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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 18 DE JUNHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios – os Srs.

Conde de Mello.

Conde da Louza (D. João).

(Assistia o Sr. Ministro do Reino, e entrou depois o Sr. Ministro da Justiça.)

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 36 dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta de um officio da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, que authorisa a Camara municipal de Vianna do Castello a tomar um emprestimo para a compra de cereaes que venda ao povo.

A commissão de administração com urgencia.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Tenho a participar, que o Sr. Conde de Peniche, por estar doente, não póde hoje comparecer, nem talvez a algumas das sessões seguintes.

ORDEM DO DIA.

Especialidade do projecto de lei n.º 209.

Artigo 1.°

O Sr. Presidente — Tem a palavra o digno Par o Sr. Visconde de Algés.

O Sr. Visconde de Algés tinha pedido a palavra para quando se tractasse da especialidade deste projecto, e não põe duvida em fallar agora, mas como espera fallar sobre o 3.º artigo, e tem de alludir então ao 1.° e ao 2.°, para não ter de repetir-se, visto que lhe parece que não ha agora quem peça a palavra, desejava desistir della neste logar pedindo comtudo ser inscripto para quando se chegar ao artigo 3.° (apoiados).

Não havendo quem, pedisse a palavra sobre o 1.º artigo, foi posto a votos e approvado.

Artigo 2.°

O Sr. Conde de Thomar — Este artigo está concebido n'uma generalidade tal, que dá logar a que os Ministros continuem afazer o mesmo que até agora.

A Carta determina que os negocios graves da publica administração sejam levados ao Conselho de Estado; e comtudo o Sr. Ministro do Reino será o primeiro a reconhecer, que muitas veres não se cumpre isso: e que do modo como está este artigo redigido é natural que o Presidente do Conselho siga o mesmo que até aqui se tem feito. O nobre orador faz esta observação unicamente para indicar, que lhe parece de absoluta necessidade que se faça um Regulamento sobre este ponto, e chama por isso a attenção do Sr. Ministro sobre este objecto.

O Sr. Ministro do Reino reconhece que o digno Par tem razão, que a expressão deste artigo é um tanto vaga; mas que tinha parecido não poder ser mais concreta, porque o que diz a Carta sobre os negocios que devem ser presentes ao Conselho de Estado, e que serviu de norma para a redacção deste artigo, tambem tem o mesmo vago. A Carta tambem diz - todos os negocios importantes, e por tanto pareceu que qualquer alteração diminuiria muito a amplitude do pensamento, e causaria muitos mais inconvenientes; porque é impossivel fazer uma enumeração, que comprehenda todos os objectos, que devem ser presentes ao Conselho de Estado sem que alguma cousa deixe de ser incluida; e nesse caso o ar-

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tigo ficaria mais defeituoso, e o inconveniente seria maior.

O Sr. Ministro accrescentou, que apresentaria em Conselho de Ministros a idéa do digno Par de se prover a este inconveniente por meio de um regulamento, pois é possivel que se remedeie com algumas provisões regulamentares a falta que S. Ex.ª encontrou.

Foi approvado o artigo 2.º

Artigo 3.°

O Sr. Visconde de Algés — Sr. Presidente, primeiro que tudo devo dizer á Camara — aquella por certo conhece pela minha voz e pelo meu parecer — que gravemente incommodado por motivo de doença, hoje menos do que nunca, poderei desempenhar de uma maneira agradavel a missão que me incumbe de tomar parte nesta discussão.

Sr. Presidente, não pretendi eu inscrever-me na discussão da generalidade deste projecto, porque observei que o debate tinha tomado dimensões extraordinarias, e que nelle se haviam comprehendido objectos que eram inteiramente alheios á materia de que se tractava; e portanto, considerando-me verdadeiramente estranho aos assumptos que foram chamados á discussão, reservei-me para dizer alguma cousa sobre a especialidade do projecto, não só porque em materias de alta importancia costumo sempre dar as razões do meu voto, mas porque a este projecto em discussão precede um parecer que assignei, como membro da commissão especial, a que tive a honra de pertencer. Já a Camara vê por esta succinta exposição, que não tem de ouvir senão uma singela narração de motivos, com relação á materia do projecto, e aos argumentos que se adduziram para combater o mesmo projecto. Na exposição, porém, desses motivos, hei de ser muito breve; e ainda assim não me persuado, que a minha humilde voz possa conciliar a attenção desta Camara, depois della ter escutado os eloquentes discursos pronunciados pelos illustres oradores que me precederam.

Sr. Presidente, os dignos Pares que tomaram parte nesta discussão combatendo o projecto de que se tracta, e especialmente o artigo 3.°, que se acha em discussão, foram os dignos Pares os Srs. Visconde de Laborim, e Conde de Thomar, cujos talentos luzes e capacidade eu respeito de ha muito tempo; e como o segundo destes dignos Pares, o Sr. Conde de Thomar, foi o que mais estensamente tractou da materia, e se empenhou em combater o projecto, parece que, procurando eu responder aos argumentos do Sr. Conde de Thomar terei tambem respondido áquelles que produzio o meu amigo o Sr. Visconde de Laborim.

Sr. Presidente, a primeira impugnação que soffreu o projecto de que se tracta, e principalmente a provisão consignada neste artigo 3.° foi que o seu fim era meramente pessoal; creando-se o logar de Presidente sem pasta para certa e determinada pessoa; e sobre esta base se estabeleceram argumentos para mostrar a inconveniencia de tal medida. Eu peço licença á Camara para emittir livremente o que penso a este respeito, isto é, sobre o fundamento que se apresentou de ser assim pessoal o fim deste projecto. Eu intendo que é improprio e sempre inconveniente trazer para o campo da discussão suspeitas e apprehensões com relação ao exercicio legal, que qualquer dos Poderes politicos póde fazer dentro do exercicio legal das suas attribuições. Estas suspeitas e estas apprehensões sejam muito embora motivos justificados para cada um obrar como intender, combatendo as doutrir nas que se apresentarem, é concluindo com o seu voto como lhe approuver, mas intendo, como já disse, que ha gravissimos inconvenientes em trazer para o Parlamento essas suspeitas e apprehensões antes de serem factos consumados, pois só depois de o serem é que podem entrar no dominio das attribuições dos outros Poderes politicos. E não se receie nunca, Sr. Presidente, que desta doutrina, que do uso legal da liberdade de cada um dos Poderes politicos possam resultar graves prejuisos á sociedade, porque ahi é que está o brilhantismo do systema representativo constitucional. A independencia de cada uni dos Poderes politicos está de tal modo ligada pelo encadeamento dos principios que não póde o seu uso produzir máos resultados, visto que cada um dos Poderes tem o direito necessario para impedir ou remediar por meios mais ou menos directos, o máo uso do exercicio legal de cada um dos outros Poderes politicos. Assim, Sr. Presidente, supponho eu que não era bom trazer para a arena Parlamentar idéas e apprehensões de suspeitas sobre o uso bom ou máo que se póde fazer da doutrina que se apresenta, porque essa doutrina ha de necessariamente ser boa ou má, defensavel ou insustentavel com abstracção do máo uso que della se possa fazer, e é assim que deve concluir-se pela sua approvação ou rejeição. É verdade que do banco dos Srs. Ministros sahiu o fundamento talvez principal de progredir a argumentação de ser pessoal o fim do projecto, (apoiados); porque S. Ex.ªs expenderam a doutrina seguinte — que não negavam que houvesse em vista alguma cousa de pessoal, porque em regra as Leis eram sempre filha da necessidade que se conhecia no exercicio e pratica da gerencia dos negocios, que não era em abstracto que ellas se traziam ao Parlamento, mas sempre quando uma necessidade conhecida, e algumas vezes urgente, reclamava a adopção das provisões de qualquer proposta de lei. Esta doutrina estabelecida em regra póde trazer graves inconvenientes; perdoem-me os que estabeleceram tal principio absoluto, e os que o acceitaram com applicação ao projecto de que se tracta.

Disse-se que de ordinario não se trazia uma proposta ao Parlamento, nem se tomava a iniciativa della, sem primeiro se conhecer a sua necessidade e urgencia; e com applicação ao caso sujeito, disse-se tambem, que não havia duvida nenhuma de que, pelas circumstancias do Sr. Duque de Saldanha, os Ministros tinham tido o pensamento de propôr esta medida, podendo, ser-lhe applicavel a disposição deste artigo 3.° Daqui tiro eu o argumento seguinte: pois se é certo que as propostas de lei não se trazem ao Parlamento senão com uma necessidade conhecida de sua immediata execução, applicando este principio, ou esta regra, á adopção da prescripção sobre a presidencia do Conselho sem pasta, digo, que o Ministerio qualquer que traz uma similhante proposta, traz sempre uma cousa pessoal! Ora se isto colhe para todos os Ministerios, para todas as cores politicas, para qualquer Governo, e em qualquer caso, digo, que prova sempre, e prova de mais; e o que serve para tudo, em casos e circumstancias diversas, não serve para nada, nem prova cousa nenhuma (apoiados).

