O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 267

DOS PARES. 267

no: portanto, quando isto não seja pela intelligencia da Carta um objecto decisivo, não foi irreflectido que apresentando esta idéá á Camara; ella decidisse se a minha Proposição era verdadeira, ou falsa; proposição concebida, em que sendo este objecto pertencente ao Poder Moderador, e este representado pela Pessoa do Rei, parecia-me que não havia necessidade nenhuma de que os Ministros do Estado assistissem, não representando aqui senão como executores, ou instrumentos do Goveno Representativo.

Portanto, torno a dizer, que quando apresentei a minha opinião, não foi como um objecto decisivo; mas foi para a Camara meditando, e reflectindo o que eu disse, decidisse o mais acertado.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, eu já tinha sido de opinião e continúo a ser:, de que a falta de um Membro da Commissão, não deve servir de motivo para em geral ss suspender a discussão; por que do contrario poderia resultar graves inconvenientes, até abusar-se, em detrimento das discussões. Mas n'este caso patticular, posso seguir outra opinião; e a minha posição particular faz, com que peça se suspenda a Sessão, em quanto não estiverem presentes os Srs. Membros da Commissão (nem supponha o Sr. Conde de Lavradio, que passa pela minha idéa a suppõsição de que elle não seja capaz de defender esse Projecto); mas eu ainda que me separei das suas opiniões, desejo sustentar as minhas na sua presença, e ainda mais, quando S. Ex.ª disse, que concordando em tudo, em alguns, Art.°s acha differença; por todas estas razões intendo, que se deve sspender a Sessão, até que estejam presentes os outros Membros da Commissão:

O SR. CCWDE DE LAVRADIO: - Parece-me, que a primeira vez que fallei, parecia oppôr-me a que se suspendesse a Sessão: eu não me opponho a isso, e julgo-o agora atendivel, visto faltarem tres Membros essenciaes da Commissão, e não estarem presentes alguns Membros do Governo. Confesso que discordo; do meu nobre amigo, o Sr. Visconde de Laborim; e quando fallo assim, parece-me que não sou suspeito, por que não tenho sido aqui o defensor dos Ministros: o meu dever é defebder o que é justo. Eu intendo que os Ministros, no meu modo de pensar segundo a Carta, tem não só o direito, mas o dever de assistir a todas as discussões da Camara; e ella deve deixalo entrar, sejam quaesquer que forem as questões para sustentarem os direitos da Corôa; e mesmo em todas as occasiões considero, que sempre a Camara tem utilidade em ouvir os pareceres dos Ministros, quando não seja senão pelo conhecimento pratico, que tem dos negocios, o qual a Camara não póde ter, e por que até elles tem conheicmento momentaneamente, do que é nceessario, e guando ha duvidas só elles as podem estar explicando por tanto, longe de ser inconveniente entrarem nesta discussão os Ministros intendo-o de utilidade publica o que hei de defender como poder; tanto mais que me parece estar ha letra, e no espirito da Carta. Sobre isto parece-me, que não deve haver discussão.

O SR. VISCOPNDE DE LABORIM: - Permitta-me V. Ex.ª dizer-lhe que eu queria, que, quando V. Ex.ª pozesse á votação - se effectivamente a discussão se deve addiar até á chegada dos Srs. Ministros, se marcasse por decencia e dignidade da Camara um prazo para o addiamento; por que eu contento-me de ser-escravo da Nação, mas não dos outros homens (O Sr. Visconde de Fonte Arcada - Apoiado.) Por tanto, pedia a Ex.ª, que marcasse um prazo - se devemos esperar até ás duas horas, ou duas e meia, e que dado este prazo, cadaum de nós se retire para suas casas - por que estar á espera, até que venham, intendo uma indignidade. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada - Apoiado.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu intendo, que o tempo hão se perde indo para as Commissões, onde ha trabalhos urgentes. Não se espera por individuos particulares, mas por pessoas publicas; e o motivo da Conselho d'Estado é a respeito dos prezos da Semana Santa, e não póde marcar-se o tempo que ha de durar. - Parece-me, por tanto, que proponho á Camara simplesmente a suspensão, até que cheguem os Membros da camara empregados no Conselho de Estado: não temos nada com os da Commissão, por que o unico que está presente deu um voto em se-parato: por consequencia se a Camara permitte, proporei unicamente, que se espere por aquelles. Membros, e os presentes se retirem ás Commissões para os trabalhos: se chegarem antes está claro, que se reune a Camara. Por tanto, proponho a suspensão dessta Sesão, até que cheguem os Membras da Camara, que estão empregados no Conselho d'Estado, em quanto não sejam, passadas; as quatro horas, em que a Camara costuma, aabar a Sessão. - Os Srs, que approvam a proposição nestes termos, queiram levantar-se.

A Camara assim o approvou, e os Membros presentes passaram ás Commissões.

Era uma hora e tres quartos.

As tres horas e meia abriu o Sr. Vice-Presidente a Sessão, e observando quanto a hora estava adiantada, e que pouco poderia aproveitar já o trabalho quando mesmo houvessem de chegar os Dignos Pares por quem se esperava: deu para Ordem do dia o Projecto relativo á Valla da Aazambuja, e depois a continuação daquelle, cuja discussão se suspendêra. - Fechou a Sessão.

Era pouco mais, de tres horas e meia.

N.º 58 Seessão de 12 de Abri 1843.

(PRESIDIU O SR. CONDE DE VILLA REAL.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora da tarde: estiveram presentes 30 dinos Pares - Is Srs. Duque de Palmella; Marquezes de Fronteira, das Minas, e de Ponte de Lima; Condes do Bomfim, de Lavradio, de Lumiares, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real; Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliverai, de Sá da

Página 268

268 DIARIO DA CAMARA

Bandeira, da Serrado Pilar, e de Villarinho de S. Romão; Barão de Ferreira; Barreto Ferraz, Miranda, Osorio, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Margiochi Tavares de Almeida, Pessanha, Geraldes, Silva Carvalho, e Serpa Machado.

Lida a Acta da Sessão antecedente, ficou approvada.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Pedi a palavra para annunciar uma interpelação ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, antes que a Commissão de Administração Publica désse o seu Parecer sobre o Projecto das Estradas; o meu objecto é saber, se o Governo está desembaraçado para dar principio aos trabalhos da estrada de Lisboa ao Porto, que foi contractada em outro tempo com uma empresa particular. - Desejo saber isto, para que os contractadores tomem as suas medidas, e tambem para me regular na discussão. - Peço que o Sr. Ministro do Reino seja prevenido, e para o que mando para a Mesa a seguinte

Proposta.

Proponho que o Sr. Ministro do Reino seja convidado a dizer nesta Camara, se o Governo se acha desembaraçado para determinar trabalhos na estrada de Lisboa ao Porto, a respeito da qual se fez um contracto authorisado por Lei. - Camara dos Pares em 12 de Abril de 1843. - Sá da Bandeira.

Foi appravada sem discussão.

Passando-se á Ordem do dia, foi lido o Parecer (N.° 64), da Secção de Negocios internos, ácêrca do Projecto de Lei (N.° 39), da Camara dos Srs. Deputados, sobre o destorcimento e limpesa da fallada Azambuja (V. pag: 222, col. l.ª). Lido tambem o mesmo Projecto, obteve a palavra, e disse

O SR. VlSCONDE DE VlLLARTNHO DE S. ROMÃO:

Sr. Presidente, eu pedi a palavra paraa dizer, que assignei o Parecer da Commissão, e approvei o Projecto de Lei vindo da outra Camara por que elle não e mais nada, do que um voto de confiança dado ao Governo, para poder contractar as obras do novo canal da Valla da Azambuja; mas, Sr. Presidente, eu tenho observado ha muitos annos, que se tem introduzido entre nós o costume, de fazer Leis com as costas voltadas ao nosso Portugal, e os olhos fictos na Inglaterra, na França, e nas outras: Nações, citando-se sempre a sua legislação, e as fórmas por que se governam. Pois tambem eu agora, fundado no que escreveu M.r Dupin nas suas Viagens á lnglaterra, argumentarei cem a prudencia ali seguida, quando se fazem obras de grande importancia, cujas despezas sahem da bolça do povo: Ali manda o Governo levantar as plantas do terreno, fazer os orçamentos &c., e depois consultam-se as Municipalidades; estas ouvem os interessados, os homens intendidos na materia, e toda a gente, que quer fallar sobre a obra, para o que se fazem muitas reuniões, e se dá tempo bastante para tudo isso. - Ora eis-aqui como eu desejava, que se fizessem as obras de importancia entre nós, e que não vissemos sempre entregar tudo aos estrangeiros, e dizer aos nacionaes - abri a bolça, e pagai, - sem saber ao menos para que, nem averiguar se é ou não é util, e proveitoso aquillo, que se emprehende. Falla-se na Valla da Azambuja, e diz o Art. l.º do Projecto de Lei, que ella se tornará navegavel em todas as estações do anno; mas não se diz até onde, nem como serão as obras; de maneira que é preciso advinhar, combinando entre si os Art.ºs do Projecto, e mendigando esclarecimentos extra-officiaes.

