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CAMARA DOS DIGNOS PARES

EXTRACTO DA SESSÃO DE 11 DE AGOSTO.

Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim, vice-presidente.

Secretários os srs. Conde da Louzã (D. João)

Conde de Linhares.

Sendo duas horas e meia da tarde fez-se a chamada, e não havendo ainda numero legal de Dignos Pares para se abrir a sessão

O Sr. Marquez de Vallada lembrou que tinha pedido hontem a palavra antes da ordem do dia, para dirigir algumas perguntas ao illustre Presidente do Conselho, mas comparecendo S. Ex.ª quando se discutia uma lei importante, alguns dos Dignos Pares pediram-lhe para não usar da palavra então, ao que elle orador annuiu por cortezia para não interromper a discussão, reservado para quando fossem discutidos todos os artigos do projecto, dirigir então as suas perguntas ao Sr. Presidente do Conselho; mas que. quando acabou a discussão, a Camara estava fatigada tinha dado a hora, e não lhe parecia opportuno usar da palavra; dirigiu-se pois ao Sr. Presidente do Conselho, e pediu a S. Ex.ª que tivesse a bondade de dizer se effectivamente podia comparecer na sessão de hoje?... S. Ex.ª comprometteu-se a isso, e auctorisou o mesmo para dizer que hoje havia de comparecer na Camara para isso. Em virtude disto, pede agora a palavra para lembrar á Camara esta circumstancia, afim de que se lhe conceda a palavra logo que entrar o Sr. Presidente do Conselho, qualquer que seja a ordem do dia, quer antes, quer depois della, porque hoje não cede de fórma alguma do seu direito (apoiados), mesmo porque não ha lei nenhuma importante que seja perturbada pelo uso que faça da palavra. O Sr. Presidente — Digo a V. Ex.ª que, independente das observações que acaba de fazer, logo que chegasse o Sr. Presidente do Conselho, havia de cumprir o meu dever.

O Sr. Marquez de Vallada - Agradeço a V. Ex.ª

O Sr. Marquez de Ficalho— O Sr. Ministro do Reino ficou de vir hoje aqui, e nós devemos esperal-o por causa desta lei dos cereaes. O Governo não póde deixar de ficar armado desta medida, que se torna muito urgente, visto que as noticias que vão chegando são cada vez mais aterradoras.

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O Sr. Marquez de Fronteira — Eu estou d'accordo com o que S. Ex.ª diz; mas se o Sr. Ministro não comparecer é porque póde passar muito bem sem essa lei.

(Pausa.)

O Sr. Marquez de Fronteira — V. Ex.ª já recebeu resposta da participação telegraphica que se dirigiu ao Sr. Ministro do Reino?

O Sr. Presidente — Ainda não, senhor.

O Sr. Marquez de Vallada — V. Ex.ª fez a participação para a Secretaria do Reino, e eu pedia que dirigisse outra para a dos Estrangeiros.

(Pausa.)

O Sr. Marquez de Vallada — Com quanto o Sr. Ministro do Reino não tenha iniciativa neste projecto, como S. Ex.ª é Presidente do Conselho, e por consequencia Chefe do Gabinete, intendo, e deve-se intender em boa philosophia politica, que o pensamento do Governo está emS. Ex.ª; parece-me pois que sobre um projecto de tanta gravidade e importancia, como é este dos cereaes, embora elle pertença ao Sr. Ministro das Obras Publicas, deve ser ouvido o Sr. Ministro do Reino; por consequencia, não havendo ainda proposta alguma a este respeito, faço-a eu; vem a ser —que este projecto se não discuta em quanto S. Ex.ª não estiver no seu logar.

Vozes — Não está dado para ordem do dia.

O Sr. Marquez de Vallada— Seja quando fôr; eu exijo a presença do Sr. Presidente do Conselho.

(Entraram os Srs. Ministros da Marinha e da Fazenda.)

O Sr. Presidente — Ha numero, vai lêr-se.

Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

Dois officios da Camara dos Senhores Deputados, remettendo os seguintes projectos de lei:

1.º Sobre a concessão de uma pensão a Manoel Nunes Chanto. — À commissão de fazenda.

2.° Sobre ser auctorisada a Camara municipal de Coimbra a levantar um emprestimo para a reconstrucção da rua de Coruche, da mesma cidade. — Ás commissões de fazenda, e de obras publicas.

0 Sr. Conde de Linhares—Sr. Presidente, na sessão de 6 de Agosto corrente, tendo logar a segunda leitura de uma proposta que tive a honra demandar para a mesa, a Camara julgou conveniente adial-a até outra occasião, em consequencia de se achar reunida para discutir um projecto de consideração, já dado para ordem do dia. Eu creio, Sr. Presidente, que esta minha proposta deve ser discutida hoje, e que o seu adiamento não se póde estender por maior espaço de tempo sem a prejudicar, pois não sendo a mencionada proposta senão um adiamento do projecto vindo da Camara dos Srs. Deputados, que auctorisa o Governo a reformar as repartições da marinha, e tendo eu pedido na mesma sessão varios documentos que julgo indispensaveis para a discussão da auctorisação, e que ainda não foram remettidos para a Camara, importa a não acceitação da proposta o ser dado para ordem do dia o projecto de auctorisação que já se acha sobre a mesa, e que assignei vencido antes da remessa dos documentos pedidos. Pelo contrario, se hoje fosse approvada, isto não poderia acontecer, pois que ella é a seguinte (leu). Proponho o adiamento do projecto de lei vindo da Camara dos Srs. Deputados até que sejam remettidos para esta Camara todos os trabalhos que devem servir de base á refórma projectada.

Sr. Presidente, eu já disse em outra occasião quanto julgo necessario para justificar este meu pedido, e creio que S. Ex.ª tambem não terá muito que accrescentar ás razões que já deu para o não acceitar, por conseguinte só se tracta de uma votação que pouco tempo pede, e em nada prejudica aos outros trabalhos que estão dados como ordem do dia de hoje, e por ventura tenham maior urgencia do que esta simples decisão da Camara, que peço comtudo, lembrando que a sua rejeição importa a não satisfação da remessa em tempo opportuno dos esclarecimentos que pedi, facto este inteiramente novo nesta Camara, como disse ha dias um Digno Par o Sr. Aguiar, que certamente está muito mais ao facto do que eu dos usos desta casa. Talvez a minha proposta seja rejeitada, mas não se diga que a m pedido tão justo, e com tantos precedentes se negou mesmo uma votação.

