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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 10 DE AGOSTO.

Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,

vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

Conde de Peniche

(Presentes ao principiar a sessão os Srs. Ministros da Fazenda e Marinha.)

Achando-se na sala numero legal o Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram duas horas da tarde. Lida a acta da precedente, foi approvada.

Deu-se conta da seguinte correspondencia;

Nove officios da Camara dos Srs. Deputados, remettendo os seguintes projectos de lei:

1.° Sobre a concessão de varias pensões.

A commissão de fazenda.

2.º Sobre ser o Governo auctorisado a promover ao posto de Capitão o Tenente João de Ornellas.

A commissão de guerra.

3.º Sobre serem reformados os empregados civis, com graduações militares, pertencentes ás Repartições dependentes do Ministerio da Marinha.

A commissão de Matinha.

4.° Sobre ser concedida uma pensão a D. Mathilde Rosa da Silva Moraes.

Á commissão de fazenda.

5.° Sobre ser auctorisado o Governo a indemnisar das preterições que tem soffrido o Major do Exercito Adolfo Mas Saint-Maurice.

A commissão de guerra.

6.° Sobre ser o Governo auctorisado a reintegrar no posto de Tenente de Infanteria, graduado em Capitão, a Francisco d'Assis Lopes.

A commissão de guerra.

7.° Sobre ser o Governo auctorisado a conceder ao Capitão reformado, Antonio Manoel Nogueira, o posto que lhe compete para a refórma.

A commissão de guerra.

8.° Sobre ser o Governo auctorisado a applicar a Augusto Maurin a disposição da Carta de Lei de 11 de Agosto de 1856.

A commissão de guerra.

9.° Sobre a concessão de uma pensão ao Tenente-Coronel, José Maria Leopoldino de Sampayo.

À commissão de guerra.

O Sr. Marquez de Vallada precisa dirigir algumas perguntas ao illustre Presidente do Conselho de Ministros sobre um negocio importante, pede portanto ao Sr. Presidente que tenha a bondade, em vista do interesse publico, de mandar recado ao Sr. Ministro, que naturalmente se acha na outra Camara, pedindo, com aquella cortezia que é tão propria do Sr. Presidente e da Camara, que se apresse a vir responder a algumas perguntas que elle Digno Par deseja dirigir-lhe.

O Sr. Presidente affirma ao Digno Par que já havia mandado á outra Camara, mas S. Ex.ª não se achava lá.

O Sr. Marquez de Vallada pede que em consequencia de não se achar no edificio o Sr. Presidente do Conselho, se lhe reserve a palavra para logo que elle compareça.

O Sr. Marquez de Ficalho pediu a palavra para fazer constar á Camara que a commissão de inquerito do caminho de ferro de leste se tem occupado constantemente do desempenho da sua missão, fazendo todo o possivel para apresentar quanto antes um relatorio dos seus trabalhos; mas os negocios têem-se complicado, havendo sessões de 6 e 7 horas; e como a commissão deseja ser imparcial e justa, assim como apresentar uma opinião fundada em razões solidas e verdadeiras, pede por isso desculpa de não ter já um trabalho completo sobre o assumpto, e confia que a Camara reconhecerá as difficuldades com que a dita commissão tem luctado, para chegar a uma conclusão justa e imparcial.

O Sr. Visconde d'Athoguia expõe que já 50 annos decorreram depois de uma invasão estrangeira, em que n'uma guerra porfiosa sustentámos em todo o explendor a gloria do nome portuguez; e todavia ainda não ha um unico livro em que se

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descrevam os actos do heroismo e valor pratica dos pelos soldados portuguezes!

Se ha poucos dias foi distribuido nesta casa um trabalho interessantissimo, que é a continuação das obras do Sr. Visconde de Santarem, um dos nossos maiores litteratos, uma das maiores illustrações desta terra; porque não fará o Governo compilar a historia dos nossos feitos heroicos na guerra da peninsula? Já decorreram 50 annos, e julga o orador ser tempo sufficiente para os odios esfriarem calarem-se as paixões, e poder-se escrever a historia com imparcialidade. Nos outros paizes que entraram nessa guerra já existem differentes obras sobre este assumpto, e e desdouro para Portugal, que não haja um livro que os commemore, que tracto deste tão importante objecto.

Um inglez distinto que escreveu sobre este assumpto foi exacto em quanto ás batalhas, mas não fallou no nosso exercito, porque tinha chefes estrangeiros, e as brigadas, por exemplo, nomeavam-se pelo nome dos chefes. É preciso reivindicar a parte de gloria que pertence aos nossos soldados e officiaes, assignar nos fastos o verdadeiro logar ao valor e patriotismo portuguez.

O pedido do orador reduz-se, portanto, a rogar ao Sr. Ministro da Fazenda, que convidando o Sr. Ministro da Guerra, que julga ter já alguns trabalhos feitos e outros começados pelo Sr. Conde de Bomfim, mandados colligir no tempo em que S. Ex.ª foi Ministro da Guerra, juntando todos os documentos que possam servir para a historia da guerra peninsular, e ouvindo os distinctos militares que tomaram parte na defeza do paiz naquella quadra, faça compilar uma historia aonde appareça com verdade o valor dos nossos soldados. Julga que S. Ex.ª não deixarão de approvar este pedido, porque S. Ex.ªs teem o necessario talento e amor pela patria; e alguns dos Srs. Ministros são socios da Academia Real das Sciencias. Lembrava a S. Ex.ªs que da verba que se gasta com a continuação das obras começadas pelo Sr. Visconde de Santarem talvez se possa distrair alguma cousa para esta publicação, sem, com tudo, se prejudicar a outra. Igualmente seria muito conveniente nomear uma commissão de homens instruidos, e conhecedores dos factos pela parte militar, e outra que tractasse de reunir os respectivos documentos que houverem no paiz, e os que se tenham publicado no estrangeiro, para finalmente se confeccionar esta obra.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, acceito com muita satisfação a recommendação que acaba de fazer ao Governo o Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia, e communical-a-hei ao meu collega o Sr. Ministro da Guerra, que por motivo de serviço não póde comparecer hoje nesta Camara. O Digno Par fallou das publicações que se estão fazendo hoje por parte da Academia Real das Sciencias, com a somma votada para os trabalhos que se achavam a cargo do Sr. Visconde de Santarem; mas eu lembrarei ao Digno Par que essa somma tem sido distribuida por tres ordens de trabalhos, que são a continuação da publicação dos Monumentos Históricos, a cargo do Sr. A. Herculano; a continuação do Quadro Elementar das relações politicas e diplomaticas de Portugal com as diversas Potencias do Mundo, a cargo do Sr. Rebello da Silva; e os Monumentos inéditos do descobrimento e conquista da Africa, Asia, e America, de que está encarregado o Sr. Felner. Estes dois ultimos Académicos já publicaram, cada um, um volume dos seus trabalhos, que estou certo hão de merecer o applauso e a approvação dos Dignos Pares. Em quanto á lembrança do Digno Par, se houvesse margem na somma, a que me referi, para os novos trabalhos que S. Ex.ª indica, póde o Digno Par ter a certeza de que a Academia se prestaria de muito bom grado a satisfazer aos desejos de S. Ex.ª; mas não o podendo, deve este negocio correr pelo Ministerio da Guerra, e eu darei conhecimento ao meu collega daquella Repartição das considerações que o Digno Par acaba de fazer, e que não podem deixar de merecer as sympathias de todos os Portuguezes dignos deste nome.

ORDEM DO DIA.

Continuação do parecer n.º 8 sobre o projecto de lei, auctorisando o emprestimo de 1.800:000$000.

O Sr. Barão de Porto de Moz — Sr. Presidente, pedi hontem a palavra para dar breves explicações sobre o meu modo de votar, excitado por algumas expressões que taxavam de contradictorios aquelles que em outra epoca se pronunciaram contra emprestimos e tributos. O illustre orador que incetou a discussão disse: eu não sou daquelles que julgam que o povo póde e deve pagar mais, e entretanto eu não me julgo contradictorio votando hoje contra este projecto. Eu inverto esta proposição. Eu não sou daquelles que pensão que o povo póde e deve pagar mais, e com tudo voto a favor do emprestimo, sem me julgar contradictorio. É neste sentido que vou dar as minhas explicações. Eu não votei contra todos os emprestimos propostos pela regeneração (e dou-lhe este nome porque assim é conhecida a administração anterior a esta) eu não votei contra os impostos por ella propostos: se bem me lembro, recorreu ella a outros meios de haver dinheiro, os que ella propoz não chegaram a esta Camara; mas o que é certo é que votaria contra elles, se cá viessem, pelos objectos sobre que recaiam, e na escala em que se propunham na outra Camara. O Sr. Ministro da Fazenda foi taxado de contradictorio, porque assignou um manifesto que eu tambem assignei, no qual declarávamos muito positivamente que regeitavamos por inconveniente o emprestimo, e por consequencia os impostos, que deviam formar a sua dotação, e que derão motivo á retirada do Ministerio. Este manifesto, ou como lhe quizerem chamar, foi assignado por mim na qualidade de Vice-Presidente do centro eleitoral cartista, e nem por isso me julgo contradictorio. Vou dar a razão.

Eu entendo que o emprestimo, como systema financeiro, é pessimo, e foi neste sentido que nós regeitámos o emprestimo e os tributos propostos pela administração transacta; não se podia acreditar que um emprestimo de 13.000:000$000 réis fosse um expediente, nem o era, era um systema, e por isso o regeitámos, porque não podiamos, nem eu, nem os meus amigos, de maneira nenhuma entender que o empenho fosse elevado á altura de principio; e agora voto este emprestimo como expediente, como necessidade inevitavel. Eu não conheço nenhuma instituição, não conheço nenhuma familia, que consagrasse em principio o empenho, para o estabelecer como base da existencia e conservação; mas apezar disto reprova alguem á familia que empenhe as suas joias e alfaias para occorrer a uma difficuldade? O empenho no primeiro caso é absurdo, no segundo é sensato e inevitavel. Quem quereria perder-se, por não se empenhar? Mas quem julgará salvar-se com um systema de empenho? Registar o empenho por systema, approvar o emprestimo por expediente e necessidade, será ser contradictorio? Penso que não.