Os Srs. Ministros actuaes são homens de muita capacidade e talentos, por consequencia não precisam dos meus louvores; o que me cumpre é respeitar as suas opiniões, e portanto não impugno a razão e procedencia com que declararam no Parlamento, que esta medida era pessoal, e que mesmo houve em vista um quid de pessoal certo quando a apresentaram! Mas se eu respeito, como disse, a opinião de SS. Ex.ªs, nem por isso deverei ser privado de emittir livremente a opinião, que por ventura tenho em contrario; e francamente declaro que eu, no logar de SS. Ex.ª, não tinha feito tal declaração (muitos apoiados), pois ella para nada era precisa na sustentação do projecto.

O que eu hei de mostrar é, que a doutrina é util e justa, com abstracção do uso que se ha de fazer depois de passar em lei a prescripção de que se tracta. Eu sou singelo e franco, como o é sempre de ordinario quem não tem pertenções. Eu fallo da mesma fórma ás maiorias e ás minorias; e trago agora esta observação de incidente, pelo que ainda ha pouco ouvi a um digno Par meu amigo, que está proximo de mim, e S. Ex.ª bem me intende. Na verdade quem não tem pertenções, quem não pertence a maiorias ou minorias, pertence só a si (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado). É certo que este juste milieu, em Portugal corresponde a uma nullidade; é abaixo de zero no thermometro da Siberia, não tem existencia na politica. Eu só pertenci á maioria de 1834 a 1835, mas digo a razão: foi porque tinha muito medo politico da opposição dessa época, e então sustentava muitas medidas ministeriaes, vindo assim a ser maioria do Ministerio do Sr. Duque de Palmella, e do Sr. Aguiar. Fora deste tempo nunca mais fui maioria, ainda mesmo estando no poder os meus maiores amigos. Assim o era o Sr. Duque de Palmella, que foi o maior homem em todas as virtudes e talentos que eu tenho conhecido, e o meu maior amigo; e entretanto tambem vim a fazer-lhe opposição. Eu voto só por mim (O Sr. Marquez de Vallada - Apoiado): fallo e voto como intendo, sem me ligar a nenhuma parcialidade (apoiados).

Da minha posição é consequencia necessaria a franqueza, e por isso declaro a V. Em.ª, e £ Camara, que certas relações de amizade pessoal que não tem nada com as de politica, e que sempre me ligaram com o nobre Duque de Saldanha, fizeram com que eu fosse ouvido sobre a proposta que se queria fazer desta medida; e talvez algumas pessoas muito respeitaveis me fizessem conhecer, que ella podia ter applicação ao Marechal. Sabe, porem, V. Em.ª qual foi a minha opinião? Aqui está alguem que podia ser testimunha: a minha opinião foi aquella que ainda hoje é, e vem a ser, que a disposição legislativa de poder haver Presidente do Conselho sem pasta, não póde ser applicada á pessoa do Duque de Saldanha, porque eu estou bem persuadido de que a sua posição politica o não comporta. E assim para mim não ha tal questão pessoal, e sustento o projecto com perfeita abstracção desta circumstancia.

V. Em.ª sabe perfeitamente, porque além de ser um homem muito eminente nas theorias, tambem o é na pratica, que o legislador quando faz a lei, deve descer á sua applicação pratica, para ver se ella poderá achar obstaculos na sua execução; do mesmo modo que um homem a quem se pede conselho, precisa descer á posição daquelle que o pede, para melhor saber o que lhe ha de dizer e aconselhar. Eu, posto que não me possa julgar muito authorisado, e muito competente, intendi, e intendo, que o Presidente do Conselho de Ministros, que tem a pasta da guerra, e é Commandante em Chefe do Exercito, póde ser tudo que quizerem, menos o ser Presidente do Conselho, deixando a pasta. Esta é que é a minha opinião, e veremos se o futuro a confirma; e porque só o futuro é que a póde confirmar, ou negar, por isso é que eu dizia, e digo, que não me parecia agora occasião de descer á questão pessoal, no que tambem sinto dissentir da opinião dos Srs. Ministros, pois que, quando della dissinto, fica-me sempre a presumpção de que SS. Ex.ª acertam, e eu sou o que erra, porque o meu intendimento não chegará talvez a tanto alcance.

SS. Ex.ªs disseram (os Srs. Ministros) que não negavam que em parte o projecto era pessoal, e que em regra não se apresentava uma Lei ao Parlamento sem se reconhecer a sua necessidade e urgencia de applicação! Não posso concordar, como já disse, na generalidade desta assersão, pois é necessario descer ás hypotheses, e contheudo de cada uma das propostas, para se poder concluir pela procedencia dessa proposição. Nesse caso está a Lei de que se tracta, que tem uma applicação, de que em parte se não reconhece agora a necessidade e urgencia de applicação, e se estabelece só como excepção o preventivo para o caso em que essa necessidade se dê. À creação de uma repartição, para immediatamente funccionar deste ou daquelle modo, e em regra a tudo o que tender a estabelecer providencias sobre objectos administrativos, é claro que deve preceder a reconhecida necessidade das respectivas prescripções, e é isso o que determina essas medidas, mas quando se tracta de uma Lei organica é a consequencia dos principios que a determina, ainda que não sejam urgentíssimas as suas disposições. E que é esta Lei senão uma Lei orgânica? Não diz a Carta, que haverá differentes Secretarias de Estado, que a Lei regulará quantas, e quaes as suas attribuições? O que fazemos neste projecto senão uma Lei organica, que é por isso necessaria?

A Camara ha de permittir-me, que, sem ser como uma razão de ordem, das que se usam nas academias e nas universidades, eu digo, que este artigo 3.º é consequencia necessaria do artigo 1.° e do artigo 2. do projecto.

Muito de passagem referirei as disposições destes dois artigos, para mostrar que esta Lei é organica, e que era de absoluta necessidade estabelecer como preceito, que em todos os Ministerios haja sempre um Presidente, porque é isso conforme aos principios, e é como consequencia uma necessidade para o bom andamento dos negocios, em perfeita analogia com todos os corpos collectivos, que sempre tem um Presidente para centro de direcção (apoiados).

Mas qual é a razão da conveniencia de se propôr esta Lei? É porque a experiencia já nos mostrou que, contra todos os principios e regras, algumas Administrações se tinham estabelecido sem Presidente, e então ninguem podia deixar de reconhecer, que era conveniente estabelecer isto como regra invariavel, prescripta por Lei, para se não dar mais a anomalia, que já se tem observado, de haver Ministerios sem presidencia.

Tambem era necessaria a disposição do artigo 2.°, para que todos os negocios importantes sejam tractados em Conselho de Ministros, convocado sempre pelo seu Presidente, e com a responsabilidade politica deste solidaria com a de seus collegas, que assim fica estabelecida por Lei, conforme aos principios da Carta Constitucional, e verdadeiro systema de administração do Estado. Nem se diga que póde resultar obstaculo de se não definirem os negocios importantes que hão de ir ao Conselho de Ministros, pois isso era impossivel de descrever completamente, e até mesmo alguns ha que sómente são importantes, dadas certas circumstancias, e em certos tempos (apoiados).

Estes principios, pois é que era necessario que fossem estabelecidos nesta Lei organica, que ainda carece dos competentes regulamentos para sua conveniente execução (apoiados). Louvor merecem, pois, os Srs. Ministros por terem apresentado esta Lei organica, e não é merecida a censura que por isso lhe tem sido dirigida, antes pelo contrario se poderia estranhar que não apresentem outras Leis igualmente organicas, como a da responsabilidade dos funccionarios publicos (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado), a Lei de habilitações como garantia do bom serviço (O Sr. Marquez de Vallada — Apoiado), a Lei das antiguidades da magistratura judicial, para se evitar o modo como os Srs. Ministros da Justiça teem a seu talante e belprazer despachado quem querem sem respeito ao direito de antiguidades que sempre existe em vista e observancia dos principios, e muitas outras (apoiados). Eu fallo assim porque quando tive a honra de estar nos Conselhos de Sua Magestade com a pasta respectiva, apresentei um projecto de antiguidades que ainda não viu á luz do dia como Lei, sendo todavia certo, que todas as Leis organicas que tem a magistratura judicial, foram elaboradas n'uma commissão, que eu criei e de que fui Presidente como Ministro da Justiça. N'uma palavra, o que é estranhavel é, que não se apresentem muitas outras Leis organicas, com cuja numeração eu não quero cançar a Camara, mas não póde censurar-se que venha uma dellas ao Parlamento (apoiados).

É, pois, quanto a mim muito louvavel que se apresente esta Lei organica, mas não intendo, que os Srs. Ministros a apresentassem como consequencia de uma necessidade de momento e urgente; foi o reconhecimento de uma falta que havia, e para se defender, portanto, a apresentação dessa Lei organica, não era necessario vir allegar fundamentos de applicação pessoal, e sobre cuja applicação eu já me expliquei, mostrando que não podia vêr aqui tal significação, que até mesmo me não parece praticavel e politico. Por consequencia intendo, que não se devia trazer para a arena da discussão o uso legal que o Poder moderador possa fazer da disposição da Lei; porque ainda que este Poder seja inviolavel, os principios constitucionaes permittem os meios de tudo se remediar sem offensa dos direitos que devem ser observados e mantidos.

Parece-me haver demonstrado que não era procedente o combater o projecto pelo lado pessoal, em sua applicação, e que tambem por esse lado não devia elle ser defendido, nem disso se precisava para o sustentar (apoiados). Agora é necessario e logico, procurar eu sustentar directamente a doutrina do projecto.

