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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1867

PRESIDENCIA DO Ex.mo SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Marquez de Sousa Holstein

Marquez de Vallada (Assistia o sr. ministro da fazenda.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 27 dignos pares, declarou o ex.m0 sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario marquez de Sousa Holstein mencionou o seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio do reino acompanhando o decreto autographo, datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias até o dia 8 do proximo mez de junho inclusivamente.

Mandou-se archivar.

Um officio do ministerio da justiça solicitando, a pedido do presidente da relação de Lisboa, que a camara dos dignos pares conceda licença ao digno par José Maria Eugenio de Almeida, para que possa depor como testemunha, perante o juizo de direito do 1.° districto criminal, no processo crime ali instaurado pela fabricação e passagem de notas falsas do banco de Portugal.

O sr. Presidente: — Segundo os precedentes, estas licenças costumam ser dadas immediatamente. Os dignos pares que consentem que o sr. Eugenio de Almeida sirva de testemunha n'uma causa crime, tenham a bondade de se levantar.

Foi concedida a referida licença.

O sr. Menezes Pita: — O sr. barão de Villa Nova de Foscôa não tem comparecido ás sessões d'esta camara por incommodo de saude, e encarregou-me de mandar para a mesa uma representação do concelho da Maia, districto do Porto, contra o projecto do imposto do consumo e contra a reforma administrativa.

Peço a V. ex.ª queira dar-lhe o destino conveniente, na fórma estabelecida.

O sr. Presidente: — Fica sobre a mesa a representação apresentada pelo digno par.

Vae passar-se á

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO N.° 149, SOBRE O IMPOSTO DE CONSUMO

O sr. Miguel Osorio (sobre a ordem): — Sr. presidente, pedindo a palavra sobre a ordem, vou mandar para a mesa a minha moção em conformidade com as disposições do nosso regimento. Peço licença á camara para dar algumas explicações, mesmo para me eximir de tornar a fallar sobre esta materia. E pelas minhas curtas explicações V. ex.ª e a camara verão que eu não me opponho, nem quero tirar a palavra a quem a tem, porque esse não é o meu costume, e muito principalmente seguindo-se o sr. conde de Samodães.

O meu additamento ao artigo 1.° é o seguinte (leu).

(O orador desce para a primeira bancada.)

Sr. presidente, vejo que era absolutamente impossivel V. ex.ª ouvir-me, estando-se a conversar ao lado do orador; não faço censura a ninguem, porque cada um applica os recursos que tem, mas como não me podia fazer ouvir, por isso vim para este logar.

Continuando direi que o meu additamento contém mais o seguinte (leu).

O sr. ministro da fazenda, quando me fez a honra de responder ás perguntas que eu tinha feito, e por esta occasião agradeço a s. ex.ª a promptidão com que me respondeu, e muito especialmente a benevolencia com que o fez, como é costume, mas que apraz muito lembrar por esta occasião a s. ex.ª que não quiz por fórma alguma deturpar os argumentos que apresentei, nem quiz lançar sobre os argumentos que tinha feito nenhum desfavor, porque eu não os soube expor de maneira que s. ex.ª percebesse bem a minha idéa; quando eu disse que votava contra o projecto, contra a natureza do imposto, e que não tinha confiança no governo, e por essa fórma não podia votar, s. ex.ª disse que eu era faccioso e partidario, e que tinha guardado os argumentos principaes; perdôe-me s. ex.ª, mas não é assim. Desde o momento que eu entender, ou deva entender, que o governo não é capaz de fazer a felicidade do paiz e de governar bem, creio que o maior serviço que posso fazer é negar a este governo o imposto, porque, negando-lhe o imposto, é negar-lhe a continuação de governar, porque não tem meios para isso; s. ex.ª disse n'essa occasião que as advertências que eu fazia contra o imposto lançado para as obras da associação commercial eram judiciosas; creio mesmo que s. ex.ª já o achava conveniente, e estimo n'esta occasião estar de accordo com a. ex.ª; mas o digno par, disse s. ex.ª, não havia de querer aqui que eu apresentasse este imposto, porque quereria uma concessão nos principios que são auctorisados n'esta lei, e o imposto de consumo não é este, é o que se cobra da mesma

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fórma que o imposto que se cobra nas alfandegas, que é o de importação... ¦

O sr. Presidente: — Eu não desejo cortar a palavra ao digno par, mas devo observar que esta fóra da ordem, pois que esta fallando sobre a materia.

O Orador: — Eu vou já terminar as minhas observações; s. ex.ª disse que o objecto que eu apresentei como additamento não tinha logar aqui, que seria bem collocado n'outra occasião,.mas não aqui; digo eu então que s. ex.ª tambem -guarda agora para si os melhores argumentos, porque no artigo 4.º se diz (leu).

Pois, sr. presidente, se aqui tem logar um imposto de importação que se paga pela alfandega do Funchal, entendo que tem muito' mais logar o imposto de importação que é lançado pela alfandega do Porto para as obras de construcção da bolsa; e, por não estar satisfeito com as explicações de s. ex.ª, vou mandar para a mesa o meu additamento.

Eu, sr. presidente, não tenho mais do que agradecer á camara a benevolencia com que me ouviu, e ao illustre ministro as expressões que me dirigiu, as quais são filhas da sua extrema delicadeza e bondade, e da maneira a mais affavel com que costuma sempre tratar até os seus adversarios.

O sr. Presidente: —Vae ler-se o additamento mandado para a mesa pelo digno par o sr. Miguel Osorio. É o seguinte:

ADDITAMENTO

6.° Fica igualmente extincto o imposto que na alfandega do Porto se cobra, com applicação ás obras da associação commercial d'aquella cidade.

Sala das sessões, 11 de maio de 1867. = Miguel Osorio.

Foi admittido á discussão.

O sr. Conde de Samodães: — Sr. presidente, na sessão de sexta feira eu tinha pedido a palavra para fazer algumas rectificações ao modo por que o digno par relator da commissão interpretou as observações que eu tinha feito; intercallou-se porém outra questão, e a sessão que se seguiu foi toda occupada por um objecto estranho a este. É por isso que só hoje vou satisfazer o meu intuito, pedindo ao mesmo tempo algumas explicações á commissão e ao governo, e mandando para a mesa alguns artigos addicionaes.

Tendo porém o nobre ministro respondido ao meu collega e parente, o sr. Miguel Osorio, chamando de novo a discussão para o campo da generalidade do projecto (e parece-me que chamou muito bem, porque na verdade nas disposições 'dos artigos 1.° e 2.° se acham consignados os principios que constituem o pensamento do prejecto, isto é, Os impostos que vamos abolir, e os que vamos crear); eu tencionava tambem fazer algumas considerações sobre esta materia, que é bastante vasta; mas, tendo-se na sessão de hoje apresentado um additamento, começarei por elle, visto ter de começar por alguma parte.

