letra, ou obrigação seja relativa ao rendimento de um mez, quartel, ou semestre, durante cujo periodo fosse alterada a moeda corrente, o pagamento será feito na. especie da moeda determinada no Decreto, que regulou os pagamentos da Fazenda na maior parte desse periodo.

O Sr. Silva Carvalho — Sobre este artigo a Commissão teve bastante que pensar, mas a final viu, que não podia deixar de considerar estas chamadas Letras, como obrigações provenientes de contractos feitos com o Governo, porque se estas obrigações fossem consideradas como Letras, no sentido de uma Letra de Cambio, era claro que, deviam ser pagas na moeda corrente ao tempo do pagamento. Estas chamadas Letras, ha poucos annos inventadas para com facilidade se satisfazerem os pagamentos provenientes de obrigações contrahidas com o Governo, não foram das mais, felizes lembranças: estes pagamentos entendeu a Commissão que deviam ser regulados pelas Leis, que regulam a cobrança da divida publica, e por isso assentou-se, que taes Letras, sacadas em virtude dos contractos, fossem pagas na moeda corrente ao tempo, era que se contraiam; porque esta disposição -sem duvida se deveria reputar justa, e legal.

Uma outra idéa se apresentou, e que mais abaixo está consignada, em que a Commissão muito pensou: foi na rescisão dos contractos, por falta, de pagamentos; mas as disposições do artigo 10.º desta Lei, são conformes com as nossas Leis antigas, como a de 22 de Dezembro de 1605, com as nossas Ordenanças de Fazenda, e com a Lei do 22 de Dezembro de 1761 T. 3.°, 8.°, e 33.°: por estas Leis o devedor á Fazenda não era admittido a pagar um quartel, sem que tivesse mostrado ter já pago o quartel antecedente; e quando o não tinha pago, lá estava a disposição das Leis, que immediatamente lhe tirava o contracto, e o mandava logo pôr em praça, correndo por conta do arrematante, que não pagou no tempo devido todo o prejuizo, que resultára á Fazenda.

São estas as considerações, que me pareceu fazer, a fim de mostrar, que a Commissão não considerou este negocio senão segundo a Legislação, porque sempre se regularão taes principios.

Approvado o artigo 7.°

Art. 8.° As Notas do Banco de Lisboa, que se receberem em execução desta Lei, serão applicados no Continente do Reino ao pagamento dos servidores do Estado, e dos pensionistas pertencentes ás classes denominadas de consideração, pelos seus respectivos vencimentos posteriores ao mez de Maio de 1847, que estão em atrazo, ou estiverem no 1.º de Julho proximo futuro.

§. unico. O pagamento destes vencimentos será feito na sua totalidade em Notas do Banco de Lisboa, pelo seu valor nominal.

Art. 9.º Depois de satisfeitos os encargos, de que tracta o artigo antecedente, todas as Notas do Banco de Lisboa, que o Governo receber, serão entregues á Junta do Credito Publico, para serem devidamente amortisadas.

Art. 10.° Os contractos sobre rendimentos publicos, cujos arrematantes tiverem deixado de satisfazer em tempo devido a importancia de qualquer das respectivas Letras, consideram-se annullados, e rescindidos, uma vez que o pagamento dessas Letras senão verifique dentro de 30 dias, contados da publicação da presente Lei. Nesse caso os mesmos contractos serão postos em praça, para de novo se arrematarem, ficando responsaveis os anteriores arrematantes, não só por qualquer diminuição que haja no preço da arrematacão, mas por todos os mais prejuizos, que d'ahi possam resultar á Fazenda Nacional.

Art. 12.° Na Sessão Legislativa de 1849 o Governo dará conta ás Côrtes, das quantias recebidas em virtude desta Lei, e da applicação que tiveram conforme as disposições dos artigos 8.º e 9.º

Approvado o artigo ultimo da Proposição.

O Sr. Presidente — Como este Projecto não soffreu alteração alguma, parece-me que se poderá approvar a sua redacção.

Approvada.

O Sr. Presidente — Agora passo a lêr os nomes dos D. Pares, que hão de compor a Deputação, que ha de levar os Authographos deste Pro-

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jecto de Lei á Sancção de SUA MAGESTADE, e são os Srs. Vice-Presidente, M. de Ponte de Lima, Mello Breyner, D. da Terceira, M. de Fronteira, M. de Santa Iria, e Arcebispo d'Evora. A ordem do dia da Sessão de ámanhã será o Parecer n.º 27 sobre a Proposição de Lei n.º 21, regulando a administração, e venda dos bens da Universidade de Coimbra, e depois seguir-se-ha o Parecer n.º 23 da Commissão Especial, sobre a mais regular publicação das Sessões desta Camara; e previno os D. Pares, de que terça feira (23) terá logar a primeira reunião da Commissão Mixta, para a qual convido os D. Pares, que para ella foram eleitos, a que não faltem. — Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e meia.

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