Já que estou em pé peço a V. Ex.ª licença para fazer uma simples observação. Coméço por declarar que respeito muito a pessoa do nobre Ministro da Marinha, e que tenho para com S. Ex.ª a maior consideração, por conseguinte está claro que, quando combato a maneira pela qual S. Ex.ª entende certos negocios da marinha, não é minha intenção offendel-o, bem pelo contrario (apoiados). Creio tambem que não soltei nas ultimas sessões nenhuma expressão, da qual S. Ex.ª se podesse escandalisar, se o fiz estou prompto a retiral-a, porém parece-me que não tenho que retirar; entretanto vou relatar um facto que se diz succedido o outro dia, ainda que eu não o notei, nem mesmo o acredito; lendo um jornal que se publica nesta capital, encontrei no extracto da sessão de 6 de Agosto corrente, a que alludo, que por occasião da segunda leitura da proposta S. Ex.ª o nobre Ministro pronunciára as seguintes palavras eu agora não respondo, porque não quero ou alguma cousa similhante, pois não estou bem presente, nem tenho aqui o jornal. Devo dizer, Sr. Presidente, que eu não ouvi essas expressões a S. Ex.ª, porém como appareceram em um jornal.... (O Sr. Visconde d'Athoguia —Eu tambem não ouvi, e estava attento á discussão). O orador—Muito bem, entretanto julguei conveniente fazer esta reflexão para S. Ex.ª o Sr. Ministro ter occasião de se explicar, o que estou certo fará com a delicadeza que lhe é propria.

Agora termino pedindo a V. Ex.ª submetta á votação dá Camara a minha proposta, que se fôr rejeitada me proponho renovar em occasião competente, na discussão da auctorisação dando-lhe outra fórma.

O Sr. Ministro da Marinha—Pedi a palavra unicamente para rectificar o que disse o Digno Par.

A noticia que a S. Ex.ª deram não e exacta; uma pessoa que tem alguma educação, nunca diz uma cousa que importa falta de cortezia e de delicadeza (apoiados).

Em quanto ás expressões que o Digno Par me dirigiu agradeço-as muito, assim como tomo sempre em muita consideração as reflexões que se fazem na discussão, pois é assim que. se chega á verdade. Podemos divergir, ainda os amigos mais Íntimos, e em opiniões eu divirjo de alguns muitas vezes; da discussão dirigida pela vontade de esclarecer os negocios, é que resulta a verdade (apoiados).

Quanto á proposta do Digno Par, a Camara fará o que entender; eu considerei-a unicamente pelo que respeita á ultima parte della, em que fazia dependente a approvação da Camara da apresentação de muitos documentos, e então disse que não tinha duvida alguma de apresentar todos os documentos officiaes que atai respeito houvessem no Ministerio a meu cargo, mas que julgava, e ainda julga, que uma tal proposição tendia a demonstrar, que tinha diminuido a confiança que esta Camara me havia concedido no anno passado. Foi por este motivo que eu disse, que adoptando-se a proposta do Digno Par, eu não acceitaria a auctorisação.

Em conclusão direi, que estou prompto a dar pessoalmente á commissão de marinha todos os esclarecimentos que ella julgar necessarios; estou prompto a enviar á mesma commissão todos os papeis que ella julgar precisos, mas se disso se fizesse depender a approvação do projecto de lei, eu não acceito a auctorisação de que ella tracta; é uma questão muito simples, e por isso nada mais me cumpre accrescentar.

O Sr. Presidente — Eu tenho alguma difficuldade em pôr á votação a indicação do Sr. Conde de Linhares, porque esse objecto não foi dado para ordem do dia, todavia consultarei a Camara, se quer que effectivamente se tracto desse objecto antes da ordem do dia, e que seja votado em primeiro logar.

Não foi approvado.

O Sr. Conde de Linhares — Peço que então seja dado para ordem do dia da sessão seguinte.

G Sr. Presidente — Tomo em consideração o requerimento de V. Ex.ª

O Sr. Ferrão—É para pedir a V. Ex.ª haja de submetter á approvação da Camara este requerimento, que faço—que seja impresso no Diario do Governo o meu projecto do Código regulamentar da lei hypothecaria, que ha dias tive a honra de apresentar a esta Camara (apoiados).

Foi approvado.

O Sr. D. Carlos Mascarenhas — É para mandar para a Mesa um parecer da commissão de guerra sobre um projecto vindo da outra Camara (leu).

O Sr. Visconde de Ourem—É tambem para mandar para a Mesa um parecer da commissão de marinha e ultramar sobre um projecto de lei.

Foram mandados imprimir.

O Sr. Marquez de Ficalho — (Sobre a ordem.) Ha o parecer n.º 28 sobre a admissão dos cereaes, urgentissimo. (O Sr. Ministro da Fazenda — Apoiado.) Se a Camara entendesse que se podia occupar delle na ordem do dia de hoje, parece-me que fazia um serviço ao paiz (apoiados).

O Sr. Presidente — O Digno Par requer que, não sendo dado para ordem do dia o projecto dos cereaes, todavia, attendendo á sua necessidade, urgencia e utilidade, entre em discussão immediatamente (apoiados).

O Sr. Visconde d'Athoguia—Eu peço a palavra.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Tambem eu.

O Sr. Marquez de Vallada — Eu queria a palavra sobre a ordem, logo que entrasse o Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Presidente — V. Ex.ª já está inscripto. (O Sr. Visconde de Castro — Peço a palavra.) Tem o Sr. Visconde d'Athoguia a palavra.

O Sr. Visconde d’Athoguia — Eu estou de accôrdo com o Sr. Marquez de Ficalho, que é da maior necessidade que se discuta quanto antes o projecto relativo á Lei de cereaes; mas permitta-me que eu observe que deverá ter alguma discussão esse projecto; não acontecerá assim aos projectos de lei n.ºs 9 e 10: ambos tem por fim continuar as disposições legislativas pelas quaes se augmentaram na ilha da Madeira os direitos a alguns generos de industria nascente: disposições que deixarão de ter execução por lhes ter acabado o tempo marcado.

O Sr. Presidente — Parecia-me que andava bem pondo estes projectos á discussão, e depois, se houver tempo, os outros, creio que é a fórma regular (apoiados).

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Sr. Presidente, primeiro que tudo desejava que V. Ex.ª tivesse a bondade de mandar vêr á secretaria se já foi satisfeito o meu requerimento de 2 da Agosto. Este requerimento é importante para a discussão que nos occupa, e tambem pedi naquelle dia que se tornasse a pedir pelo Ministerio das Obras Publicas a relação dos preços dos cereaes em certos portos, ora eu creio que esta é a terceira vez, desde Fevereiro, que faço este requerimento, porque foi renovado por vezes, e ainda não vieram para esta Camara os esclarecimentos que pedi; o portanto desejava que V. Ex.ª me fizesse o favor de mandar saber se já tinham vindo. (O Sr. Presidente—Ainda não veio esclarecimento algum sobre o requerimento de V. Ex.ª) Ora, além disso, eu precisava da presença do Sr. Ministro das Obras Publicas para a discussão deste projecto.

O Sr. Ministro da Fazenda — Elle virá quando começar a discussão.

O Sr. Presidente — Quando vierem os esclarecimentos será communicado ao Digno Par. Agora tem a palavra o Sr. Visconde de Castro. (O Sr. Visconde de Castro — Eu cedo da palavra.) Tem então o Sr. Marquez de Vallada a palavra.