Sr. presidente, o sr. Miguel Osorio mandou para a mesa, como disse, uti additamento, para que fôsse abolido por esta lei o imposto que se cobra na alfandega do Porto pra as obras da bolsa; não sei se esta occasião será a maia opportuna para tratar d'este objecto, mas o que é opportuno é resolver-se se o~> impostos que se cobram por este meio estão ou não sujeitos a esta lei.

E sabe V. ex.ª porque fallo d'este modo? É porque tenho a este respeito observado constantemente que o imposto é cobrado sempre n'aquella casa fiscal sobre todos os objectos que se despacham na mesma casa. Citarei apenas um exemplo, que basta para provar o que digo.

O imposto que se aboliu agora de 1$000 réis em cada pipa de vinho que entra no Porto, qualquer que seja o seu destino, importo creado, se bem me recordo, pela carta de lei de 23 da dezembro de 1865, que bem claramente diz que será só de 1$000 réis; d'este mesmo, apesar d'isso, tem-se cobrado e constantemente o imposto addicional para as referidas obras.

E portanto indispensavel que o sr. ministro nos diga se, com relação ao imposto que se vae crear, tambem temos de pagar o addicional para as obras.

Parece me portanto que vem muito a proposito o additamento do sr. Miguel Osorio; é quando não possamos tratar a questão em todo o seu desenvolvimento, tratemo-la ao menos com relação ao modo por que este imposto ha de ser considerado, buscando-se de alguma maneira obstar á continuação indefinida d'aquellas 'obras, declarando-se se este imposto, que vae crear se, deve ter ou não addicional. Sobre este ponto desejo muito ouvir as explicações do governo ou da commissão, para que fique bem claro o assumpto.

Sr. presidente, em uma das ultimas sessões pareceu-me ouvir da bôca do digno par relator da commissão, referindo-se ás palavras que pronunciei n'esta camara, quando impugnei a generalidade do projecto, que pelo modo por que eu tinha entrado na discussão tinha faltado ás conveniencias parlamentares que esta camara deve guardar para com a outra casa do parlamento...

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Disse, e...

O Orador: — Muito bem.

O sr. Visconde de Chancelleiros:*— Mas se V. ex.ª me dá licença acrescentarei duas palavras.

O Orador: — Póde V. ex.ª explicar-se.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Eu disse que me parecia ter V. ex.ª proferido uma proposição herética, porque não achava prudente, antes muito inconveniente, que aqui estivessemos a apreciar as resoluções ou o direito com que a outra casa do parlamento tornava as suas deliberações, podendo mesmo a alguem parecer que n'esta casa se punha em duvida a legalidade com que a outra camara deliberava.

O Orador: — Sr. presidente, a minha doutrina é considerada herética; pois eu considero-a essencialmente liberal, na conformidade da carta constitucional e dos principios do direito publico. Que disse eu, sr. presidente? Disse que este imposto que se quer agora decretar era na sua essencia mau, o que bastava isto para eu o rejeitar; mas disse mais, sr. presidente; disse que ainda mesmo quando este projecto me parecesse bom era inconveniente decreta-lo agora, quando viamos que o paiz se achava agitado e que tinham vindo a uma e outra casa do parlamento manifestações espontaneas e numerosas contra esse imposto. E acrescentei que, ainda dado o caso que este imposto me parecesse bom ou conveniente, assim mesmo na presença das manifestações tão pronunciadas do paiz eu não o approvaria, embora a outra casa do parlamento o tivesse approvado; e só eu lhe daria o meu voto approvativo quando a outra camara tivesse sido dissolvida, e tendo se procedido a eleição de nova camara, esta então, depois de assim consultado o paiz, tivesse approvado o mesmo imposto.

Esta é que é a tal doutrina herética, doutrina que esta comprehendida em todos os principios de direito publico que regulam este systema constitucional que actualmente nos rege. Esta doutrina, sr. presidente, tem aqui sido por mini sustentada mais de uma vez.

Já a esta camara têem vindo alguns projectos de lei, os quaes têem aqui sido rejeitados primeira, segunda e terceira vez, mas nunca o tem sido com o meu voto, porque eu entendo que desde que a camara dos senhores deputados approva em dois legislaturas seguidas qualquer projecto, esta camara se deve conformar com a opinião da outra. Uma tal doutrina, sr. presidente, ha de ser sempre a norma do meu proceder na qualidade de membro d'esta casa.

Sr. presidente, devo dizer que eu não queria saír dos limites parlamentares quando o digno par appellou para V. ex.ª perguntando quaes eram. Não tenho mais explicações algumas a dar a este respeito.

O digno par relator, entre outros argumentos, comparou as manifestações que agora se têem dado com as que se deram n'outras epochas; e avançou mais, dizendo que estas manifestações eram promovidas pela opposição. Não sei se o são, o "que sei é que posso affirmar ao digno par que da minha parte não tem havido a mais leve cooperação para similhantes manifestações. Houve uma epocha, sr. presidente, em que eu as promovi, mas essa epocha, já lá vae ha onze annos, e promovi-as contra as medidas que foram apresentadas pelo nobre ministro da fazenda que então o era tambem. Desde que promovi essas manifestações e depois vi o resultado que tiveram, que foi conseguir caír o governo, mas as medidas ficarem, fiz um voto solemne de nunca mais tomar parte em manifestações. O governo é certo que caiu pedinte as representações ou na presença d'essa bandeira que se levantou chamada dos cincoenta mil peticionarios; mas as medidas, repito, ficaram. Depois de uma lição d'estas, entendi que ninguem, e eu muito menos, devia tomar parte em manifestações d'esta ordem: ¦

Se tambem tomei parte na ultima manifestação das irmãs da cai idade foi movido por principios diversos d'aquelles que então geralmente se apregoavam, e no entanto posso asseverar que me fui eu que promovi essas manifestações.

O nobre ministro da fazenda, no seu discurso de sexta feira, teve a bondade de se dirigir a mim, e disse que eu tinha um "genio grave e triste, que via as cousas sempre a medo, e que por isso considerava o paiz em circumstancias desfavoraveis para ' poder sobre elle recaír este imposto.

S. ex.ª disse que os dignos pares que tinham votado contra o imposto tinham assumido uma gravissima responsabilidade, privando assim o governo dos meios que precisava para fazer face ás despezas publicas, para restabelecer o credito e destruir o deficit.

Sr. presidente, não digo que as opposições não tenham responsabilidades, mas responsabilidade maior é daquelles que approvam as medidas que vem a vigorar. Mas, se porventura o nobre ministro me quer impor a responsabilidade, eu tomo-a toda, em presença do paiz, pela votação que dei contra o imposto de consumo. Estou convencido que os meus collegas da opposição tomam parte n'esta mesma responsabilidade (apoiado*), mas se não a quizerem tomar tomo a eu toda sobre mim.