Ora, eu conheço o terreno, em parte por têlo visto, em parte com o soccorro do mappa, e da Memoria de Estevão Cabral, que vem inserta no Tom. 2.º das Memorias Economicas da Academia Real das Sciencias desta Corte: vou descrevêlo para depois poder mostrar a magnitude, a despeza, e a difliculdade da obra projectada, que se aos apresenta debaixo do nome da Valla da Azambuja, nome que pouco inculca, e que na maior parte do Reino pouca gente conhece.

Este terreno, em que jazem os famosos Campos de Vallada, e outros muitos de menor importancia; é uma peninsula, formada pelo Tejo da parte do Sul, e pela Valla da Azambuja do lado do Norte, a qual tendo a sua embocadura um pouco acima do Côrte dos Cavallos, estende-se até á Ponte da Assêca, e dahi para diante prende a peninsula ao terreno das Onias de Santarem, tendo couza de meia legua de extensão. O comprimento total da peninsula e de quatroleguas sobre meia de largura; aproxima-se da figura de uma elipse alongada; mas são muito irregulares as curvas, que a formam. A superficie será pouco mais, ou menos de oito meias leguas quadradas: e o terreno é mais elevado da parte do Tejo, do que da Valla sobredita, a qual tem cinco palmos de profundidade abaixo do nivel do terreno, e já e navegavel por barcos desde a embocadura até á Ponte dos Reguengos, quando a maré está cheia. - Agora pretende-se tornála navegavel por grandes barcos de véla, e de vapor, em todas as estações do anno, até por abaixo das Onias de Santarem; e por isso, a obra dita vem a ser um canal de quatro leguas de extensão, e (sendo bem feito), é de utilidade publica; mas é duvidoso e problematico se a terá relativa aos donos dos predios ruraes, que ficam pagando uma pezada contribuição annual por tempo; de 40 annos, Santarem deve pagar 960$000 réis: ao Cartaxo 4:041$600 réis; a Azambuja 3:177$600 réis: ao todo 8:179$200 réis. Eu não tenho os dados estatisticos necessarios, para saber se a differendos transporte dos productos ruraes, será equivalente desta contribuição. O canal póde sen malfeito ou bem feito; mas eu inclino-me a crer que será bem feito, por saber, que esta obra é apadrinhada por uma Personagem respeitavel, que merece distinctos elogios, em razão de entrar nesta empresa, mais por espirito de patriotismo, do que por esperanças de lucro. Se fôr bem feito, elle fará, uma despeza exorbitante, que excederá muito a esses orçamentos, que por ahi se fazem tanto a esmo, e até levando em conta os trabalhos já feitos da Valla da Azambuja. Eu ajuizo, que tanto custará a alargar, e afundar a Valla convenientemente, como a abrir o canal todo de novo; por que a terra dos vallados actuaes tem de ser removida novamente, e esta terra é correspondente á parte cavada na mesma Valla; por que dalli sahiu, e não se póde deslocar uma braça cubica de terra, que tem mil palmos cubicos, e depois assentalos, e batêla para formar as bermas do canal, e fazer-lhe um caminho de sirga a menos de 1$000 réis. Este canal, de que tractamos, tem o mesmo cumprimento, e deve ter a mesma profundidada, e largura, que foi arbitrada por José Theresio

Página 269

DOS PARES. 269

Micheloli, Major Engenheiro, para o canal que devia unir o Tejo com Sado: por conseguinte, terá um milhão e duas mil braças cubicas de terra a deslocar, e depois assentar, e bater, para formar as bermas, cuja obra deve importar em 1.000:000$000; nem me digam, que o canal projectado pôr Micheloti rompia uma consideravel elevação de terreno; por que este novo canal tambem tem de romper outra bem consideravel, como e a que vai da Ponte da Asseca até ás Onias, para desembocar no Tejo; e além disto ba de afundar abaixo do nivel das agoas claras do verão vinte e dous palmos, para vir a ter vinte e cinco ditos de altura, pois o Tejo só tem apenas tres, ahi nesse sitio, de Agosto por diante; e em menos desta altura de agua não podem navegar os barcos de vapôr, nem os barcos grandes de véla, como são as moletas. Quanto á largura, é preciso que tenha trinta palmos no fundo, e noventa na parte superior, para deixar passar dous barcos de vapor, um pelo outro. Além da escavação do canal, tambem, é preciso fazer dous contra-fossos, a saber. - Um pelo norte, junto da berma, para dar escoante ás aguas dos campos depois das chêas; e outro pelo sul, para desviar as aguas do monte na occasião das chuvas; para dar sabida ás escoantes dos pantanos; e tambem ás aguas das enchentes: este contra-fosso por si só, é tão dispendioso: como a Valla actual da Azambuja.

Passarei agora a outras considerações. Este canal, necessariamente será de escalão, e para isso deverá ter uma adufa de cofre (écluse à sas) um pouco abaixo da Ponte dos Reguengos, onde as marés da preamar poderem levan os barcos grandes: esta adufa quer ella seja de queda, quer de seifão, ou ainda pelo systema de Betteneourt:, com outro cofre ao lado, e um flictuador; gastará tantas madeiras de construcção como levaria uma grande não de linha no casco; preciza mais de adufos de maré, quer tenha por fóra barramentos para as defender na occasião das chêas; e outra adufa com barramenros no embocadouro das Onias; preciza de muitas comportas pelo lado do Norte, em correspondencia dos esteiros de navegação, e dos muitos regatos, que descem dos montes, afim de as fechar por occasião de trovoadas, e no tempo das chêas: ahi temos tambem o gasto de tantas outras madeiras, como seriam precisas para duas, ou tres fragatas: por conseguinte, provado tenho a grande despeza, que fará o Estado; e os particulares com este canal, e por isso não basta dizer-se - é util: e necessario ver, até que ponto e util, e para quem; por que depois do canal feito, e derivadas para elle as aguas do Tejo, não e possivel que possam navegar os barcos de Vallada para cima, por que todos os barcos do Alto Tejo são forçados a entrar no canal, e a pagar direitos: por conseguinte, se este canal tiver as dimensões necessarias, que já expuz, podendo admittir barcos grandes de Santarem para baixo; então é util ao maior numero de passageiros, e barcos de transporte; é util á Capital, e ao commercio em geral; mas uma obra desta natureza não é a Valla de Azambuja, é o encanamento do Tejo, certamente, pelo melhor methodo, que se póde fazer. - Mas um canal destes, é muito arriscado; por que fica submerso, durante as chêas: e co,o então esta parte do Tejo é muito larga, e um verdadeiro braço de mar; segue-se o haver ás vezes ondas muito impoladas com os ventos do Sul, que batem as bermas com muita força, e que as pódem arruinar em poucas horas, destruindo o canal. Se isto accontecer, ahi ficam perdidas as madeiras do Estado, que são de muito valor, e o povo a pagar as despezas por 40 annos. Então não seria muito conveniente, que se ponderasse tudo isto; que se consultassem os homens sabios da Nação, e as corporações scientificas, para que exposessem ao Governo, com clareza e preciza demonstração, o maximo effeito, que as ondas agitadas pelo vento, podem fazer sobre as bermas do canal, e quaes as resistencias que se lhe deviam oppôr, e os meios seguros de as conservar? Ah! Sr. Presidente, esta questão era importantissima; por que se o canal se destruir durante uma forte chêa, como a deste anno, póde o Tejo precipitar-se na escavação do mesmo canal; abrir um leito irregular á sua vontade e converter em mouchões, e quebrados os Campos de Vallada.