O Sr. Marquez de Vallada — Sr. Presidente, o destino da humanidade parece um insondavel mysterio, ao qual se tem querido dar explicações contradictorias nos dois campos em que Se divide a humanidade: um, o do catholicismo, outro, o da falsa philosophia. Estremados bem esses dois campos, ergueu cada um delles a sua bandeira, cuja lenda exprime interesses oppostos, e que tem portanto differentes tendencias. Travou-se porfiada lucta, renhida contenda, e depois de muito combater propoz-se uma transacção, não lembrando aos que a propozeram que ella é impossivel; porque apezar de invocarem a palavra civilisação, essa palavra não exprime uma idéa que possa ter duas significações. Assim como o bem não póde transigir com o mal tambem a verdade nunca dará a mão ao erro. A impossibilidade do accôrdo era portanto manifesta; e destruiu-se assim toda a esperança de convenio.

E eu, Sr. Presidente, applaudo-me por isso. Felizmente não é já possivel a illusão por meio do sophisma: os dois campos estão bem estremados. É impossivel a confusão. N'um estão os homens que defendem os grandes interesses sociaes: no outro os homens que acham lícitos todos os meios para desorganisar o equilibrio desses grandes interesses, e destruirem o edificio da verdade, para levantarem sobre as suas minas o lúgubre estandarte do erro e da falsidade.

Pensando nisto, Sr. Presidente, eu sinto que ha occasiões na vida politica em que se póde convir que o homem publico seja reservado, e guarde silencio, que não só é então uma necessidade, mas tambem uma virtude; que outras occasiões ha porém em que não póde deixar de fallar, e exprimir as suas opiniões para dar uma satisfação ao paiz. Dizer-lhe a verdade, tal qual é, torna-se então um dever imperioso a que não é dado faltar ao christão catholico, e ao patriota sincero. Dizia um eloquente escriptor: — Tempus est loquenai, quia jam prmterit tempus tacendi: lacere signum est diffidentia; non modestia; ratio.

, Persuadido desta verdade, Sr. Presidente, não posso deixar de vir hoje a esta Camara, e do alto desta tribuna, em conformidade com os meus principios sempre liberaes, principios que tenho constantemente defendido desde o primeiro dia em que pronunciei um discurso nesta casa, desde que tracei pára mim um programma, ao qual digo com ufania que ainda não tenho faltado; julgo que é do meu restricto dever chamar a attenção dos Srs. Ministros sobre um negocio grave e importante, a respeito do qual é preciso não só dizer a verdade, más dizel-a toda inteira; e citarei para me auctorisar até certo ponto o que disse um escriptor bem conhecido pelas suas Revistas litterarias, mr. Philarete Charles. Dizia elle: — «Na época presente (referia-se aos acontecimentos da França em 48) é preciso dizer aos artistas, aos aristocratas, ao povo, a todos n'uma palavra, a verdade toda, a verdade sempre; citando um moralista do 10.° seculo, que tambem dizia: — «adorar a verdade ainda que esteja pendente de uma forca.» Fundado em tal auctoridade, direi a verdade, toda, a todos, e em tudo.

A verdade, Sr. Presidente, ás vezes é compromettida pela debilidade dos seus defensores. Espero que não se dirá isso de mim; porque, quando ella é defendida em termos convenientes, é certo o seu triumpho: posto que algumas vezes tarde a apparecer, é isso uma questão de tempo. A victoria a final é sua.

Sr. Presidente, já a Camara sabe quaes são as idéas que vou apresentar, e a proposito de que. Já tambem o sabe o Sr. Presidente do Conselho, e meu nobre amigo: pela deferencia que devo a S. Ex.ª tão propria de cavalheiros para cavalheiros, indiquei-lhe hontem os topicos que havia de tocar, quando tractasse do negocio de que me vou occupar agora.

É cousa de todos sabida que o Governo de Sua Magestado admittiu neste reino o instituto das irmãs da caridade em 1819; que por causas que é escusado referir esse instituto decaiu sensivelmente depois de 1834; e que pereceria infallivelmente, se se não procurasse fazel-o revigorar pelos unicos meios conducentes, e que são obvios; que o Governo concedeu a permissão para se applicarem esses meios; e que essa concessão deu pretexto a porfiadas e retinidas luctas na imprensa deste paiz. E cabe aqui dizer, mas digo-o com magoa, e só porque é preciso dizer neste particular a verdade, que se houve uma discussão placida da parte de alguns iludidos que nessa discussão queriam sómente manifestar a sua divisa, tambem deve confessar-se que alguns só procuraram desvairar o povo, e concitar as massas impellindo-as para a desordem, a perseguição, a revolta; pois outra cousa não é essa perseguição vil e torpe das pedradas, dos insultos grosseiros, e das insinuações ignobeis. Á vista desta demonstração, eu seria com razão arguido de pouco precatado se não chamasse a attenção dos Srs. Ministros sobre este objecto, que todos reputam grave, qualquer que seja á lado por onde se encare. Vou pois affastar de mim essa arguição, que me pesaria auctorisar com o meu silencio.

Dir-se-ha talvez, por parte dos Srs. Ministros, que é necessario respeitar a opinião publica. Será um grande principio respeitar a opinião publica, mas superior a elle está o dever dos Governos de extremarem a verdadeira opinião publica, sensata, christã, e que portanto só quer a justiça e o bem, e reclama que se respeitem e protejam os direitos legitimos de todos; superior a elle está o dever de se separarem da opinião volúvel, caprichosa, injusta e feroz, que usurpa muitas vezes o nome daquella, e que não é senão o bradar tumultuario dos interesses faciosos e dissolventes. Superior a tal principio, emfim, está o dever dos Governos de luctarem contra os preconceitos que ás vezes se apoderam do espirito das nações, e aballam e chegam até destruir os fundamentos da sociedade.

Eu não comprehendo, Sr. Presidente, um Governo desacompanhado da verdadeira opinião publica, porque fica privado da força moral, tão necessaria aos homens que presidem ao destino das nações; mas tambem não comprehendo um Governo attrelado ao jugo ignominioso da falsa opinião publica; e por isso tenho direito de exigir dos poderes publicos da minha terra o exacto, fiel e rigoroso cumprimento da sua missão, que o é de certo e muito grande, illustrar o espirito publico, oppôr-se a que seja desvairado a ponto de proclamar a soberania do erro, e 0 exílio da verdade. E se o facto se der oppôr-se a elle com toda a dedicação do seu encargo. Ora, é para que esse caso não chegue, que peço aos Srs. Ministros que fallem, que digam o que tencionam fazer para oppôr diques ao mal, porque é sempre muito melhor e mais conveniente previnir o mal do que ter depois que o remediar, o que já foi dito por um grande Poeta da antiguidade quando escreveu: — Principiis obsta, sero medicina paratur.