Parece me que o paiz me fará a justiça de acreditar que eu zêlo os seus interesses, sem comtudo querer dizer que o resto da camara os não zela.

Sr. presidente, para que nós tomassemos uma responsabilidade maior era preciso que se nos demonstrasse que era unicamente por este modo que se podia fazer face ás despezas publicas, e harmonisar as finanças do paiz. Quando se demonstrasse que este era o unico expediente que havia a tomar, então recusando o nosso voto é que recaía sobre nós uma gravissima responsabilidade. Mas isto é o que ainda se não fez.

Não se demonstrou que este era o unico modo de organisar as finanças do paiz, e eu estou em diametral opposição ao systema seguido até agora pelo governo ácerca da organisação da fazenda publica e da reorganisação das despezas do estado.

Sr. presidente, em más circumstancias estamos nós se for necessario lançar máo do recurso de que se vale o nobre ministro para organisar as finanças publicas; se não tiver mos outro expediente senão o imposto de consumo! Pois não ha outros muitos modos, pelos quaes se possa procurar, fazer o equilibrio entre os dois elementos — receita e despeza? Parece-me que ha muitos. E d'esses meios é que é necessario lançar mão quanto antes, porque o nobre ministro da fazenda, como vê sempre claro, porque tem os taes óculos, que não são de vidros fumados, como os que eu tenho, por isso vê as cousas por um prisma muito mais agradavel, e o resultado d'isto é que s. ex.ª Considera" que o paiz esta relativamente rico'. Eu não sei a que vem este adverbio relativamente, porque é necessario que haja um antecedente, para que o adverbio se possa referir a elle. A não ser assim, não me parece que se possa dizer que o paiz esta relativamente rico.

Sr. presidente, é preciso ver que este imposto vae recaír,: não só sobre aquelles que se consideram ricos, mas tambem sobre aquelles que são pobres. Este imposto é verdadeiramente um imposto de capitação, porque sendo imposto de consumo vem necessariamente a ser distribuido por cabeça, e por consequencia tanto paga o que é pobre como o que é rico. Contra este systema é que eu me hei de insurgir sempre, porque pela carta constitucional todos os cidadãos portuguezes são obrigados a concorrer para as despezas publicas, na proporção dos seus haveres.

Mas o sustento, a alimentação é de todos, e este imposto vem a recaír sobre o sustento e alimentação, não tem a coincidencia de estar em proporção com os meios dos contribuintes, e portanto é um imposto manifestamente desigual e injusto.

Disse eu, sr. presidente, e fui muito censurado por ter dado muitos epithetos maus a este imposto, pois eu persisto na minha opinião e sustento os mesmos epithetos sem a mais leve alteração. Disse eu que o imposto era iniquo, e iniquo porque, vae entrar n'uma despeza necessaria para todos, que é a alimentação; disse que o imposto não era igual, porque na verdade vae recaír com desigualdade sobre todos os contribuintes sem relação ás suas posses; disse que o imposto era anti-economico, porque vae affectar a riqueza grande e as riquezas pequenas, e vae impossibilitar os cidadãos de poderem promover os seus meios de maior commodidade.

Disse que era contra todos os principios de hygiene, por" que primeiramente dá logar ás fraudes, á adulteração; nós, estamos vendo todos os dias aqui em Lisboa um imposto pesadissimo sobre o vinho; e qual é a consequencia d'isto? É que o vinho é adulterado por todos os modos e maneiras nos estabelecimentos da capital. Ora isto não é censurar os adulteradores do vinho d'esta cidade, porque eu tambem tenho concorrido para isso, e tenho concorrido mandando para Lisboa generos que servem para adulterar o vinho, e tenho exportado muita baga de sabugueiro das minhas propriedades para aquelle fim. O resultado é mau, e o mesmo acontecia no Porto quando havia grande consumo de, vinho; hoje não acontece já isso, desde que appareceu a lei de 1865. Mas alem d'isso é contra a hygiene, porque a boa alimentação do povo deve ser melhorada por todos -os modos, e este imposto tende a adiar a epocha em que o povo ha de começar a ser mais bem alimentado. É verdade que já tenho visto em alguns jornaes da politica do governo a receita para se porem a coberto do imposto; essa receita I parece me que tem certo resaibo de alchimia, por querer mostrar que a mesma fórma chimica produzia na economia animal o mesmo effeito.

Mas, sr. presidente, estas doutrinas de chimica e de historia natural estão completamente banidas hoje d* sciencia, e ainda que as formas atónicas dos alimentos sejam as mesmas, comtudo o seu modo de actuar na economia animal é ou não o mesmo, pois está conhecido que a alimentação do homem não póde vir senão de objectos que já tenham tido vida, porque d'ahi é que provém os succos necessarios á nutrição assim para o systema nervoso como para o systema muscular, etc. Por consequencia estes importes lançados com exageração não fazem senão concorrer cada vez mais para a má alimentação da generalidade á ss individuos, visto que se hão de ver obrigados a estar de todo privados do principal alimento, de que lhes resultará um enfraquecimento tal, que não possam depois servir para si nem para a sociedade.

Portanto, sr. presidente, todos os epithetos que eu dei a este imposto foram bem applicados, e não retirarei nem um só, pois são outras tantas rasões a mais para me justificarem de ser, como effectivamente sou, absolutamente contrario a este projecto, que considero cada vez mais muito prejudicial ao paiz.

Alem d'isto é preciso que eu, ainda com aquelle genio triste e melancolico que o nobre ministro disse que eu tinha, e explicou ser resultado talvez de pensar muito ácerca d'estes assumptos, e tomar assim muitas apprehensões ácerca do mau estado das cousas do meu paiz; é preciso, digo, que eu observe ao nobre ministro da fazenda que, não só não considero que o paiz esteja actualmente em circumstancias muito prosperas, mas entendo que muito difficilmente as virá a possuir!

Sr. presidente, não ha duvida de que se têem feito os caminhos de ferro, de que algumas vantagens economicas têem d'elle resultado e hão de resultar; seria impossivel que assim não acontecesse, porém ninguem dirá, ou pelo menos ninguem provará, que estes caminhos de ferro que temos fossem dirigidos e traçados no melhor sentido, a fim de promover a maior prosperidade de que o paiz era susceptivel com tal melhoramento de communicações. Construe-se um caminho de ferro internacional, e quando se diz que elle deve ser uma linha de communicação entre o porto de Lisboa os portos do Mediterraneo, para termos aqui, para assim dizer, o emporio do commercio com a America e com todas as nações que estão ainda alem, os resultados ninguem os vê, porque não se attingiu o fim. Nem podia deixar du ser assim; quando se vae dar a um caminho de ferro, que devia ter este grande alcance economico,;um desenvolvimento tão extraordinario e pouco natural que elle não póde competir com outros caminhos de ferroso resultado era necessariamente que havia de ser abandonado. (O Sr. Vaz Preto: —Apoiado.)

