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Discurso pertencente á sessão de 13

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, a hora esta tão adiantada que, para não ser obrigado a pedir outra vez a continuação da palavra para a proxima sessão, sou obrigado a contrahir me a rapidas considerações. Não me permitte pois a estreiteza do tempo responder ás observações que o nobre ministro da fazenda me dirigiu n'uma das sessões passadas. Desejava faze-lo, mas não o consentem os poucos minutos que me restam. Farei só uma rectificação. Eu não sou adverso aos melhoramentos materiaes, como não sou adverso a nenhum commettimento civilisador. O que eu entendo é que o melhoramento mais urgente, mais appetecivel, mais reproductivo seria o equilibrio da fazenda publica. Obtido elle, o progresso que realisariamos seria incomparavelmente mais rapido e crescente, mais economico e mais seguro. Para esse fim, julgo irremediavelmente necessaria a descontinuação do recurso ao credito; abuso cuja extincção já Passos Manuel promettia ao congresso constituinte, que é proclamada por todas as administrações, que foi proclamada por este governo, mas que é impossivel realisar-se a não se seguirem aquellas regras de prudencia e de bom' senso de que eu tive a honra de occupar a camara ha poucos dias.

Passemos á especialidade do projecto.

E inutil lembrar á camara todos os males resultantes dos impostos sobre o consumo. E sabido que a sua cobrança é despendiosissima e vexatoria pelos regulamentos, visitas, inspecções e varejos que necessita. A sua repartição não é conforme aos recursos dos contribuintes, e os maus productivos sobre generos alimenticios pesam mais gravemente sobre as classes mais desprovidas de fortuna. É por isso que a tendencia da civilisação é para o acabamento d'este genero de imposições, reliquia d'aquelles velhos tributos da açougagem, da relegagem e da alcavala, que na meia idade cobriam o paiz de uma rede de execuções, e eram um obstaculo permanente ao desarrolamento da industria e do commercio.

A lei fundamental de todo o imposto, aquella que é mais diametralmente infringida por qualquer imposto de consumo, é a lei da proporcionalidade da contribuição aos rendimentos de cada um.

Mas se um economista eminente, um Adam Smith por exemplo, fosse encarregado de ideiar um imposto que, pela sua mais flagrante violação d'este principio, devesse ser erigido em archetypo dos maus impostos; um imposto que, sendo a abominação do contribuinte e o escandalo da sciencia, devesse ser evitado pelo financeiro, como o medico procura evitar a gangrena, não creio que elle podesse engenhar um imposto mais vicioso do que aquelle que se acha hoje sujeito á nossa consideração.

Qual é o plano geral d'este imposto? Consiste no seguinte: são lançados em todo o reino direitos fixos sobre a venda ao publico de carnes, arroz, azeites e bebidas fermentadas. O Porto tem uma pauta mais elevada. Lisboa tem uma pauta mais elevada e mais extensa. O productor d'estes generos nada paga d'este imposto. Aquelle que lhe comprar por grosso, acima de 50 litros ou 50 kilogrammas, nada paga igualmente.

Assim a injustiça revela-se em todas as provisões d'esta lei: se considerarmos as duas capitaes em relação ás provincias, as provincias em relação de umas ás outras; se considerarmos o genero mais valioso em relação ao de menos preço; finalmente, e sobretudo, se considerarmos o homem rico em relação ao proletario.

Ás cidades de Lisboa e Porto entende o sr. ministro que cabem regras especiaes pelas circumstancias da sua população e riqueza. Concordo e aceito o principio. Mas porque se não applicou este mesmo principio ao resto do paiz? Pois será justa que pela carne e pelo arroz, por exemplo, se pa-

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que em Coimbra, em Braga, em Faro o mesmo imposto que se paga na mais miseravel aldeia? Pois aqui não militam os mesmos principios? Pois não ha aqui differença de riqueza e população? Que inconveniente, que difficuldade havia em dividir as cidades em classes, segundo a sua differente riqueza?