Eu faço muito bom conceito desses estrangeiros, a quem esta obra está confiada; póde ser que previnam isto tudo; mas não seria mais patriotico, e mais decente, que fosse tudo previsto pelos nosssos Portuguezes? Nós tambem somos gente; tambem temos quem saiba muito bem, o que e um canal; quem estude, e quem se dedique á Engenharia Civil, não obstante o continuo desprezo, e mau tratamento, que dos seus compratiotas recebem os homeas, que se dedicam ás artes e ás sciencias. Não tem pratica (dizem); mas como a podem ter, se para tudo quanto ha se mandam vir estrangeiros? Quer-se fazer um caminho, venha um estrangeiro, e traga carros, e até carrinhos de mão para este Paiz de Hotenlotes;, faz-se a guerra, venha um estrangeiro commandar; venham estranhos para tudo quanto ha: e diz-se depois que os Portuguezes não tem pratica!... A força de tudo se entregar aos estrangeiros, e todo quanto dinheiro temos, receio que ainda venha tempo, em que Portugal fique riscado da lista das Nações. Não temos pratica: esta é boa! Tambem se fazem muitas obras excellentes sem ter pratica; e pelo que respeita a canaes, fizeram-se os maiores, que tem visto o Mundo, por homens que não tinha pratica; e até nesses tempos remotos hão tinham nascido as sciencias proprias para os construir; nem havia a sciencia da Hydraulica, nem dos ramos a ella respectivos, a Hydrodinamica, a Physica, a Chimica, a Mechanica, e a Geometria. - Méus, Rei do Egypto, quiz fazer um canal para communicar o mar rôxo com o mediterranio, obra assombrosa, e não chamou estrangeiros: meteu mãos á obra, e o canal abriu-se; mas não lhe foi possivel acabalo em sua vida; veio depois Dario, continuou os trabalhos, e seguiu-se a este Ptqlomeu Philadelphus, que teve a gloria de concluilo, e fez a junccão dos dous mares. Já não existe este canal, por que Omar o mandou entulhar junto do mar roxô. O filho de Gentehis-Kan, na China, empreheddeu fazer um canal, de nada menos de trezentas leguas; e não mandou buscar homens de pratica, Belgas, nem Francezes; pois essa pratica ainda não era conhecida: mandou tapar as vasantes naturaes de um grande lago, que havia ao sul do seu Imperio n'um sitio elevado; fez romper uma, montanha, e levar as aguas ao ponto culminante do canal; alli as repartiu para dous lados, norte, e sul; e fez abrir o grande canal, que ainda existe, por onde navegam embarcações tão grandes, como as nossas fragatas de

1843 - ABRIL 68

Página 270

270 DIARIO DA CAMARA

guerra. Antistius Vetus, um dos generaes romanos, que estavam nas Galias durante o Imperio de Nero, teve a lembrança de reunir a ribeira de Saone á do
Mosela, que desemboca no Rheno; meteu, mãos á obra; elle fez-se engenheiro, e os seus soldados executores: o canal acabou-se_n'uma só campanha, cedendo o terreno á força de cincoenta mil braços legionarios, que o rasgavam. - Juliano na Persia, durante a conquista, tinha a sua armada no Euphrates e queria marchar para o Tigre: viu-se embaraçado; e para sabir da dificuldade, determinou abrir um canal para reunir os dous rios; as legiões abriram o terreno, e passou a armada por entre as cearas de trigo.

Trago estes exemplos para provar o que disse, e para mostrar, que todas as Nações seja qualquer que fôr o gráo de civilisação, em que estéjam; tem dentro de si sobejos meios, e homens, para fazer todas quantas obras precizarem: nós tambem os temos; mas são desprezados, deprimidos, e mal tractados pelos seus proprios concidadãos.

O SR. SILVA CARVALHO: - Está em discussão um Projecto de Lei vindo da Camara dos Srs. Deputados, em que se contem um voto de confiança dado ao Governo, para effectuar a construcção de um canal, que é util ao Paiz; e portanto, é sobre isto que deve versar a discussão, para ver-se é admissivel, ou não, no caso de o ser passar-se á especialidade dos Art.ºs Tracta-se de uma Empresa, e de o Governo contractar com ella debaixo de certas condições, por consequencia, se a Camara assentar, que a Empreza, é util a pproya o Projecto, e senão rejeita-o, e o gastar-se tempo, que nos é tão necesario: por isso peço a V. Ex.ª, que chame a questão ao seu verdadeiro ponto.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu desejaria fazer isso, que pretende o Digno. Par; mas torna-se impossivel evitar, que os Dignos Pares se sirvam de alguns argumentos para fundamentarem as suas opiniões.

O SR. VISCONDE DE FONTE: - Parecia me que se podia dispensar a discussão na generalidade: entretanto, se a Camara a quizer, ou houver algum Digno Par, que queira fallar, não serei eu quem lhe queira tolher a palavr; mas não se oppondo ninguem, não será máu, que V. Exa. Proponha se se dispensa a discussão na generalidade.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Estão inscrptos o Sr. Conde de Lavradio, o Sr. Duque de Palmella, e o Sr. Visconde de Sá.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Então é natural, que SS. Exas. Queira fallar.

Sinto que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino não esteja presente, para dar algumas explicações; entretanto digo, que a construcção do canal é util sem duvida, e tanto, que os mesmos habitantes d'aquelle Districto, quereriam concorrer para isso levar-se a effeito; mas ha uma grande falta, em virtude da qual, não podemos votar com conhecimento de causa nesta questão; por que nós não somos como os Jurados, que notam só conforme a sua consciencia: devemos decidir os negocios conforme se nos apresentam: portanto digo, que a primeira cousa necessaria, seria apresentar o Orçamento d'esta despeza, por quanto em todas as obras de tal natureza, é ella a primeira base, que se apresenta, afim de que se possa fazer um juiso da sua utilidade: ora, este orçamento não apparece, do que segue-se, que nós vamos votar com os olhos fechados neste objecto.

Não posso deixar de me referir á Lei de 30 de Julho de 1839, por que nella existe u, § que estabelece as contribuições, com que os diversos Concelhos devem; concorrer; e actualmente neste Projecto refere-se a contribuições.- Eu sei que, para a factura desta obra, foram ouvidos os interessados; mas fossem ou não fossem, o caso é, que elles no tempo, em que se ouviram, não suppunham que haviam de pagar o quinto da decima para a factura das estradas; e como é possivel, que álem desse quinto, vão agora pagar mais um tributo para esta obra? Verdade é, que o canal ha de ter mais valôr, e a testes terrenos virá mais utilidade; mas é tambem verdade, que presentemente nós não sabemos a proporção, em que isto esta com a despeza, por que ainda não vimos o Orçamento, para por elle fazermos um calculo, e vermos se é possivel; que os habitantes deste districto paguem para a construcção do canal, e junctamente para a factura das estradas: por consequencia, temos os olhos: fechados neste ponto - Eu não posso, pois, julgar que este Projecto de Lei seja isolado do outro, que tracta da factura das estradas para podermos avaliar, quanto pódem pagar os habitantes deste Districto para uma, e outra cousa. - Se se tratasse unicamente de uma contribuição para promover a industria, que em consequencia da abertura do canal deverá nascer, então não poderia haver duvida nenhuma; mas nós não temos a base, sobre que se possa estabelecer o nosso calculo; e portanto parece-me, que não é esya a occasião de se tractar deste negocio, mas sim quando nos occuparmos do Projecto relativo ás estradas.

Eu desejo muito à industria do Paiz: entretanto lamento, que esta Lei venha tão imperfeita, e muito principalmente pela falta de esclarecimentos necesssarios, com os quaes nós possamos votar, tendo o devido conhecimento de causa. Devo, porém, declarar, que eu approvo em geral a construcção do canal; mas estou persuadido, de que os habitantes daquelles terrenos, quando se offereceram para concorrer annualmente em beneficio do canal; não se lembravam que lhe haviam de impôr o quinto da decima para a factura das estradas. Nada mais direi sobre o Projecto, que na generalidade, todavia approvo.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu começarei por dizer que quanto se propõem neste Projecto é de uma tal natureza, e sutilidade para o Paiz, que quando se abrio a discussão tive tenção de propôr. Que se não tractasse na sua generalidade, e se passasse á especialidade; mas como observei quererem fallar alguns illustres Oradores sobre a generalidade, eu, segundo o meu modo de pensar, que é, o desejo de que todos fallem nesta Camara o que intendem, por isso o não propuz.