Assim o resultado é que elle ahi está Com uma pequena circulação; -promovendo pouco os< interesses da companhia, e ainda menos os do paiz.

O mesmo digo com relação ao caminho de ferro dó nor-

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te, o qual, longe de ser construido de maneira que fizesse justamente a divisão, para assim dizer, do paiz em duas partes, vieram colloca-lo n'uma extremidade. Assim acontece ao caminho de ferro de leste que, em logar de atravessar o paiz pela parte mais interessante d'elle, pelo centro da Beira (O sr. Vaz Preto: — Apoiado.), foram apresenta-lo á margem do sul para dar os resultados negativos que hoje todos deploram, e deploram bem. Não digo que elles não tenham dado algumas vantagens, ainda mesmo maus como estão, e mal traçados como foram, mas o que é mais certo é que não dão metade do que dariam se á sua feitura e ao seu traçado tivesse presidido aquelle espirito de nacionalidade que devia presidir, e dirigir inseparavelmente em todos os passos que se dessem (apoiados).

Sr. presidente, eu disse, e repito novamente, que o paiz não esta em circumstancias prosperas, e citei o estado em que se achava a agricultura, a industria e o commercio. Quanto á agricultura direi poucas palavras, porque já disse no outro discurso o sufficiente para poder fazer comprehender o meu pensamento; a agricultura acha-se em más circumstancias por isso que não produz aquillo que é indispensavel para a sustentação d'este paiz; estamos constantemente a importar generos que deviamos produzir, e todos sabem que o não produzir é prova de um estado decadente, da carestia dos generos, e que por isso um paiz que esta n'estas circumstancias não póde competir com as agriculturas dos outros paizes.

Isto provém de differentes causas.

Provém de não haver uma instrucção agricola sufficientemente diffundida no paiz; provém da esterilidade do sólo em algumas partes do paiz, porque é necessario que nos desenganemos que tudo quanto se diz ácerca da grande fertilidade d'este paiz é cousa que não tem realidade. Nós temos uma immensidade de terreno que não dá nada, nem nunca poderá dar; e portanto não se deve esperar da prosperidade agricola do paiz, nem calcular com ella para estar a augmentar as despezas.

Quanto á industria apresento para exemplo a exposição que se verificou no palacio de crystal. Assisti a essa exposição e fui membro do jury; e por essa occasião ficou para mim cabalmente provado que o estado da nossa industria era tal, que não podia competir de modo algum com as industrias dos outros paizes. O mesmo digo com relação ao commercio.

Pois viu-se uma epocha de maior decadencia para o commercio do que a actual? E muito principalmente para a cidade do Porto, onde os abalos têem sido grandes, as fallencias continuadas, e o commercio dos vinhos muito limitado 1

Em geral não se póde dizer que o paiz não tem melhorado, porque incontestavelmente o tem feito, mas para isso bastavam as leis de 1832 e 1833 da dictadura do Imperador. Não tem melhorado porém na proporção em que têem crescido as despezas publicas, e em que têem augmentado todos os outros encargos.

O illustre ministro da fazenda esta sempre em Lisboa, no meio da sumptuosidade e luxo d'esta côrte, tem ido uma vez ou outra ao Porto visitar os seus amigos (e eu prézo-me de me contar n'esse numero), e por isso não esta nas circumstancias de poder avaliar a miseria que vae por esse paiz; mas eu que vivo sempre na provincia, e que penetro até á casa do mais desgraçado, para ali muitas vezes levar algum conforto ou de palavra ou de esmola, é que tenho visto qual é a miseria e o estado lamentavel em que tudo se acha.

Tenho visto todos os annos irem á praça bens moveis e immoveis unicamente para pagarem as contribuições fiscaes. Ora quando se vê isto, póde-se porventura dizer que haja riqueza? Creio que não. Pois alguem priva-se dos seus bens unicamente pelo desejo de embaraçar e dar trabalho ao fisco? Não. Priva se d'elles porque não tem outro recurso Portanto não se póde argumentar de modo algum com o estado de prosperidade do paiz, para se dizer que elle póde soffrer este imposto e outros maiores.

Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda disse que a opposição tomava uma grande responsabilidade: toma-a completamente. Não julgue s. ex.ª que nós a recuamos. Mas que queria o illustre ministro que nós dissessemos? Queria porventura que dissessemos que repetisse o decreto de 3 de dezembro de 1851, ou fizesse uma nova edição correcta e augmentada do decreto de 18 de dezembro de 1852? Não havia de ser eu que pediria que se tomasse essa medida, porque eu não posso dizer ao paiz que deixe de ser honrado, e que não satisfaça aos compromissos que, representado pelos governos, tem contrahido, embora contra sua vontade.

Não julgue s. ex.ª que eu venho aqui dizer ao paiz que não ha de pagar o que deve pagar. Não sei se o paiz póde pagar muito, mas ha de pagar, e ha de pagar porque essas dividas são sagradas, e é necessario que nós mostremos, que não burlámos aquelles que nos veem entregar o seu dinheiro para podermos fazer os melhoramentos de que este paiz carece, e de que alguns se têem feito; comtudo para pozermos satisfazer pontualmente os nossos compromissos é necessario organisar a fazenda, não só augmentando o imposto, mas fazendo economias profundas.

O nobre ministro disse que tinha apresentado algumas economias. Louvores a s. ex.ª por isso; porém, essas economias são tão mesquinhas, em comparação d'aquellas que são precisas, que me parece que estão muito longe do caminho que ha a seguir n'este ponto. Que economias nos veiu apresentar s. ex.ª? Apresentou uma economia de 800$000 réis de um logar que supprimiu, e mais uns 27:000$000 réis pela suppressão de alguns empregados subalternos do ministerio da fazenda, e apresentou tambem umas propostas, que são aliás muito aceitáveis, no meu modo de entender, como é a capitalisação do resto do emprestimo de réis 4.000:000$000, e o modo de regular as pensões.

Estas medidas não se podem chamar verdadeiramente economias, porque quem capitalisa fica sempre a dever..

Não é, pois isto mais do que um expediente, mas um expediente aceitavel, e até merece louvores pela maneira por que se acha concebido. Outra proposta relativa a pensões, em que o banco de Portugal toma a seu cargo paga-las, parece-me tambem muito aceitavel, porque é baseada n'um principio pelo qual era forçoso que não se concedessem mais pensões. Não sei se isto se tem cumprido. E preciso, sr. presidente, que nos entendamos. O nobre ministro da fazenda não explicou claramente qual é o seu systema. O systema de s. ex.ª é amphibologico. Por outra parte o illustre ministro não quer que se criem mais inscripções: é o que diz a lei de 16 de maio do anno passado. Mas 8. ex.ª por outro lado creou logo muitas inscripções para servirem de penhor ao emprestimo que tinha contrahido. O nobre ministro não deseja emprestimos, não os quer, mas não obstante isso vae contrahindo os.