É preciso que os homens que teem de regeras nações tenham sempre em vista este grande principio: — é mais facil e melhor previnir o mal do que vêr-se na necessidade de remedial-o depois. Muitas vezes tenho ouvido invocar a força das cousas para desculpar o esquecimento deste principio; mas pouco depois reconheceu-se que não houve senão a fraqueza dos Governos.

Quando fallo assim, Sr. Presidente, não se diga, não se pense que provoco as perseguições contra individuos; por mais que os julgue culpados, e são-nos de certo, até perante a humanidade, porque são os seus erros o clarim bellicoso que chama os discolos ao combate contra a sociedade; eu não quero rigor senão contra os erros, para os que os professam não tenho mais sentimentos que os da compaixão e do amor. Eu digo com o virtuoso Guigues de Chartreux: «Diligite homines, interficite errores»; devem-se amar os homens, e ao mesmo tempo anniquilar os erros;

Sr. Presidente, acaba de apparecer n'alguns jornaes desta capital um requerimento, ou antes um protesto contra as decisões e arbitrios do Governo. Entende-se que é a expressão da opinião publica, que alli está manifestada? Entende-se tambem que o Governo deva ceder visto que a opinião publica se pronunciou? Eu não o entendo assim; e anima-me a dize-lo não só a força da minha convicção, mas igualmente o exemplo não mui distante dos tempos em que vivemos, pois teve logar ha doze annos apenas, que me deu um grande vulto historico em circumstancias quasi analogas.

Eu creio que tanto S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, como todos os homens nas suas circumstancias teriam prazer em que se Honrasse o seu nome tanto quanto o daquelle foi honrado Ministro. Pois bem, com Sir Roberto Peell succedeu o seguinte:

Tractava aquelle homem de Estado de apresentar ao Parlamento um bill pelo qual se concedia uma prestação ao seminario catholico de Maynoth. Note-se que era um Ministro protestante, mas era homem liberal. Succedeu que, depois de apresentada áquella medida, um dos membros do Governo pediu a sua demissão e sahiu: os outros membros do gabinete não tinham uma opinião fixa sobre o negocio. Sir Robert Peell, desamparado dos seus collegas, e abandonado por um, achava diante de si uma opposição numerosa, e ameaçadora, que se preparava ã esmaga-lo com o peso de seus votos; e tanto mais encarniçada se mostrava, que o podér seria o despojo que tomariam os vencedores: sobre a mesa da presidencia achava-se uma petição contra o bill, firmada por 918 mil assignaturas; tal era a impopularidade do bill! E sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, o que fez Sir Robert Peell? Vendo a tempestade que ameaçava a sua proposta, que uns dos seus amigos o abandonavam, e que outros lhe pediam que fosse prudente; convencido da justiça do seu bill, apresentou-se no parlamento e fallou clara e francamente: fez mais, tractou de pôr fóra de combate todas as antipathias estabelecidas, e todas as repugnancias suscitadas. O resultado foi que esse bill foi approvado pela maioria de 119 votos. O Ministro viu coroados os seus esforços, porque tinha a consciencia de que as medidas que apresentava eram fundadas na razão, e na honra do seu paiz; e sabia que um Ministro que cede a exigencias desarrasoadas, debilita e avilta o podér, que não lhe pertence, porque é méramente o depositario delle.

Ao recordar este exemplo, sinto Sr. Presidente, que não esteja agora presente o Sr. Carlos Bento da Silva, Ministro das Obras Publicas, que tão enthusiasta e pelas cousas inglezas, para comigo dar o devido elogio ao proceder de Sir Robert Peell, no caso que acabei de referir; e sinto á ausencia de S. Ex.ª porque tambem sou enthusiasta, e muito do systema inglez, talvez devido isso á minha educação.

Continuarei dizendo, que Sir Robert Peell se apresentou no Parlamento, e disse: — «Ninguem mais do que eu se ufana do apoio de um partido politico, grande e illustre como é o que me apoia; mas estou resolvido a nunca ceder ás exigencias desvairadas de nenhum, nem do meu, estando prompto a largar o Ministerio antes do que a transigir com uma injustiça. Um dos mais felizes dias da minha vida será aquelle em que possa apresentar-me como um membro independente do Parlamento.» N'outra occasião; tambem notavel, disse este mesmo Ministro: — «Ninguem mais do que eu respeita a opinião publica; mas entendo que a opinião publica precisa de ser esclarecida para ser respeitavel, porque ella desvairada produz terriveis resultados.»

Sr. Presidente, assim entendo eu que se póde e deve ser Ministro, porque se conserva o podér com dignidade. Um homem qualquer é elevado ao podér, em vista das suas qualidades de homem de Estado acerca-se delle um partido politico, mas que nunca lhe imponha condições, ou antes, que elle as não acceite. E é isto o que acontece as mais das vezes? Não. O que se vê e que para os Ministros conservarem o podér, se lhes impõem condições servis e ignobeis que elles não coram de acceitar.

Trouxe estas palavras para mostrar que o Governo tem obrigação de investigar a opinião pu-

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blica, e separar a verdadeira da falsa, para não consentir que se desvairem os negocios, e soffrer as consequencias que resultam disso.

Sr. Presidente tenho dito quaes são as razões em que me fundo para pedir ao Governo que haja de se explicar sobre este assumpto: agora passo a lêr umas perguntas que dirijo ao Sr. Presidente do Conselho. (Leu-as.) Espero que S. Ex.ª se dignará responder a estas perguntas, e que o fará satisfatoriamente.

N. B. O Digno Par não póde vêr o seu discurso redigido, auctorisando comtudo a inserção delle como sahisse das mãos do redactor.

O Sr. Presidente do Conselho...

O Sr. Marquez de Vallada estimou muito ouvir as boas intenções em que o nobre Presidente do Conselho está para com este Instituto, todo benefico e caritativo (apoiados); mas não esperava ouvir o que lhe pareceu que S. Ex.ª tinha dito sobre a recusa para que o Instituto possa progredir, e que acabando os membros delle que existem hoje em Portugal, elle deve acabar.... (Vozes—Não, não é isso).

O orador muito desejaria ter-se enganado; mas receia que se não tivesse enganado, e que S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho tivesse realmente dito, que não havia remedio senão ceder em parte á violencia desses odios, e respeitar algumas justas mas pouco esclarecidas necessidades que a elles se tem unido, e que em quanto se não desvanecessem os receios, era melhor não dar licença para virem mais! e não consentir que sejam admittidas a votos as postulantes que já consta haverem. Se é assim, esta conclusão pareceu-lhe peregrina, e acha que o parecerá a toda a gente. Não duvida elle orador que hajam muitas pessoas de boa fé que combatem o Instituto, mas o que é bem evidente é que ha tambem muita gente de má fé; e são esses que dizem que a Camara dos Pares está aqui para insultar a imprensa! Como se a Camara dos Pares quizesse insultar a imprensa, quando reprehendeu os excessos dos maus ministros della que a deshonrariam, se o podessem fazer os que os commettem. A Camara dos Pares respeita e quer a imprensa como instituição muito necessaria e conveniente, mas não póde querer que meia duzia de discolos se chamem a imprensa.