Não ha duvida nenhuma, em que neste Projecto se pede um voto de confiança: e sendo eu um dos Membros desta Camara mais inimigo de similhantes concessões; com tudo, parece-me que devem haver excepções; é justamente, quando se tracte de objectos desta natureza, que eu sempre farei excepções, ou quasi sempre admittirei votos de confiança, que me sejam comettidos para objectos desta natureza, e sobre tudo quando são pedidos de

Página 271

DOS PARES. 271

uma maneira tal; porque este voto de confiança não vai ás cégas, visto acharem-se aqui tractados os seus limites. - Eu respeito muito o Digno Par, que fallou primeiro, do que eu: entretanto devo-lhe observar, que é impossivel satisfazerem-se os desejos de S. Exa.; por quanto, se a Camara fosse tractar este objecto, pela maneira, pela qual o queria o Digno Par, a Camara hia-se constituir n'uma Academia; e não é vergonha dizer-se, que muitos Membros não teriam os conhecimentos necessarios, para poderem tractar a materia ex-professo; e digo, que o numero capaz de tractar desta materia, ha de ser muito pouco, a fim de que possam, dar esse voto de confiança com conhecimento de causa; álem do que, os Membros desta Camara se iriam arvorar em alvenareiros. Ora o que deseja o Digno Par já o fizeram Engenheiros portugueses e depois o fizeram Engenheiros francezes, mas honra seja feita ao Sr. Marquez de Fayal, que mandou vir de Hollanda homens intendidos deste objecto; homens desse Paiz classico nestas obras; e estou; persuadido, de que se a Camara quizer vêr os trabalhos, que sobre isto se fizeram, lhe não serão negados: talvez que nesta Camara esteja pessoa mais authorisada para confirmar o que eu digo. (O Sr. Duque de Palmella: - Apoiados): por tanto, o que o Digno Par deseja já está prevenido, e a nós não nos pertence, senão o dar este voto dê confiança limitado, de que o Paiz mos não ha de pedir contas, antes pelo contrario nos ha de lisongear; e esse povo, a quem vamos fazer este beneficio, nos agradecerá muitissimo.

Mas disse o meu nobre amigo que - se vão sebrecarregar os póvos, quando elles já estão obrigados a pagar uma grande quota -- mas elles mesmos; é que o pediram, e então permitta-me elle, que eu lhe applique eu não suo, e porque sua Vossa Payternidade? Portanto, a vista de tudo isto, e do mais que se poderia dizer, não sei que se deva gastar mais tempo sobre esta materia, e parece-me, que se deve passar á especialidade.

Tambem ouvi lamentar, que se offerecessem a esta Associação os pinheiros das nossas mattas: eu nunca chorarei o dar pinheiros das mattas, quando sejam destinados para similhantes obras, por que é para isso, que elles estão destinados; e até se faz ás mattas um grande beneficio, qual o de desbasta-los, como já aqui se disse, e pelo que alguma cousa eu tambem poderia dizer sobre isto, por que sou um pouco curioso, e lembrado: entretanto agora só digo, que esse desbaste lhes ha de fazer um grande beneficio, e não prejuiso, e álem disso se irá favorecer estes póvos, pois até seria uma mesquinharia negar-se-lhe similhante cousa.

O SR. SILVA CARVALHO: - Sr. Presidente, pouco direi sobre a generalidade do Projecto, porque todos convêm na sua utilidade; e se elle é necessario, e não está ao nosso alcance termos aquellas informações de facto, que o Digno Par deseja; então para que é estarmos com mais questões?... Nunca sahiria d'aqui o Projectop se esperassemos; que primeiro viesse o Plano, o Orçamento, e tudo o mais que pertence á obra, e aos emprezarios: o que é, verdade é, ser esta obra da reconhecida utilidade publica; isso ninguem nega. Ha uma Personagem, que pertende fazer essa obra por meio de uma empreza; o Governo apresentou a sua Proposta na Camara, e disse o moda pelo qual havia de fazer esta concessão: o que me parece é, que devemos deixar isso ao Governo, e que nós não podemos entrar em consideração alguma a tal respeito: entrariamos se fossemos os que tivessemos de fazer a obra se fossemos os Empregados; mas nada disso nos pertence. A utilidade desta obra é reconhecida; ha uma pessoa que a emprehende debaixo destas condições; e nós não podêmos fazer mais, do que dar um voto de confiança ao Governo, debaixo dos limites aqui prescriptos, para que a possa fazer com as pessoas, que quizer, e parece-me que se poderia passar á especialidade do Projecto, porque, no debate especial de cada Art.°, se poderão fazer algumas emendas, e eu mesmo talvez proponha alguma clausula para melhor clareza.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Julgo que não é necessario cançar-me, nem molestar a Camara para demonstrar, que seria de utilidade publica a construcção da valla da Azambuja. Em geral, todas as obras de canalisação, n'um paiz tão destituido de vias de communicação como o nosso, e para desejar que se façam, e nenhuma se apresenta primeiro do que esta; até por que já existiu, e agora (no fundo) não se tracta senão de melhora-la e de torna-la novamente navegavel, mas navegavel em ponto maior, do que tinha sido antigamente avalia existente. Isto é (como disse o Sr. Conde de Lavradio) um voto de confiança, que se pede ás Camaras, e pede-se por necessidade; porque não ha um contracto feito. com nenhuma companhia, até agora, nem o contracto se pôde fazer, sem que a Lei seja primeiro votada nesta Camara; por consequencia, para se começar a empreza é necessario, que as Camaras authorisem o Governo a contractar, e que por esse voto elle possa apresentar á companhia, que houver de formar-se, os meios seguros para ella poder emprehender a obra. Esta companhia é de esperar que se possa formar;" mas, não é ainda certissimo, porque isso dependendo maior, ou menor gráo de cpncorrencia de capitalistas, e das pessoas interessadas, por quanto seria difficillimo, que uma só pessoa tomasse sobre si uma emprega tão conisideravel. - Entretanto, já que o Sr. Conde de Lavradio fez menção de um nome, sendo eu ligado tão de perto a essa pessoa que indicou, não posso deixar tambem de confirmar, que o Marquez do Fayal fez da sua parte aquillo, que delle dependia para dar começo a esta empreza, que foi contribuir elle só, para que se fizessem os trabalhos preparatorios necessarios: estes trabalhos, acham-se feitos, ao menos aquelles pelos quaes se deverá começar a obra, e com o tempo será para desejar, que ella se amplie á valla do Sul; mas, por ora, tracta-se unicamente da do Norte; isto é, da valla chamada da Azambuja.

Posto, que o Digno Par, que está sentado ao pé de mim, e meu amigo, o Sr. Visconde de Villarinho, citou muitos exemplos de obras desta, natureza, feitas sem o concurso da sciencia, ao menos sem o daquella, que está adiantada presentemente estou persuadido, de que S. Exa. ha de concordar, em que ainda, que a sciencia não fosse indispensavel neste caso, não poderia prejudicar em cousa alguma, e por isso não. devia ser excluida.

Não fatigarei mais a attenção da Camara, e peço sómente, que se tome em consideração, que este voto de confiança tem limites marcados na Lei, e é con-

Página 272

272 DIARIO DA CAMARA

cedido para um objecto certo, util, e claro; e a não ser concedido brevemente, será impraticavel realisar-se (Apoiados).

O SR. VISCONDE DE SA DA BANDEIRA: - Principiarei, Sr. Presidente, respondendo a algumas cousas do que se tem dito. Eu considero que não se dá um voto de confiança senão muito limitado; porque, a Lei de 30 de Julho de 1839, § unico do Art. 3.°, depois de authorisar as Camaras da Azambuja, Cartacho, e Santarem, a levantarem um emprestimo para a abertura desta valla e dispôr em favor deste emprestimo da quantia, que os Lavradores destes Concelhos se obrigaram a pagar, diz que, no caso de não ter logar esse emprestimo, ficaria o Governo authorisado a contractar com quaesquer emprehendedores. Por consequencia, o Governo tem poder para fazer um contracto, se qualquer empreza se quizer sujeitar ás condições daquella Lei; mas na mesma existe uma Tabella, que é muito mal organisada, porque as pessoas interessadas em que se faça, querem entrar em contracto com o Governo, adoptando as disposições, que se concedem ás emprezas
de Canaes em França e Inglaterra, o que fórma a doutrina do Art. 2.° do Projecto. - Isto é o que se pratica em França e Inglaterra, e o que se pede aqui; mas pede-se igualmente o estabelecimento de um principio, que está hoje adoptado entre outras Nações para obras publicas importantes, o qual consiste na promessa de um minimo de juro certo, por exemplo no caso da empreza ter empregado na obra uma quantia de contos de réis, e não tenha tirado senão quatro e meio por cento, o Governo lhe pague meio por cento para completar o juro de cinco. O Governo, concorrendo para se assegurar á empreza este juro, deve fazer examinar os seus livros para ver se teve algum, dividendo, e qual foi, isto é o que se pratica em Allemanha com as emprezas dos caminhos de ferro; ali tem-se-lhe assegurado quatro por cento; e em França ha uma empreza á qual se segurou este mesmo juro; e na Russia, no grande caminho projectado de Moscow a Petresburgo, que se calcula custar cincoenta milhões de rublos assegura tambem o Governo quatro por cento á Companhia: já se vê que este devidendo de quatro por cento, comparado o valor do dinheiro naquelles paizes, com o que tem em Portugal, é muito maior do que o de cinco por cento, que se assegura aqui á companhia: este principio, consignado no Projecto de Lei, deve ser considerado como um precedente, que, bem applicado, póde promover muito a nossa industria, da qual os capitaes se retiram, por não dar tanto lucro como a agiotagem; mas havendo emprezas, em que se assegure um premio certo, haverão alguns Capitalistas, que queiram entrar nellas. A alteração da tabella, e segurança do juro de cinco por cento, são os dous pontos principaes, pelos quaes este Projecto veio as Camaras: se não fosse isso, o Governo poderia concluir o contracto com qualquer empreza.

