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412 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Esta princeza, seguindo o exemplo deixado por outras senhoras distinctas da casa real, applicou parte da sua dotação para este estabelecimento, que é de caridade, e é alem d`isso um estabelecimento necessario em todos os paizes aonde se cuida do exercito; porque necessario é não se pensar unicamente nos officiaes; é preciso pensar-se tambem nos soldados, que são pobres filhos do povo pagando á sua patria o mais pesado dos tributos, e que muitas vezes se inutilisam no serviço, quando não morrem nos campos de batalha ou em commissões sujeitas aos mesmos inconvenientes, e que não podem sustentar-se de veneras nem de condecorações.

A proposito d`isto, sr. presidente, lembra-me que passando uma vez pelo sitio da Sé, parei para contemplar aqnellas venerandas cantarias, testemunhas das nossas glorias de outras eras. Por esta occasião passou tambem ali um velho soldado da guerra peninsular, como attestava a condecoração que lhe pendia do peito, que era a medalha creada para commemorar os serviços prestados n`aquella campanha; e confesso que olhando para elle fiquei mais impressionado do que olhando para a velha cathedral, porque, apesar de possuir a honrosa condecoração, o pobre soldado pedia esmola!

É necessario olharmos para isto, porque os governos instituiram-se para serem protectores dos seus governados, e sobretudo para serem protectores do povo; portanto é necessario ampliarmos a applicação do asylo de Rima. Diz aqui (leu).

Pelo que li, e o sr. ministro da marinha naturalmente me responderá, creio que até ao presente não era permittido aos militares das provincias ultramarinas a entrada no asylo de Runa; se o não era, eu approvo de boa vontade que de ora avante o seja, porque entendo que igualmente merece ser ali admittido quem tem prestado serviço nos insalubres climas do ultramar.

Agora emquanto ao artigo 5.° (leu).

Faz-me horror a idéa de se fechar o hospital de Runa.

Este artigo, confesso que não attinjo bem o seu fim; não comprehendo bem o seu alcance e desconheço mesmo a sua opportunidade. Mas espero, que tambem sobre este ponto me responderá o sr. ministro da marinha.

Eu não quero incommodar o sr. duque de Loulé, que é general e conhece bem as nossas cousas militares; poderia dirigir-me a s. exa., mas como está presente o sr. ministro da marinha, e já interroguei a s. exa. sobre outro ponto do projecto, espero que s. exa. tambem terá a bondade de me responder sobre este.

O sr. Ministro da Marinha(Rebello da Silva): - Sr. presidente, agradeço ao digno par a maneira urbana e cortez por que se dignou dirigir-se ao governo, e vou dar as explicações que posso, porque, como o digno par sabe, ha poucos dias que entrei na gerencia dos negocios publicos.

Este estabelecimento representa um dos testemunhos mais honrosos que podia dar-se á memoria de um soberano, de quem o paiz se recorda sempre com profunda saudade (apoiados), rei essencialmente constitucional, e que no verdor dos annos soube reunir ás eminentes qualidades do espirito uma grande madureza de pensamento (apoiados).

O Senhor D. Pedro V tinha-se tornado no coração de seus subditos tão querido, que este amor era equivalente a um grande exercito (apoiados). Não admira portanto, sr. presidente, que o paiz, que tem sempre instinctos nobres, comprehendendo a grande alma d`aquelle grande rei, quizesse prantear a sua perda dando, entre outros preitos á sua memoria, um testemunho de caridade, que é a expressão verdadeiramente christã da fraternidade. Por consequencia este estabelecimento votado á memoria de D. Pedro V, foi um acto espontaneo do exercito, como aqui se diz no relatorio (leu).

Hoje o que se quiz foi regular a administração d`este utilissimo estabelecimento.

A subscripção no seu principio foi só feita entre os militares do continente, mas como depois os do ultramar se quizeram associar ao pensamento dos da metropole, o estabelecimento não pôde deixar de se abrir tambem aos militares do ultramar.

São estas as explicações que posso dar ao sr. marquez de Vallada.

A admissão dos asylados fazia-se sempre no mez de junho por meio de um annuncio convidando as pessoas que se julgassem habilitadas para poderem ser admittidas, mas a verdade é que muito poucos individuos se apresentavam, e o numero não tem sido preenchido segundo me consta.

O governo, sr. presidente, não teve duvida em aceitar este projecto como um estimulo aos servidores da patria, como um testemunho de saudade e como uma tendencia para reconhecer no soldado os direitos que devemos reconhecer em todo o cidadão que se torna util ao seu paiz.

Ha muito tempo que as diversas nações cultas, como a Inglaterra que é um paiz admiravel pela sancção pratica das suas instituições, dão o exemplo do modo por que tratam os seus marinheiros e soldados, cuidando da sua velhice e amparando-os n`ella, testemunhando-lhes por esse modo a sua veneração e respeito pelos serviços que prestaram, o que é de certo para os filhos poderoso exemplo. D`este modo é que se póde ter soldados e marinheiros, e não fechando os olhos aos seus serviços, desamparando-os na velhice, votando-os ao esquecimento e dando-lhes como premio d`esses serviços, não a corôa civica com que no imperio romano se costumava galardoar os mais distinctos, mas a chapa do mendigo para poderem pedir esmola.

Ora este estabelecimento tem por fim offerecer um abrigo aos soldados, e parece me que é a iniciação de uma instituição, que mais tarde, quando as nossas circumstancias o permittam, se deve tornar mais vasta dando-lhe maior desenvolvimento.

Sr. presidente, é o que se me offerece responder ao digno par, o sr. marquez de Vallada, em relação ás observações que s. exa. fez sobre este projecto. Todavia, se o digno par desejar mais algumas explicações, estou prompto a da-las.

(O orador não reviu as notas do seu discurso na presente sessão.)

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, fiquei muito satisfeito com as explicações do sr. ministro da marinha, e portanto fiquei um pouco mais tranquillo, ou, o que é o mesmo, socegado, se bem que s. exa. não tocasse em um dos pontos a que me referi, qual foi, o de se poder fechar o asylo de Runa (leu).

Sinto que venha esta disposição no projecto. Não me parece possivel que haja governo algum que tente fechar um estabelecimento d`esta natureza. E estou certo que se a escassez de meios fosse grande, não se deixaria de recorrer a qualquer meio extraordinario para sustentar aquelle monumento glorioso, fundado pela excelsa princeza D. Maria Francisca Benedicta, e que é um galardão e recompensa aos nossos pobres e velhos soldados.

S. exa. o sr. ministro da marinha alludia á Inglaterra, a esse paiz liberal, a que eu tambem tenho alludido muitas vezes. Não sei se me chamarão anglomano, mas sou verdadeiramente apaixonado pelos costumes inglezes. Em Inglaterra ha dois hospitaes de invalidos militares, assim como em França ha o Grand hotel des invalides, ao qual se dá tanta consideração, que o seu governador é o celebre marechal Petit, a quem Napoleão deu um abraço em Fontainebleau.

Já se conhece, pois, em que consideração estes estabelecimentos são tidos.

Vejo portanto, pelas explicações do sr. ministro da marinha, que não ha idéa de acabar com aquelle estabelecimento. Foi apenas uma pequena observação que, por lapso, se encontra no artigo 5.° d`este projecto. Não ha pois idéa de fechar este hospital, mas antes de o alargar quanto possivel.