DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 633
peito, as palavras extremamente benevolas com que me honrou. Desde muitos annos que estou acostumado ao favor, amisade e benevolencia do illustre ministro, e por isso, qualquer que seja a posição politica em que me encontre no cumprimento dos deveres da minha consciencia, hei de achar sempre em s. exa. a mesma consideração e amisade.
Não houve acrimonia da minha parte, sr. presidente, e se ás vezes fallo mais alto, forçando a minha voz, é pelo receio d'ella não ser ouvida pela camara, usando do meu tom natural.
Sr. presidente, desde o momento em que este gabinete tomou conta dos negocios publicos, o unico pensamento que me dominou, a esperança que senti, foi ver, se era possivel conseguir da boa vontade e zêlo efficaz de s. exas. a reducção da despeza e o equilibrio rapido entre a receita e a despeza.
O ministerio resumia n'isto para mim a sua unica significação.
Dos projectos de fazenda votados, alguns teria approvado, se a minha falta de saude não me tivesse inhibido por algum tempo de estar aqui; mas apresentaria talvez sobre elles algumas duvidas, e principalmente sobre o que tributou a cortiça e o carvão.
O sr. presidente do conselho e o sr. ministro do reino sabem quanto foi sincero o meu desejo de lhes ser agradavel. Refiro-me especialmente ao primeiro projecto, sobre o qual houve n'esta casa larga discussão, o real de agua; votei-o, forçando um pouco os meus principios; prestei o meu apoio, porque o sr. ministro da fazenda dizia que essa lei lhe era indispensavel, e embora eu entendesse que a boa doutrina não era rigorosamente seguida, comtudo sujeitei-me, approvei.
Agora, em relação ao caminho de ferro de Torres, perguntarei: não será contradicção completa dos principios, quando depois de termos estabelecido que se não deveriam fazer despezas, sem que para ellas houvesse receita correspondente, vemos o governo apresentar um projecto de lei, que representa uma enormissima despeza?
Eu demonstrarei á camara, quando a materia se tratar, que aquelle caminho poderia ter sido contratado gratuitamente, e comtudo ha de custar ao thesouro em dez annos a quantia de 1.620:000$000 réis.
Taes são as circumstancias que se deram, que eu não podia deixar de tomar em consideração, e que me forçam, com sentimento meu, a trilhar caminho diverso do governo.
Deduzo um facto, grave de tudo que acaba de nos dizer o sr. presidente do conselho, e para elle chamo a attenção da camara.
S. exa. disse que tinha o maior empenho em que o projecto do caminho de ferro de Torres viesse á discussão, e todos sabem que os projectos, sobre os quaes o governo mostra interesse, podem não ser votados, mas não deixam, de ser discutidos.
Admiro que, mostrando o governo tanto empenho, este projecto fosse enviado a esta camara, remettido ás commissões ha tanto tempo, e ainda até hoje o parecer d'essas mesmas commissões não fosse apresentado. Se o governo se empenhasse deveras, o projecto já estaria na téla do debate, e pelas declarações do sr. presidente do conselho, a que eu devo dar o maior valor, porque não podem deixar de as ter, feitas por um homem de estado, collocado em logar tão eminente, parece-me poder concluir que o pensamento do gabinete é fechar as camaras sem que esta proposta de lei seja discutida. Ora, sendo assim, pergunto quem fica vencido?
E como desejo que tal projecto não passe, dar-me-hei talvez por satisfeito.
Por emquanto nada mais tenho a dizer.
O sr. Presidente: - Eu peço licença para fazer uma advertencia, que é de certo desnecessaria ao digno par, o sr. Vaz Preto, a quem vou dar a palavra; mas faço-a em cumprimento dos meus deveres como presidente, e repito essa advertencia porque ainda ha pouco a fiz, e não foi attendida, isto é, que o assumpto que está em discussão é o grupo que comprehende os artigos 29.° a 39.° do projecto n.° 56. (Apoiados repetidos.)
Tem a palavra o digno par é sr. Vaz Preto.
O sr. Vaz Preto: - Parece-me, que a advertencia que v. exa. acaba de me fazer era desnecessaria e mal cabida; eu não discuti, nem discuto, senão o projecto que está em discussão, e principalmente o artigo 36.° não pronunciei uma só asseveração que, não se referisse ao assumpto.
Se em virtude das reflexões que eu apresentei se levantou um incidente que tem, de certo, relação com o artigo 36.°, já v. exa. vê que eu não posso deixar de me referir a esse incidente, (Apoiados.) e que v. exa. me não póde tolher a palavra n'esse ponto; e é em virtude d'esse mesmo incidente, que eu peço ao sr. presidente do conselho que s. exa. declare terminantemente, senão hoje, ámanhã, antes da ordem do dia, se está resolvido, e quer que seja, discutido o projecto do caminho de ferro de Torres Vedras?
Se s. exa. não faz tenção de tratar d'este assumpto; então que o diga, mas que o diga clara e terminantemente, sem evasivas nem subterfugios, ou hoje, ou ámanhã, antes da ordem do dia, porque o que é necessario é que o governo declare quaes são as suas intenções a este respeito.
É necessario que as declarações dos ministros sejam precisas, para que a camara e o paiz saibam bem a maneira por que os negocios publicos hão de caminhar, e possam avaliar se a politica e o systema administrativo do governo é ou não conveniente.
Eu passo, sr. presidente, a entrar na materia.
Eu mandei para a mesa um additamento ao projecto, e esse additamento dizia que, para todas as obras publicas que o governo pretendesse contratar, primeiro se estabelecesse concurso.
Sr. presidente, o sr. relator da commissão pronunciou-se contra a minha proposta; pouco faltou para a classificar de absurda.
Não obstante, tenho notado, que quando s. exa. combate as minhas opiniões, a sua consciencia grita-lhe que vae errado, e tanto que se esquece do que disse; e mais tarde, servindo-se das minhas opiniões, que tem combatido, faz a apologia d'ellas para combater outras. Espero, pois, que a doutrina d'esta proposta lhe servirá mais tarde.
Dizia s. exa. que o principio do concurso era inutil havendo contrato provisorio, e que nunca houve um precedente que justifique a minha proposta. Admira-me esta affirmativa!
S. exa., que é parlamentar antigo e experimentado não deixará de se lembrar que quando veiu á discussão o contrato Salamanca, o concurso publico tinha precedido o contrato provisorio.
Quer isto dizer que primeiramente teve logar o concurso publico, que a este seguiu-se a assignatura do contrato provisorio, e que, finalmente, este foi apresentado á camara e approvado por ella; o contrario do que pratica o actual governo, como provam o projecto da construcção da ponte sobre o Douro, e agora o do caminho de ferro de Torres.
Em vista, pois, das contradicções em que eu tenho encontrado-o digno par, deixal-o-hei em paz e dirigir-me-hei ao sr. ministro.
Desejo, pois, saber do sr. ministro da fazenda ou, antes, do governo, se tenciona acceitar o principio do concurso. Desejo resposta clara e sem equivocos, porque o sr. presidente do conselho disse que o modo porque foi feito o contrato do caminho de ferro de Torres não está em contradicção com o artigo 36.° do projecto que se discute; mas s. exa. esquivou-se; não só a provar a sua asserção, mas a respon-