Um Digno Par estranhou alguma couza o emprego de Engenheiros estrangeiros; e eu digo, que, apesar de ser Official de Engenharia, e honrar-me muito de pertencer a este Corpo, não lhe, pôde causar desdouro mandar-se buscar fóra homens, que tenham a prática de trabalhos hydraulicos. O melhor engenheiro militar, cuja vida tem sido empregada em obras de fortificação, se fôr encarregado de obras
hydrauiicas, que são as mais difficultosas da sciencia, antes de as emprehender ha de estudar muito; por que, não basta sómente fazer a obra, é preciso que seja solida, e feita pelo menor preço possivel: aconteceria, por exemplo, que um engenheiro sem pratica de obras hydrauticas, construindo marachões que devam sustentar o pezo das aguas, afim de se segurar quanto á estabelidade da sua obra, que de ás terras maior grossura, do que a necessaria; o trabalho ficará bom sem duvida; mas a despeza será maior do que a que se poderia fazer.

Util será, portanto, que se esta obra se emprehender, se mande buscar um engenheiro da Italia, ou sendo da Hollanda dos empregados pelo Waterstaat, ou Repartição das aguas, aqual ali fórma um departamento especial de trabalhos publicos; e este engenheiro, em quanto estiver empregado em Portugal, poderá mostrar a pratica de taes construcções a alguns moços de talento, que tenham já feito os seus estudos das theorias, para que no fim de tres, ou quatro annos, se possa ter officiaes instruidos nesta materia. - Advertirei, antes de passar a outro objecto, que nós temos tres, ou quatro officiaes engenheiros, os quaes frequentam, por ordem do nosso Governo, os cursos da escola de pontes e calçadas, de Paris, na qual se ensina a theoria com a pratica, tanto pelo que respeita a trabalhos de estradas, como aos hydraulicos; e por isso, se fossem encarregados da obra, de que se tracta, a haviam cabalmente desempenhar.

Direi duas palavras quanto ás vias aquaticas de communicação interna em Portugal. Não temos canaes navegaveis; mas temos rios, que nos offerecem uma navegação extensa, e que, muito maior poderia ser se as suas aguas fossem aproveitadas. Por exemplo (e que seria de vantagem immensa para á Provincia do Alemtejo), se fosse tornada navegavel a ribeira da Surraya, desde Monforte, a quatro leguas d'Elvas, por Coruche e Benavente até entrar no Tejo. O General Vallaré fez um projecto a este respeito, o qual foi premiado pela Academia das Sciencias de Lisboa em 1785, na sua memoria diz elle, que havia nivellado todo o curso da dita ribeira, desde Monforte até Benavente; e achava que se podia fazer, pela sua margem do sul, um canal navegavel. - Este General, homem de muitos conhecimentos, é a quem se deve a construcção do Castello de Lippe, a mais bella obra de fortificação, que ha em Portugal, e que mereceu toda a consideração do Marechal Conde de Lippe; assegura, que fizera pessoalmente estes trabalhos: o Governo devia mandar rectificar o projecto, e fazer orçamentos de construcção da obra, e do proveito que ella póde dar: talvez que de futuro haja uma Companhia, que queira emprehendela. Para mostrar a sua utilidade bastará dizer, que um alqueire de trigo, que vai d'Elvas a Abrantes, dezoito leguas, paga 120 réis de transporte, quando de Abrantes para Lisboa vinte e uma leguas, paga 20 ou 30 réis: isto mostra que por este canal viria de todo o paiz visinho, do Alemtejo e Extremadura hespanhola, enormes quantidades de trigo, lan, cortiça, azeite, marmores de Extremoz, e outras varias producções, o que augmentaria consideravelmente o commercio de Lisboa, que pelo mesmo canal faria os seus retornos. - Sobre a generalidade do Projecto não direi mais nada.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÂO: -

Página 273

DOS PARES. 273

Pedi agora a palavra para ratificar uma expressão que disse. - Eu não lamentei o valor das madeiras, que o Estado fica obrigado a dar para as obras do canal; lamentei, sim, que se faça sempre tão pouco caso dos nossos portuguezes, que se dedicam ás sciencias e ás artes; porque, faz admirar como ainda haja entre nós alguem, que seja amigo de estudar, e de se instruir, visto que só tira em paga, desprezos, e ruina da sua saude, e vida; dada a occasião de poder empregar-se, e tirar algum proveito das suas fadigas, o que verá é vir algum estrangeiro encarregar-se das obras, dos commandos etc. Aos portuguezes pede-se dinheiro, e obediencia: não se julgam aptos para mais nada.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Omitti, quando ainda ha pouco fallei, o confirmar o que tinha dito o Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio; isto é, que se a Camara tivesse desejos de ver os trabalhos feitos pelos engenheiros, que mandou vir o Marquez do Fayal, eu os offerecia á Camara muito gostosamente.

Agora direi, que esta obra, sollicitada pelos habitantes do Ribatejo, e pelos donos dos terrenos contiguos á valla, é concebida n'um espirito absolutamente alheio de lucros provenientes do contracto. O lucro que se espera, e se deseja, é o que ha de naturalmente provir da facilitação desse novo meio de communicação; mas de modo algum se espera ganhar pelo dinheiro, que se adianta, e a prova é o limitado juro de cinco por cento, e a duração de um privilegio, que não excede a quarenta annos. Entretanto, era indispensavel uma clausula, pela qual o Governo se obrigasse a supprir as deficiencias do imposto legislado; porque, a não ser assim, não haveria de certo quem tivesse a imprudencia de arriscar os seus fundos em uma empreza, que poderia dar-lhe uma grande perda.

Um Digno Par lamentou novamente o pouco caso, que se faz em Portugal dos homens da sciencia. Confesso que muito desejaria, que estas declamações banaes não tivessem logar tão frequentes vezes no Parlamento; porque, dellas só resulta o desvairar-se a opinião publica, o que não supponho queira o Digno Par, porque faço justiça aos seus sentimentos. O emprego de estrangeiros, principalmente para obras scientificas, vê-se que não é desprezado em Nação alguma, por mais adiantada que esteja em civilisação; e acabo de deparar com uma prova disso em Londres (segundo consta dos ultimos jornaes Inglezes), onde o engenheiro Francez Mr. Brunel recebeu uma especie de ovação por ter acabado uma obra portentosa, a passagem do Tunnel, para a direcção da qual elle havia sido preferido a todos os Ingleses, sem que para esse effeito se consultassem as Academias.

Causa, pois, espanto, que se queira fazer recahir tal, ou qual censura sobre um Portuguez, que promoveu á sua custa a concorrencia para uma obra de tanta utilidade, só porque, para a direcção dessa empreza, fôra convidado um engenheiro tão habil, e que gosa da maior reputação no seu paiz (a Hollanda), o paiz classico dos canaes!

O SR. CONDE DE BOMFIM: - Sr. Presidente, eu tambem desejaria, que esta importante obra fosse privativamente portugueza: entretanto, não posso deixar de reconhecer, que entre nós não ha, como em outros paizes, uma escola de engenheiros civis, mas unicamente de engenheiros militares, cujo numero, em consequencia de indispensaveis economias, havia sido limitado: por tanto, sem fazer offensa aos poucos, que temos com conhecimentos especiaes, seria difficultosissimo pode-los empregar em serviços desta natureza; porque, esses mesmos, a que alludio o Sr. Visconde de Sá, estão incumbidos de outras commissões importantes, posto que aliás são mui capazes para dirigir taes obras. Conseguintemente, não resta outro meio, senão lançar mão desses estrangeiros, sem que por isso recaia sobre os nacionaes a mais leve censura. Approvo, por tanto o Projecto, a fim de que se de começo a esta empreza, a exemplo da qual poderemos, para de futuro, tentar outras da mesma utilidade.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi a generalidade do Projecto offerecida á votação, e ficou approvada, passando-se á discussão da especialidade pelo

Art. 1.º Fica o Governo authorisado a contractar com alguma Companhia, ou Individuo, a construcção das obras necessarias para tornar navegavel em todas as estações do anno a valla denominada da Azambuja, podendo para esse effeito:

1.° Estipular até ao maximo da contribuição, e direitos estabelecidos pela Lei de 30 de Julho de 1839.