Sr. Presidente, o digno Par o Sr. Conde de Thomar, com a delicadeza que lhe é propria, com a sua urbanidade, e com a amisade que professa aos membros da commissão especial, dirigiu-lhes um cumprimento como consequencia desses seus sentimentos e qualidades. Disse que tinha impugnado o projecto em relação ás idéas dos Srs. Ministros, mas que o não tinha atacado com relação ás idéas da commissão. Dirigiu-lhes portanto um cumprimento, mas o seu comportamento no debate a este respeito está em opposição com os seus delicados cumprimentos, porque, se combateu o projecto nesta disposição, a unica impugnável, e não achou na sua doutrina nada que fosse defensavel, é claro que combateu assim a commissão; mas essas razões é que eu vou vêr se posso mostrar que existem, porquanto o que eu tenho dito até agora, é mais o resultado das minhas opiniões do que o da discussão que houve na commissão, porque ella não podia adivinhar os argumentos que se haviam de produzir nesta Camara, nem as declarações que os Srs. Ministros haviam de fazer.

Sr. Presidente, eu estou certo de que os dignos Pares que combatem o artigo 3. é porque estão persuadidos da procedencia dos seus argumentos, mas eu se estivesse persuadido como SS. Ex.ª, e fosse minha missão, como a dos dignos Pares, o combater o projecto, teria votado contra o artigo 1.º e contra o artigo 2.°, porque os argumentos apresentados para o artigo 3.°, applicava-os para o 1.° e para o 2.°, dizendo: = para que é vir aqui trazer a disposição, de que haverá sempre um Presidente no Conselho de Ministros? Pois nós não temos até aqui passada sem essa disposição? Esta entidade tem sido observada de facto quasi sempre, e se uma, ou duas vezes, já houve a excepção, foi por haver crise politica, ou caso especial, mas não foi regra, e se está em regra haver Presidente para que vem agora esta prescripção? O que está no artigo 2.° se é uma consequencia dos principios e praxe estabelecida, para que se torna necessario? Se os Ministros são zelosos assim o fazem, e se o não são, não o fazem, e as maiorias não os accusam, porque não querem fazer cahir o Ministerio que sustentam! = Portanto eu combateria o projecto assim, e quando se chegasse ao artigo 3.º estava em bello terreno para o impugnar, porque tendo combatido a regra com ella teria cabido a excepção da Presidencia sem pasta, ainda menos conveniente de estabelecer por maioria de razões.

Mas approvar o artigo 1.° e o 2.°, approvar as antecedencias, e não querer as suas necessárias consequencias, isto é que foi inteiramente novo, e maravilhoso para mim! Pois se 6 ou póde ser possivel, ainda por caso muito extraordinario, a necessidade e conveniencia publica de haver um Presidente de Ministros sem pasta, nada mais logico e consequente do que prevenir na Lei estai eventualidade, porque, se assim se não estabelecesse ficava sendo contrario á Lei o haver a Presidente sem pasta, embora se desse essa necessidade, e o bem do Estado o aconselhasse, pois havia o argumento logico e juridico de que a Lei organica das Secretarias de Estado, estabelecendo o modo de as haver, sua competencia e classificação de trabalhos, existencia de Presidente, e suas funcções, nenhum provisão estabelecera para poder haver um Presidente sem pasta!

Mas se esta prescripção não fosse approvada: ficariam incompletas as outras disposições adoptadas, e das quaes esta parece uma consequencia (apoiados). Agora o que resta vêr é, se se pôde dar o caso de ser util e necessario haver Presidente sem pasta,

A Camara bem sabe que isto se estabelece como excepção, quando bem do Estado o aconselhar. Pergunto porém ao digno Par, a todos, e particularmente a V. Em.ª, que mui respeitosamente interrogo, e com a certeza de que se V. Em.ª não estivesse nesse logar me responderia confirmando a minha idéa, pergunto, digo, se não se póde dar até mais de uma hypothese, em que appareça um homem, que seja conveniente chamar a exercer o logar de Presidente do Conselho de Ministros sem pasta? Creio que todos que me ouvem concebem esta idéa, a possibilidade da hypothese, porque se eu, que certamente inferior a todos a concebo, muito melhor a podem comprehender os meus dignos collegas.

Não poderá haver um homem que por muito cançado do serviço publico, ou por muito adiantado em idade, por padecer qualquer molestia, não possa com o trabalho de ser presidente da Administração, e ao mesmo tempo estar encarregado de uma pasta? Creio que sim, mas ainda além desta hypothese, não poderá haver algum homem eminente em talento e conhecimentos» capaz de dar conselhos promptos ou estudados, sobre as materias mais graves e importantes, ou de reconhecido e superior merecimento para aconselhar e dirigir os Ministros de Estado sobre graves assumptos do serviço publico, como ha exemplos não remotos, e aqui estão algumas pessoas que os presencearam. (Apoiados). E não poderá esse homem grande em conhecimentos, em talentos, em virtudes, em tudo absolutamente fallando, não ter igual prestimo para dirigir uma Secretaria de Estado? Não será mesmo algumas vezes presumivel que um engenho raro, acostumado a vêr em grande os negocios graves e superiores, seja improprio para gerir os negocios pequenos de expedientes administrativos, serviços diarios, muitas execuções de regulamentos, assignaturas de Portarias, nomeações o substituições de empregados subalternos, e muitos outros negocios similhantes, que apezar de menos importantes exigem applicações, exame, te emprego de muitas horas em cada dia? E não se póde dar o caso de não se conciliar este serviço com o proprio das altas attribuições e mais elevada intelligencia de alguem, que para entrar nesse estudo era necessario roubar alguma cousa ás. applicações de mais alta importancia, em relação a negocios graves, que seja de urgencia pensa-los, tracta-los, e decidi-los?... (Apoiados).

Mas seja rara esta hypothese, supponha-se que ella é muito rara, o que é que determina a lei? É que haja em todos os Ministerios um Presidente do Conselho de Ministros com pasta, e que - só em circumstancias extraordinarias, e quando o bem do Estado assim o exigir, possa haver o Presidente sem pasta com attribuições de Chefe do Ministerio. Se pois é prevenido só o caso daí rara excepção, não ha procedencia do argumento da raridade. Mas disse-se — que sendo rara esta hypothese (como eu creio, e talvez que nunca se verifique), que não era conveniente este artigo 3.° do projecto; porque, dizendo elle que em certas circumstancias poderá haver um Presidente do Conselho sem pasta, isto é, quando o bem do Estado assim o exigir, é muito vaga esta disposição, e poderá dar causa a muitos abusos. Mas este argumento nenhuma força póde ter, porque é sempre applicavel ao exercicio de todas as funcções, em que ha liberdade e arbitrio, que possa sair das regras da legalidade; de tudo se póde abusar, e compete á sociedade procurar evitar os abusos, e puni-los se existirem.

Pois podemos dizer, Sr. Presidente, que não

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haja a independencia do poder judicial, porque os Juizes poderão absolver o criminoso, e condemnar o innocente? Que não haja commandantes da força armada, porque ella poderá abusar, e transtornar o socego publico? Mas nestes casos o que faz a sociedade é estabelecer as possiveis garantias sobre o exercicio dos poderes do Estado, e punição destes abusos se os houver (apoiados). Se apparecer o caso, raro que seja, Sr. Presidente, em que se reconheça a necessidade e conveniencia de haver um Presidente do Conselho de Ministros sem pasta, não poderia ter logar a sua existencia sem que a Lei organica expressamente consignasse essa faculdade; eis-aqui o que tractou de fazer-se no artigo em discussão; e se assim não fosse poderia sustentar-se que a Lei o prohibia, quando só determinava que houvesse um Presidente do Conselho com pasta, e não o poderia haver sem pasta, ainda mesmo que as circumstancias e o bem do Estado assim o exigissem (apoiados). E isto é evidente, porque se houver uma Lei que diga — que se póde transitar em certa e determinada parte do Rocio, ou do Terreiro do Paço, é claro que se não póde transitar pelas outras partes destas duas praças. Era, portanto, necessario para quem não impugnou as doutrinas dos artigos 1.° e 2.°, reconhecer a conveniencia desta disposição do artigo 3.°, ou convencer que nunca se podia dar o caso de ser util e conveniente a sua prescripção; e como isto se não fez, e pelo contrario tenho demonstrado que póde haver hypothese de ser conveniente e necessaria a sua disposição, intendo que era indispensavel que ella viesse consignada na Lei, e muito mais quando se estabelece esta doutrina como excepção, e não como uma regra (apoiados). Mas o digno Par, continuando a impugnar a disposição deste artigo do projecto, perguntou qual era a circumstancia em que devia ter logar esta excepção da presidencia sem pasta? Respondo ao digno Par que não sei; e que ninguem o sabe senão quando o bem do Estado o exigir (apoiados). Já sobre este ponto se respondeu por parte da commissão, e ainda que não tenha a vaidade de que posso responder melhor, nem tão bem, como os meus illustres collegas, sempre direi duas palavras a este respeito. Pois o digno Par queria que na Lei se designassem os differentes casos em que devia haver Presidente sem pasta? Pois o digno Par não sabe, e a Camara toda, que é impossivel definir aquillo que é indefinível por sua natureza? E que a excepção por mais clara que fosse consignada no projecto, havia de haver casos que ficassem excluidos, e havia de apparecer outros que só com certas circumstancias deviam ser apreciados, e que sempre ficaria grande arbitrio a quem executasse a Lei (apoiados). E isto, como disse um digno Par, é uma phrase das Leis e da Carta, e eu digo mais — não é só da Carta, nem das nossas Leis, é do principio do mundo civilisado; pois o que é o salus populi? Pois já alguem definiu o que era a suprema Lei? Mo é possivel, e lá está a responsabilidade do poder que abusar para ser effectiva, se o poder ser, e no caso contrario será mais um acontecimento dos communs aos homens constituidos em sociedade. Portanto, tambem não póde proceder este argumento contra a doutrina do projecto (apoiados).