O orador não póde callar os receios que alimenta depois que ouviu a resposta do Sr. Ministro, em quanto S. Ex.ª não tiver a bondade de assegural-o de que não o ouviu bem; comtudo é do seu dever declarar, que esses receios procedem menos dessas respostas do que do abuso que dellas podem fazer esses espiritos turbulentos, que ahi se movem em hostilidade contra as irmãs de caridade.

O Sr. Marquez de Ficalho— É sina minha, Sr. Presidente, fallar de improviso sobre esta questão; mas já que assim é preciso, fal-o-hei, esperando que a Camara acolha as minhas palavras com aquella benevolencia que lhe é propria.

Sr. Presidente, não sou suspeito no que vou dizer, porque tenho sido o advogado mais energico a favor destas infelizes mulheres, mas entendo que por isso mesmo devo ser o mais humilde, o mais manso, e que devo oppôr á paixão a prudencia, aos desvarios a mansidão, e á perseguição o ser victima. Esta questão não é deste mundo; esta questão é um conflicto religioso em que devemos entrar com toda a mansidão possivel, a fim de mostrarmos a belleza da instituição; com estas armas é que nós devemos combater.

Eu nunca teria interrogado o Sr. Ministro do Reino como o fez o Sr. Marquez de Vallada; mas depois que isto leve logar, entendo que o Sr. Ministro do Reino respondeu perfeitamente. O discurso de S. Ex.ª devia ter sido feito ha sessenta dias; S. Ex.ª explicou com toda a clareza e energia qual a intenção do Governo requisitando estas senhoras; S. Ex.ª não negou o noviciado, note-se bem, todas as senhoras portuguezas que tenham vocação para aquella vida podem entrar; S. Ex.ª negou simplesmente, que por prudencia, se fizesse, porque não se podia apresentar isto como negocio permanente até o Governo estar certo da sua utilidade; isto é, até certificar a opinião publica, até lhe prestar toda a publicidade e todos os exames necessarios, tanto aos amigos como aos inimigos.

E preciso notar que estas senhoras não Icem voto constante, fazem votos todos os annos no mez de Março, as que quizerem casar, podem fazel-o. Os padres que são seus directores, são dois homens prudentes, tive grandes informações delles, um até é muito amavel e instruido, é da sua instituição não se intrometerem de modo algum nos negocios politicos, não possuirem propriedade alguma, todos os seus bens são em fundos publicos, o seu superior, o padre Etienne, é tido por um homem notavel em França. Eu estive n'um jantar em que estavam reunidos, não os exaltados communistas, mas os verdadeiros amigos da liberdade, e outras notabilidades francezas, e aonde estava tambem o padre Etienne, que era respeitado por elles, e nessa occasião disse elle: «A maior desgraça que ha, é quando os governos querem fazer da religião um meio de governo.» Isto ouvi eu.

Eu, Sr. Presidente, não quero uma victoria sobre os meus inimigos, eu quero que a minha victoria seja mansa, pacifica, clemente, e por isso me dou agora por satisfeito com as explicações do Sr. Ministro, oxalá que o tivesse feito mais cedo (apoiados); porque então este negocio não leria chegado aonde chegou.

E note-se que, quando as ferir o ultimo gaiato de Lisboa, o mais gaiato de todos, ainda que elle tenha a consciencia de o haver feito, a nodoa não recáe só sobre elle, recáe sobre mim mesmo, que tenho advogado esta causa, e vai ainda recaír sobre todos, por mil circumstancias, pois estes insultos são uma nodoa que cáe sobre toda a nação!... Não nos lavamos della, pertence a todos.

Agora, entendo que esta questão deve ficar aqui. (O Sr. Marquez de Vallada—Peço ao Sr. Presidente que me reserve a palavra para uma explicação.) Eu não esperava hoje, quando sahi de

casa, vel-a collocada assim, assim tratada!... ¡ Acho que não devemos ir mais longe, no interesse ] mesmo da instituição, que eu estou intimamente: convencido, e digo com toda a minha consciencia, é boa, e boa!... Não arrisca a liberdade, não arrisca a religião, não arrisca cousa nenhuma!... É boa!... (Commoção no orador). Digo-o ao paiz!... estou auctorisado para o dizer!... dil-o o Marquez de Ficalho, que nunca deixou de dizer a verdade em cousas do coração! É boa!!... (Grande commoção). Nós havemos tractal-a com mansidão, e até sermos victimas, se é possivel!... mas aos nossos algozes a primeira cousa que devemos fazer é pedir a Deos por elles!... Perdoai-lhes Senhor, que não sabem o que fazem!... (O orador commove-se profundamente—muitos e repetidos […].)

O Sr. Marquez de Loulé merece os nossos agradecimentos, dou-lhe os meus emboras!... dou-lh'os do coração!... É possivel que n'uma ou noutra cousa a minha opinião vá mais longe, segundo a minha consciencia, quereria mesmo dar a esta questão uma certa extensão, mas acceito as declarações do Sr. Marquez de Loulé, com as quaes me satisfaço, porque S. Ex.ª acaba de fazer um serviço á religião, á honra desta nação, á honra desta capital, á honra de todos!!!... Mantenha-se o Governo na posição em que se collocou.

Vamos tractar da lei dos cereaes. (Apoiados— Vozes—Muito bem).

O Sr. Marquez de Vallada—Sr. Presidente, eu lembro a V. Ex.ª que pedi a palavra para uma explicação.

O Sr. Presidente—Eu dou a palavra a V. Ex.ª, mas peço-lhe que, consultando a sua consciencia, faça uso do seu talento e da sua prudencia.

O Sr. Marquez de Vallada—A recommendação que V. Ex.ª faz, todos a devemos ter em vista: mas eu não fallo sem que V. Ex.ª me diga, se offendi alguem, ou infringi o regimento.

O Sr. Presidente—Eu declaro, que não fallei a respeito do que V. Ex.ª disse, mas do que ia a dizer. Pedi com muita mansidão e delicadeza a V. Ex.ª que fizesse uso da sua prudencia e do seu talento.

O Sr. Marquez de Vallada—Por consequencia entendeu V. Ex.ª que eu não disse palavra alguma que offendesse alguem.

O Sr. Presidente—Se V. Ex.ª o dissesse, era do meu dever chamal-o á ordem.

O Sr. Marquez de Vallada disse, que depois das reflexões que acabava de fazer o Sr. Marquez de Ficalho, devia á Camara uma explicação.

Não fallou á consideração que deve para com o Sr. Marquez de Loulé, nem é nunca sua intenção offender pessoa alguma. Concorda com o Sr. Presidente do Conselho, a quem suppõe que tractou com toda a cortezia, correspondendo assim á benevolencia com que S. Ex.ª o tractou a elle orador; e tudo quanto disse foi mais em relação aos commentarios devidos á menor clareza que lhe pareceu achar nas palavras do Sr. Presidente do Conselho, e de que receiou que se abusasse.