Sr. Presidente nós estamos em frente de um anno calamitoso, na minha opinião peior do que o de ha dous annos: uma de duas, ou havemos de entreter nos trabalhos publicos homens que não tem absolutamente a que recorrer, ou havemos deixar abandonados os trabalhos. Fique a Camara persuadida que, nas circumstancias actuaes do paiz, se as obras publicas pararem de todo, as estradas começadas hão de ser arruinadas, a miseria ha de invadir por toda a parte, e a nação ha de passar por uma daquellas crises, que prevista como é, deve ser obviada. Nestas circumstancias que fazer?... Hei de, pela pressão da palavra contradicção deixar de votar o emprestimo para me não chamarem contradictorio? O que eu regeitei n'outra epoca, o que ainda regeito, n'um outro sentido, n'outra ordem de idéas, o imposto, o empenho por systema, não me faz contradictorio agora. O imposto é uma consequencia natural e infallivel da necessidade de contrair o emprestimo, e parece-me que ha alguma contradicção em o não votar, muito principalmente quando nenhuma outra substituição se apresenta por aquelles, que votão o emprestimo. Quando se votou o contracto do caminho de ferro do norte, qual foi a objecção que se fez mesmo pelos que votaram o contracto? A falta de dotação da despeza. Disseram, que se creava uma despeza, sem se crear a receita correspondente, e muitos dos quê assim pensavam, vejo eu hoje approvar o emprestimo, e regeitar-lhe a dotação, sem o que não ha emprestimo! Parece-me que isto é que é uma contradicção flagrante. Eu entendo que se justificava este procedimento, variando por outros impostos mais suaves, ou que se pertendesse que o eram, os impostos do projecto; se se propozesse outro meio para substituir o do projecto, poderiam ter razão; mas que faz, quem o impugna? Limita-se á impugnação, ou á regeição simplesmente, mas não haja medo que o substituam por outro em melhores condicções, e com tudo o emprestimo, ha de necessariamente ter uma dotação.

Ora, o emprestimo é o mais justificado em um sentido, nem eu creio que jamais outro se tenha feito que devesse recear menos a sua impugnação: o emprestimo havia de ser feito, qualquer que fosse o Ministerio, dirijo-me com confiança aos seus impugnadores, o a todos os que me ouvem, dirijo-me á consciencia de todos. Ha ahi alguem que duvide que, se porventura cahisse o Ministerio, e fosse substuido por outro, e esse outro fosse composto exclusivamente dos que agora regeitam o emprestimo, deixaria de o fazer? Ninguem por certo. O que eu duvido é que o fizessem de 1.800:000$000 réis. Não haja receio que uma só voz se levante, para assegurar que outra qualquer administração não contrairia, este ou outro maior emprestimo. O emprestimo não vem das pessoas, vem das cousas, é fatal, desenganem-se, e creio que todos o estão, e não espero que alguem o negue. Mas pergunto, se isto assim é, porque se faz tanta opposição ao projecto?

Disse-o um Digno Par que se senta daquelle lado. «Eu sou daquelles que entendem que o povo póde e deve pagar mais, e entretanto não sou contradictorio, rejeitando este emprestimo; rejeito-o porque em aquellas cadeiras se assentam aquelles Ministros!» Está a questão reduzida ao que ella é, é uma questão de opposição pessoal, porque em quanto ao emprestimo todos reconhecem a sua necessidade, e que é a força das cousas que o determina. E é verdade, qualquer administração que subisse ao podér, curava logo de um emprestimo. Quem tomaria hoje a responsabilidade do podér sem os meios necessarios para governar? Ninguem. Entretanto, contra o emprestimo, é verdade que se diz: «o emprestimo para as estradas, seja, porque em fim não se podem abandonar, o contrario não é mesmo economico, porque ha muitas obras começadas, que soffrerão grande prejuizo em não continuar; reconhece-se por outra parte, que se está na presença da fome pela escacez da colheita, todos estes motivos moveriam a opposição a votar o emprestimo; mas póde succeder, que o Ministerio distraia alguma somma para a despeza corrente, como já fez.» E então! se houvesse uma calamidade como houve, se a necessidade exigisse, como succedeu, se isto fôr assim, é uma razão de mais para o votar.

Eu não acreditaria o Ministerio se elle me assegurasse, que estão não applicaria para outro objecto o dinheiro do emprestimo, ou parte delle. Eu estou fallando hypotheticamente, não sei se o Ministerio o ha de applicar ou não ás despezas correntes. Mas pergunto, ha ahi alguem que substituindo os Ministros, quizesse fazer parar em qualquer hypothese o pagamento aos empregados publicos? Ha ahi alguem que quizesse deixar de pagar ao Exercito? N'uma palavra, haveria ahi alguem que quizesse fazer com que a Junta do Credito Publico, que tantas feridas tem recebido, que tão mal tem sido tractada, o fosse ainda uma outra vez, e deixasse de pagar pontualmente? (Apoiados.) Ninguem certamente; portanto nessa hypothese mesmo, seria uma razão de mais para votar o emprestimo, se ella póde ser prevista. Verdade é, que tudo isto tem uma resposta; podem perguntar-me — porque não arranja o Governo definitivamente a fazenda publica? Se o fizera, não estaria todos os dias na necessidade de contrair emprestimos. A razão é a mesma para todos os Ministérios, e ha de continuar a sela; é um grande mal; é uma situação grandemente deploravel, e que se póde lançar ao rosto de todas as administrações.

Mas essa não é a questão de hoje; hoje é um negocio muito urgente o emprestimo, e é uma cousa bem extensa a organisação da fazenda publica de modo que cubra o deficit, que a receita se iguale com a despeza; essa, repito, não é a questão de hoje; a questão de hoje é—ha ou não necessidade urgentissima de votar este emprestimo?... Appello para as consciencias das Dignos Pares; com essa condição, com a de não fazer o emprestimo, não havia ahi ninguem que quizesse acceitar aquellas cadeiras, por consequencia para que havemos negar a estes, o que pediríamos para nós?

O emprestimo, já o disse, tem na força das cousas a sua origem, não vem das pessoas; quaesquer sejam as pessoas que se sentem naquellas cadeiras hão de vir pedir impostos, e emprestimos excessivos, em quanto a fazenda publica estiver no estado em que está, e está neste por culpa de todos, e maior, daquelles que por mais tempo governaram. Não tenho receio de advogar pelo emprestimo, e é porque o faço com consciencia; oxalá que elle não fosse, como o é, necessario; advogando a causa do emprestimo, não tenho querido lisongear o Governo—não quero lisongear o poder—e vou fazer reflexões que o provam.

Do que tenho dito, entende-se bem qual é o meu modo de vêr a fazenda publica. O emprestimo é necessario, traz a sua origem das cousas e não das pessoas; quer dizer, em quanto a fazenda publica estiver como está, hão de succeder-se os emprestimos. É este o estado das cousas ha muitos annos; desde que a fazenda publica se desequilibrou, cada anno redobraram as difficuldades; a ampulheta então não deixa caír um grão sem multiplicar os embaraços; ao primeiro recorre-se aos expedientes que são ainda faceis, e de expediente em expediente, sempre mais difficeis e onerosos, ao passo que se alongam, recae-se inevitavelmente na banca rota. Não é rejeitando o. emprestimo no momento critico, para a necessidade inevitavel, que a fazenda se organisa, é votando-o, e procurando o modo de não recorrer successivamente a elle; e eu penso, que soou a hora de cuidar sériamente nestas cousas.

O Sr. Ministro da Fazenda disse em outra parte, e não sei se o disse aqui, que havia propôr a refórma do systema tributario. Se por isto se entende a organisação da fazenda, a expressão é deficiente; vou dizer o meu modo de pensar a este respeito.

Se melhorar o systema tributario é fazer com que a contribuição seja mais justa, mais igualmente distribuida; se melhorar o systema tributario é fazer com que a arrecadação seja mais efficaz, mais prompta; se melhorar o systema tributario, é ainda remover desta terra o escandalo de que a contribuição não signifique, como hoje succede, as forças de cada contribuinte, substituindo essa contribuição de repartição pela contribuição de quota, digo que tudo isso é necessario, e urgente, folgará a justiça, e dar-se-ha um grande passo para a organisação da fazenda; mas parando-se ahi, a fazenda não fica organisada.

Pois pensa aqui alguem que depois do tributo ser igualmente repartido, effectivamente arrecadado, que o deficit será coberto? Só o podem dizer aquelles que julgam que o povo póde e deve pagar mais: neste caso a operação é facil, é tributar o povo mais, tanto quanto é preciso, não curando da economia publica, arrecadar bem, e tudo estava feito; mas, o povo ainda que seja tributado com muita igualdade, não póde pagar mais do que paga, e o que paga não chega. E demais, quem assegura, que dessa contribuição hoje absurda, variando para a quota não ha de resultar uma diminuição de somma? Ha hoje terras, que pagam com tanta exageração, que, ou hão de ter uma diminuição no imposto, ou serão abandonadas, embora haja outras injustamente favorecidas; tudo isto avulta a pouco, descontada uma em outra cousa; a justiça ha de folgar, e é já muito, mas o Thesouro não ha de enriquecer.

Mas como quer que seja, isso não constituirá a organisação da fazenda, o que era necessario era reformar todas as repartições do Estado, porque todas o precisam (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Apoiado). Mas para se fazer essas reformas deve-se começar pela base, quero fallar da divisão territorial sem a qual é absolutamente impossivel que alguma refórma seja efficaz; pois alguem faz idéa do embaraço em que se encontra sempre a administração, e dos grandes vexames que o povo soffre pela falta de uma sensata divisão territorial! O Governo não póde administrar, o povo vê-se comido com tantos vexames. Aqui ha um concelho visinho que nem tem o pessoal necessario para satisfazer ás funcções legaes, o seu administrador é um homem local, porque não ha quem o queira ser de fóra á falta de recompensa, e o Thesouro não póde pagar uma multidão de administradores de terras insignificantes; á falta de serem recompensados, não sendo além disso uma carreira, tambem não ha quem queira ser administrador, senão para promover os seus interesses e os dos seus amigos, porque a não ser a influencia que o logar lhe dá, nada perdem, perdendo o logar. E que direi eu de tantas Camaras municipaes! Que impostos, que vexames por toda a parte, tudo para manter este e aquelle concelho, cujo rendimento e duras imposições se consomem puramente no seu pessoal! A refórma é necessaria, e ha de verificar-se por um modo que á primeira vista parece impossivel; ha de dispender-se menos, e ha de pagar-se melhor o pessoal; de outro modo não chegaremos ao fim (O Sr. Ministro da Fazenda—Apoiado). Como se hão de organisar as finanças do paiz, se o paiz não póde administrar-se! Aqui conserva-se um administrador que não serve, porque ninguem o quer substituir, alli uma Camara, cujo municipio não tem o pessoal necessario para o desempenho do que a Lei lhe incumbe e que só serve para o vexame dos povos, que se diz administrar, pela imposição de tributos vexatorios directos e indirectos; acolá uma freguezia tão pequena e tão pobre, que o parocho morrendo de fome, nem assim o povo o póde pagar; e depois de assim esgotada a bolsa do contribuinte, pelo que paga e pelo que perde, pelos embaraços que e obrigado a soffrer no seu commercio interno, e pelas perdas de tempo a que o obrigam estes velhos nichos, vem então o fisco pelo resto, que as mais das vezes já não ha!