Mas a despeza? A despeza que se vai fazer com o augmento desta Secretaria de Estado, sobre o que se trocaram algumas idéas na Camara, entre o digno Par que combateu o projecto C os Srs. Ministros que o defenderam? Eu tractarei de defender o projecto, em quanto á despeza, sem ligar as minhas rasões com as de SS. Ex.ª, que procuraram atenuar a cifra da despeza, e essa não é a questão para mim, porque sustento a medida com todo o augmento da despeza, que possa produzir. As despezas em geral da nação consideram-se em primeiro logar quanto á necessidade de sua existencia; é indispensavel intender e definir bem este objecto, e quando digo que é necessario intende-lo e defini-lo bem, não me refiro ao digno Par, que o intende bem, mas estou defendendo esta questão como a intendo (O Sr. Conde de Thomar — apoiado). Aquillo que é preciso e indispensavel para uma nação existir como tal, ha-de obter-se custe o que custar, aliás não é nação, e estes são os principios que devem observar-se quando se tracta de recorrer á bolsa dos cidadãos. A liberdade, independencia, segurança interna e externa, e aquelles gosos que deve ter uma sociedade para ser nação, são condições essenciaes de sua existencia (apoiadas). Para tudo isto hão-de concorrer necessariamente os que gosam dos correspondentes beneficios na proporção dos seus haveres. Além desta primeira escala ha ainda outros objectos, a que é mister attender, mas tendo em consideração o calculo de qual é a necessidade e conveniencia da sua adopção, comparada com as despezas que de taes medidas podem resultar; e 6 este o caso do objecto em questão. Pois, Sr. Presidente, se acaso se póde dar, ainda que por excepção, em casos raros e extraordinarios, a necessidade e conveniencia de haver um Presidente do Conselho de Ministros sem pasta, poderá entrar em duvida que se devam gastar mais esses centos de mil réis para haver essa entidade politica em certas circumstancias, e quando o bem do Estado assim o exigir? Poderá haver algum argumento para mostrar que é mal empregada a quantia de tres contos de réis applicada a este fim? Ou mui pouco importante é a existencia deste alto funccionario ou a quantia que ella exige é muito bem empregada (apoiados).

Parece-me que não é preciso descer ao argumento e ás hypotheses apresentadas pelos Srs. Ministros para mostrar que este alto logar tendo de ser conferido a algum individuo que já seja empregado publico pouco augmento de despeza ha-de cansar, por ser só a do augmento do vencimento que já tinha; porque não preciso recorrer a essas rasões de atenuar a cifra da despeza, e acceito o argumento no campo de ser nova a despeza que resultar do serviço de Presidente sem pasta, porque essa quantia é tão pequena em comparação com as conveniencias do paiz, quando o bem do Estado exigir que haja esse funccionario, que julgo ser o dinheiro mais bem pago que a nação pode applicar (apoiados). E aqui não posso deixar, antes de concluir, de fazer referencia a um argumento do Sr. Conde de Thomar. S. Ex.ª combatendo estes argumentos dos Srs. Ministros, isto é, que nunca havia ser nomeado Presidente do Conselho sem pasta de um individuo que não exercesse qualquer emprego publico, e que tivesse já no orçamento uma verba de outro vencimento, disse, que esta idéa se podia combater, ale por ser opposta aos principios do progresso, e não sabia a rasão porque havendo uma grande capacidade que não tivesse emprego nem verba no orçamento, não podesse ser elevada á cathegoria de Presidente de Ministros sem pasta. Eu concordo que a hypothese dos Srs. Ministros é exacta, que será muito raro, que se realise a hypothese de ser elevado á Presidencia de Ministros quem não seja já empregado publico, e não tenha por isso alguma verba no orçamento, porque então seria um acerto de acaso, por mais esclarecido que fosse o individuo, mas que nunca tivesse gerido os negocios publicos, nem conhecimentos praticos, e cuja capacidade o recommendasse a ponto de merecer a escolha do Chefe do Poder Moderador para Presidente do Ministerio sem pasta. Mas, prescindindo destas rasões, aliás solidas, não vejo procedente o argumento do digno Par (apoiados).

E o que me parece que torna mais em relevo a improcedencia da argumentação do mesmo digno Par, é que, segundo a opinião de S. Ex.ª, fundada em rasões de progresso, devia acontecer exactamente o contrario do que S. Ex.ª enuncia, porque um homem de tão vasta capacidade, que por ella só, pela sua geral e elevada reputação fosse preconisado, e obtivesse o alto cargo de Presidente do Conselho de Ministros, não havia de ser para exercel-o sem pasta nenhuma: pelo contrario, havia de ser com duas ou tres repartições dos Ministerios! Não, senhores, não é provavel, nem mesmo possivel, que um homem destes possa ser Presidente de Conselho de Ministros não tendo exercido alguns empregos publicos (apoiados). Por tanto tambem este argumento não procede.

Sr. Presidente, eu estou cançado e doente, mas parece-me ter dito quanto intendi ser sufficiente para sustentar este projecto, e a Camara o avaliará como intender (muitos apoiados).

Vozes — Muito bem: muito bem.

O Sr. Conde de Thomar parece-lhe que a causa ministerial teria ganhado muito na discussão deste projecto, se por ventura a discussão tivesse começado pelas observações feitas n'uma das sessões passadas pelo digno Par o Sr. Ferrão, e que hoje foram cabalmente expendidas pelo Sr. Visconde de Algés; porque SS. Ex.ªs defenderam o projecto pelo unico lado, com as unicas razões com que se podia defender, e com a habilidade que os caracterisa; e tanto que se não tivesse a sua convicção formada sobre este objecto, ver-se-ía abalado, pelo modo como estes dignos Pares o defenderam.

O orador observa que, se combateu o projecto no campo em que o debate se passou, foi pelas proprias razões que o Sr. Visconde de Algés acabou de adduzir; foi porque os Srs. Ministros collocaram a questão onde não a deviam collocar: foi porque se apresentaram no Parlamento com uma medida de circumstancias para occorrer a um facto e circumstancias especiaes, quando ella devia ser uma lei organica.

Que toda a Camara se lembraria das razões que foram apresentadas pelos Srs. Ministros; que toda a Camara terá presente que no relatorio que precedeu o projecto apresentado na outra Camara, longe de tractarem desta medida organica, não tractaram senão da necessidade de adoptar a medida especial deste artigo 3.°, pelos motivos que SS. Ex.ªs se não encarregaram de desenvolver, e apenas tiveram a habilidade de enunciar na sua generalidade; e aqui disse que aproveitava a occasião para repetir pela terceira ou quarta vez umas perguntas que dirigira ao Sr. Ministro do Reino, e que S. Ex.ª não teve a bondade de responder nos longos discursos que se lhe ouviram nestes dias.

Que o Governo diz no seu relatório — que houveram motivos que exigiram n'outra época a necessidade da adopção desta medida, e que outros motivos a podem tornar necessaria; assim como de accôrdo com a commissão da outra casa diz, no relatorio que apresentou approvando o projecto, que já tinham sobrevindo obstaculos á Administração pela falta desta medida: — e assim que pergunta elle orador pela quinta vez aos Srs. Ministros — quaes foram os motivos que n'outra época reclamaram a necessidade da medida que está consignada no artigo 3.°? quaes foram os motivos que poderam tornar necessaria a disposição deste artigo? e quaes foram os embaraços que vieram á Administração pela falta desta medida?

Parece-lhe que estas perguntas não são tão futeis que não merecessem a resposta dos Srs. Ministros, tractando aliás de objectos estranhos á discussão.

O orador lembrou que disse quando entrou nesta discussão, que discutia o pensamento que achou no projecto dos Srs. Ministros, e não o parecer da commissão, e não foi por elogios que quizesse fazer á commissão que separou inteiramente a causa da commissão do pensamento do Ministerio; o orador viu que a illustre commissão queria salvar o Ministerio, e colloca-lo n'uma bella posição, o que o Governo deve agradecer á commissão; e não leva isso a mal o Sr. Conde, e muito mais quando ella está persuadida que approvava uma medida organica, que era reclamada pelas circumstancias (apoiados). Mas elle, membro da opposição, tinha diante de si o Ministerio que apresentou uma medida, a qual pede elle orador licença para dizer que o Governo apresentou esta medida sem estar devidamente habilitado para isso; porque se estivesse, teriam os Srs. Ministros pedido aos dignos Pares que tomaram a defeza do projecto, que os illustrassem, porque então a discussão tinha tomado outro rumo (apoiados), restando-lhe a elle orador o sentimento de que o não tivessem feito.