S. ex.ª tem por principio geral a reducção dos direitos das pautas, e portanto quer entrar no caminho da liberdade de commercio e do livre cambio, e por outra parte nós vemos agora apresentar um imposto de consumo com direitos d'esta exageração, com direitos de 100 por cento como succede com relação aos vinhos. Parece-me uma contradicção. Pois só os generos que são importados é que estão no caso de entrar nos principios da liberdade do commercio; e os vinhos que são do paiz, e que hão de ser consumidos n'elle, não estão n'esse caso? Não entendo. Disse s. ex.ª que não se hão de dar mais pensões. E um ponto fundamental da sua proposta. Não sei se se tem cumprido isso, como disse, mas parece-me que não, até porque veiu logo, acompanhando a mesma proposta um sem numero de pensões, e já depois algumas se votaram.

Portanto, sr. presidente, os principios economicos e financeiros do nobre ministro não estão definidos; mas é necessario que se definam, porque a crise actual tem muita importancia. E preciso que o paiz saiba qual é o caminho que tem a seguir.

Mas, sr. presidente, este imposto esta em manifesta contradicção com as idéas do sr. ministro, e eu vou dizer a rasão porque o esta.

Sr. presidente, pela lei de 7 de dezembro de 1865 foi abolido o privilegio que havia para os vinhos do Douro, por ser este paiz o unico que no continente de Portugal exporta os seus vinhos, e decretou-se em seguida a lei de 7 de dezembro do mesmo anno, que estabeleceu o imposto de 1$000 réis por cada pipa de vinho, e isto para obstar a que continuassem os vexames que então se davam por causa dos vinhos que eram para exportar, e dos que eram para consumo; vejo porém agora reapparecer o mesmo systema que existia antes da promulgação d'esta ultima lei, e ainda um pouco mais apurado. Ve-se pois que o sr. ministro reconheceu a inconveniencia do systema antigo, e por consequencia promulgou a lei que estabelecia o imposto de 1$000 réis por pipa de vinho, e agora vem abolir esse imposto para o substituir naturalmente pelo antigo systema.

Desejava pois, sr. presidente, que o sr. ministro me dissesse em que ficâmos com redação á cidade do Porto. Estabelecem se direitos de barreira ou de venda? E preciso explicar-se isto cathegoricamente.

Sr. presidente, no Porto não ha direitos de barreira, nunca houve ali alfandega municipal, e é preciso que o governo diga o que pretende fazer a este respeito, porque me parece muito inconveniente o estabelecerem-se ali esses direitos.

Sr. presidente, os vinhos que entram no Porto podem ter quatro destinos: 1.°, o da exportação, e para isso quer o nobre ministro annullar o imposto; 2.°, o do consumo dentro da cidade; 3.°, o do consumo fóra da cidade, mas em freguezias que fazem parte d'ella; 4.°, o consumo em Villa Nova de Gaia. Ora, pela lei de 7 de dezembro de 1865 foi attendida esta differença, mas agora não se attende a circumstancia alguma. Talvez haja alguem que estranhe que eu faça estas perguntas, por suppor que acontece ali o mes me que se dá em Lisboa com os concelhos de Belem e Olivaes; mas não é assim. No Porto ha freguezias que estão fóra das barreiras, mas que pertencem á cidade, como por exemplo — Campanhã, Lordello, Paranhos, etc. Ora, sr. presidente, eu vejo crear impostos para as duas cidades de Lisboa e Porto e para o resto do paiz; e pergunto se o imposto com relação á cidade do Porto é só para dentro das barreiras, ou se tambem se estende para fóra d'ellas. Se se refere tambem ás freguezias que se acham para fóra das barreiras, então de duas uma: ou repetem-se os vexames que n'outro tempo se davam, ou será necessario alargaras barreiras de modo tal, que as freguezias ruraes fiquem do lado de dentro dos muros da cidade. Se quizerem tomar esta ultima medida, tarde o poderão fazer; e se se adoptar a primeira, ficarão as cousas no antigo estado.

Sr. presidente, eu desejava que o sr. ministro respondesse a estas perguntas, para que o paiz fique sabendo claramente como pódem ser tomadas as disposições d'este projecto.

Sr. presidente, o imposto estabelecido pelo projecto do governo é tão elevado, que ha de dar o seguinte resultado: ou o consumo ha de diminuir consideravelmente, e em tal caso ha de soffrer muito o commerciante, ou ha de continuar a conservar-se no mesmo pé, mas corrigido pelo contrabando.

Sr. presidente, perguntaria a s. ex.ª se me sabe dizer quantas pipas de vinho se consomem actualmente na cidade do Porto? Talvez não saiba responder, nem admira, pois não tem dados alguns para o poder dizer. O que vejo é que o imposto rendeu o anno passado, sendo só de 1$000 réis, 124:000$000 réis. Supponhamos que se exportaram 40:000 pipas de vinho. Os 124:000$000 réis correspondem a 110:000 pipas; tendo-se exportado 40:000, restam 70:000, que se não póde dizer que se consumiram no Porto. Ali antes da lei que estabeleceu o imposto de 1$000 réis, não se consumiam mais de 12:000 a 14:000 pipas de vinho. Isto prova que assim que o imposto foi reduzido, o consumo augmentou consideravelmente. Hoje o imposto é augmentado mais do dobro até, em alguns vinhos, e o resultado ha de ser uma grande diminuição no consumo, que ha de baixar talvez a muito menos do que era antes da reducção do imposto a 1$000 réis. E qual seria a rasão por que anteriormente o consumo era pequeno? A rasão era por que havia adulteração e contrabando. O contrabando vem sempre corrigir os erros dos governos e os defeitos das suas pautas. O contrabando é a contravenção da lei; mas é o principio providencial da economia, para obstar aos governos quando elles querem abusar da sua posição. É o que ha de succeder agora. S. ex.ª quer uma cousa, e ha de sair-lhe totalmente outra, porque o contrabando e a adulteração hão de destruir todos os seus calculos; e póde pôr a fiscalisação que quizer, que não ha de obstar de fórma alguma a isso. Isto é quanto ao Porto, e no resto do paiz ha de succeder o mesmo.

Sr. presidente, este projecto parece que é feito de proposito e caso pensado unicamente para ir caír sobre os desgraçados e para pôr a coberto os que o não são. Não é preciso ter grandes meios para ir comprar ao productor os objectos que são necessarios; mas ainda assim é preciso ter alguns recursos que os pobres não têem, e porque os não têem é que compram tudo pelas mais pequenas parcellas, portanto hão de ser os mais vexados por este projecto; portanto lança-se um imposto sobre o paiz, não para recaír sobre essa riqueza que o illustre ministro diz que existe, mas unica e exclusivamente para aggravar as attribuições da pobreza.