Eis-aqui a primeira refórma indispensavel; então, e só então o Governo poderá pagar os sem delegados, e só quando o Thesouro pagar bem, a administração será possivel, porque é impossivel que se possa administrar bem, tendo em alguma parte um Administrador de concelho inhábil, e todos em toda a parte que nada perdem, perdendo o emprego, e que em muitos se admira o desejo de conservar-se, o que em alguns se explica pela ausencia de virtude, e em todos o interesse da influencia local é sua unica razão. Se refletirmos abysmamo-nos de pensar nos soffrimentos do povo. Olhando a administração em outro ponto de vista, é absolutamente necessario recompensar melhor o funccionalismo; tem-se seguido a razão inversa da ordem das coisas, ao passo que tudo subiu e encareceu, desceu o empregado em vencimentos, e admiram o que por ahi vai! Mas aqui mesmo é necessaria a maravilha de que já falei, o paiz não póde dispender o que dispende com os empregados, e é necessario dispender menos, e recompensal-os melhor.

O exercito é outro ramo que excita as attenções de todo o homem reflectido. No tempo da administração do Sr. Conde do Bomfim, o exercito era mais numeroso, gastava 1:800 contos de réis, hoje mais pequeno dispende 3:000 contos! Ralhava-se então da enormidade da despeza, hoje dá isso pouco cuidado; declaro que não entendo. E note-se que o exercito tem vencimentos tenuissimos, o official effectivo, que a nada mais se póde applicar e que é obrigado a maiores despezas, morre litteralmente de fome.

É inteiramente preciso dispender menos, muito menos, pagar mais ao exercito. Eu sei perfeitamente que não estou dizendo cousas, que todos não repitam por ahi, mas eu quero dizel-as tambem, e accrescentar, que me maravilho de que nenhum Governo, mesmo os que tem tido mais longa duração, não tenha visto isto, ou o tenha visto, e não pense em o remediar. Talvez que o exercito deva ser mais numeroso, mas o que ha de é gastar menos. Todos que me ouvem conhecem que isto é preciso, e escuso de prolongára discussão, e peço a V. Ex.ª, quando eu saír dl ordem, que me chame a ella por caridade para com estes senhores, porque não ha razão para fallar de tudo, e deixar a questão que se discute, que é tudo.

Sr. Presidente, sem tudo isto não ha refórma neste paiz para a Fazenda publica, sem tudo isto continuaremos a agitar-nos neste circulo vicioso de emprestimos e expedientes, e a mim parece-me que a hora soou em que este modo de vida não possa continuar. Eu, Sr. Presidente, insistindo ainda sobre a refórma do systema tributario, digo que me parece inteiramente necessario substituir a contribuição de repartição pela contribuição de quota, nós não sabemos o valor das terras, as matrizes é uma ficção, a contribuição não significa neste paiz a força de cada contribuinte, a justiça treme diante do escandalo, o contribuinte mal tractado, victima das influencias locaes, não olha para o fisco senão como» seu tyranno. Eu podia contar muitos factos, não o faço, quero dar á discussão um caracter bem geral, mas se me forçarem, hei de descer aos factos e hei de proval-os. Não ha só injustiça no lançamento, mas tambem na arrecadação, alguns contribuintes devem impostos de muitos annos, e outros logo que o imposto lhe é distribuido, é inexoravelmente arrecadado. (O Sr. Marquez de Vallada—.Ha moratorias.) É pois necessario evitar tantos escandalos, é preciso substituir a contribuição de repartição, até para tirar daqui outro escandalo commettido sobre a propriedade que foi tomada como a anima vilis em que se fez experiencia, que é fresca, mas que apezar de tudo não se dá por acabada. Ora a propriedade é que se ha de vingar neste paiz dos insultos que soffre, e oxalá que as idéas que eu vejo grassar e sustentar com tanto afan, sejam bem depressa postas em obra, o desengano é necessario, e quanto mais prompto melhor, e homens ha que sem esmagar o craneo, não julgam que o podem quebrar.

Sr. Presidente, peço ao Sr. Ministro da Fazenda, que não tenha ouvidos para estas theorias, ainda ha pouco proclamadas nesta Camara sobre o tributo directo, unico e exclusivo, ou ao menos principal, e que, como se disse, é que ha de salvar este paiz.

Ha leituras exclusivas, homens que acertaram com uma idéa, a do livro que lhe cahiu na mão, apaixonam-se pelo seu auctor, e não querem outra cousa; mas eu quizera que elles á falta de leitura a substituíssem com a meditação e coma experiencia, que é a grande mestra da organisação dos Estados, e que adoptassem com reserva as theorias; ora eu tomo a liberdade de oppôr ás suas doutrinas outra bem opposta.

O tributo directo é o tributo das nações barbaras e das nações nascentes, ahi não ha outro meio para o imposto; o unico possivel é o directo.

Os povos nómadas tributam os pastores; os que se fixam, a propriedade.

Quando o povo começa a civilizar-se recáe logo contribuição indirecta; falto ainda de relações externas recorre á contribuição indirecta, são as portages. Adianta-se a sociedade, civilisa-se emfim, para logo estabelece principalmente a contribuição indirecta nas alfandegas. Nenhuma na

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ção no seu começo deixa de recorrer ao tributo indirecto; nenhuma nação adiantada deixa de fazer a base do seu rendimento publico da contribuição indirecta.

Que faz a Inglaterra, e sobre tudo os Estados-Unidos? Que fazem mesmo todas as outras? É á propriedade que vão buscar o seu principal rendimento?

Eu quizera, como disse, que se reflectisse na historia do imposto, e que contra as theorias se tivesse em alguma conta o invariavel proceder das nações. Quizera tambem, que o que se diz se demonstrasse, e não se pensasse ter demonstrado com a simples affirmativa. Quem pensa ahi, que se póde pedir á contribuição directa um terço da receita publica? Ao passo que se affirma, e affirma-se o que é exacto, que em toda a parte o commercio interno é sempre superior ao externo, esquece-se o que paga o deste paiz: Camaras, Juntas geraes, tudo, tudo recae com a sua faculdade de tributar o povo, ora directa, ora indirectamente, mas principalmente com a contribuição indirecta; ora reunam tudo isto ao rendimento das alfandegas, e não digo já que se faça o que quer o Sr. Marquez de Ficalho, digo só que peçam um terço disto á propriedade.

Ouvi dizer a um Digno Par que pouco se pedia a este paiz pedindo-se agora apenas 40 contos, que seria o alcance do imposto sobre a propriedade, não penso que seja isso, mas em todo o caso o paiz não paga só isso; ao ouvir o Digno Par parece que o resto não é o paiz que o paga, e que ha algum imposto que não comprehenda todas as industrias; o paiz está de tal sorte repassado de imposto, que eu não sei como alguem se anima já a taxar de insignificante qualquer nova imposição; eu declaro francamente que voto pelo emprestimo e pelo tributo muito forçadamente; se eu tivera as persuasões e idéas do Sr. Marquez de Ficalho não o rejeitava, como elle, e votava-o com gosto. O povo póde e deve pagar mais é sempre a idéa fixa de certa gente; a propriedade não paga nada; mas eu sei que o contribuinte treme de vêr o official de justiça á sua porta, e nós sabemos que ha 4:000 contos por arrecadar; o Sr. Ministro da Fazenda, com toda a sua diligencia, e tendo feito baixar de alguns centos de contos o atrazo, ainda não póde fazer com que descesse de 4:000 contos; não me dirão porque isto succeda? Eu o digo: é porque a bolsa do contribuinte não é elástica. Tem 4:000 contos atrazados hoje? Se exacerbarem mais o imposto hão de ter o dobro (apoiados): e isto não é porque o povo portuguez seja recalcitrante, não Srs. é sim por que não tem com que pague; é esta a razão e não outra, porque elle treme, como já disse, quando vê um official de justiça á sua porta: desfaz-se do que tem em quanto póde, e se o não tem pede-o; tudo faz para apartar da sua porta o official de justiça, que não vai sem redobrar o imposto; mas ha o caso de não haver recurso, e dá os bens á penhora; e não ha cousa peior para elle e para o fisco; exacerbem-lhe o imposto, substituam uma parte da contribuição indirecta pela indirecta, desde já lhe profetizo que os 4:000 contos hão-de dobrar e redobrar, e não hão-de arrecadar nada. E como tudo é necessario explicar, para que os nossos adversarios não tirem consequencias que se não contém em as nossas palavras; deve entender-se, que eu me refiro ao estado actual, rebus sic stantibus; em quanto o povo não fôr mais rico não se lhe póde pedir mais.

Ainda uma palavra sobre a contribuição directa: para ella ter uma grande desvantagem sobre a indirecta, basta considerar o inconveniente de bater á porta do contribuinte em occasião talvez que elle menos possa satisfazel-a; o povo vive assim; minguado nas suas faculdades; vai applicando ás necessidades do dia o que ganha, e o que produz, nem póde fazel-o de outra sorte; mas chega um dia em que a contribuição lhe bate á porta, e este é por ventura o da maior estreiteza, e se o não é faltou-se a outras necessidades para pagar o imposto; e sabem ou calculam quanta producção se mata pelo imposto? O imposto? O imposto directo ataca a producção na sua origem; é de todos o peior; o Sr. Marquez de Ficalho, para auctorisar as suas doutrinas, disse que elle tinha vivido muito com o povo, e eu digo, que tenho vivido muito com o povo. Disse-se, para demonstrar o pouco que se paga, que só de dízimos pagara o povo no último anno 8:000 contos, e que se arrecadavam; e quererá quem assim falla, que volte este paiz ao estado em que estava quando pagava dízimos? As terras eram incultas, nós carecíamos de subsistencias permanentemente (apoiados). E sabem porque elles se arrecadavam? Porque se pagavam em genero, e o dizimeiro acudia á eira com o sacco, e pagavam, mas ficavam sem ter que comer. Hoje paga-se o tributo a dinheiro, o povo pela maior parte não o tem em reserva, come-o se o alcança, e quando o dá ao fisco quasi sempre fica em precisão; o peior de todos os tributos é o directo.