O primeiro motivo por que impugnou a proposta foi por ser uma medida pessoal, mas por que o dizia elle? S. Ex.ª o Sr. Visconde de Algés reconheceu que foi das razões adduzidas pelo Ministerio que elle orador tirou essa conclusão. Os Srs. Ministros, considerando a molestia do Duque de Saldanha como uma impossibilidade para gerir uma pasta, apresentaram esta medida, fundados nessa mesma impossibilidade. E sendo este o fundamento que teve o Governo, não se póde então extranhar que o orador considerasse esta medida como feita para circumstancias especiaes, mesmo porque os Srs. Ministros a sustentaram no parlamento, pela necessidade absoluta que (como SS. Ex.ªs disseram) havia de continuar a estar á frente dos negocios publicos o, Sr. Duque de Saldanha.

Que à Camara sabia que era exacto o que acabava de dizer, porque o ouviu aos Srs. Ministros (apoiados). E então de que maiores motivos precisava para considerar esta medida como pessoal?

Que se diga o que se disser; o facto verdadeiro é, que ninguem póde deixar de assim o considerar (apoiados), e nem a isso se respondeu por parte dos Srs. Ministros

O Sr. Visconde de Algés — V. Ex.ª dá licença que o interrompa?

O Sr. Conde de Thomar — Sim, Sr.

O Sr. Visconde de Algés — Eu disse ser minha opinião, e ainda é, que se não ha-de verificar na actual Administração o caso da Presidencia sem pasta no nobre Duque de Saldanha: logo, respondi a isso.

O Sr. Conde de Thomar — Mas V. Ex.ª deu-me uma resposta inteiramente contraria á que deram os Srs. Ministros: os fundamentos que SS. Ex.ªs produziram foram outros, e muito differentes.

O Sr. Visconde de Algés — No que eu insisto é em dizer, que se não ha-de verificar o largar uma pasta o nobre Duque de Saldanha, para ficar só com a Presidencia do Conselho.

O Sr. Conde de Thomar (continuando) apresentou com desenvolvimento as razões que já nos anteriores discursos tinha produzido, e a que não tinha visto que se tivesse dado resposta por parte dos Srs. Ministros, que assim tinham mostrado que a razão não estava da sua parte; e que mal, muito mal fizeram em deslocarem a questão — e não procurarem primeiro mostrar como podiam harmonisar o facto de ter o Sr. Duque de Palmella sido nomeado Presidente do Conselho sem pasta, para assistir aos debates parlamentares, com o facto desta proposta de um Presidente sem pasta, que não vem aos debates por doente, e que ao mesmo tempo não o está para ser Commandante em Chefe do Exercito.

Observou que tambem a sua posição, posição singular nesta casa, o obrigava a fazer certas considerações, que fez, sobre despeza. O orador receia que a pretexto da creação desta entidade se crie uma Secretaria, augmentando-se assim o numero dos empregados, e onerando o estado com os ordenados que hão-de perceber: á opposição cumpre estar muito vigilante sobre a applicação dos dinheiros publicos. Que os Sr. Ministros estavam todos os dias dando provas de que pouco ou nada se embaraçavam com as contas que tem de dar sobre o modo como administram a fazenda publica, depois do que praticaram, e estão ainda praticando, com os credores do Estado.

Que brevemente se ha-de entrar na discussão do orçamento (pois é já tempo disso), e que nessa occasião ha-de mostrar como se dão gratificações e forragens contra lei; e se fazem outras despezas illegaes, que é necessario que se patente em para que o publico tenha conhecimento dellas.

E fazendo muitas outras considerações, concluiu exigindo do Sr. Ministro que lhe respondesse ás perguntas já por tantas vezes feitas.

O Sr. Ministro do Reino está persuadido de que já respondeu ás perguntas do digno Par, mas como póde ser que o não fizesse com a clareza necessaria para poder ser intendido, vai de novo dar essas respostas; porque não tem nenhum interesse, e nunca teve, nem podia ter o intuito de deixar de responder, porque a idéa simples e singela do Governo deriva-se do conhecimento da necessidade da adopção desta medida, conhecimento que lhe proviera de um facto que, como se diz hoje, é um precedente.

Disse que tambem não tinha desejos de conflagrar a Camara, e que nunca o teve, nem desejou, e não deseja agora tirar as questões do seu verdadeiro campo; mas que não póde deixar de, não diria reagir, porque talvez se tome a palavra por inconveniente, mas de se justificar; porque sempre o fará assim que elle, ou algum dos seus collegas, fôr accusado, e sem razão, de apresentar a questão n'um campo differente daquelle em que ella devia ter sido tractada.

Que quem ouvisse alguns dos oradores que tomaram parte nesta discussão cuidaria que foi o Governo quem veio aqui declarar ao digno Par, que este projecto se devia tomar como pessoalmente destinado a ter effeito n'uma certa e determinada pessoa: que elle orador ou o seu collega da Fazenda vieram, sem disfarce, nem tergiversação apresentar aqui redondamente aquella declaração, e que a fizeram na outra Camara! Mas isso não é assim.

Por ventura deixou o Governo de ser accusado logo que o digno Par tomou a palavra, e já antes delle, por um outro e amigo delle orador, de que, com a apresentação deste projecto, tinham a idéa simples e exclusiva, de que esta disposição fosse aproveitar ao primeiro revolucionário do paiz! Epitheto que disse trazia á memoria, porque tornou o ponto muito mais saliente, e póde fazer despertar a reminiscencia dos dignos Pares; e que esta primeira accusação, não dúvida, não hesita que foi uma sentença proferida pelo digno. Par, que caiu sobre as cabeças dos Ministros.

Accrescentou que tinha tido uma sinceridade, de que aliás se não arrependia, não obstante que um digno Par, que elle Sr. Ministro muito respeita e estima, já hoje disse, que se elle fora governo não diria o que nós dissemos (O Sr. Visconde d'Algés — Apoiado): porque se o orador o fez assim, foi porque se persuadiu de que ficava o pensamento casto, como tinha sido antes de apresentada esta declaração; se houvera malicia não o diria. Porque havia sinceridade e candura é que expôz o que tinha dado logar a pensar-se na conveniencia da apresentação deste projecto; e comtudo como o disse? Que o estado, na verdade, pouco saudavel do Presidente do Conselho dera occasião (palavra sua) a esta proposta. Foi a occasião que despertou ao Governo a necessidade de prover para casos como aquelle, que já se linha dado outra vez, e que trouxera embaraços ao Governo, os quaes logo diria quaes elles foram! E o digno Par traduziu occasião por fundamento; traducção muito livremente feita, que elle orador não admitte que se faça dos seus pensamentos e palavras, sob pena dê dizer ao digno Par, que é um máo traductor: de que o digno Par não se poderá queixar, e ter isto por offensa, porque seria fazer muita injuria aos seus conhecimentos da lingoa que fallamos, o suppôr que S. Ex.ª intendia, que o fundamento de fazer uma cousa, é o mesmo que o dizer-se, que houve occasião de fazer-se essa cousa; que o digno Par não perdia nada do seu merecimento em repetir a propria palavra, pois não lhe resultava utilidade em adulterar e desfigurar as palavras, nem o pensamento do Sr. Ministro! Occasião é occasião; fundamento é fundamento: duas cousas inteiramente distinctas; não se equivoque uma com outra, porque se o aggredirem com taes armas, disse que as faria quebrar nas mãos dos seus inimigos. Ainda tem vigor e pulso para isso. (O Sr. Conde de Thomar — Apoiado.) A verdade é que é a sua espada; ao menos aquillo que elle presume que é a verdade.

Mas ainda ha mais. O Sr. Ministro crê que, ou as suas palavras se perderam no vago destas abobadas, ou que não soube o que pronunciou, e talvez mesmo que perdesse o siso, porque não nega que o digno Par algumas vezes o força quasi a perde-lo! Ao orador affigura-se-lhe que a maior parte da sua argumentação se dirigiu a provar, que não havia tal pessoalidade; e vai até despertar a reminiscencia da Camara para uma frase, que o digno Par lhe censurou com muitissima graça, repetindo-a muito, para o fazer encolher as azas (por assim se explicar).

Disse elle orador então «não ha essa pessoalidade que vós accusaes, não se tracta do Presidente do Conselho que está muitissimo melhor.» Este muitissimo melhor, não o trouxe como correio de novas, mas para mostrar que não havia exclusivamente a idéa da parte do Governo de fazer realisar a lei na pessoa do Presidente do Conselho, porque a respeito de doença, elle estava muitissimo melhor.

Que a razão que dava póde ser que não convença, mas declara que nunca assentiu, nem póde assentir, á conclusão que o digno Par tirou, de que este projecto era para se realisar na pessoa do Presidente do Conselho! Era possivel que elle Sr. Ministro não defendesse bem o projecto, mas que conviesse em authorisar o digno Par para fazer o seu argumento pelas declarações delle orador, que isso não é assim. (O Sr. Conde de Thomar — Lá estão os discursos impressos.) O orador — Os discursos já lá vão uns, e hão-de apparecer outros; eu, pela minha palavra de honra declaro, que não alterei cousa nenhuma, (O Sr. Conde de Thomar — Pois lá é que está) O orador — Parece que o digno Par viu os meus discursos primeiro do que eu (riso). Em fim vamos ao caso.