O Sr. Marquez de Ficalho fallou muito bem, e fel-o como costuma, defendendo sempre a verdade, e se n'um ou n'outro ponto discordou delle orador, nem por isso deixa elle de fazer justiça a S. Ex.ª, como lh'a fez agora, quando vio o modo como terminou o seu discurso, pronunciando as suas phrases com uma commoção tão propria de um coração bem formado. O orador sempre 0 viu do lado dos que defendem a verdade, e não duvida reconhecer que o fará com mais prudencia do que elle Sr. Marquez de Vallada; o que não deve admirar porque são differentes os genios e idades de ambos. A Camara desculpará certamente o fogo e enthusiasmo de que elle se possue, elle o mais moço, enthusiasmo que é consequente com o de que se possue quando vê a verdade negada, ultrajada ou falseada. Tinha gostado muito de ouvir as explicações do Sr. Presidente do Conselho, mas não o satisfez do mesmo modo o final do seu discurso, relativamente ao futuro procedimento do Governo; e expôz os receios que tinha de que por menos clareza, e n'uma eventualidade muito possivel se abuzasse do que achou obscuro: todos sabem que isto não é uma questão de opposição, para os que defendem a instituição de S. Vicente de Paulo; se elle a quizesse fazer, fazia n'outra questão, como a de hontem; mas não póde garantir nos adversarios della a mesma lealdade.

Necessitava dar esta explicação, para mostrar á Camara e ao paiz, que não tinha faltado á consideração que devia, e para attenuar um pouco qualquer máo effeito que se quizesse deduzir da vehemencia com que fallou.

O Sr. Marquez de Ficalho (sobre a ordem.) Nós temos aqui o parecer n.º 28, que é de uma conveniencia tal que me faz ceder de todos os caprichos e opiniões achando-me assignado sem declaração quando aqui se tracta de auctorisar o governo para admittir a importação dos cereaes nos termos do projecto. Isto e urgentissimo (apoiados), e escuso de me explicar a este respeito porque a Camara conhece a minha opinião, como conhece as circumstancias do negocio, o que digo porém é que sinto não termos uma lei permanente a este respeito, mas eu fico aqui, não estendendo mais as minhas reflexões, e accrescentando sómente que estou auctorisado pelo Sr. Marquez de Niza a fazer as mesmas declarações.

O que peço é que se vote isto quanto antes, porque entendo em minha consciencia que o devemos votar já.

O Sr. Barão de Porto de Moz—Tambem vota pela auctorisação da medida que se discute; mas deve dizer que por ora realmente o que ha é mais o que se chama um panico, do que realidade; tem havido annos de maior escacez e os sustos não foram tamanhos (apoiados). Não ha ainda todos os dados sobre a colheita, e o que mais é, não os ha mesmo relativamente aos depositos, por consequencia, ficando o Governo armado com esta auctorisação, é quanto lhe parece necessario e indispensavel; assim como oé que use da auctorisação com summa prudencia em attenção á delicadeza do negocio.

Não quer accrescentar mais nada para não demorar a discussão.

O Sr. Visconde de Castro (sobre a ordem) para a mesa envio dois pareceres de commissão, um é da commissão de fazenda, e o outro é tambem da commissão de fazenda, mas reunida com a de obras publicas.

Agora peço a V. Ex.ª, que, depois da Lei dos cereaes, passemos aos pareceres 9 e 10, que quasi não admittem discussão.

O Sr. Presidente—Como parece que esses pareceres não terão discussão, interrompei eu mesmo a ordem dos trabalhos, mandando já ter o parecer n.º 9.

Discussão do seguinte parecer (n.º 9).

A commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.º 12, apresentado pelos Srs. Deputados Luiz de Freitas Branco, e Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos á Camara electiva, e por ella approvado, para o fim de prorogar por mais tres annos o prazo para a execução da Carta de Lei de 17 de Julho de 1855, pela qual fui elevado a 4$000 réis por cada cem arrateis, o direito de importação do mel, melaço e melado estrangeiro, que entrar pela alfandega do Funchal, na ilha da Madeira; e posto que a commissão reconheça os inconvenientes que resultam em geral para a industria e para o Thesouro de elevar os direitos das materias primas, e com especialidade os das substancias alimenticias, considerando contudo as circumstancias especiaes e extraordinarias em que estão os proprietarios da ilha da Madeira, pela esterilidade das vinhas, cujo fructo constituia a sua principal riqueza, e attendendo á reconhecida necessidade de nas presentes e excepcionaes circumstancias promover a cultura da canna doce naquelle paiz, ampliando para isso o consummo dos productos della extraídos, pela baratesa do seu fabrico; é de parecer, de accôrdo com o Governo, que seja approvado por esta Camara o referido projecto de lei e submettido á Real Sancção.

Sala da commissão de fazenda, 2 de Agosto de 1858. = Visconde de Castro— Barão de Chancelleiros—Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão—Francisco Simões Margiochi = Visconde de Algés —Felix Pereira de Magalhães.

PROJECTO DE LEI N.º 12.

Artigo 1.° E prorogado por mais tres annos o prazo para a execução da Carta de Lei de 17 de Julho de 1855, pela qual o direito de importação do mel, melaço e melado estrangeiro que entrarem pela alfandega do Funchal na ilha da Madeira, fui elevado a 4&000 réis por cada cem arrateis.

§ unico. Os tres annos começarão a contar-se do dia em que findar o prazo marcado na mesma Lei.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 22 de Julho de 1858. = Manoel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco, Deputado, Presidente = Miguel Osorio Cabral, Deputado, Secretario.

Foi approvado sem discussão, e bem assim a sua redacção.

Discussão do seguinte parecer (n.° 10.)

Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 13, approvado pela Camara dos Senhores Deputados, em virtude da proposta dos membros da mesma Camara os Srs. Luiz de Freitas Branco e Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos, para o fim de prorogar por mais tres annos o prazo fixado pela Carta de Lei de 7 de Julho de 1855 para a entrada livre de direitos, nas ilhas da Madeira e Porto Santo, das machinas, caldeiras e mais utensilios necessarios para o fabrico dos productos da canna doce.