As cousas passam-se assim, e eu exponho-as muito singelamente como as tenho observado. Os dízimos, contribuição directa, foram abolidos porque matavam a producção; e a contribuição directa a dinheiro é ainda peior (apoiados.) Não entenda porém a Camara que eu desejo só a contribuição indirecta, quero-as ambas, mas justamente combinadas de fórma tal que nem se mate a indústria, nem se onere tanto a propriedade, como, sem o querer de certo, se pertende fazer. Mas como a razão, a observação constante, como tudo é debil contra theorias, repito; venha pois o desengano, e quanto mais depressa melhor, porque eu o sei por experiencia, ha homens que não cedem senão aos factos, e nunca ao mais demonstrado raciocinio.

Sr. Presidente, não quero cançar mais a Camara, e por isso vou concluir dizendo, que voto pelo emprestimo pelas razões que já disse, pela necessidade; qualquer Ministerio o pediria, porque do modo que as cousas estão elle é inevitavel. Em quanto, muitos dos que o impugnam reconhecem a necessidade de admittir cereaes estrangeiros, por uma contradicção inexplicavel negam ao Governo os meios de dar ao povo com que os compre.

Tambem eu voto pela auctorisação para a introducção dos cereaes, e não quero ser contradictorio; mas sempre direi de passagem, que não acho bom o modo, direi mesmo a sem-cerimónia com que isto se faz: julgava eu que este negocio era importantissimo; mas vi com pasmo que o Sr. Marquez de Ficalho veio á Camara mendigar dois membros para a commissão de agricultura, que elle mesmo nomeou, nenhum delles se moveu do seu logar, e um instante depois o Sr. Marquez mandava o parecer pari a mesa admittindo o cereaes!

Pergunto ao nobre Par, que base teve para tal parecer? (O Sr. Marquez de Ficalho — Nenhuma.) Eis-aqui como estas cousas se fazem! Tenho concluido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente declara que pela ordem de inscripção se seguia a palavra ao Sr. Ministro das Obras Publicas, mas como não está presente a concedia ao Digno Par o Sr. Visconde de Castro.

O Sr. Visconde de Castro cede da palavra.

O Sr. Ferrão — O Digno Par compromette-se a ser breve.

(Entrou o Sr. Ministro do Reino.)

O orador não diz que melhor distribuição da contribuição directa não concorra para o melhoramento da fazenda pública...

(O Sr. Conde da Taipa pede a palavra para o requerimento de se julgar a materia discutida depois de ter fallado o Sr. Ferrão.)

O orador contínua expondo ser verdade que o contribuinte está sobrecarregado de uma maneira injusta pelas desigualdades que se dão. Foi esta uma das razões porque a commissão disse que não concordava inteiramente com a base do imposto.

Se se adoptar um systhema simples e suave, pelo qual o contribuinte possa satisfazer a sua quota sem receio do official de diligencias, nem ameaças de penhora; se se podér adoptar esse systhema, que é possivel, porque já foi praticado entre nós e em França, seguramente que o contribuinte, que hoje está lezado pela desigualdade em relação a outros, virá a pagar muito menos. E verdade é que, em geral, o contribuinte paga muito, não só pelos vexames que soffre, mas pelas contribuições municipaes com que está sobrecarregado; e no entanto elle orador não vê lamentar o estado da fazenda pública nem pedir a refórma della, quando é necessario que todos que vão embarcados nesta não, para chegar a porto seguro apresentem as suas idéas e alvitres, e se ajude o Governo, embora se lhe faça a cada passo censuras por não tomar a iniciativa nestes objectos.

De passagem dirá, que o nosso systhema tributario, quanto ás contribuições directas pecca, em primeiro logar nas matrizes por diminuição, por occultação de valores collectaveis, que ou se não recenciam, ou são recenseados de maneira differente do que devem ser, ou avaliados mal; e de qualquer destes principios segue-se que os valores collectaveis fogem. É necessario por consequencia o cadastro; mas entenda-se bem, que elle orador não falla do verdadeiro cadastro chamado geométrico, com quanto muito enthusiasmo tenha excitado; mas que hoje é demonstrado pela experiencia insufficiente sem o cadastro descriptivo; porque o outro póde ser muito prompto, muito verdadeiro e tudo quanto quizerem; mas não dispensa o cadastro descriptivo, e para este se fazer são necessarios muitos e muitos annos, e tambem sommas com que não podemos. A França levou mais de meio seculo a fazer o cadastro: começou-o antes de 1800, e só o acabou em 1852. A queda do Imperador achava-se apenas o cadastro concluido sabre 16 por cento de territorio, e já se tinham gasto 36 milhões; hoje, para se não perderem esses trabalhos, estão todos os dias vendo o cadastro descriptivo, de maneira que este e o cadastro essencial, e póde ter-se independentemente do cadastro geométrico. Não basta saber exactamente a quantidade da superficie de um paiz; é necessario conhecer a sua fertilidade, as condições que podem lêr os terrenos de producção; é preciso tambem ter em dia as mutações, as alterações mesmo que no sólo produzem a applicação de outros capitães, porque ha uns que se transformam, que mudam a natureza e valor, e outros que sendo valores collectaveis precisam tambem serem recenseados. A respeito dos predios urbanos que não se levantam e não se destroem com muita frequencia, que faz o cadastro geométrico para com esses predios? Nada; é o cadastro descriptivo o essencial; por isto a commissão muito bem disse, que não concordava inteiramente na base do imposto.

Nas contribuições indirectas tambem ha defeito. É necessario revêr o nosso systhema de pautas. E certo o que disse o Digno Par o Sr. Visconde d'Athoguia: ha artigos que se pagarem menos produzem mais; outros que se pagarem mais ainda que seja uma pequena quota, incalculavel será depois o mal que resultará do contrabando, aggravando-se muito sensivelmente.

Elle orador vota pelo emprestimo com muita magoa, e isto porque elle toma por base uma operação mixta, não daquellas de que falla o projecto, mas uma operação mixta que simula divida fluctuante, e que é na essencia divida consolidada, porque ha effectivamente dois modos de pagar emprestimo, um por divida fluctuante com amortisação certa e definida, e por titulos de divida fundada sem amortisação. Aqui porém apparece a fluctuante com penhor, o que prova o nosso estado de descredito, porque ninguem empresta ao Governo sem penhor. Lamenta que chegassemos a este estado; mas torna-se urgentissimo saír delle. Achou-se difficuldade e dureza bastante em lançar estes 3 porcento; mas que fazer nestas circumstancias? Se porém o deficit fica, e para o anno é necessario mais alguma cousa, donde ha de vir? Como se ha de calcular? Não o sabe elle orador; e por isso o Sr. Barão de Porto de Moz disse muito bem, que os emprestimos não se podem votar como systema, mas sim e unicamente como expediente em quanto se não fazem reformas, em quanto se não adoptam e põem em pratica certos planos, e, n'uma palavra, em quanto se não realisam as economias que são necessarias em muitos ramos do serviço publico. Isto porém acontece na presença de uma despeza necessaria e urgente, tal, como áquella a que é destinado o presente imposto.

Distingue o orador entre as despezas deste projecto: ha despezas indispensaveis já sabidas e conhecidas para se continuar a satisfazer a grande necessidade da viação publica, necessidade mesmo de dar de comer a muitos operarios que estariam em risco de morrer de fome; e ha igualmente as despezas preventivas, despezas chamadas de boa administração, que são aconselhadas pela dolorosa experiencia de enfermidades, que tendo differentes causas, e algumas estranhas ao nosso estado de cousas, com tudo tiveram incremento e prolongação por certas circumstancias a que convem muito attender. É a isto que se chama prevenção, prevenção para com a saude publica. Ha por tanto esta despeza e a da viação. Distingue-as das despezas de salvação publica na presença do mal; porque essas não carecem de auctorisação, pois acima de tudo está a suprema lei da salvação publica, que é a primeira das leis. Os meios, de que hoje se tracta, são preventivos do mal, e não são os que combatem o mal; e por isso estima que o Governo venha pedir auctorisação. e que não continue a despender sem ella. Este é motivo sufficiente para o orador se oppôr a que se adie o projecto para Novembro, porque se prolongaria o estado illegal, inconstitucional em que se tem estado. Por consequencia, uma das vantagens que se tira do projecto, é, em primeiro logar, não se continuar a despender fóra de lei sem auctorisação: em segundo logar, não se podér fazer emissão de titulos de dívida fundada sem dotar competentemente o juro das inscripções, e em terceiro logar, demonstrar que as cousas chegaram a ponto de se não podér adiar mais a refórma e melhoramentos de todos os ramos de serviço publico; porque sem isso não é possivel continuar a viver como nação civilisada. Pela sua parte, propõe-se a pugnar por estas reformas, e lamenta que os Srs. Ministros não tenham tido tempo sufficiente para as fazer.

Parece-lhe que tem dado provas de que são estes os seus desejos, e ha pouco apresentou á Camara um projecto, a que ha de vir constantemente (apoiados), embora elle fim interesses; a refórma da fazenda publica depende em grande parte de que a Camara dê a devida attenção a esse trabalho. (O Sr. Ministro da Fazenda—Apoiado.) Deseja ve-lo no campo da discussão, e não tem instado para já, porque a sessão vai adiantada, mas invoca o patriotismo dos membros da commissão especial para estudar aquelle trabalho. Nelle encontrará o Governo a base, para um perfeito cadastro, e para matrizes verdadeiras; ahi encontrará o augmento do imposto das sizas sem novos tributos; o augmento dos direitos de transmissão de propriedade; ahi verá em fim um passo importantissimo para a organisação da fazenda publica.

Voltando ao projecto diz, que lamenta os defeitos do imposto, mas não vê outro porque o substituir; nem sabe aconselha-lo, porque todo o emprestimo significa imposto: votar-se o emprestimo, e não se votar o imposto, é nisso que apparece uma flagrante contradicção.

Não deseja prolongar mais a discussão deste objecto, dirá unicamente, que se faltar a algumas sessões, é porque tem de se ausentar do reino, e o que o obriga a este passo, é o ter de acompanhar um filho, a fim de lhe dar a educação conveniente, para um dia podér ser util ao seu paiz. Tencionava demorar-se quinze dias, e depois estar de volta; porém, ao mesmo tempo concebeu a idéa de que podia ser util á patria, demorando-se mais; examinando differentes objectos sobre finanças; outros que prendem com a refórma do Código penal, de que se acha encarregado; e mesmo alguns que teem relações com o Supremo Tribunal de Justiça. Pediu licença ao Governo, que lh'a concedeu, mas que não excede a tres mezes. Não vai fazer estudos, vai recolher factos, e circumstancias, que são necessarias, porque é melhor vêr do que lêr nos livros. Expoz ao Governo os seus meios, offereceu os seus serviços, mas do Governo só recebeu agradecimentos pela sua resolução (apoiados).