Reflectiu que um digno Par o tinha censurado de fazer a declaração que fez: que acceita a censura, porque aquella declaração não foi recebida como devia ser, e a questão saiu fora do seu campo. Mas ao mesmo tempo pediu que lhe dissessem se ella saiu do seu campo, quando pela primeira vez respondeu, satisfazendo aos argumentos do. seu antigo amigo Visconde de Laborim? Não saiu, não; e o Sr. Visconde de Laborim não é daquelles que falla com menos vigor, e com menos vehemencia; não diz violencia, mas após dessa vehemencia, veio a violencia do Sr. Conde de Thomar: então choveram os epithetos, então oh Deos!... Nem quer lembrar á Camara. (O Sr. Conde de Thomar - Peço a palavra.) Que remedio tinha elle Ministro senão seguir o digno Par? Aliás dir-se-ia, que não tinha que responder. Pelo menos ha-de-se permittir, que a culpa não foi exclusivamente do Governo: o orador não se quer desculpar a si com as provocações do digno Par, porque talvez se diga, que não devia fazer caso disso, que devia sustentar-se no seu campo. Tudo isso póde ser, mas que não se diga, que foi elle quem poz a questão fora do seu campo.

Que o digno Par, faltando do artigo 3.° do projecto, dissera que o Governo nunca declarou quaes foram os motivos que teve para exarar esta provisão, pois que os que apresentou o Sr. Visconde de Algés eram delle, eram da commissão; mas que o Governo muitas vezes instado que os declarasse, nunca os declarou! Ao que respondia, que não sabe, não se recorda se foi instado muitas vezes; 0 que sabe é que tractou este projecto na discussão da generalidade, quanto aos seus primeiros dois artigos, como regra geral, e que tractou o artigo 3.° como excepção a essa regra: sabe que empregou todos os argumentos que lhe suggeriu a sua pouca ou muita habilidade, para mostrar que o digno Par considerára a regra como excepção, e a excepção

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como regra geral, pois que na verdade todos os artigos de S. Ex.ª se referiam á pessoalidade que descobriu no projecto! Que de balde procurou mostrar-lhe que não havia aqui tal pessoalidade, pois S. Ex.ª não se demoveu, e dahi veio essa torrente de periodos que já passaram! Quaes haviam de ser os motivos que o digno Par queria que o Governo lhe desse da inserção deste artigo 3.°? Não podem ser outros, além daquelles que apresentou o Sr. Visconde de Algés, muito melhor do que elle orador, porque o fez mais concisamente, expondo com melhor methodo, que o delle Sr. Ministro, o que já elle Ministro tinha exposto, porque enunciou os mesmos motivos; e poderia para o mostrar, fazer agora aqui uma especie de 2.ª edição do 1.º discurso, se as 2.ªs edições dos discursos não fossem sempre peiores do que as primeiras, ao contrario do que de ordinario acontece com as 2.ªs edições escriptas. Na verdade a 2.ª edição de um discurso é triste cousa, é insuportável, e portanto não o fará; mas não lhe ouviu a Camara dizer: ha occasiões em que um homem valle a fortuna de um paiz, a sua segurança, a sua paz e n'uma palavra, vale immensas vantagens! Mas este homem não podendo ser chefe de uma repartição do Estado, em taes termos, em taes circumstancias, quereis vós que o Estado se prive de ter um Presidente do Conselho, que pode ser tudo isto?! Pois se elle por muitas razões, que é escusado dizer, mas que podem ser variadissimas, não poder gerir os negocios de uma repartição? Se disse isto, como disse, se a Camara o ouviu; se estas são as razões que então deu, e que hoje sómente menciona por extracto; que importa que as tivesse dado por modo de interrogação, ou argumentativamente? Que importa que fosse, não prosaicamente para o digno Par ir seguindo o nominativo, e o verbo e o caso; mas com alguma paixão, com a paixão que, confessa, o dominava pelo sentimento de vêr ultrajar o Ministerio e ao seu Presidente: e por esta occasião julga necessario advertir, que admira em alguns cavalheiros a sua susceptibilidade! Um pequeno ataque os offende, mas elles podem desfechar o carcaz cheio de settas, porque tudo lhes é permittido; e quando essas settas ferem e repassam os peitos dos Ministros dizem sofrei para ahi, e sede imitadores de S. Sebastião; mas esse estava preso (riso).

Que quanto aos motivos por que o Governo inseriu neste projecto o artigo 3.° — além dos que ficam expostos, observou que o digno Par, o Sr. Visconde de Algés dissera perfeitamente — que se este artigo não fosse na Lei, podiam dar-se, como S. Ex.ª demonstrou, como elle orador quiz demonstrar, porque não se gaba de o ter conseguido, muitos e muitos casos se podiam dar em que apparecesse a necessidade de que faz menção, de um Presidente do Conselho que não gerisse uma repartição, e tendo o digno Par demonstrado perfeitamente, seguia-se que o projecto ficava imperfeito sem esta provisão. O Sr. Ministro desejava soccorrer-se a todas as suas frases, assim como se soccorre ás suas razões. Se se der o caso, que já se deu, que seja importantissimo para a causa publica, que haja um Presidente do Conselho sem gerir uma repartição; ha-de-se parar diante dessa necessidade porque a Lei só authorisa a presidencia do Conselho em um homem que gerir uma pasta; dá-la a outro que não esteja nestas circumstancias é prohibido pela Lei; pois desde que limita a presidencia ao Ministro que gere uma repartição, não é permittido ao Poder moderador nomear um Presidente do Conselho sem pasta. — Isto e inconcusso e de tal evidencia, que nem é necessario gastar muito tempo em explica-lo, e assim como toda a Camara intendeu isto, o digno Par tambem o intenderia se não estivesse apaixonado (apoiados): que com-tudo S. Ex.ª diz agora, que explique o Governo o pensamento do relatorio que apresentou na outra Camara, o que passou a fazer, lendo diversos periodos do mesmo e comentando-os.

O Sr. Conde de Thomar — E os motivos e embaraços que vieram á Administração?

O orador disse que tudo explicaria se o digno Par lhe continuasse a sua benevolencia de o ouvir; e passou a perguntar, e a responder por este modo, para mostrar esses embaraços.

Estava em 1834 estabelecido entre nós o systema constitucional? Estava: houve algum embaraço, durante este tempo, para occorrer á necessidade de nomear um Presidente sem pasta? Houve: qual foi? Uma furiosíssima opposição na outra Camara contra o Governo, por ter, dizia ella, infringido a Carta e as Leis, creando funcções e empregas, que só ao Corpo legislativo pertencia fazer. E não será isto um embaraço para todo o Governo, e principalmente para um Governo que não quer passar, na presença do Parlamento, por inimigo do systema constitucional? (Apoiados.) Se um Governo qualquer se não achar embaraçado com estes motivos, então não se acha embaraçado com cousa alguma, nem é digno de occupar o seu logar perante as Camaras, e debaixo dos auspícios da Carta (apoiados).

Que assim ficam explicados os embaraços em que o Governo se viu; muitos, graves e gravissimos; e elle orador sente não estar agora aqui o seu collega, o Sr. Ministro da Marinha, e dos Negocios Estrangeiros, porque elle podia dizer que brilhante figura fez então, atacando o Ministerio (riso). Pois isso não são embaraços?!

O orador, continuando na sua demonstração, passou a mostrar como os motivos para a presidencia sem pasta em 1838, não eram os mesmos, e nem podiam ser os mesmos desta Lei.

Que as circumstancias em que o Sr. Duque de Palmella se achara, eram mui diversas das de agora; porque ellas são variaveis conforme os tempos, as necessidades politicas, as previsões humanas, a força dos acontecimentos, e que mil outras causas, impossiveis de enumerar, podem fazer nascer.

Debaixo deste ponto de vista considerou os argumentos do Sr. Conde de Thomar, quanto á presidência do Conselho sem pasta, reunida ao Cominando em Chefe; por isso que, não se tractando de objectos identicos, visto que o trabalho do Cominando em Chefe era muito menor que o da direcção de uma das Secretarias de Estado, o argumento caia por falta de base; ao mesmo tempo que não sendo pessoal esta Lei, não se podia argumentar da situação em que se achava uma certa personagem na occasião em que se fez a proposta, com o que seria depois da proposta se achar convertida em Lei.

O Sr. Ministro demorou-se muito, desenvolvendo as razões com que combatia, por todos os lados por onde podia encarar-se, o argumento que se lhe tinha opposto.