Approvado, sem debate.

Seguio-se.

2.º Modificar, de accôrdo com a Empreza, a tabella de direitos de navegação, que faz parte da mesma Lei, dos quaes devem ser bases principaes as distancias andadas pelas embarcações, o pezo e natureza da sua carga, não ficando mais onerosa que a dita tabella.

O SR. SILVA CARVALHO: - Parece-me que esta Provisão poderia talvez soffrer uma emenda, que seria de reconhecida utilidade; porque eu tomei informações, e em virtude dellas convenci-me, de que seria proveitoso fazer alguma alteração nesta Provisão, não só a favor da empreza, mas tambem para a melhor execução da obra. A tabella que eu tenho presente, fez-se, calculando simplesmente o numero de meios, que poderá levar qualquer barco; mas este methodo não e o que se segue hoje, nem em França, nem em Inglaterra, e sim outro que torna o imposto mais igual, e vem a ser o attender ás distancias, que tem de andar o barco: ora, a meu ver, isto é o mais justo, e igual, não só para a empreza, mas tambem para os que transitarem, e fará com que a Lei tenha mais facil execução: por todas estas razões eu fiz, e vou mandar para a meza, a seguinte:

Emenda (de substituição a n.º 2).

Modificar, de accôrdo com a Empreza, a tabella dos direitos de navegação, que faz parte da mesma Lei, dos quaes devem ser bases principaes as distancias andadas pelas embarcações, o pezo, e natureza da sua carga, com tanto que pelo transito de cada distancia, de 1263, a 2525 braças, não pague cada quintal mais de cinco de réis.

Sendo admittida, disse

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Depois da explicação que deu o Sr. Silva Carvalho, parece-me que a Emenda se póde adoptar.

Approvou-se a substituição, e passou-se ao

1843 - ABRIL 69

Página 274

274 DIARIO DA CAMARA

3.º Segurar á Empreza a importancia da contribuição annual mencionada no Art. 2° da citada Lei.

O SR. SILVA CARVALHO: - Parece-me que aqui não póde haver duvida, porque senão póde augmentar mais do que actualmente se paga, é só se poderia diminuir.

Foi approvado o n.º 2, e passau-se ao

4.° Contractar com a Empreza, o que mais conveniente lhe parecer sobre a navegação do Canal, ou Valla, da barcos movidos por vapôr, de barcos de carreira para transporte de passageiros, e de barcos que, atravessem o Canal, com tanto que nestas se não fique pagando direitos maiores, do que se paga actualmente.

5.° Conceder á Empreza a faculdade de construir cáes nas margens do Canal, e pontes sobre elle; com tanto que nos primeiros se não paguem direitos maiores, do que se pagam nos cáes da Companhia de navegação por vapôr no Tejo, e Sado, e nas segundas se não pague mais, do que se pagava na ponte do Reguengo sobre o mesmo Canal.

Não se offerecendo opposição foram aguelles n.ºs approvados, seguindo-se o

6.ª Segurar á Empreza o juro annual de cinco por cento do capital que ella tiver despendido, fazendo-lhe entregar, nos annos em que o producto liquido dos seus interesses fôr inferior a cinco por cento do dito capital, a somma necessaria para perfazer a importancia dos mencionados cinco por cento, que lhe será paga pelo Thesouro Publico.

SR. SILVA CARVALHO:- Esta Provisão está confeccionada d'accordo com as pessoas, que entram em similhantes Emprezas; tracta de accreditar a Empreza para se chamarem capitaes, e socios; não ha duvida em que todas as Nações costumam, fazer isto mesmo. Em França anda o juro a quatro por cento, e em Inglaterra, o Governo vai providenciando os meios a essas Emprezas: ora, se isto se faz ali, onde ha tantos homens que se destinam ás Emprezas, porque senão ha de cá fazer o mesmo? Em Portugal sabe-se, que não é possivel sustentarem-se estas Emprezas, sem que o Governo entre com o seu auxilio: é necessario que se vá assim, até que com o andamento dos tempos não seja preciso. Entretanto, convem que o Governo segure esse juro de cinco por cento, afim de chamar capitaes, e consequentemente parece-me, que sobre esta Provisão nenhuma duvida póde haver.

O SR. TAVARES DE ALMEIDA: - Esta Provisão é novissima na nossa Legislação, por que não sei, que exista uma Empresa em Portugal, a quem se assegure um juro dos capitaes, que se empregarem:, não quero com isto impugnar a Provisão; mas digo que ella é novissima. Tambem me parecia, que deveria aqui haver alguma disposição com respeito á fiscalisação, que deve exercer o Goyerno sobre a somma dos Capitaes empregados pela empreza, e dos quaes a Nação pagará juros, a fim de que, ou por falta de economia da empreza, ou por qualquer motivo, nunca: a Nação venha a pagar mais, do que dever verdadeiramente: deveria, por tanto, haver aqui alguma disposição sobre o modo, porque o Governo haja de fiscalisar, e obrigação de o fazer.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - De maneira alguma me opponho, a que se insira no Projecto qualquer clausula, pela qual se conceda ao Governo a faculdade de fiscalisar o emprego dos capitaes, no sentido em que acaba de fallar o Digno Par: antes julgo a disposição opportuna. Resta-me, porêm, traduzir exactamente a Provisão para mostrar o que ella significa. Quer-se emprehender uma obra de utilidade publica, e para isso exige-se um rendimento certo annual: não se sabe comtudo, nem se póde calcular a quantia, a que chegará o rendimento da valla: e natural que seja maior, se a obra fôr mais perfeita, e menor se o não fôr: por conseguinte, tambem não póde designar-se a quantia, que o Governo terá a supprir para o preencher. Creio que o rendimento será maior nos primeiros annos, e que diminuirá em seguida. Para a empreza se levar a effeito, é necessario um grande capital, e para este se levantar, ainda mesmo suppondo um um verdadeiro patriotismo nas pessoas, que para ella concorrem; é preciso garantir-lhes, pelo menos, que não perderão inteiramente os fundos que adiantarem; por quanto, poderia acontecer que algum precalso fizesse suspender a obra, ou que depois de concluida, não desse um rendimento sufficiente para os emprezarios haverem o modico juro do seu dinheiro. É esta a contingencia, que se quiz prevenir pela presente; Provisão, sem a qual (como bem disse ainda ha pouco o Digno Relator da Commissão) mal se poderiam emprehender obras publicas em Portugal, pois que as circumstancias do Paiz tornam precizo, que a Nação garanta algum resultado aos individuos, que primeiro arriscam os seus capitaes em similhantes emprezas.

Agora, a duvida que ha consiste em ver, se tal qual está a Provisão é sufficiente, pois que el|a só garante por espaço de quarenta annos o juro do capital adiantado, mas não apresenta de modo algum o meio; para os empresarios rehaverem o computo dos seus adiantamentos. Em fim, eu faço votos, é desejo, que a Provisão, como está, seja sufficiente para animar um grande numero de accionistas, mas tenho nisso alguma duvida, e em sentido contrario á apprehensão do Sr. Tavares de Almeida, pois que a Provisão diz, que os juros serão pagos, e por um certo prazo; mas não affiança que os capitaes serão restituidos aos accionistas. Ora, se o rendimento da canal não só fôr sufficiente, e até cubrir as despezas dando lucro consideravel; nesta hypothese, nem a Nação, nem o Governo teem que recear, por que fica annullada a obrigação de preencher a deficiencia do juro; mas se o rendimento fôr inferior (como é de suppôr), os capitalistas é que teriam razão para algum receio. Julgo, pois, a Provisão um pouco defectiva; mas pelo lado opposto áquelie, por que a encarou o Sr. Tavares de Almeida: entretanto não desejo, que ella seja alterada, excepto para se estabelecer a fiscalisação do Governo.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Sr. Presidente, muito pouco tenho eu a dizer a respeito da Provisão, por quanto o Digno Par disse uma grande parte, do que eu me propunha a dizer. - Em quanto á fiscalisação do Governo, parece-me que ella já aqui está bastantemente garantida: o Governo ha de pagar o que falta para completar os cinco por cento... (Susurro) Não me ouvem? - Pois então asssento-me.