O Sr. Presidente havendo o requerimento do Digno Par o Sr. Conde da Taipa afim de se consultar a Camara sobre se a materia está sufficientemente discutida, procede nesse theor.

(Consultada a Camara, resolveu afirmativamente.)

(Posta á votação a generalidade do projecto, foi approvado.

O Sr. Presidente abriu a discussão na especialidade.

(Leu-se o artigo 1.º e o seus dois paragraphos.)

O Sr. Aguiar—Não fallarei sobre a materia do artigo em geral, porque supponho que sufficientemente se tem fallado della, mas desejo mandar para a seguinte proposta.

«Proponho que, pela votação do § 2.° do artigo 1.° do projecto, se não entenda prejudicada a discussão e votação sobre o imposto de que tracta o artigo 3.°»

Naquelle paragrafo dá-se applicação ao rendimento do imposto, e a não se fazer a declaração que eu exijo poderá dizer-se que o imposto está approvado, porque não poderia approvar-se essa applicação sem a approvação do imposto.

Consultada a Camara, foi admittida e approvada.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Eu vejo neste artigo que os oitocentos contos são tambem para o aterro da Boa Vista. Sr. Presidente, eu sei que ha no contracto com a companhia do caminho de ferro do Cintra (como hontem disse quando pedi explicações a este respeito ao Sr. Ministro das Obras Publicas, que as não deu, e por isso as repito agora) uma clausula, em que esta se obrigava a fazer este aterro, e eu pergunto ao Governo se este contracto continua a subsistir; e se, subsistindo, o Governo ha de receber as quantias gastas com aquelle aterro; e se, não subsistindo, o Governo fica auctorisado a lançar mão dos terrenos tirados ás marés, e se sabe quanto elles poderão valer, e o que conta fazer delles; por um lado o Governo deve ser embolçado da despeza pela companhia do caminho de ferro de Cintra, se o contracto subsiste, e não subsistindo, o Governo tem aquelles terrenos de muito valor pela sua situação, e que hão de pagar as obras que se pretendem fazer. Além disto vi no Diario do Governo que a Camara municipal de Lisboa pretende quinhentos contos de réis annuaes, sem se dizer por quantos annos, para as obras do municipio; e eu desejava saber se, além dos oitocentos contos que se votam para as obras de Lisboa, se hão de dar estes quinhentos contos á Camara municipal.

Eu, Sr. Presidente, entendo que as obras municipaes devem ser pagas pelo municipio, embora se diga que o paiz todo interessa em que o municipio esteja nas melhores condições; porque e uma regra de justiça, que aquelles que maior utilidade tiram sejam os que devem pagar. Aqui vem muitos estrangeiros que hão de gosar de todas as commodidades que a cidade offerece, e por esta maneira não pagavam quasi nada, porque os rendimentos geraes da nação é que pagam estas obras, quando fosse a cidade que os pagasse o caso era outro, e pagavam na proporção do que gosavam, o que é justo: desejava pois que o Sr. Ministro da Fazenda me desse as explicações que outro dia me prometteu o Sr. Ministro das Obras Publicas, e que não deu.

O Sr. Marquez de Vallada declara ter algum escrupulo em votar o artigo sem pedir algumas explicações ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros. Ninguem lhe poderá levar isto a mal, nem o Governo de certo o levará, pois tão interessado é elle, assim como todos, em que se faça justiça, e que as votações não tenham logar sem todos os esclarecimentos se prestarem aquelle que tem de dar o seu voto, porque é assim que se póde votar seguro em materia de tão grave momento. — Espera pois que o Sr. Marquez de Loulé lhe dê alguns esclarecimentos, e vem a ser os que pede: se porventura existe um plano dessas obras, e uma avaliação provavel, senão exacta, de quanto se poderá gastar com as de que tracta o artigo?

O reparo que elle orador fez ninguem lho poderá qualificar de irracional, impertinente e injusto. Tendo em vista estas considerações, espera da benignidade de S. Ex.ª que, com áquella cortezia que lhe é tão propria, e que tanto é de esperar de quem occupa tão eminente logar, principalmente do Sr. Marquez de Loulé, por quem tem toda a deferencia, posto que, primeiro que tudo, a tenha pela justiça, porque amicus Plato, sed magis arnica veritas, espera, repete, da bondade de S. Ex.ª, que se dignará responder-lhe, pois terá de votar conforme a resposta que S. Ex.ª lhe der.

Aguarda portanto a resposta de S. Ex.ª para tomar uma resolução definitiva.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, eu sinto que o Sr. Ministro das Obras Publicas não possa assistir agora a esta sessão por estar na Camara dos Srs. Deputados occupado n'uma discussão que o obriga a tomar a palavra algumas vezes, e em todo o caso a sua presença é alli necessaria, porque se tracta do projecto do caminho de ferro das Vendas Novas a Evora.

Se bem comprehendi as perguntas do Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada, que pedia explicações ao meu collega, reduzem-se ellas a duas: a primeira se, havendo um contracto de caminho de ferro de Lisboa a Cintra, contracto a que pertence esta obra dos aterros da Boa Vista, o Governo mandando-as fazer agora por sua conta fará com que a obra seja paga pela respectiva companhia?

Eu respondo ao Digno Par, que o Governo ou rescinde o contracto celebrado com a companhia, e essas obras ficam por consequencia sendo propriedade do Estado, ou não rescinde o contracto, e a companhia fica obrigada a pagar a despeza que se fez com as mesmas obras. Se a companhia cumprir o seu contracto, e o Governo não o rescindir, a companhia ha de, sem duvida alguma, indemnisar o Governo das despezas feitas.

Segunda pergunta, se, havendo uma representação da Camara municipal de Lisboa, pedindo um augmento na sua dotação para ser destinada a esta e outras obras, estes oitocentos contos são além da dotação?

Respondo ao Digno Par, que se o Corpo legislativo resolver favoravelmente a proposta da Camara municipal, é evidente que estas obras ficam a cargo da Camara municipal, e por consequencia que estes oitocentos contos, ou o que se gastar com as obras da salubridade da capital, hão de ser deduzidos da dotação que para este fim se der á Camara. Parecia mais logico que estas questões fossem resolvidas previamente, mas a Camara sabe que todas estas obras eram urgentissimas; uma dellas era a limpeza e reconstrucção dos canos, e não se podia esperar que fosse primeiro resolvida essa pretenção da Camara municipal. A outra obra é a dos aterros da Boa Vista, obra que tem merecido as sympathias de toda a capital (apoiados), e que tem dado um documento publico da grande actividade, zêlo pelo serviço publico, o grande espirito de economia com que a dirige o digno empregado que o meu collega o Sr. Ministro das Obras Publicas pôz á frente destes trabalhos (apoiados), fallo do Sr. José Victorino Damazio. Oxalá que todas as obras deste paiz offereçam tão bons resultados, e que sejam feitas com tanta economia como esta (apoiados)!

Em quanto ás perguntas dirigidas pelo Sr. Marquez de Vallada, pertencem ao Sr. Presidente do Conselho, que já pediu a palavra para responder a S. Ex.ª

O Sr. Presidente do Conselho responde que al-

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gum as destas obras devem ser feitas por conta do Governo; e a respeito dellas ha já os orçamento e as plantas, principalmente pelo que diz respeito ao lazareto. Estas plantas e orçamentos foram apresentados na Camara dos Srs. Deputados, e elle orador julgava que, quando tal negocio passou daquella para esta Camara, viria acompanhado dos competentes esclarecimentos.

Pelo que respeita á reconstrucção dos canos, consta-lhe que a Camara municipal procedeu a um trabalho muito minucioso e completo, não só adoptando o modelo mais conveniente para a nova construcção, mas tambem procedendo aos orçamentos necessarios para se avaliar o custo da obra.

Finalmente, pelo que pertence á demolição dos bairros infectos, o Governo principiou a tractar esta questão, pela repartição dos trabalhos geodesicos, que levantou a planta, e é sobre ella que, por uma commissão composta das differentes especialidades technicas, se deve adoptar o plano das obras, e proceder á avaliação das expropriações.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—O Sr. Ministro respondeu, mas eu peço licença para observar que ainda me fica alguma duvida.

Primeiro que tudo, eu estou convencido do que, sendo precisas estas obras, desde o anno passado até agora tem decorrido tempo bastante para se fazer o accôrdo com a Camara municipal, e saber o que era preciso para estas obras; parece-me, pois, que o Ministerio devia ter feito, antes o que tenciona fazer depois.

Quanto ás obras do aterro da Boa Vista; receio que o Governo se vá achar em grandes difficuldades, e por isso desejava saber se a Companhia do caminho de ferro de Cintra já resolveu sobre este ponto; se rescindiu o contracto ou se paga

o aterro? Parece-me que, apesar da grande

pressa que havia de se fazer áquella obra, era isto a primeira cousa de que se devia ter tractado, porque depois da obra feita, podem apparecer difficuldades que se não possam vencer.

Permitta-me pois S. Ex.ª que lhe diga, que julgo ter tido tempo bastante para formar a sua opinião a este respeito, e que se devia ter tractado antes de tudo de se entender com a Camara municipal, e com a Companhia do caminho de ferro de Cintra, e saber se ella estava resolvida, ou a rescindir o contracto ou a indemnisar o Governo das despezas que fizesse, a fim de se tomar uma deliberação segura e conveniente. Agora entendo que se devia proceder desde já á avaliação daquelle terreno, cujo valor não é bagatella, para que rescindido o contracto se saiha quanto se póde diminuir na despeza dos 800 contos de obras municipaes.