Disse mais que tinha apparecido outro argumento, grande, dilatado, muito esmiuçado, e exposto aqui, para fazer effeito, pelo digno Par, sobre a despeza que custaria, quando se verificasse, esta presidencia do Conselho sem o direcção dos negocios de uma repartição: que a este argumento não sabia o Sr. Ministro se respondeu bem, mas fe-lo excellentemente, e como sempre costuma responder o digno Par o Sr. Visconde de Algés. Que os Ministros, primeiro o seu collega da fazenda, e depois elle orador, tractaram de mostrar, que nunca se podia avaliar pelo custo de algum dinheiro, uma medida que se julgasse util, necessaria, e importante para o paiz: que era quasi impossivel que um homem chamado a occupar o logar de Presidente do Conselho de Ministros, sem direcção de uma repartição, não fosse um homem de muito merecimento, o que reunido a outras qualidades o tivesse feito já muito conhecido pelos seus serviços feitos ao Estado; e em tal caso era evidente que elle perceberia, fosse por que motivo fosse, algum vencimento dos cofres do Thesouro publico; e que nesse caso a differença, se a houvesse, seria insignificante: que foi isto o que disse o seu collega, e que elle repetiu, mas que ainda não foi destruido; e produziu este argumento para attenuar a idéa de uma grande despeza que o digno Par imaginou que se faria: e ainda imaginou outra despeza, e foi a que S. Ex.ª disse se faria com uma Secretaria da presidencia do Conselho, que elle desconfia virá a crear-se: que a este respeito já elle Sr. Ministro tinha mostrado, e agora repetia, que é fora de toda a probabilidade que tal repartição venha a estabelecer-se, porque os Ministros não se lembram de lai; e se isso acontecesse, o digno Par ahi estava no seu logar para combater essa creação.

Que tambem agora dizia, como já disse, que em quanto a marcar quaes devem ser os negocios que infallivelmente os Ministros deverão apresentar ao Conselho de Estado, isso, como o digno Par sabe muito bem, é do interesse immediato de todos os Ministros faze-lo, para dividir a responsabilidade por todos: e que assim, a que proposito marcar na Lei esses casos? Só se imagina o homem de muito pouco senso, ou de nenhum, que queira tomar sómente sobre si o que todos gostam de dividir pelos outros pára o aligeirarem em si; ou um homem que pretenda fazer alguma cousa sem conhecimento dos seus collegas, o que já entra n'outra ordem de ideas, a que se não obsta por a Lei como a deseja o digno Par.

Que o que sempre se praticou, mesmo no tempo em que o digno Par esteve nos Conselhos da Corôa, foi o apresentar qualquer Ministro em Conselho a medida que intende ser conveniente ao paiz, porque S. Ex.ª sabe bem, que o que os Ministros desejam é ter o accôrdo dos seus collegas para se fortificarem nelle; e como pode haver esse accôrdo, sem que essas medidas se apresentem no Conselho de Estado? Demais elle Sr. Ministro já disse que apresentaria aos seus collegas a idéa de se formar um regulamento para este serviço; quando se der, se se der, o caso da presidencia sem pasta; e até mesmo para as circumstancias actuaes, em que o Presidente do Conselho dirige uma repartição do Estado, porque com esse regulamento certamente se fará melhor o serviço (apoiados).

O orador está na crença de que lhe não falte responder a nenhum ponto importante que tocasse o digno Par; nem julga tambem que deixasse de satisfazer ás perguntas que S. Ex.ª lhe fez, e por isso nada mais diz.

O Sr. Visconde de Algés — Sr. Presidente, eu tomo muito á risca a observancia do preceito que ha pouco expendeu aqui o Sr. Ministro do Reino, e foi, que as segundas edições dos discursos são sempre enfadonhas; e não serei eu que queira agora apresentar aqui a segunda edição do discurso que esta Camara me ouviu hoje. Pedi a palavra para fazer algumas reflexões sobre o que se disse em resposta ao meu discurso.

Disse o digno Par o Sr. Conde de Thomar, que eu me achava em opposição com o que tinham dito os Srs. Ministros em quanto á permanencia do nobre Duque de Saldanha á frente da actual situação. Responderei que eu estou perfeitamente de accôrdo com o Sr. Ministro do Reino sobre este ponto: e digo-o com toda a franqueza, porque eu nunca tenho duvida de manifestar o que sinto: repito, Sr. Presidente, que estou na mesma idéa que tem o Sr. Ministro do Reino e os seus collegas, e amigos politicos, sobre a conveniencia que ha na conservação da actual Presidencia do Conselho, mas com a pasta da Guerra, na pessoa do nobre Duque de Saldanha e só nisto poderia haver discrepancia entre mim, e os Srs. Ministros: e isto aconselhei eu a S. Ex.ª mesmo quando essa opinião não era de ninguem, mas já era minha, e ainda hoje é a mesma, de que não se deve fazer nenhuma innovação na fórma e estado politico dá administração. Confesso que não discordei dos Srs. Ministros sobre este ponto, mas intendi que SS. Ex.ªs sem necessidade nem conveniencia tinham declarado francamente que havia ô pensamento de verificar esta medida na pessoa do nobre Duque de Saldanha, e foi em vista disto que eu disse, que se fora Ministro não faria esta declaração no Parlamento, porque o projecto era muito defensavel, como uma medida politica e organica para a boa administração do Estado, sem nenhuma razão pessoal (apoiados).

Ora, o digno Par o Sr. Conde de Thomar insistiu em que lhe parecia não se ter demonstrado que o artigo 3. era uma consequencia dos dois primeiros artigos: permitta S. Ex.ª que eu lhe diga, que me parece te-lo evidentemente demonstrado, e desde que eu provei que se podia dar a hypothese da conveniencia e utilidade de que haja um Presidente sem pasta, tenho demonstrado a necessidade de ir aqui este artigo 3.° (apoiados); por quanto, se não fosse nesta Lei prevista a hypothese de haver um Presidente do Conselho sem pasta, não poderia isso fazer-se no futuro, quando tal viesse ao pensamento do respectivo Poder, porque se lhe oppunha a Lei. Vê-se portanto, que tendo eu demonstrado que póde haver casos e hypotheses que façam conhecer ser util e necessario que haja um Presidente sem pasta, é por isso claro que se não fosse aqui este artigo 3.°, o projecto ficava incompleto (apoiados); mesmo porque a materia delle é a consequencia logica do que se contém nos dois primeiros artigos.

Pelo que respeita á despeza direi, que me esqueceu fallar de uma circumstancia, quando tomei a palavra a primeira vez; agora, porém, o farei.

Disse-se, que atraz da creação do logar de Presidente do Conselho sem pasta, viria também a creação de uma nova Secretaria. Creio que não, Sr. Presidente, porque desde que a lei não cria uma Secretaria de Estado especial, ella não se póde crear: mesmo porque essa Secretaria havia de ter um Chefe, e empregados, que necessariamente tinham direito a receber ordenados, e nada disto se póde fazer, sem lei que o authorise: e além disto não me parece necessario que a haja, porque nós vimos que houve, desde 1834 até Abril de 1835, um Presidente do Conselho sem pasta, e não vimos crear nenhuma Secretaria nova junto a esse logar. Todavia não é máo, que apesar de não se tractar disso na lei, aqui se diga alguma coisa, sobre o modo de exercer a Presidencia sem pasta. Convém, porém, attender a que o Presidente do Conselho não ha-de mandar fazer os officios pelos seus criados, ou pelos seus familiares, ha-de ter necessidade de alguem que faça isso: e eu creio que na época que referi se exerceram esses trabalhos pelo Ministerio do Reino; e então dada identica circumstancia, póde isso fazer-se como então se fez. Accrescentarei que, como sabem muitos dignos Pares que aqui estão, o que já foram Ministros da Corôa, grande parte da Secretaria da Presidencia é feita pelos proprios Ministros, porque são trabalhos feitos entre elles e o seu Presidente, e o que alli se delibera, passa a um livro de actas que eu já tive a honra de redigir, e tambem o digno Par o Sr. Conde de Thomar, quando fizemos parte da Administração, o qual livro é reservado. Acho; porém, que não é fóra de proposito, e consignar-se nesta discussão a idéa de que os trabalhos da Secretaria da Presidencia do Conselho sem pasta, serão feitos pelos empregados do Ministerio do Reino.

O digno Par o Sr. Conde de Thomar tambem me não intendeu em quanto ao argumento da despeza da Presidencia som pasta: é verdade que S. Ex.ª disse que estava de accôrdo comigo em quanto á idéa de que se devem fazer todas as despezas que se julgar serem necessarias para sustentar a independencia e decoro da nação, e a sua liberdade, e para a sua segurança interna e externa: — isto, Sr. Presidente, é um principio certo, e sem o qual uma nação deixaria de o ser. É facto que eu disse isso, mas tambem é facto verdadeiro que eu não inclui nessa especie a Presidencia do Conselho sem pasta, porque uma nação póde ter independencia e liberdade, e tudo, e não ter a Presidencia sem pasta (apoiados): — e então disse eu que outros objectos haveria que se possam julgar uteis e necessarios, «em ser preciso averiguar se merecerão a despeza que se fizer com isso, e accrescentei, que se se provasse a necessidade e conveniencia da Presidencia sem pasta, era mesquinha a despeza que se fazia a mais, logo essa pequena despeza não podia servir de argumento para se rejeitar o projecto (apoiados)!

O digno Par o Sr. Conde de Thomar desejou que se fizesse declaração dos objectos importantes que deviam tractar-se no Conselho (O Sr. Conde de Thomar — Um regulamento).

O orador — Dessa fórma não posso deixar de convir, mas S. Ex.ª tambem ha-de concordar, que ainda assim torna-se necessaria a disposição geral (apoiados). Deffine-se o que se póde, e é possivel deffinir, mas depois deve concluir-se com a disposição de que se comprehende tudo mais que fôr importante, e que entra na responsabilidade de cada um dos Ministros, pois que o mesmo regulamento ha-de prescrever o modo, como os negocios hão-de ir preparados a conselho, segundo a gerencia methodica e conveniente.