Sendo de incontestaveis vantagens facilitar a introducção das machinas e dos apparelhos necessarios para o desenvolvimento da industria, principalmente quando esses instrumentos da riqueza publica não são fabricados no paiz, ou só são construidos por preços excessivos, não podiam as disposições da citada Carta de Lei de 7 de Julho deixar de produzir os beneficos resultados que o legislador teve em vista para facilitar o fabrico dos productos da canna doce nas ilhas da Madeira e Porto Santo, e de activar por este meio o prompto consummo dos productos de uma cultura que attenuasse, quanto fosse possivel, as perdas que teem soffrido os proprietarios do districto do Funchal, devidas á notoria esterilidade das suas vinhas, em consequencia da molestia de que teem sido accommettidas; a commissão, lendo pois em consideração o que fica exposto, e as circumstancias excepcionaes dos terrenos das ditas ilhas, e attendendo á urgente necessidade de por tão especiaes motivos prorogar as disposições da mencionada Carta de Lei, principalmente nas presentes circumstancias em que por effeito de Leis protectoras começa a desenvolver-se em maior escala a cultura da canna doce, e o fabrico dos seus productos naquellas ilhas; é de parecer, de accôrdo com o Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda, que seja approvado por esta Camara o sobredito projecto de lei.

Sala da commissão de fazenda, 2 de Agosto de 1855. = Visconde de Castro — Barão de Chancelleiros—Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão —Felix Pereira de Magalhães = Francisco Simões Margiochi—Visconde de Algés.

PROJECTO DE LEI N.° 13.

Artigo 1.° É prorogado por mais tres annos o prazo fixado na Carta de Lei de 7 de Julho de 1855, dentro do qual ficou temporariamente livre de direitos nas ilhas da Madeira e Porto Santo, a importação das machinas, caldeiras, e mais utensilios necessarios para o fabrico dos productos da canna doce.

§ unico. Os tres annos serão contados do dia em que findar o praso fixado na sobredita Lei para a sua execução.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 22 de Julho de 1858. == Manoel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco, Deputado, Presidente — Miguel Osorio Cabral, Deputado, Secretario.

Foi approvado sem discussão, e bem assim a mesma redacção.

O Sr. Presidente—Mandam-se imprimir os pareceres que ha pouco mandou para a mesa o Sr. Visconde de Castro, e vamos entrar na

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer (n.° 28). A commissão de agricultura examinou attentamente o projecto de lei n.º 35, que a esta Camara enviou a dos Senhores Deputados, auctorisando o Governo a providenciar sobre a admissão de cereaes.

A commissão, considerando devidamente quanto salutar seja nas actuaes circumstancias a providencia do mesmo projecto, entende que elle deve ser adoptado e submettido á Real Sancção,

Sala da commissão, 9 de Agosto de 1858. = Marquez de Ficalho — Marquez de Niza — Conde de Linhares (D. Rodrigo) —Barão d'Arruda. Projecto de lei n.º 55.

Artigo 1.° Fica o Governo auctorisado a decretar, se as circumstancias o exigirem, e ouvido previamente o Conselho geral do Commercio, Agricultura e Manufacturas, e as competentes auctoridades, a livre entrada de cereaes debaixo de qualquer fórma pelos portos sêccos e molhados do reino, que forem designados, durante um prazo que não se estenda além do fim de Maio de 1859,

§ unico. A disposição deste artigo é extensível aos legumes.

Art. 2.º Para os fins desta auctorisação, cem quanto ella vigorar, ficam reduzidos a 600 rei) por cem arrateis os direitos sobre o arroz estrangeiro.

Art. 3.° Todos os generos estrangeiros comprehendidos nas disposições desta lei ficam sujeitos aos mesmos direitos de consumo que pagam os generos similares nacionaes.

Art. 4.° O Governo dará conta ás Côrtes, na sua proxima reunião, do uso que fizer desta auctorisação.

Art. 5.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 5 de Agosto de 1838. = Manoel Antonio Vellez Caldeira Castel-Branco, Deputado Presidente —Miguel Osorio Cabral, Deputado Secretario —João Antonio Gomes de Castro, Deputado Secretario.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Preciso, Sr. Presidente, dizer algumas palavras sobre este importante assumpto.

Por uma Portaria do Governo, de 3 de Outubro de 1857, se determinou ao Sr. Governador civil de Lisboa, que chamasse as pessoas que lhe parecessem, para darem o seu parecer sobre a conveniencia de se estabelecer em Lisboa um deposito de cereaes estrangeiros.

O Sr. Conde do Sobral, em consequencia desta Portaria, reuniu no Governo civil o Sr. Marque! de Ficalho, o Sr. Barão de Almeirim, o Sr. Alexandre Herculano, o Sr. João Palha, Visconde de Fonte Arcada, e outros cavalheiros, para darem o seu parecer sobre o objecto da Portaria do Governo.

Depois de discutido o negocio concordou a commissão no seguinte:

Que se fizesse a distincção entre os cereaes entrados pelos portos sêccos, e pelos molhados; que os primeiros, em consequencia da facilidade do contrabando que se faz pela raia de Hespanha, seriam admittidos pagando um pequeno imposto de entrada, por tal modo modico, que não promovesse o contrabando. Que os segundos, entrados pela barra de Lisboa, para deposito, pagassem logo um direito (independentemente do direito de consumo, caso que para isso fossem admittidos) quando entrassem nos depositos; que, no caso de serem reexportados, seria restituído aos exportadores.

A razão desta clausula é porque entrando livremente para os depositos sem pagarem nada, o contrabando os lançaria no consumo, indo causar muito damno aos cereaes nacionaes; que, com o direito de admissão sobre os cereaes depositados, ficariam aquelles protegidos; esta disposição julgou a commissão essencial, reconhecendo quanto se deve recear o contrabando. Todavia a commissão nada disse a respeito da importancia do imposto, por quanto esta importancia deveria ser em relação á média de um certo numero de annos do preço dos cereaes nos portos que costumam fazer este commercio, o que a commissão ignorava; este imposto não só asfixiava a fazenda publica, quando os cereaes fossem admittidos a consumo, mas tambem protegia a agricultura, sem que embaraçasse o deposito de cereaes estrangeiros, que a todos pareceu util.

Em Portugal como o systema commercial é systema protector, entendeu a commissão que a importante industria agricola não devia ficar sem protecção, quando todas as outras industrias são altamente protegidas, pagando aquella industria não só a maior parte das contribuições, mas tambem a protecção que se concede ás outras.

Por entender que este parecer da commissão seria util que a Camara o tivesse presente nesta discussão, requeri que se pedisse ao Governo, o qual não fez caso deste requerimento, e não o remetteu até agora; bem como não satisfez ainda ao meu requerimento em diversas sessões repetido, e ultimamente na occasião em que requeri que se remettesse a esta Camara o referido parecer da commissão. O meu requerimento é o seguinte, feito pela primeira vez a 22 de Fevereiro de l857, e depois repetido por mais duas ou tres vezes:

«Requeiro que se peça ao Governo, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, uma relação dos preços do trigo, milho, cevada e legumes nos cinco primeiros annos, antes da guerra da Criméa, e desde a paz até ao anno passado de 1857, nos portos de Londres, Hamburgo, Odessa, Marselha, Mogador, Mazagão, e Nova York, reduzida a medida destes portos á medida portugueza, e bem assim o preço á nossa moeda. Camara dos Pares, 22 de Fevereiro de 1858. = Fonte Arcada.»