É o que tinha a dizer, não me contentando as respostas de S. Ex.ª

O Sr. Marquez de Vallada sem embargo das benevolas explicações que o illustre Presidente do Conselho lhe deu, infelizmente para elle orador os seus escrupulos subsistem em parte. S. Ex.ª alludiu ao plano das obras, mas elle orador não teve conhecimento delle. Se foi apresentado á Camara dos Srs. Deputados, como de certo foi, em consequencia da explicação do Sr. Marquez de Loulé, certamente essa apresentação não teve logar na Camara dos Dignos Pares; e espera a este respeito do Sr. Presidente da Camara explicações que o satisfaçam, expondo o motivo porque não foram presentes a esta. Por consequencia como póde elle orador votar conscienciosamente sem se ter dado ao exame, senão minucioso, ao menos a um exame qualquer de taes planos? O nobre Ministro disse tambem, que a commissão geodésica tinha sido encarregada destes trabalhos; e sendo ella composta de cavalheiros tão dignos e aptos como são, que não precisam dos seus elogios porque todos lh'os fazem, de certo os seus trabalhos hão de ser muito bons (apoiados); mas não havendo a avaliação, como póde elle orador votar uma quantia grande que ha de saír das bolsas dos contribuintes? Não é da sua propria fazenda que tem de regular os usos, mas da dos seus compatriotas, no que deve ter mais interesse do que se tractasse da sua propria fortuna. Neste caso sente muito votar contra o artigo.

O Sr. Conde de Mello satisfaz ao orador dizendo, que á Camara dos Dignos Pares não foram remettidos senão os papeis que se apresentaram á commissão.

O orador pede portanto, em conclusão, ao Sr. Presidente da Camara, que fizesse saber porque não vieram esses planos, pois se houve culpa, vá ella a quem competir, pois não deve a censura recaír sobre a Mesa desta casa, nem sobre os empregados da secretaria, e insta porque se examine isto, para que similhante procedimento não continue, em interesse da Camara e de todos.

O Sr. Marquez de Ficalho (sobre a ordem) manda para a Mesa o parecer da commissão especial sobre a admissão do Sr. Conde de Samodães.

O Sr. Visconde de Algés (sobre a ordem) manda tambem para a Mesa o parecer da commissão de fazenda sobre um projecto que veio da outra Camara, para ser auctorisado o Governo a organisar o Tribunal de Contas, e outras repartições do Estado que dependem do exercicio desta repartição, e auctorisando o Governo para fazer o augmento de despeza necessaria para esta organisação. Julga que a Camara dispensa a sua leitura, porque tem de se imprimir (apoiados).

O Sr. Visconde de Ourem — Tambem mando para a mesa um parecer da commissão de guerra, e outro da commissão de marinha, e aproveitando estar em pé permitta-me V. Ex.ª que eu diga, tambem sobre a ordem, que n'uma das sessões passadas pedi, e esta Camara approvou, uma sessão secreta para interpellar o Governo sobre a questão do Oriente. Desejava saber se o Governo foi avisado deste requerimento ter sido approvado pela Camara, e quando essa sessão secreta poderá ter logar?

Eu sei que a minha voz é pouco auctorisada pela falta de dotes oratorios, e curta intelligencia; sendo, talvez, por estes motivos, que nem sempre merece consideração o que digo, Aludo agora a ter infructuosamente pedido, quando se discutiu nesta casa a resposta ao discurso da Corôa, que o Governo desse algumas explicações sobre o estado da questão com a Hollanda a respeito da ilha das Flores, e a respeito do massacre dos portuguezes e do roubo do Consulado em Ningpó, na China. A uma e outra cousa ainda, o Governo não se dignou responder, e receio muito que a sessão secreta que pedi lenha o mesmo resultado. O negocio não é meu, é da Camara.

O Sr. Conde de Mello declarou que se fez a devida communicação.

O Sr. Presidente do Conselho responde ao Digno Par que recebeu a participação do seu requerimento, e declara da parte do Governo que, quando a Camara determinar, elle está prompto a dar em sessão secreta os esclarecimentos que o Digno Par desejar.

O Sr. Presidente determina que os pareceres se imprimam para se distribuir, e concede a palavra ao Sr. Julio Gomes da Silva Sanches sobre a materia.

O Sr. Silva Sanches — Sr. Presidente, tendo-se pedido ao Governo alguns esclarecimentos sobre as obras que se acham declaradas no artigo 1.° deste projecto, parece-me que não será inconveniente dirigir eu tambem uma pergunta ao nobre Presidente do Conselho, e meu illustre amigo. Nos ultimos tempos em que tive a honra de ser Ministro do Reino nomeei uma commissão composta de dois Officiaes de Marinha, dois Engenheiros, dois Architectos, e o Chefe da Repartição de Saude do Ministerio do Reino para irem examinar aonde, ou qual seria a localidade mais propria do estabelecimento de um bom ou soffrivel Lazareto, se a Trafaria ou Torre velha, aonde se acha o que existe; e a quanto montariam esses melhoramentos: o que quer dizer, que os encarreguei de apresentar os planos das obras e o orçamento dellas. Sei que aquella commissão achou a Torre velha mais propria do que a Trafaria, e estava redigindo o seu parecer quando eu sahi do Ministerio. Desejava saber se este parecer já foi apresentado, como era natural, ao nobre Presidente do Conselho, e se elle o tem em vista para, as obras que se houver de fazer. É possivel que nesse parecer haja alguma cousa que se deva approvar, e quando se tractar do objecto comem attender-se a todos os trabalhos que houver sobre elle (apoiados). Aqui está o que eu queria dizer, e que era mais uma lembrança para se ter em vista, do que outra qualquer cousa.

G Sr. Presidente do Conselho responde que tudo quanto o Digno Par disse é exacto, e que effectivamente os planos e orçamentos feitos por essa commissão são os que o Governo approvou e apresentou na outra casa.

O orador — Isso é que eu não sabia.

O Sr. Presidente propôz á votação o artigo. 1.° com os seus respectivos paragraphos.

Foi approvado.

O artigo 2° foi approvado sem discussão.

O Sr. Aguiar pediu a palavra sobre o artigo 3.°

O Sr. Presidente concedeu a palavra.

O Sr. Aguiar — Sr. Presidente, o segredo está descoberto, eu já receiava que o emprestimo que se acabou de votar tivesse applicação para as despezas correntes, ainda mesmo antes de ouvir o meu collega e amigo, o Sr. Barão de Porto de Moz. Eu receiava, e devia receiar, que o Ministerio daria ao emprestimo esta applicação, e os factos justificavam o meu receio (O Sr. Barão de Porto de Moz — Eu peço a palavra). Eu receiava que um Ministerio, que tendo accusado os seus antecessores de terem dado ás sommas votadas para obras publicas uma applicação ilegal, violando a Constituição e as Leis, as tinha elle mesmo violado, as violasse mais uma vez, embora tivesse de vir pedir depois ao Corpo legislativo um bill de indemnidade; eu receiava que um Minis rio, em que figura um cavalheiro, que, sentado nos bancos da opposição, julgava que um emprestimo era uma tentação, quando havia um deficit e uma divida fluctuante, fosse tentado a dar ao emprestimo applicação para despezas correntes, quando o deficit e a divida fluctuante tem crescido consideravelmente, quando o estado da fazenda publica é deploravel. Pois os antecessores de S. Ex.ª podiam ser tentados a applicar um emprestimo a despezas correntes? Não podiam mesmo deixar de ter esta tentação quando a divida fluctuante montava a dois mil e tantos contos, e não a terão hoje S. Ex.ªs quando ella excede o dobro? Quaes eram as garantias que o Governo dá contra esta tentação? Os seus precedentes? Esses condemnam-o. E podemos nós com a experiencia, que lemos, da facilidade com que o Ministerio, sem respeito ao Acto Addicional e ás Leis, que tantas vezes foram invocadas por dois dos seus membros, impôr ao paiz novos sacrificios a titulo de melhoramentos materiaes. de estradas, de caminhos de ferro, e de differentes obras publicas, quando devemos acreditar que servirão em grande parte para as despezas correntes? Porque não apresenta o Sr. Ministro das Obras Publicas as contas da sua gerencia! Porque não as apresenta S. Ex.ª? Porque não apresenta os relatorios, que é obrigado a apresentar?

O que era um grito de guerra no tempo em que S. Ex.ª era membro da opposição, não póde ser uma banalidade hoje que S. Ex.ª é Ministro.

E quer V. Ex.ª saber como o Governo é escrupuloso na applicação das sommas para obras publicas? Pelo desvio de sommas votadas para este fim obteve elle um bill de indemnidade com a clausula de que as que tinham applicação legal para as obras da estrada marginal do paiz vinhateiro do Douro seriam no anno economico findo entregues ao Ministro das Obras Publicas para terem aquelle destino. Não consta que até hoje esta clausula tenha sido cumprida; antes dos documentos publicados pelo Governo se vê que a uma parte dessas sommas se não deu ainda a applicação ordenada pela Lei. E note-se que essa Lei é a que o relevara da violação de outras Leis.

Sr. Presidente, parece-me que ouvi ao Digno Par, o Sr. Barão de Porto de Moz, que o ter o Governo, quando lhe fosse necessario, de recorrer ás sommas provenientes do emprestimo para pagamento de despezas correntes, era um forte argumento para S. Ex.ª votar por elle. Pois bem. Nenhum dos Srs. Ministros impugnou o argumento, e então deve entender-se que o adoptaram, que confessaram que a sua intenção é dar ao emprestimo áquella applicação. O Sr. Ministro da Fazenda, pelo menos não póde recusar-se a acceitar o argumento. S. Ex.ª ainda não ha muito que me fez responsavel pela opinião de um Ministro, porque eu, dando o meu apoio ao Ministerio, a que elle pertencia, não a combati, e pelo meu silencio a approvei.