Sr. presidente, um projecto que se apresenta com estes auspicios, com estes principios, com esta desigualdade, para mim não tem justificação alguma. E não nos venha s. ex.ª dizer que nós lhe recusámos os meios para governar. Eu pelo menos não lh'os recuso, e tanto que previamente mandei para a mesa uma proposta que até certo ponto satisfazia nas circumstancias actuaes, emquanto se não podesse reformar o imposto em bases mais equitativas, porque o nobre ministro da fazenda, querendo tributar o paiz, fez os seus estudos, e a final o que resultou? Resultou que foi lançar addicionaes uns sobre os outros, sem lhe importar se acaso a base d'onde elles partiam era justa ou não. Por toda a parte se diz, o que é uma prova de que as matrizes se acham imperfeitíssimas, que ha contribuintes que pagam 10 e 15 por cento, e que ha outros que pagam um e nada. E é por esta base que se vão lançar os addicionaes! Se s. ex.ª quizer organisar este serviço, se indagar convenientemente, ha de achar que uma grande parte de bens estão sonegados á matriz.

Estes foram os resultados da tal reforma de 1852, que veiu substituir o systema de imposto, sem haver meios alguns pelos quaes se podesse fazer convenientemente esta substituição.

Eu disse, sr. presidente; que muitos e muitos bens se acham sonegados ás matrizes, e desgraçadamente sei as causas d'este facto. Essas causas são as nossas questões politicas, em que os governos precisam de recorrer aos influentes em eleições, e o resultado tem sido favorecer uns para sobrecarregar outros.

Sr. presidente, o que eu desejava era que houvesse um ministerio que se desprendesse de amigos politicos, isto é, que não estivesse debaixo da sua influencia, nem lhe importasse com as suas injustas exigencias; o que eu desejava era que houvesse um ministerio que só tratasse do bem do paiz, e de salvar a nação d'este estado em que ella infelizmente se acha, caminhando a um abysmo, e provendo assim aos seus melhoramentos; o que desejava era que houvesse um ministerio que procedesse com força, energia e justiça, não lhe importando perder aquellas cadeiras (o orador aponta para as cadeiras dos srs. ministros), porque quando houver um ministerio com estes qualidades, esse ministerio ha de viver muitos annos. E necessario desenganarmo-nos que emquanto não houver, um governo com esta força e coragem, não se faz nada, porque a atmosphera em que os nossos governos vivem é mephitica e pestilenta; e o que digo a respeito dos governos que têem havido, digo a respeito d'este, porque apesar dos seus amigos e da sua boa vontade, nada póde fazer, porque é preciso ter uma coragem grande para chegar a fazer os melhoramentos que precisâmos, e pôr a justiça acima de todas as conveniencias.

Eu, sr. presidente, poderia adduzir outras considerações sobre o assumpto, mas não o farei, porque tenciono mandar para a mesa alguns additamentos que até certo ponto attenuem os inconvenientes que por este artigo 1.° se dão com relação á cidade do Porto.

Parece impossivel, sr. presidente, que se queira estabelecer o systema de barreira n'aquella cidade, porque este systema é muito difficil de estabelecer em uma grande area, e eu não vejo motivo algum plausivel para que elle se estabeleça, nem por este projecto nem pelo relatorio do nobre ministro, que é o ponto de partida do mesmo projecto. Aproveito pois a occasião para mandar para a mesa uns additamentos.

O primeiro é para que a cobrança dos impostos de consumo nos concelhos do Porto e Villa Nova de Gaia se faça pelo modo que os regulamentos disponham para todo o reino.

O segundo que para as despezas locaes a cargo das respectivas municipalidades seja cobrado, como addicional, ou

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tro tanto como receber á fazenda publica, emquanto as camaras municipaes não organisarem os seus novos orçamentos.

O terceiro é para que a cobrança dos impostos estabelecidos para o concelho de Lisboa continuem a fazer se pelo modo actualmente em vigor.

E o quarto para que as camaras municipaes do reino não possam tributar os generos passíveis do imposto de consumo com mais de 40 por cento.

Eis-aqui os additamentos (leu).

E necessario que a doutrina consignada n'esse additamento seja inserida n'este projecto, porque se não for logo que este projecto seja convertido em lei e as camaras municipaes não tiverem organisados e approvados os seus orçamentos, ficam em grandes embaraços e lutando com muitas difficuldades, porque não podem fazer a cobrança dos seus rendimentos, para assim fazerem face ás despezas dos municipios.

É preciso que saibamos se acaso estes impostos, que não são propriamente de consumo, ficam subsistindo, ouse são abolidos por esta lei. O projecto esta escuro, é necessario tornar claro este ponto.

Em vista pois das considerações que tenho feito, mando para a mesa as seguintes emendas (leu)

(O orador não reviu este discurso.)

Lêram-se na mesa as seguintes

PROPOSTAS

6.° A cobrança dos impostos de consumo nos concelhos do Porto e de Villa Nova de Gaia far-se ha pelo modo que os regulamentos dispõem para todo o reino, segundo a tabella n.° 1 que faz parte do artigo 2.°

Para as despezas locaes a cargo das respectivas municipalidades cobrar-se-ha como addicional outro tanto como receber a fazenda publica, emquanto as camaras municipaes não organisarem os seus novos orçamentos.

Artigo addicional. A cobrança dos impostos estabelecida na tabella n.° 2, no concelho de Lisboa, continuará a fazer-se pelo modo actualmente em vigor.

Artigo transitorio. As camaras municipaes do reino não poderão tributar os generos passíveis do imposto de consume com mais de 40 por cento das taxas da tabella n.° 1.

Conde de Samodães

Foram admittidas á discussão.

O sr. Visconde de Gouveia: — Sem pretender fazer um discurso, deseja explicar o seu voto, e combater algumas asserções dos oradores que o precederam.

Não sympathisa com o imposto de consumo, mas aceita-o como necessidade, e entende que qualquer governo que se seguir ha de lançar mão d'elle emquanto durarem as actuaes circumstancias.'

Approva as medidas de fazenda que o nobre ministro -propõe para attenuar o deficit, por serem as de mais prompto resultado pratico; e espera que o deficit será extincto com a perseverança dos governos em seguir o caminho das reducções da despeza publica, encetado pela actual administração, n'uma cifra de cerca 800:000$000 réis, e que de futuro póde ir muito alem.

Lamenta que se tenham levantado clamores contra a reducção dos districtos e concelhos, de cuja medida provém tantas economias para o thesouro emquanto aos primeiros, e para os povos emquanto aos segundos; e reconhece a difficuldade de se fazerem de um jacto todas as reducções, quando as que agora se fazem são causa de tantas queixas, e indisposições.