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O Sr. Ministro das Obras Publicas devia ter logo satisfeito este requerimento, cujos esclarecimentos eram reconhecidamente uteis; e na repartição de estatistica do seu Ministerio, pela correspondencia dos Cônsules portuguezes dos diversos portos commerciaes, deve constar tudo quanto eu pedia.

Eu fiz este requerimento, Sr. Presidente, porque esperava que o Governo, á vista das informações que tinha colhido das diversas pessoas, e auctoridades das provincias, que linha igualmente consultado, apresentaria ao Parlamento um projecto de lei sobre a importantissima questão dos cereaes, para resolver a qual são essencialmente necessarios os esclarecimentos que eu pedi; desgraçadamente havendo passado tanto tempo, e depois de ter todos os esclarecimentos, e conhecido as opiniões dás diversas pessoas, e auctoridades que tinha consultado (mostrando assim que pertendia tomar uma medida geral sobre cereaes), ainda o Ministerio o não apresentou! Se, porém, tivesse satisfeito ao meu requerimento, a Camara estaria agora em melhores circumstancias para discutir este projecto, porque, talvez avista delles, seria possivel, sem embaraçar a introducção dos cereaes estrangeiros, impôr-lhes algum imposto, o qual porém deveria o Governo, em consequencia da opinião manifestada por esta Camara, propôr na outra, e este imposto não se serviria para auxiliar a fazenda, mas igualmente de protecção á agricultura.

Agora pelo contrario apresenta-se esta Lei despida de todas as informações que deviam vir com ella; as que eu pedia eram muito necessarias, bem como o era saber qual tem sido a producção actual deste anno em que estamos, e saber se ha depositos de trigo nas provincias, e avista disto tudo, tomar então um accôrdo sobre este objecto. Eu entendo que este projecto agora é um projecto de expediente, como agora tudo se faz por expediente venha mais este. Mas o Governo tinha já tido muito tempo para apresentar uma lei permanente indispensavel para se saber á vista della, se só poderemos cultivar de cereaes as terras de primeira qualidade, e saber as culturas que se devem adoptar para aquellas de segunda e terceira, ou se se devem deixar incultas porque conforme o projecte) é o modo mais inconveniente de se podér supprir a falta dos generos que podem faltar para o consumo. O Governo tinha na sua mente, pm consequencia do que acabo de dizer, apresentar uma lei sobre o deposito de cereaes, e se a houvesse, no momento em que faltassem seriam admittidos, e Lisboa era provida. Sr. Presidente, a industria agricola em Portugal está em más circumstancias, e a maior parte dos tributos pesam sobre ella. Eu entendo que as industrias em geral devem ser igualmente protegidas ou livres; é verdade que a liberdade total apresentaria grandissimos inconvenientes, mas quando a industria agricola paga quasi todos os impostos, é preciso que isto se tome em consideração, e que se estabeleça uma protecção, posto que não seja excessiva, visto que effectivamente o principio do commercio em geral aqui é protector: se não fosse de certo aquella industria não tinha de que se queixar, e havia de seguir a sorte das outras, porque uma industria não póde prosperar sem que as outras prosperem, Um Digno Par já disse hontem com muita razão, que a agricultura, segundo aqui se tem seguido, é muita prejudicada, por quanto quando os preços dos cereaes estão baixos, e quando póde alcançar algum preço maior, um cereaes de fôra, e o lavrador está obrigado a vender os seus generos, não segundo o que lhe custam, mas segundo o preço dos cereaes estrangeiros, que em consequencia de melhores terras, e systemas de cultura mais aperfeiçoados custam a produzir muito menos do que nós os produzimos.

Isto que eu acabo de dizer é para mostrar que este objecto não se traz assim deste modo. desligado de todos os esclarecimentos que mostram a precisão da introducção, e o modo como deve ser consentida; havendo a lei permanente os agricultores veriam se deviam continuar as suas culturas de cereaes ou limital-as ás terras de primeira qualidade, mas assim pelo modo que se segue a este respeito é um enigma verdadeiro, porque cultivam-se todas as terras boas e más, e depois apresenta-se a necessidade da introducção de cereaes, e diz-se venham cereaes de fóra, quer possam concorrer com elles os nossos quer não. Ora isto é que é preciso que acabe por uma vez.

Em quanto ao projecto em discussão direi, que visto o erro estar feito não ha remedio senão approval-o.

Mas, Sr. Presidente, o artigo 2.º deste projecto é meio singular, e mostra a maneira porque se legisla, pois o arroz com casca e sem ella ha de pagar o mesmo direito? E diz-se vote-se tudo, vote-se já; isto é incrivel! Nada mais acrescentarei a este respeito...

Sr. Presidente, ha outro objecto ligado com a industria agricola, sobre a qual eu quero chamar a attenção dos Srs. Ministros. Todos sabem que as substancias azotadas, são as substancias fertilisantes dos campos, e que são essencialmente necessarias para estrumar as terras, augmentando-lhe a producção. Lisboa está proxima a vêr ir todas essas substancias pela barra fôra. Todos os residuos, quer sejam de fabricas de assucar, quer de outras, são levados para o estrangeiro; e ha uma grande fabrica que reduz todos os phostos e substancias azotadas a um pequeno volume para facilitar a exportação: e é tambem sabido de todos que ainda ha pouco tempo a Camara municipal de Lisboa fez um contracto com certa companhia para a limpeza das casas e depositos, e isto sem lhe impôr nenhuma condição que lhe embaraçasse, á exportação destes residuos; sendo estas substancias exportadas ficarão os nossos campos, quer do sul quer do norte, em um raio de legoa e meia, pouco mais ou menos, impossibilitados de lerem estrumes, e daqui resultará o ficarem os campos estereis, por quanto neste raio não ha agoas para pastos para sustento dos gados, cujo estrume substituisse o que se exporia. À Camara avaliará se isto é ou não assumpto de muita consideração. Eu não sei se o Sr. Ministro das Obras Publicas deu attenção ao que eu disse? 10 Sr. Ministro das Obras Publicas — Sim senhor.) Pois bem, eu peço a S. Ex.ª que tenha isto em consideração para evitar o mal que eu indique e que é possivel que aconteça dentro de muito pouco tempo, e talvez antes do que nós pensamos. Vozes — votos, votos.

O Sr. Presidente — Não ha numero na sala, não póde portanto votar-se. Contínua amanha esta discussão; e seguir-se-ha a dos pareceres n.ºs 11,13, 15, 17, 18, 20, 24 e 33. Está levantada a sessão. Eram cinco horas e meia da tarde.

Relação dos Dignos Pares presentes na sessão do dia 11 de Agosto de 1858.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Niza, e de Vallada; Condes: do Bomfim, do Linhares, da Louzã, da Ponte de Santa Maria, e de Rio Maior; Viscondes: d'Athoguia, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Fonte Arcada, da Luz, de Sá da Bandeira, e de Ourem; Barões: de Chancelleiros, de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem; Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, e Ferrão.

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