Eu não quero cançar mais a Camara, porque só pertendia dar esta explicação com referencia á primeira edição, pois que tambem não gosto, nem uso das segundas edições, e espero que nem se me gaste a primeira (riso).

O Sr. Conde de Thomar folga muito de que o digno Par estivesse inteiramente de accôrdo com a necessidade do regulamento, em que se devem especificar os casos importantes, muito embora ainda assim se consigne a disposição geral, que se acha aqui. Foi essa exactamente a lembrança que fez ao Sr. Ministro do Reino, com a qual S. Ex.ª se conformou ao principio, ainda que mostre agora não estar já muito de accôrdo (O Sr. Ministro do Reino — Eis ahi está a minha infelicidade! Cuidei que o digno Par tinha ficado descançado com a declaração que eu fiz, de que a sua observação havia de ser tomada na mais séria contemplação, e que a apresentaria aos meus collegas!)

O orador — Parecia-me que S. Ex.ª tinha dito, que era quasi absolutamente impossivel especificar (O Sr. Ministro do Reino — No regulamento, não). — Bem, então se estamos de accôrdo, não haja questão.

Sente que o Sr. Ministro do Reino, vendo, que esta discussão marchava tão placida, quizesse fazer uma segunda edição do seu ultimo discurso, fazendo reviver objectos que deviam, agora estar já bem longo da discussão do projecto! Comtudo não imitára o exemplo de S. Ex.ª, quer só mostrar-lhe, que foi injusto quando disse, que tinha sido elle orador a causa das provocações; ahi está o seu discurso publicado, e ahi está o testimunho da Camara, de que ao principio só fallára da apresentação deste, projecto de lei, com o fundamento de que o Sr. Duque de Saldanha, dizendo-se que não podia ser Presidente do Conselho, e ao mesmo tempo gerir uma pasta, ao mesmo tempo que linha a pertenção de ser Presidente do Conselho, e conservar o Cominando em Chefe! Tambem não ha dúvida nenhuma, de que então chamou ao Sr. Duque de Saldanha o primeiro revolucionario do paiz; foi esta a unica accusação que sahio da sua bocca, e perguntava, se ella não estava inteiramente conforme com o que se contém em diversos actos assignados por S. Ex.ª mesmo?!

Isto não era mais do que ir ao principio gerador da situação, como então disse, o pergunta se isso demandava da parte do Sr. Ministro do Reino as accusações, provocações e recriminações que lhe dirigio?!

Pergunta se para se mostrar que o Sr. Duque de Saldanha não era o primeiro revolucionario, seria necessario fallar em Camillos, camellos e Aljubarrotas?! Se tambem seria necessario que o digno Par que fallou do lado da maioria viesse com allusões a castellos e jardins?! Perguntou se aquella accusação em taes termos, e circumstancias reconhecidas, justificaria o comportamento dos Srs. Ministros, e do digno Par que lhes sustenta a sua politica?!

Lembrou, que era necessario ter presente o que occorreu na sessão passada.

O orador não quer que S. Ex.ª esteja preso como S. Sebastião, mas parece que attendendo-se á sua posição, tambem nem por isso o deve deixar estar muito descançado como o Menino Jesus no berço. (O Sr. Ministro do Reino — Esse bem pouco descançado esteve.)

Disse que ha de pedir-lhes conta dos seus actos, porque na posição em que se acha tem direito a pedir ao Ministerio o cumprimento das promessas que fizeram para gerirem melhor do que os seus antecessores!

Em quanto á questão da despeza, respondendo ao Sr. Visconde Algés disse, que, já lhe tinha feito ver, que estava de accôrdo com a sua doutrina; mas que tambem é verdade, que ninguem deverá deixar de estar de accôrdo com o que elle disse — de que todas quantas despezas se podem dispensar as devemos economisar, porque tias nossas circumstancias financeiras, e depois das medidas violentas que foram adoptadas relativamente á divida interna e externa, o Governo para se mostrar um Governo de boa fé e honra, devia marchar com toda a cautela pelo que diz respeito a despezas novas (apoiados).

Pediu licença para dizer que as suas observações não são deslocadas, pelo fundamento (leque o projecto não falla em despeza de nenhuma Secretaria!

Se visse o digno Par á frente dos negocios, podia ter a certeza de que S. Ex.ª, pelos factos, havia de justificar as suas palavras, mas quando vê que os Srs. Ministros fazem o contrario do que se acha nas Leis, não póde ter confiança nelles, e todas as cautelas são poucas na presença dos actos de S. Ex.ªs

Ainda que alguem possa crer, que no projecto está consignada a doutrina de que o Presidente do Conselho sem pasta não póde de fórma alguma ingerir-se nos negocios relativos ás diferentes repartições, acha o orador que se póde verificar esse abuso; e seria conveniente, que na lei se declarasse isso mesmo.

Tambem intende que sendo necessario quaesquer empregados para o expediente da Presidencia do Conselho, não se devem procurar empregados novos, e sim devem ser tirados das Secretarias para servirem em commissão, sem augmento de vencimento ou gratificação. Neste sentido mandou para a Mesa uma proposta, com cuja approvação não conta, mas como sobre ella. os Srs. Ministros terão de fazer alguma declaração, isso mesmo lhe servirá para no futuro pedir a sua responsabilidade. É um additamento de que não faz questão do logar, nem da redacção (leu):

«Additamento. — 1.º O Presidente do Conselho sem pasta não poderá em caso algum ingerir-se na expedição, ou resolução dos negocios, que especialmente pertencem a cada um dos Ministerios existentes. — 2.º Os empregados que de futuro tiverem de ser chamados ao expediente dos negocios da Presidencia sem pasta serão necessariamente tirados (em commissão) dos Ministerios existentes, e não terão por isso direito a gratificação alguma, devendo continuar a receber os seus vencimentos pela repartição a que pertencerem. Camara dos Pares, 18 de Junho de 1855. = Conde de Thomar.»

Se fôr rejeitado, disse que pedia ao menos a declaração do Governo.

O Sr. Presidente — Vou perguntar á Camara se admitte á discussão a additamento juntamente com o artigo.

Foi admittido.

O Sr. Ministro do Reino julga que o digno Par se contentará com a declaração que faz, em nome do Governo, de que a gerencia incompetente nunca se dará, sem embargo de que a Presidente do Conselho possa ir á Secretaria do Reino, ou a outra qualquer fallar com o seu collega, e até dar-lhe algum conselho, ou expôr-lhe o que determina como Presidente da Administração.

Que outrosim declara, que nunca se hão de nomear empregados de fora para o serviço da

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presidencia do Conselho: quando forem necessarios, que hão de sair das repartições do Estado, sem mais retribuição alguma.

O Sr. Conde de Thomar — Como elle orador havia já declarado que não teria duvida em se dar por satisfeito com uma declaração cathegorica dos Srs. Ministros, pede licença para retirar o additamento, desejando que se tome nota na acta de qual foi a declaração do Governo (apoiados).

A Camara conveiu em que se retirasse o additamento; e approvou que se mencionasse na acta a declaração feita pelo Sr. Ministro.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Eu desejava que o Sr. Ministro do Reino houvesse de dar a sua opinião sobre a pergunta que vou fazer, e é, se S. Ex.ª intende que o Presidente do Conselho de Ministros póde exercer qualquer emprego publico, que seja dependente de qualquer dos outros Ministros, sem inconveniencia do serviço?

O Sr. Ministro do Reino — Quando por ventura se chegar a tractar desta questão, eu prometto ao digno Par que hei-de dar a minha opinião; mas agora não a dou, porque S. Ex.ª me perdoará que lhe diga que não é esta realmente a occasião para isso (apoiados).

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Eu devo dizer a S. Ex.ª que não me satisfaz a resposta que deu. S. Ex.ª póde dar a resposta que quizer, mas eu, fazendo uma interpellação, posso dizer se me contento, ou não com a resposta (apoiados).

O Sr. Presidente — Ninguem mais tem a palavra, portanto vou pôr á votação o artigo 3.°

3.° Foi approvado.

4.° Approvado.

5.º Approvado, e a mesma redacção.

O Sr. Presidente — Lembro ás commissões que é muito necessario aproveitarem o dia de ámanhã para se apromptarem alguns pareceres.

O Sr. Visconde de Algés — Eu, se V. Em.ª me dá licença, mando já para a Mesa um parecer da commissão de administração publica sobre objecto de importancia. Era Relator o Sr. José Maria Eugenio, que não se acha presente, mas para se ganhar tempo se a Camara concorda póde mesmo assim tomar-se conta do parecer para se mandar imprimir (apoiados).

O Sr. Presidente — A sessão seguinte será na quarta-feira, e a ordem do dia os mais projectos que já vinham para a de hoje. — Está levantada a sessão.

Passava das cinco horas e meia.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 18 do corrente.

Os Srs. Cardeal Patriarcha; Silva Carvalho; Marquezes de Fronteira, e de Vallada; Arcebispo Bispo Conde; Condes das Alcaçovas, da Arrochella, do Bomfim, de Fonte Nova, da Louzã (D. João), de Mello, de Mesquitella, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, e de Thomar; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, de Laborim, de Nossa Senhora da Luz, de Monforte, e de Sá da Bandeira; Barões de Chancelleiros, de Pernes, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Ferrão, Aguiar, Larcher, Guedes, Eugenio de Almeida, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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