Lembra muitos córtes e alterações de despeza, como são a reducção dos quadros em alguns conselhos e tribunaes superiores, a extincção das muitas dioceses, e das relações commercial e dos Açôres, já propostas, mas não discutidas, de muitas divisões militares, de algumas escolas superiores, notando que ha tres escolas de medicina e tres escolas dei mathematica n'um paiz tão pequeno, e que algumas das escolas constituidas na mesma cidade têem direcções diversas, e independentes, quando algumas deviam estar subordinadas á mesma.

Nota que a theologia, sendo ensinada nos seminarios, e, podendo dar se mais amplitude aos estudos de algum d'elles, não carece de ter uma faculdade em Coimbra; e que' ha cadeiras repetidas dentro da mesma terra, que podiam supprimir se.

Aponta muitas outras economias no exercito, nas praças! de guerra, nas construcções navaes, nas despezas com as, colonias, que nunca devem exceder o seu rendimento, nas exposições, nas granjas modelos, nos subsidios, no quadro de engenheria civil, nas legações e em varios outros objectos.;

Entende que o governo sabe mais que ninguem, por onde (se deve economisar, e que são esses os seus desejos, mas, que é uma tarefa difficil 'pela opposição que os interessados fazem sempre, e porque os partidos politicos são os primei I roa a embaraçar o governo n'este caminho, pedindo economias por um lado, e levantando por outro os povos contra ellas.

Confia pouco nas medidas que venha propor a grande commissão externa, promettida pelo nobre ministro; espera porém que ella dará força e auctoridade ao governo para emprehender novos commettimentos de reducções, e que os fortificará alimentando e auctorisando as tendencias para a economia; e que só por este lado lhe encontra vantagens.

Espera que o imposto sobre a propriedade, sem carecer de ser aggravado, ascenderá a uma alta cifra pela regularisação das matrizes, o que só se póde fazer lentamente, confiando que o registo predial e a nova circumscripção administrativa, pela qual vão acabar muitos concelhos -pequenos pessimamente administrados, hão de cooperar poderosamente para esta reforma.

Não concorda com a idéa de fazer economias cortando pelas despezas com as vias ferreas, e outros melhoramentos materiaes productivos, e que formam a base da futura prosperidade do paiz.

Não concorda com a asserção de que a nossa agricultura esteja decadente.

Faz diversas considerações sobre o seu estado actual, e sobre a diminuição do preço do vinho e cereaes nos ultimos dois annos, sobre a necessidade de um tratado com a Inglaterra ácerca do commercio dos nossos vinhos, da prompta construcção dos caminhos de ferro do Douro e Minho, e reforma da lei dictatorial da introducção de cereaes estrangeiros.

Não concorda com a economia proposta por um dos dignos pares da opposição, tambem como medida politica, a suppressão do subsidio aos srs. deputados.

Quer antes a moralidade e a instrucção popular, e a amplitude do suffragio como meios de aperfeiçoar a representação nacional:

Termina fazendo varias considerações sobre o imposto do consumo com relação á cidade do Porto, onde são caros os objectos de primeira necessidade, e onde não ha o habito de ter pesadas imposições de consumo como em Lisboa, esperando que a camara municipal não recorra senão em parte á faculdade que lhe é concedida no projecto de tributar os generos sobre que recáe o imposto.

E entende que, se o municipio for rasoavel e equitativo n'este objecto, a cidade do Porto ficará muito menos gravada.

Não vendo que nas substituições e emendas apresentadas appareça systema algum que possa aceitar-se, ou que tenda a attenuar o deficit, com mais vantagem do paiz, e não sendo vagas declamações remedio sufficiente para o mal, vota contra todas as emendas e approva o parecer da commissão.

O sr. Visconde de Fonte Arcada (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho que todas as emendas que têem sido mandadas para a mesa sejam remettidas á commissão para dar o seu parecer sobre ellas. = Visconde de Fonte Arcada.

Parece-me que se deve approvar esta proposta, porque as emendas ou substituições que são mandadas para a mesa não podem ser avaliadas pela simples leitura que d'ellas se faz, e para que possam ser votadas com conhecimento, é preciso que recáia sobre ellas um parecer de commissão.

O sr. Ferrão: — Sobre a ordem. Mando para a mesa um parecer da commissão de agricultura, commercio e artes. Como o parecer e o relatorio hão de ser impressos, abstenho me de fazer as leituras, para não tomar tempo á camara.

Mandou-se imprimir.

O sr. Rebello da Silva: — Pareceme que ouvi dizer a um digno par que este projecto tambem fôra distribuido á commissão de fazenda, mas cumpre-me dizer que foi apenas distribuido á commissão de agricultura, commercio e artes, e se esta ouviu alguns membros da commissão de legislação, foi porque julgou isso necessario, não porque tivesse obrigação de o fazer.

O sr. Visconde de Chancelleiros (sobre a ordem): — Pedia que fossem remettidas á commissão todas as propostas apresentadas, para ella dar o seu parecer, e que se votassem os artigos, sem prejuizo das emendas.

O sr. Presidente: — Vae por se á votação a proposta do sr. visconde de Chancelleiros...

O sr. Silva Cabral: — Ha dois pontos a decidir: o primeiro é a proposta do sr. visconde de Fonte Arcada, e o segundo o additamento feito a essa proposta pelo sr. visconde de Chancelleiros; e portanto, sr. presidente, pareceme que V. ex.ª para proceder com a costumada regularidade tem a propor em primeiro logar -a proposta do sr. visconde de Fonte Arcada, e depois o additamento do relator da commissão para que, sem prejuizo das emendas, se votem os artigos (apoiados).

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Não sei como se possam approvar os artigos ficando salvas as emendas, quando no regimento ha um artigo que dispõe que es emendas se votem em primeiro logar. Peço que se leia a parte do regimento a que me refiro.

(O sr. secretario marquez, de Sousa Holstein leu os artigos 57.° e 59.º do regimento.)

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, eu não queria prejudicar de modo algum o modo por que a camara entende dever dirigir os seus trabalhos, mas como o assumpto prende com um projecto da iniciativa do governo, julgo-me auctorisado tambem a dar o meu parecer sobre a questão de que se trata.

Sr. presidente, parece-me que não póde dar-se a duvida que apresentou o nobre visconde de Fonte Arcada, por uma rasão, porque os artigos que se votam, salvas as emendas, entende-se que ficam dependentes de nova resolução da camara, e isso na parte em que as emendas os podem prejudicar. Tem-se entendido isto assim na camara dos senhores deputados, e n'esta por mais de uma vez. Não ha inconveniente que se fique n'este accordo, e dentro dos termos do regimento.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. - visconde de Fonte Arcada que attenda ao modo por que eu vou propôr. Eu vou propor que as emendas vão á commissão, e passarmos a votar o artigo do projecto sem prejuizo d'essas emendas.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu pedia que se votasse em primeiro logar a minha proposta, e depois a outra parte, porque me parece que as emendas se devem votar primeiro.