Pelo systema do projecto tanto paga o genero n'um districto em que a sua producção é abundante, como n'aquelle em que é escassa. Ora, esta consideração para generos de primeira necessidade é altamente attendivel. Têem aqui cabimento, as reflexões que acabo de fazer em relação ás cidades. É assim que o toucinho, adubo do caldo do pobre, paga tanto no Alemtejo, onde é abundante a creação de gado suino, como no Minho. O azeite 6 onerado com uma taxa uniforme de direito no Algarve e em Traz os Montes. O vinho e o arroz pagam o mesmo direito em toda a parte, apesar de que a sua producção é summamente variavel de provincia para provincia. Era pois de justiça que os districtos fossem tambem coordenados em classes, de maneira que a taxa do imposto estivesse na rasão inversa do valor medio do genero.

Tambem os generos passíveis do imposto pagam todos o mesmo direito, qualquer que seja o seu valor. Ora, esta disposição em relação ao vinho, de que ha tantas qualidades e com uma escala de preços tão extensa, tem o resultado curioso de ser unicamente gravosa para aquelles que consomem a infima qualidade d'esta bebida reparadora e vivificante.

Mas onde a injustiça se apresenta cóm um caracter gravissimo e inqualificavel é na sua comparação do consumidor remediado com o proletario. Em primeiro logar o productor não paga cousa alguma, ainda que consuma a distancia do logar da producção. Passe porém sem reparo esta desigualdade. O que porém é inadmissivel, o que não póde deixar de indignar o senso moral, é que seja isento de pagar este imposto todo aquelle que tiver os meios necessarios para comprar a quantidade de 50 litros ou 50 kilogrammas de qualquer d'estes generos. Sobre quem recáe pois esta contribuição? Exclusivamente sobre o proletario, salvo aquelle que vive de dia para dia dos lucros quotidianos, sobre aquelle que não póde economisar, sobre o miseravel trabalhador.

Não insisto mais sobre este ponto. Seria pouco quanto eu dissesse a este respeito. Seria difficil imaginar mais requintado apuro de injustiça.

Sr. presidente, quando eu penso que todas estas injustiças vão ser sanccionadas em homenagem ao que se chama a nossa regeneração economica; quando eu penso que nos vemos obrigados a recorrer a estes extremos para continuarmos, seja-me relevada a expressão, as orgias do credito; quando eu penso que vamos sacrificar a este Moloch insaciável a força, a saude, a vida do povo, e não sei se o seu sangue derramado nos tumultos, não posso deixar de sentir uma profunda tristeza.

Involuntariamente tambem me acode ao espirito o procedimento de um estadista notavel, por quem professo grande veneração, quando o seu paiz lutava com gravissimas difficuldades.

Em 1841 tomou sir Robert Peel as redeas do governo inglez. Uma crise medonha pesava desde 1838 sobre a industria e o commercio da Gran-Bretanha. O deficit ía attingir proporções aterradoras. Que fez aquelle immortal estadista para melhorar as condições economicas do seu paiz? Levantou, é verdade, um imposto sobre o rendimento, mas auxiliou o trabalho, supprimindo os direitos de entrada sobre as materias primas, e facilitou a alimentação publica, rebaixando ou extinguindo os direitos sobre as victualhas necessarias á vida, e nomeadamente sobre o arroz, sobre o azeite e sobre as carnes.

É com as ultimas palavras que elle pronunciou como ministro que vou terminar; palavras que eu endereço á consciencia do governo:

«Dentro de poucas horas, dizia elle na camara dos communs, vou largar o poder que exerci por cinco annos. Deponho sem saudades. Deixarei um nome que será o horror dos monopolistas. Mas porventura será elle algumas vezes repetido com benevolencia n'essas habitações modestas onde residem os homens cuja sorte é o trabalho, e que ganhara o pão com o suor do seu rosto. Porventura pronunciarão elles o meu nome com bondade no repouso das suas fadigas, ao tomarem um alimento abundante, tanto mais suave, que lhes não recordará a iniquidade das leis.»

Esta consolação não terá o governo. Póde ser que o seu nome seja lembrado com saudade por muita gente; mas o que em verdade lhe asseguro, é que não será lembrado com saudade por esses homens cuja sorte é o trabalho, e que ganham o pão com o suor do seu rosto.

Tenho concluido.

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