DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 419
alliviado de alguns encargos, e por outro lado os municipios, para satisfazerem ás necessidades que lhes são proprias e ás despezas que actualmente têem a mais, tiveram de usar mais largamente do que em outro tempo da faculdade de lançar tributos, nem sempre procurando com acerto aquillo sobre o que o imposto melhor possa incidir.
Este assumpto é gravissimo porque, se por um lado é inconveniente deixar ás camaras municipaes a faculdade como a têem de lançar tributos para satisfazerem aos encargos proprios, não seria menos inconveniente allivial-as de alguns encargos que haveriam de vir aggravar os encargos geraes do estado.
Entretanto eu não desconheço a necessidade de harmonisar esse assumpto com os principios que devem regular uma boa administração do estado, de fórma que nem o poder central fique com todos os encargos, nem se de a desigualdade a que o digno par se referiu.
Reconheço que o assumpto é muito importante e sobre elle eu conferenciarei com o meu collega o sr. ministro do reino, para ver o resultado a que se póde chegar, é de certo que aquillo que se resolver será presente á apreciação do parlamento.
O sr. Conde de Valbom: — Chamou a attenção do sr. ministro da fazendo para um facto que, na sua opinião, muito interessava a nossa agricultura e o nosso commercio. Vira publicado na Gazeta das alfandegas um documento em virtude do qual era permittido que os vinhos hespanhoes entrados em Portugal para serem exportados para o estrangeiro, podessem, não só transitar, mas ser lotados com outros vinhos, de modo que se parecessem com os vinhos portugueses.
Isto não era transito.
Não queria mais nem menos do que aquillo a que tenhamos direitos.
Desejava para com a Hespanha a maior franqueza, lealdade e verdade, mas cada um em sua casa. Não tinhamos o direito de impor á Hespanha a nossa lei, nem a nós póde impor-nos a sua aquelle paiz.
Que tudo o que podesse ser, fosse, e até onde podesse chegar a reciprocidade, chegasse. Estava estabelecida a reciprocidade de transito, era pois justa, e justa era tambem toda a liberdade para cada um dos paizes dentro das condições convencionadas. Mas lotar os vinhos, não era transito, era transformar a mercadoria, era transformar os vinhos, porque nem elles se preparavam de outro modo senão lotando-os e preparando-os nas melhores condições de consumo.
Isto tornaria possivel o facil que os vinhos hespanhoes, lotados com os portuguezes, entrassem no mercado como vinhos nossos. Não podia ser assim. Os vinhos hespanhoes deviam saír dos nosso, portos com a marca da procedencia, como os nossos vinhos deviam transitar em Hespanha com a marca portugueza. Se o transito devia ser livre, a marca de fabrica devia per garantida.
(O discurso a que se refere este resumo será publicado logo que o orador o devolva.)
O sr. Mexia Salema: — Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que o sr. marquez de Vallada não póde comparecer á sessão de hoje o não comparecerá a mais algumas por incommodo do saude.
O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Referiu-se ao incidente levantado pelo sr. conde de Valbom ácerca do transito dos vinhos hespanhoes e da maneira de se comprehender as disposições do tratado respectivo. Não tendo lido a Gazeta das alfandegas, ignorando por isso o facto a que aquelle seu collega alludira e, pela simples leitura, que s. exa. fizera, se convencia do que a ordem fôra illegalissima e inconvenientissima.
Em virtude d’ella fôra transformada a mercadoria, que viera como sendo de transito e que por esse facto não podia soffrer transformação.
A mercadoria que passava em transito, qualquer que elle fosse, devia passar fechada, acautelada de maneira, que não podesse ser transformada.
Assim estava convencionado entre os dois paizes pelo tratado de 1866, que citava de memoria, e fôra feito pelo sr. Antonio de Serpa, se bem se recordava.
A verdade porém era, que o tratado tinha sido sempre plenamente cumprido por parte de Portugal.
A mercadoria hespanhola que por importação ou para exportação, vinha aos nossos portos, nunca no transito por territorio portuguez encontrou a mais pequena difficuldade, e assim convinha que fosse, pois que d’ahi resultava maior animação no movimento dos portos. Entretanto na Hespanha, pelo menos na occasião em que, elle orador, ali estava como representante de Portugal, nem sempre a mercadoria portugueza deixava de encontrar difficuldades no seu transito pelo territorio hespanhol.
Perguntou se depois d’esse tempo se tinha melhorada aquelle estado de cousas. Produziu ainda differentes considerações, concluindo que a ordem fôra illegal, porque permittiu a violação do tratado, estabelecendo um precedente que, manifestamente, contrariava os interesses do nosso commercio e da nossa agricultura.
Em seguida referiu-se o orador ao assumpto trazido á discussão pelo sr. conde de. Rio Maior sobre os acontecimentos de Caminha, que tambem reputava graves. Não temesse, porém, o illustre ministro que elle, orador, viesse ali levantar uma questão politica, ou apresentar qualquer moção fundada na gravidade das circumstancias a proposito dos tumultos de Caminha. Não vinha, ainda que graves, gravissimas, fossem realmente as circumstancias. Fazia votos para que a ordem se mantivesse, e não seria nunca a sua palavra que, na presença da desordem, a pretexto de derrubar um governo para que outro lhe succedesse, haveria de aconselhal-a, dar-lhe força e auctorisal a; perante a desordem seria sempre governamental, seria ministerial.
Lamentava que o sr. ministro da fazenda nenhumas informações podesse dar á camara ácerca das occorrencias de Caminha, e esperava que o sr. ministro do reino a essa respeito não tardasse a esclarecer a camara.
Passando a outro assumpto, estranhou que o sr. ministro da fazenda seguisse o inqualificavel systema do sr. presidente do conselho, declarando que não ha jornaes.
Não era permittido aos srs. ministros ignorar o que se dizia na imprensa, porque não liam jornaes.
Deviam lel-os, e já que o sr. ministro não ha os jornaes da opposição, como aquelle que peio sr. conde de Rio Maior fôra citado se, ao menos, lesse os jornaes affectos á sua politica, teria tido occasião de ler a noticia das occorrencias de Caminha. Offerecia ao sr. ministro um d’esses jornaes, o Diario illustrado, e recommendando á sua attenção ás reflexões que esse jornal fazia sobre o caso de que só tratava, passava a ler o referido jornal.
Leu com effeito o artigo, em que o jornal se referia ao assumpto, entrecortando a leitura com a critica do escripto, cujas apreciações por vezes censurou.
Não duvidava cie fazer ali a critica do artigo de um jornal, porque assim procedia em virtude de um direito perfeitamente igual áquelle com que esse mesmo jornal podia no dia seguinte fazer a critica do seu discurso.
Nem para o parlamento nem para o chamado sacerdocio da imprensa havia a absoluta inviolabilidade de opiniões, e a liberdade da sua apreciação competia por igual em plena reciprocidade a uma como a outra instituição. Continuou na apreciação do artigo, condemnando principalmente a seu intuito de amesquinhar o acontecimento com o fundamento de só ter elle dado em uma nesga do paiz, ao que o forador replicou se Caminha, era uma nesga do paiz; os seus habitantes eram cidadãos portugueses iguaes, nem mais nem menos, aos habitantes da capital e aos de qualquer cidade, em todos os seus direitos de cidadãos.
Pedia, pois, ao sr. ministro, a quem era inutil mandar o jornal, que recommendasse s. exa ao sr. presidente do