O sr. Presidente: — Eu observo a camara que ainda não há logar a votação. Ainda está em discussão o artigo 1.°, e estão muitos dignos, pares inscriptos para fallar, e por consequencia parece-me que esta questão deve ficar reservada para quando se votar o artigo.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Peço a V. ex.ª que submetta á approvação da camara a minha proposta.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que são de opinião que todas as emendas vão á commissão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Agora peço a V. ex.ª que submetta á votação da camara o meu additamento, isto é, que vão á commissão as emendas sem prejuizo da discussão e da votação doa artigos do projecto.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que entendem que vão á commissão as emendas, sem prejuizo da discussão e da votação dos artigos, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Costa Lobo: — Declara que não só não é opposto aos melhoramentos materiaes, como alguns oradores quizeram deprehender do seu voto manifestado na occasião em que se discutiu o projecto na sua generalidade, mas até os deseja ardentemente, posto tenha a convicção de que o primeiro melhoramento a realisar é o de destruir o deficit.

Conforma se com que as taxas da imposição em Lisboa e no Porto sejam maiores que as do resto do paiz, e a rasão é porque as condições d'estas duas cidades são muito mais vantajosas que as do resto do reino. O que não póde approvar é que se não fizesse a mesma relação de proporção para as taxas a pagar em todas as outras povoações, e se estabelecesse um typo uniforme tanto para as cidades de 2.ª ordem como para as mais miseras aldeias, quando a relação entre umas e outras mostra uma differença igual, talvez maior, á das cidades de 1.ª ordem para com as secundarias.

Tambem acha o projecto muito injusto emquanto sobrecarrega muito os proletarios, que por terem de comprar muitas vezes e em quantidades pequenas, repetem muitas vezes as taxas.

Fez extensas considerações sobre este e outros factos analogos nos paizes mais adiantados nas sciencias economicas, e concluiu dizendo que se sir Robert Peel foi abençoado pelas classes pobres quando saíu do poder, foi por ter seguido um trilho diverso do que pisam os actuaes srs. ministros, que não cuidaram, como fez aquelle, em tornar menos precaria a sorte dos que são obrigados a ganhar o pão com o suor do seu rosto.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Se os dignos pares julgam a materia sufficientemente discutida, vou po-la á votação.

Vozes: —Ainda estão inscriptos para fallar muitos dignos pares.

O sr. Visconde d'Algés: — Eu não ouvi fazer nenhum requerimento para se julgar a materia discutida. Ha ainda muitos oradores inscriptos, eu tambem o estou, e não me parece que se deva privar tantos dignos pares da palavra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: — Quando eu pedi a palavra sobre a ordem e propuz que as emendas ao projecto fossem á commissão, foi no sentido de se julgar a materia discutida.

O sr. Presidente: — Como ouvi estar a pedir votos, por isso ía consultar a camara, porque só assim podia ficar bem significada a sua vontade.

O sr. Conde de Thomar: — Se é precisa a formalidade do requerimento, eu o faço para se julgar a materia discutida.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que julgam que a materia esta sufficientemente discutida tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — O digno par, o sr. Miguel Osorio, mandou para a mesa um additamento que foi admittido á discussão. Pergunto á camara se quer que se vote já, ou vá remettido tambem á commissão.

O sr. Miguel Osorio: — Requeiro que o additamento vá tambem á commissão (apoiados).

O sr. Presidente: — Irá á commissão com as outras propostas.

Vae ler-se o artigo 1.°

O sr. Secretario: — Leu.

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o artigo 1.°, salvas as emendas, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Secretario: — Leu o artigo 2.°

O sr. Miguel Osorio: — Já deu a hora, e não se póde entrar na discussão d'este artigo.

O sr. Presidente: — Peço um momento de attenção á camara. Ha muitos dias _que tem sido dado para ordem do dia o parecer n.° 158. É um parecer de muito facil resolução e de absoluta necessidade, para se poder fazer face a certas despezas d'esta camara. Não havendo objecção dou-o para a primeira parte da ordem do dia. Quero dizer, se na primeira hora depois de abrir a sessão não estiver resolvido, continuar se-ha na discussão do projecto dos impostos. Isto se a camara se não oppõe.

O sr. Miguel Osorio: — E para tornar a lembrar a v. ex.ª e á camara a inconveniencia de estar a metter de permeio, n'esta discussão doa impostos, projectos de certa importancia. Eu fui censurado por V. ex.ª e pelo sr. visconde de Chancelleiros, dizendo-se-me que eu tomava certas liberdade e auctoridade para censurar a V. ex.ª Eu nunca tive tal idéa, nem pretensão de censurar ninguem. Foi uma arguição injustissima que se me fez. O que eu vejo é que estando V. ex.ª dar de permeio estes projectos, esta a perturbar a ordem dos trabalhos, e só podiam entremear-se esses projectos, marcando-se um tempo certo para a sua discussão.

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Vozes: — Foi o que o sr. presidente fez.

O sr. Presidente: — Se o digno par me quizesse ter ouvido veria que foi exactamente o que diz o que eu propuz á camara (apoiados.)

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, a V. ex,* é a quem compete dirigir os trabalhos, e nenhum digno par póde estar a fazer objecções quando V. ex.ª usa do seu direito, determinando a ordem do dia.

O sr. Presidente: — Ao presidente é que pertence dar a ordem do dia, e nenhum digno par tem direito de censurar o presidente por isso. Só a camara o póde fazer. Se o digno par, o sr. Miguel Osorio, tornar a insistir em dirigir-me censuras, hei de recorrer á auctoridade superior, se é a camara, e ella dirá se o digno par tem direito de estar todos os dias a fazer-me censuras.

O sr. Miguel Osorio: — Para que consultou V. ex.ª a camara?

O sr. Presidente: — Por deferencia para com a camara. Esta já dada a ordem do dia para amanhã. Portanto está fechada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 13 de maio de 1867

Os ex.mos srs.: Condes, de Lavradio e de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Sousa, de Vallada e de Vianna; Condes, das Alcaçovas, de Alva, da Azinhaga, de Campanhã, do Farrobo, de Fornos, da Louzã, de Fonte Nova, da Ponte de Santa Maria, de Samodães, do Sobral e de Thomar; Viscondes, d'Algés, de Benagazil, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Gouveia, de Ovar, de Porto Côvo de Bandeira, da Silva Carvalho e de Soares Franco; D. Antonio José de Mello, Pereira Coutinho, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Braamcamp, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Baldy, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Miguel Osorio, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Almeida e Brito e Ferrer.

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