Agora permitta-me que lhe diga, que se S. Ex.ª ouviu a um dos Dignos Pares, que o apoiam, que fará bem, se applicar, no caso de necessidade, para despezas correntes uma parte do emprestimo, e não contrariou esta asserção, se guardou silencio, approvou-a. Ora esta necessidade, a não vir de causas extraordinarias, não justifica o desvio do emprestimo da sua applicação. O Governo devia promover a discussão do orçamento; devia francamente apresentar o deficit verdadeiro, e devia propôr os meios necessarios para o supprir. Fez o Governo isto? Mas póde haver casos extraordinarios que exijam despezas extraordinarias; assim aconteceu, sendo esta capital accomettida pela febre amarella! Pôde acontecer; mas nesses casos extraordinarios e imprevistos ha uma causa justificada. A febre amarella accommetteu a capital; não havendo outros meios o Governo devia ser relevado da illegalidade que comettesse, applicando, para acudir ás necessidades creadas por esta calamidade, meios que tinham outra applicação; mas com o pretexto da febre amarella distraíram-se da applicação ás obras publicas quantias, que não foram applicadas a essas necessidades, mas ás despezas correntes. Mas vamos á questão do imposto. Estamos na época dos adiamentos: tudo se adia: adiam-se as economias que os Srs. Ministros n'outro tempo exigiam, como membros que eram do Parlamento; adia-se a discussão do orçamento, a qual os illustres Ministros julgavam, e com razão, que devia preceder á discussão dos impostos; adiam-se as medidas para evitar o contrabando, e para melhorar o estado da receita das alfandegas, o que os Srs. Ministros julgavam, e com razão, que devia preceder á discussão dos impostos; adia-se a refórma do systema tributario, que os nobres Ministros tantas vezes julgaram viciosa, e outras tantas disseram nas Camaras que se devia fazer primeiro que se votassem emprestimos; adiaram-se as contas: a ultima que mandou publicar o Sr. Ministro das Obras Publicas é de 1855-1856, e esta já a Camara vê que não é da gerencia de S. Ex.ª; e S. Ex.ª que sempre foi tão austero na exigencia dessas contas, não achou até hoje occasião para dar as contas do tempo da sua Administração: adiou-as! Adia-se a publicação do estado dos pagamentos em todo o reino, não obstante ter S. Ex.ª exigido, sendo membro da opposição, a publicação dellas; adiam-se as medidas mais importantes e urgentes, aquellas que os proprios Srs. Ministros declararam urgentes; fallo, Sr. Presidente, da saude publica, e adiam as sem motivo nenhum que possa justificar o adiamento! Ainda mais, Sr. Presidente, adia-se a refórma da instrucção publica, tantas vezes promettida pelos Srs. Ministros, e ainda ultimamente pelo Sr. Presidente do Conselho, o qual alliançou que essa refórma não deixaria de ser apresentada antes do encerramento da sessão! Quando, pois, tudo se adia, não era muito que tambem se adiasse o projecto em discussão. Este adiamento é plenamente justificado pelas razões apresentadas pelo Sr. Visconde de Algés; mas S. Ex.ª não o propoz. Eu não o propuz tambem. Votei contra o emprestimo, e em quanto ao imposto proponho um pequeno adiamento.

Sr. Presidente, não ha ninguem que deixe de estar de accôrdo sobre a inconveniencia do imposto adoptado no artigo 3.°: todos reconhecem a sua desigualdade; a mesma commissão de fazenda desta casa, por mais meios a que tem recorrido para justificar a sua adopção, não tem ousado negar essa inconveniencia: o proprio Digno Par Visconde de Castro o confessou, pelo que acabou de dizer. S. Ex.ª contou a historia do que se passou na commissão, e o que alli se passou prova e demonstra o accôrdo em que estão os Dignos Pares, membros da commissão. Eu proponho que este artigo volte á commissão, e ella não póde recusar-se a considerar na sua alta sabedoria este negocio, e direi mais, que é impossivel que não ache outros recursos, principalmente ouvindo o Sr. Ministro da Fazenda, cujos meios são muitos que já por occasião de se tractar de outro emprestimo lembrou differentes arbitrios, os quaes eu poderia recordar agora a S. Ex.ª e que elle não póde deixar de acceitar, porque não ha motivo que possa fazer com que o Sr. Ministro não acceite hoje o que propunha então. Faço, portanto, a seguinte proposta (leu).

Supponho que os Dignos Pares, membros da commissão, poderão dar em poucas horas a sua opinião, e indicar a substituição que se deve fazer, porque todos elles estão para isso habilitados. A commissão ou substitua o imposto por outro, ou o regulará ao menos de maneira que o sacrificio se faça com a possivel igualdade, e equitativamente sobre todas as industrias.

A proposta do Digno Par foi concebida no seguinte theor:

«Ao artigo 3.º Proponho que volte á commissão a fim de que ella, de accôrdo com o Governo, substitua o imposto proposto, ou adopte outra base para este, de sorte que o sacrificio, deixando de pesar em grande parte sobre a propriedade, se distribua equitativamente sobre todas as classes e sobre todas as industrias. = Aguiar.»

Foi admittida.

O Sr. Visconde de Castro como membro da commissão de fazenda declarou-se auctorisado a dizer que a commissão não tem outro alvitre propôr.

Vozes—Votos, votos.

(Pausa.)

O Sr. Aguiar—Eu suppunha que dizendo-se na minha proposta — para a commissão de accôrdo com o Governo — era necessario que depois de feita esta declaração por parte da commissão, o Governo desse tambem alguma manifestação do que entendia a tal respeito.

O Sr. Ministro da Fazenda—Eu estou de accôrdo inteiramente com a declaração que fez o Digno Par o Sr. Visconde de Castro; este negocio foi discutido na commissão, a illustre commissão acceitou este alvitre porque não achou nenhum que tivesse menores inconvenientes, e, o mesmo Digno Par o Sr. Aguiar não propoz nenhuma substituição, propoz sómente que voltasse o projecto á commissão para que esta, de accôrdo com o Governo, lembrasse outro alvitre.

Se eu n'outra occasião lembrei tres alvitres e agora nenhum outro além deste, não sei, mas o que eu sei é que agora não acho outro, e não tenho mais que fazer senão conformar-me plenamente com a declaração feita pela illustre commissão.

Agora não sei se V. Ex.ª me permitte responder a uma observação que fez o Sr. Aguiar relativamente á applicação que ha de ter este emprestimo.

O Sr. Presidente declarou que S. Ex.ª tinha tambem a palavra sobre a materia.

O Sr. Ministro da Fazenda—Em tal caso posso pois tocar esse ponto, que é um ponto grave. Eu não esperava que o Sr. Aguiar deduzisse o que deduziu das phrases pronunciadas peto meu amigo o Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz (O Sr. Barão de Porto de Moz—Apoiado). O que S. Ex.ª disse e eu ouvi foi, que se por ventura circunstancias extraordinarias e imprevistas, como aquellas que infelizmente tiveram logar no fim do anno passado obrigassem o Governo a recorrer a meios, que tivessem outra applicação, a fim de não suspender os pagamentos aos servidores do Estado, nem mandar parar as obras publicas, o Governo faria muito mal se em tal caso não recorresse a esses meios (apoiados). Foi o que me pareceu ouvir, e debaixo desse ponto de vista declaro, que se por ventura as circumstancias deste anno fossem infelizmente iguaes ás do anno passado, eu me reputaria altamente criminoso se não procurasse primeiro que tudo satisfazer ao pagamento dos servidores do Estado, e manter as obras publicas na extensão necessaria para que os respectivos empregados não ficassem em risco de morrerem de fome (apoiados).

Eu acho que o Sr. Aguiar, na occasião em que a febre amarella flagellava esta capital, e em que uma crise financeira roncava bem alto lá fôra, mas que felizmente não chegou aqui, acho, digo, que o Sr. Aguiar em tal occasião não hesitaria em faltar a uma formalidade da Lei, para não deixar de satisfazer á alimentação de todos os empregados do Estado, pagando-se-lhes pontualmente, e, se é possivel, ainda com maior cuidado aquillo que lhes é devido, na certeza de que o Corpo legislativo depois apreciaria as razões que me levassem a satisfazer com todo o escrupulo a necessidades tão urgentes como aquellas que descrevi (apoiados).

Mas, Sr. Presidente, este emprestimo não foi pedido para ser applicado ás despezas correntes; se o Governo precisasse de alguma parte delle para esse fim havia de ter coragem de o pedir ao Parlamento. Eu interpretei, pois, o discursa do Digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz de uma maneira inteiramente diversa daquella que o interpretou o Digno Par o Sr. Aguiar, e creio que o interpretei bem. Aquelle Digno Par disse tambem, e com razão, que nenhum Ministerio que se apresentasse agora deixaria de pedir este emprestimo em escala maior ou menor, mais havia pedir sem duvida meios extraordinarios ao Parlamento; porque sem elles não poderia governar.

Se eu entendesse pois que era absolutamente indispensavel uma medida extraordinaria agora para preenchimento do deficit, eu havia de recorrer ao Parlamento, na certeza de que os cavalheiros que me negassem taes meios haviam de conhecer praticamente depois, que não tinham tido razão; porque seriam obrigados a substituir-nos, e a governar sem esses meios; o que lhes não seria possivel. Mas eu direi, e alguns Dignos Pares talvez o não creiam, que o Ministerio das Obras Publicas é a estas horas não credor, mas devedor ao Thesouro, e vou proval-o.

O emprestimo dos 1.500 contos, que foi aquelle que serviu de base ás accusações que se teem feito ao Governo sem attenção ás circumstancias que occorreram, esse emprestimo está todo entregue ao Sr. Ministro das Obras Publicas: esse emprestimo foi levantado para ser exclusivamente applicado ás obras do caminho de ferro e a outros melhoramentos publicos, 459 contos foram applicados á compra de 5:101 acções que a Companhia não tinha podido passar: outra parte foi applicada á continuação das obras do caminho de ferro de leste desde que o Governo tomou posse delle, e o resto foi applicado a despezas das estradas, e ao desenvolvimento da linha telegraphica, que foi começada pela Administração que acabou em em Junho de 1856. A Camara sabe, que eu nunca quero tirar o merecimento a ninguem, e o Sr. Visconde d'Athoguia já viu uma prova da minha imparcialidade, reconhecendo que eu tinha sido o membro do Parlamento que, na posição em que estava para com a Administração de que S. Ex.ª fez parte, mais justiça fez á medida corajosa tomada por essa mesma Administração relativamente á occupação do Ambriz; mas é que eu, Sr. Presidente, desejo ter sempre motivos para louvar, e não os ter para censurar, pois nunca comprehendi o gosto de censurar, e sobre tudo de dizer cousas desagradaveis a quem quer que seja. Comprehendo que se dêem conselhos na tribuna, e que se discuta com cortezia e com

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desejo de acertar. Assim é que eu costumo proceder. *•

Esse emprestimo dos 1:500 contos foi, pois, applicado na compra das acções a que me referi, nas obras do caminho de ferro de leste, em obras de estradas, e em dar um grande desenvolvimento ás linhas telegraphicas que já nos dão communicação com os paizes estrangeiros, e com a maior parte das capitães de districtos de Portugal, de modo que o telegrapho electrico já está sendo felizmente um grande elemento de governo, e de correspondencia entre os particulares.