O SR. SILVA CARVALHO: - Esta fiscalisação é uma consequencia do pagamento, que o Governo ha de fazer, por que não e possivel, que se vá sup-

Página 275

DOS PARES. 275

prir um pagamento na falta de rendimento dos juros, sem se saber, se com effeito não houve esse rendimento: o Governo de certo hade tomar contas á Empresa, porque sem isso não lhe iria dar todos os annos trez, e quatro contos de réis: por tanto, a Empreza por força lhe hade dar conta, e estas hão de vir ás Camaras para receberem as suas approvações; ou então o Governo pedirá auctorisação para despender, essa quantia.

Disse o nobre Par, qwe lhe parecia a Provisão defectiva: tambem a mim; mas é esse o risco das Empresas; por que, se se lhes assegurassemi todos os seus capitaes, então não havia cousa melhor: as acções desta Empresa entram depois no commercio, como as do Banco, e correm o risco como outras quaesquer. - Agora, de que se tracta, e de animar as pessoas, que vão entrar nesta Empresa, segurando-se-lhes o juro annual; mas diz-se - que a obra póde não chegar-se a concluir -então o que succede é, que, aquelles que empregaram os seus capitaes, ficam perdendo-os. A vista do que acabo de dizer parece-me, que não póde haver duvida em se votar esta Provisão como está.

O SR. TAVARES DE ALMEIDA: - Vote-se embora a Provisão como está: rnas eu hei de dizer é que intendo. Não entro na questão se a obra é de utilidade grande, ou mediana: entretanto parece-me, que em quanto houver agua no Tejo, a navegação hade fugir da Valla, para não pagar os direitos, e não parece, que a navegação, que se quer melhorar pela empresa, seja tão extensa como é desde a boca da Valla da Azambuja até ás Onias; por que, pelo alveo do rio a maior parte desta extensão é banhada pela maré, e tem bastante agua para ser navegada. Ora, digo eu, que não vejo na Provisão consignado, desde quando o Thesouro e obrigado a pagar o juro dos capitaes empregados naquella obra, nem se deve ter conhecimento da conta desses mesmos capitaes, para se saber o juro que tem a dispender; por quanto, não me parece que isto seja por um juramento suppletorio da Empresa, e que deve; ser por fundados esclarecimentos, e contas, que ella ha de apresentar (O Sr. Duque de Palmella - Apoiado.) e o Governo; as deve tomar: portanto, nesta parte a Provisão e defectiva (Apoiados.): o Governo de verá ter uma fiscalisação sobre a Empresa (Uma voz - Por força.) Por força! Mas isso não está aqui, e entretanto a Nação ha de pagar o juro desses capitaes. - Figuremos mais, que a Empresa gasta duzentos contos de réis, e ainda não chega ao meio da sua obra, isto é, á conclusão dos seus trabalhos: pergunto - fica já o Estado obrigado a pagat o juro dos capitaes empregados, antes de se concluir essa obra, ou principiará a pagar o juro depois de estar a Valla patente, e exposta ao serviço publico? - Eis o que é necessario explicar-se, até por que os capitalistas para empregarem os seus capitaes, em tal especulação, desejarão saber quando se lhe ha de começar a pagar o juro - se antes mesmo da obra concluida - ou se depois: este caso falta explicado na Provisão, sendo aliás necessario consignar-se.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: -- Pedi a palavra para fazer algumas observações, ácêrca do que disse um Digno Par. Em quanto ao que S. Exa. ponderou sobre a Valla da Azambuja, e communicar-se esta com o Tejo, digo, que se isto se fizesse, como se projecta, terianaos a navegação certa até Santarem, a qual se poderia fazer em cinco, ou seis horas, o que muito conviria, não só para o transporte de passageiros, mas para o de generos, principalmente nos mezes de sêcca, que são Agosto, Septembro, Outubro: nessa estação viria pelo canal a maior parte dos barcos, que conduzissem trigo de produção da Extremadura, de parte do Alemtejo, e Beira-Baixa, os quaes deixariam o Tejo em consequencia da muita difficuldade, que a navegação encontra neste rio nos mezes sêccos; porque os bancos de arêa, que existem, obrigam os barcos a demorar-se em certos pontos para receberem uma carga completa, a qual vem de cima em pequenos barcos chamados alijas: se se pretendesse desfazer estes bancos de arêa, como esta é muito facil de mover pelas aguas, os taes bancos em breve se tornariam a firmar. Hoje, quando ha um rio, como o Tejo, com um leito mui largo, e cheio de baixos, e que para se tornar de navegação facil em todas as estações, carecia de enormes despezas, sempre repetidas por causa da mudança das arêas; prefere-se abrir canaes lateraes. Entremuitos exemplos, citarei o do canal, que na França se está agora abrindo para prolongar o famoso canal do Languedoc, que vai desde o Mediterraneo até Tolouse, ahi faz juncção com o rio Garonne, o qual antes de chegar a Bordeos, toma o nome de Gironde. O Garonne é navegavel todo o anno; mas em certos mezea offerece difficuldade, excepto na parte que tem o nome de Gironde: para tornar a navegação segura, está-se abrindo, com grande despeza, um canal de vinte a trinta leguas, sendo preciso furar montes por extensas, galerias subterraneas, e fazer pontes sobre vales, e ribeiros, para elle passar.

A obra mais importante, que se póde fazer em Portugal, e tornar o Tejo navegavel, quer seja pelo seu leito, quer por canaes lateraes, não só até á raia de Hespanha, mas até Toledo, e Aranjuez, e pelos rios larama, e Mamanarez, até Madrid: então Lisboa se tornará o porto de mar de sete, ou oito provincias internas de Hespanha, que tem mais de dous milhões de habitantes. Generos coloniaes, manufacturas, laranjas, e muitos outros generos, subiriam o rio, em quanto por elle desceriam cereaes, lans, cortiça, madeiras de construcção, mineraes, e muitas outras producções de Hespanha, que viriam a Lisboa para serem exportadas. O canal em discussão póde considerar-se como uma parte da grande linha de navegação de Lisboa a Madrid, sendo uma vantagem o começarem os trabalhos debaixo para cima, por que na parte que se abrir, haverá a navegação continua desde Lisboa, já pelo Tejo, já pelo canal.

Quanto ás observações que fez o Digno Par, relativamente ao inconveniente que se seguiria da falta de fiscalisação, para se poder satisfazer o que falta para o dividendo de cinco por, cento; direi, que ao Governo pertence exercer esta fiscalisação, e é por isso que intendo não ser preciso, que outra disposição se insira no Projecto.

Muitos dos capitaes portuguezes estão empregados na agiotagem, que lhes rende 10, 15, ou 20 por cento; são muito poucos, comparativamente, os que se empregam em empresas industriaes; poucas Companhias fazem dividendos de 5 por cento; não fallo da Companhia do Credito Nacional, por que essa e doutra natureza. Em outros Paizes mais adianta-

Página 276

276 DIARIO DA CAMARA

dos, do que o nosso, tem-se adoptado o segurar um minimo do dividendo á Companhia, do que já referi exemplos: citarei outro de genero differente. Ainda em tempo da união da Hollanda, e Belgica, o Governo dos Paizes-Baixos concorreu com grandes sommas para, que se estabelecesse uma grande fabrica de ferro em Seraing, onde boje se fabricam todos os objectos: por exemplo, espingardas de excellente qualidade, e por modico preço. Ora, se estabelecermos o resto da concessão de um minimo de dividendo, e se em consequencia disto houver uma Companhia, que queira estabelecer em Guimarães, ou Braga, uma fabrica de armas para o Exercito, assegurando-lhe o Governo, álem do dividendo, a compra em cada anno de certo numero de milhares de armas; não seria uma cousa de grande utilidade para o Paiz? (O Sr. Silva Carvalho - Apoiado.) - Nós temos minas de ferro, e de carvão de pedra: não seria bom, que houvesse alguma Companhia, que com a certeza de um dividendo, e da compra annual pelo Governo de certo numero milhares de quintaes de ferro, estabelecesse uma manufactura de ferro nacional? Este modo de promover a industria é o mais seguro; paga-se depois da obra feita, e de capitaes alheios dispendidos; não é um premio adiantado.