Mas depois disto o Sr. Ministro das Obras Publicas foi obrigado já a abrir um credito extraordinario de 50 contos para as obras das estradas que excederam a verba votada. Este credito foi aberto, e toda esta somma foi posta á disposição de S. Ex.ª (O Sr. Ministro das Obras Publicas— apoiado.) Depois disso tem ainda continuado as obras constantemente, e perguntaria com que meios? Com receitas ordinarias do Thesouro, de modo que longe de se tirar das obras publicas sommas para as despezas correntes do serviço, é das receitas ordinarias que se tem adiantado fundos para as obras publicas, e eu espero que esta Camara não me censurará por isso. Depois o que se tem feito na limpeza e reconstrucção de canos não terá tambem de se deduzir destes 800 contos? Parece-me que sim, pois que, como disse, o Governo longe de distrair os meios que se lhe votam para obras, adianta fundos para obras, adianta fundos para ellas, saidos das receitas ordinarias. Outra obra nessas circumstancia tem sido o aterro dos todos da Boa Vista, obra que tem sido feita com uma economia maravilhosa (apoiados), e que progride admiravelmente por ter sido dirigida por um dos homens mais intelligentes, mais desinteressados, e mais benemeritos deste paiz (apoiados), obra que ha de ser de longa recordação; peço mesmo licença para dizer, que este Ministerio, que é alcunhado de inepto, de dorminhoco, deixa ao menos uma obra que attesta o contrario de tudo isso (apoiados). Pois essa mesma obra, na escalla em que se vê, tem até agora sido feita á custa da receita corrente, e notem agora os Dignos Pares que eu vou dizer aquillo que disse na commissão; peço aos membros della licença para fazer esta declaração em pleno Parlamento, que espero que não será anti-parlamentar. A commissão quando recebeu este projecto recebeu-o com a repugnancia que ha sempre em votar auctorisações para emprestimos e impostos, mas um dos argumentos que eu apresentei na commissão foi este: note a illustre commissão, que uma grande parte desse emprestimo está já destinada para as obras designadas no projecto, algumas das quaes já se estão fazendo com approvação geral no paiz, tendo o Governo adiantado das receitas ordinarias alguns fundos necessarios para esse fim.

Note á illustre commissão que se este emprestimo não fôr approvado, param estas obras, porque em o Ministerio da Fazenda não podendo enviar dinheiro para o das Obras Publicas, claro está que estas hão de parar; mas pára tambem o serviço publico se se não fazem entrar no Thesouro as sommas que este adiantou para taes trabalhos. Isto é sem duvida um expediente, e a prova está em que o Governo obriga-se na proxima sessão a vir apresentar a substituição a estes impostos (O Sr. Visconde de Fonte Arcada — E a apresentar novos impostos). Perdoe-me o Digno Par; pois S. Ex.ª julga que se hão de fazer as obras, de que o paiz carece, com a receita corrente? Está muito enganado. Nós precisâmos 600 legoas de estradas, e temos apenas 200, já se vê que para fazer as que faltam são necessarios grandes capitães, que só se podem levantar por emprestimos, cujo juro e amortisação hão de ser satisfeitos com os meios que se crearem. É preciso que nos armemos com a auctorisação para continuar o caminho de ferro de leste, porque é uma medida de alta importancia, e para isto é preciso meios; é necessario levar o caminho de ferro das Vendas Novas a Evora, Beja, e ao Algarve; elevar o caminho de ferro de Lisboa á fronteira de Hespanha, é preciso construir redes de caminhos que satisfaçam as grandes necessidades da viação publica; desenganem-se os Dignos Pares, que hoje as estradas ordinarias não bastam. Além disto é nossa obrigação fazer desapparecer o deficit, porque eu entendo que é mais perigoso ainda que o serviço publico se não faça, do que passar um anno sem que se construam algumas legoas de estrada;; por tanto o Governo carece de preencher o deficit, e depois lêr um excedente para o pagamento do juro dos fundos que se levantarem para obras publicas; eu não quero illudir a Camara, porque se dissesse que este era o ultimo emprestimo que se fazia, faltava á verdade. Por consequencia, torno a dizer, se os escrupulos dos Dignos Pares nascem da desconfiança de que uma parte deste emprestimo seja distraído nas despezas correntes, eu affianço a S. Ex.ª que se não occorrem as circumstancias excepcionaes que occorreram o anno passado, não haverá tal distracção; porque para isso era necessario que a Alfandega de Lisboa deixasse de render, durante tres mezes, o que costuma render, era necessario que o Governo estivesse a braços com as circumstancias que se deram o anno passado; mas se essas ou outras circumstancias analogas se derem, o Governo virá apresentar-se ao Parlamento pedir-lhe os meios que forem precisos, que o Parlamento votará ou não votará co-mo entender.

Sobre o emprestimo para as obras da estrada marginal do Douro, já o meu collega o Sr. Ministro das Obras Publicas deu as explicações devidas, e eu peço á Camara, que não creia que é com uma somma de 40 contos que se compromette a fazenda publica.

Não me recordo que tenha mais algumas explicações a dar, e peço desculpa á Camara de lhe ter occupado tanto tempo.

O Sr. Marquez de Ficalho (sobre a ordem): disse ser a primeira vez na sua vida que fazia a proposta de pedir que se consulte a Camara se a materia está sufficientemente discutida, reservando-se para o fim as explicações, se houver quem as queira dar.

O Sr. Presidente: lembra ao Digno Par que ainda se acham inscriptos os Srs. Barões de Porto de Moz, Marquez de Vallada, e Visconde de Fronte Arcada.

O Sr. Marque: de Ficalho: pede que se submetta o seu requerimento á votação.

Posto o requerimento á votação foi approvado.

Leu-se a proposta do Sr. Aguiar, que foi rejeitada por 22 votos contra 14.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada: pede a votação nominal sobre este artigo.

Foi approvado, e procedendo-se á respectiva chamada

Disseram approvo os Dignos Pares os Srs.: Marquez de Loulé, Condes de Bomfim, de Linhares, da Louzã, de Rio Maior, da Taipa, Viscondes de Benagazil, de Castellões, de Castro, da Luz, de Ovar, de Sá da Bandeira, Barões d'Arruda, de Chancelleiros, de Porto de Moz, da Vargem da Ordem, Antonio de Macedo, Sequeira Pinto, Silva Sanches, Felix Pereira, Ferrão, Margiochi, e Visconde de Laborim.

E disseram rejeito os Srs.: Marquezes de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Vallada, Viscondes de Algés, d'Athoguia, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, Barão de Pernes, D. Carlos Mascarenhas, Aguiar, e Fonseca Magalhães.

Os artigos 4.º, 5.º e 6.° foram approvados sem discussão.

O Sr. Barão de Porto de Moz...

O Sr. Aguiar — Sr. Presidente, o que o Digno Par disse foi que o emprestimo podia ser applicado para as despezas correntes, quando o Governo não podesse pelos meios ordinarios pagar em dia, que esta era mais uma razão que tinha para votar pelo projecto; e foi sobre esta hypothese que eu fallei, dizendo que não admittia que houvesse esta falta para as despezas correntes, porque o Governo devia no orçamento apresentar o verdadeiro deficit, e propôr os meios de o supprir. O argumento que eu tirei foi do silencio do Sr. Ministro da Fazenda; se elle tivesse dito o que disse depois de provocado, se tivesse feito a declaração explicita de que não seria distrahido este emprestimo, ou parte delle, para as despezas correntes, eu não poderia tirar este argumento.

Sr. Presidente, o Digno Par disse que eu apoiei uma administração que fez isto mesmo que agora censura, mas eu creio que da primeira vez que fallei me expliquei sufficientemente. Eu apoiei uma administração que pediu emprestimos para fazer obras publicas, para fazer os melhoramentos do paiz n'uma grande escala, mas essa administração foi combatida fortemente pelos que hoje approvam este emprestimo e os impostos para o dotar, foi combatida pelos amigos do Digno Par, e por S. Ex.ª mesmo, se bem me lembro (O Sr. Barão de Porto de Mos — sim senhor). Essa administração foi combatida pelo Digno Par, pelos Srs. Ministros que hoje occupam aquelles bancos, e eu quando fallei pela primeira vez comecei por dizer que tambem era daquelles que entendiam que era necessario lançar novos tributos para executar os melhoramentos materiaes de que o paiz carece; mas, Sr. Presidente, disse eu então, e repito agora, que não podia conceder tributos a um Governo que entendeu sempre, a não querer sustentar que o fazia por espirito de opposição, que os impostos não se deviam votar sem se proceder primeiro á discussão do orçamento, que não podiam votar-se sem que primeiro se fizessem as economias necessarias e indispensaveis nos differentes ramos do serviço publico, que se podiam fazer em larga escala; aonde está pois aqui a contradicção?

Eu nunca disse que este Governo ou outro qualquer podesse governar o paiz e fazer os melhoramentos indispensaveis sem lançar mão de novos impostos, portanto, aonde está aqui a contradicção? Não voto emprestimos, não voto impostos a um Ministerio em que não tenho confiança, e que julgo que não convem ao paiz; não voto emprestimos nem tributos a um Ministerio, que nos bancos da opposição proclamava principios que hoje deixa de seguir.

Disse eu que negaria os tributos e os emprestimos para estradas, para caminhos de ferro, e para outras obras de utilidade publica a outro Ministerio, em que não concorressem estas circumstancias?

Eu appello para o testemunho da Camara. Ella julgará quem é contradictorio, quem approva hoje os actos que combateu.

O Sr. Visconde d'Athoguia pede que se dê para a ordem do dia seguinte dois projectos que são de muita importancia, visto que cessou o effeito das leis anteriores. São os dois projectos relativos á ilha da Madeira.

O Sr. Presidente: responde não haver duvida em satisfazer o desejo de S. Ex.ª

O Sr. Marque: de Vallada: cede da palavra visto a hora ir adiantada; mas pede ao Sr. Presidente do Conselho que compareça no dia seguinte no principio da sessão, a fim de S. Ex.ª ter a bondade de lhe responder a varias perguntas, que deseja dirigir-lhe; e roga ao Sr. Presidente da Camara que lhe reserve a palavra para logo que se ache presente o Sr. Marquez de Loulé.

O Sr. Presidente: declara que a proxima sessão terá logar no dia seguinte, pela uma hora da tarde, sendo a ordem do dia os pareceres n.ºs 9, 10, 11, 13, 15, 16 e 18. Deu por levantada a sessão; eram cinco horas e um quarto da tarde.

Relação dos Dignos Pares presentes na sessão do dia 10 de Agosto de 1858.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, de Niza, e de Vallada; Condes: do Bomfim, de Linhares, da Louzã, de Mello, de Peniche, de Rio Maior, e da Taipa; Viscondes; d'Algés, d'Athoguia, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Luz, de Ovar, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: d'Arruda, de

Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, Margiochi, e Aguiar.

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