Eu considero esta Provisão como um aresto, e por isso dos mais proveitosos do Projecto. Creio que a Companhia lucrará, construindo este canal, e que conseguintemente o Thesouro Nacional nada teria a pagar para completar o dividendo de 5 por cento.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Pouco direi, por que muitas couzas estão ditas, e a Provisão deve passar como está: o Governo fica authorisado para contractar: então quando contractar, todas estas couzas hão de vir no contracto, e não havemos de o fazer aqui. Agora, respondo ao Digno Par, que poz a objecção, de que a navegação viria a ser naquelle tempo toda pelo canal; direi, que depois de estar feito, vão pelo canal, por que pelo Tejo não se póde fazer a navegação, se não por barcos muito pequenos, e naquelle sitio o Tejo não tem dous palmos de agua, e no tempo de verão por força ha de a navegação ser pelo canal: a grande vantagem e fazer, com que os barcos, que hão de vir pelo Tejo, venham pelo canal. - Por conseguinte não ha nada mais a accrescentar, por que tudo ha de vir no contracto: se os emprehendedores o pedissem, bem; mas por parte do Projecto não e necessario.

O SR. MINISTRO DA JUSTIÇA: - São só duas palavras: Sr. Presidente,, eu estou prevenido em quasi tudo que queria dizer. A objecção principal e, que havia falta de fiscalisação: aqui não se tracta de fazer o Regulamento para essa fiscalisação, tracta-se só de estabelecer o principio, e estabelecido este, toca ao Governo fazer todos os Regulamentos necessarios para salvar a sua responsabilidade, e tornalo effectiva a todos os seus empregados; e o Governo desejava muito, que o Regulamento se fizesse aqui, por que salvava a sua responsabilidade, e não tinha esse trabalho. - Debaixo destes principios, intendo portnnfo, que nesta parte a Provisão não e defectiva, por que o Governo ha de fazer O Regulamento para a sua fiscalisação na ingerencia deste negocio, e para não ser obrigado a pagar mais, do que deva pagar; aliás, a sua responsabilidade ficaria compromettida.

Agora direi mais, que o Digno Par, que se oppoz a estas emprezas, parece-me que tomou esta num sentido como e natural; mas esta empreza, não é uma Companhia, que tomasse esta empreza, e viesse pedir tal, ou tal protecção para que o Governo lha désse. O Governo reconhece a conveniencia, que desta empreza vem ao serviço publico, e então quer habilitala; e o resultado, como é da opinião do Digno Par, é um emprestimo, que o Governo vai contrahir para esse objecto de utilidade publica, por isso o quer contrahir pelo menor preço possivel, e por isso é que dá esta vantagem ao emprehendedor. O pagamento do juro, dos capitaes, é desde o momento em que elles se empatam, como é natural; mas aqui ha já rendimentos, que estão applicados para isso, e tributos que já correm por conta do Governo, e elle não ha de pagar mais do que o juro de cinco por cento da quantia, que fôr necessaria para chegar aos capitaes alli empregados; por que, se este capital ficasse morto por muito tempo, serviria só para affastar os emprehendedores. Portanto intendo, que isto é de bem publico, e mais do que algumas emprezas, que se tem querido fazer, e acho que a intelligencia, que deu não lhe e particular; por que esta empreza e - sui-generis - é a protecção que se lhe dá, é differente da que se dá á maior parte das emprezas de um ramo de industria, que se prospera, é bom para o Governo, e se não prospera é bom para a empreza; mas este, ao contrario, é um objecto, que, o Governo intende, e as pessoas que delle intendem, deve resultar grande vantagem, por que o Governo está persuadido, (por que ouviu pessoas intendidas na materia), que grande utilidade ha de haver desta Valla, e pretende por isso auxiliala, para que se accredite, e verifique fazer um emprestimo pelo preço mais barato; e ella levantando desta fórma os seus capitaes, o juro é menor de 5 por cento, por que o Governo é obrigado a satisfazer só o que lhe faltar. Eis o que tenho a dizer, abundando nas mesmas idéas dos Dignos Pares, que me precederam, e são as minhas.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Advirto á Camara, de que não ha duvida, por parte de nenhum dos accionistas desta empreza, de que o Governo se assegure de todos os meios de fiscalisação. Creio que mesmo elle não havia de contractar sem essa clausula, e que a Companhia não poderia oppôr-se-lhe.

Esta Companhia não está ainda formada, existe apenas em projecto, acha-se em embrião; e a realisar-se, não e com vistas de lucro, mas por espirito de patriotismo (Apoiados.); e então, bem longe de se dever manifestar duvidas e ciumes, a Camara só deve fazer, com que a Lei não fique deficiente, para que a empreza tenha logar.

A creação desta Companhia, é analoga á das que se formam em Inglaterra; equivale ao adiantamento de fundos ao Governo para uma obra util, e importante. O Governo, e a Nação, desejam que a canalisação da valla da Azambuja se conclua; até aqui o Governo não tem estado habilitado para levantar os fundos proprios, para esta empreza, por um juro modico; apparece a companhia, que lhos adianta, mas para os não perder, apresenta como condicção, sine que non, a segurança de um juro razoavel, unico meio de convidar accionistas, e de poder dedicar-se á obra projectada. A companhia diz ao Governo: estamos promptos a comprometter, e empregar o

Página 277

DOS PARES. 277

nosso credito, afim de que se levante a somma necessaria para essa obra, com tanto que se nos affiance, que em definitivo não ficam perdidos os nossos adiantamentos.

Perguntou o Sr. Tavares de Almeida, quando se começariam a contar os juros: evidentemente á medida que se fórem empregando os capitaes. Qutras exigencias se mostrariam, se a Companhia se formasse com vistas de especulações grandiosas; mas não as ha, e só a intenção pratiotica de habilitar o Governo a obter os meios para concluir a empreza. Como-se quer, que a companhia entregue os seus fundos, sem que ao menos conte com o juro delles? O projecto diz, que este privilegio durará por quarenta annos, e que o Thesouro assegura á Companhia o juro de 5 por cento do capital, que tiver despendido: ora, a não se estipular esta contribuição é claro que a Companhia difficilmente se poderia formar: porêm note-se, que um tal juro é tão modico, que nestes tempos ninguem encontraria dinheiro a similhant oreço.

Mas se a empreza nãoacabar (disse ainda o Digno Par) o que acontecerá? Segue-se, que a Companhia receberá 5 por cento do capital, que tiver desembolsado, menos que apurar no rendimento limitado, com que já se possa contar, proveniente da navegação da valla. Se a empreza não terminar a obra, os trabalhos ficarão parados; mas a Companhia não has de desmanchar, o que já estiver feito na Valla da Azambuja, que, como disse, já renderá alguma couza.

O peior resultado pois, se a empreza falhar, é para ella, por que perde seu o dinheiro, e para o Estado ficará o onus de lhe dar, por espaço de quarenta annos o que fôr necessario para com a renda do canal perfazer o juro estipulado. E tanto fica peior a empreza, ou os accionistas, que duvido que appareça quem entre ha Companhia como accionista, sem que álem dos 5 por cento de juro se estipule uma quantia, postoque modica, para amortisação do capital, como se faz em todas as emprezas; e esta, por ser patriotica, nas deve ficar de condicção inferior ás outras. Ora, se Camara não considera, como eu, que os direitos de navegação ora existentes, e que devem concorrer para esta amortisação, e que o pagamento dos 5 por cento, é independente dos lucros; só recearei que esta Lei sáia das Camaras sem podêr levar-se á execução. Para que a Lei aproveite, e a Companhia se forme, deve intender-se que os 5 por cento são independentes dos direitos, que actualmente se cobram, e que esses servirão para a amortisação do capital.

O SR. TAVAVRES DE ALMEIDA: - Sr. Presidente, eu fiz mais uma pergunta para me esclarecer, por que a Provisão não está clara, do que fiz argumentos para a impugnar, e perguntei o que havia de regular em tal, ou tal caso. Dizia eu, que me parecia, que o Governo deverá fiscalisar o emprego dos capitaes, de que a Nação pagará juro: respondeu-se por parte do Governo, que isto era uma companhia sui-generis, e de utilidade publica. Todas as Emprezas, que tem vindo aqui a approvar-se, são de utilidade publica, e creio que a Camara não approva Empreza, nem Leis, quando não venham acompanhadas desta qualidade. - Álem disso, disse S. Exa., que - essa parte ficava ao cuidado do Governo - tambem creio que o Governo será zeloso; porêm se tudo fica ao cuidado do Governo, para que é este Projecto?

Por que então bastava dizer - é auctorisado o Governo a contractar com uma Companhia para a abertura da Valla da Azambuja - não era preciso dizer mais; mas o Projecto não se contentou com isso, entrou em varias provisões, e então devêra admittir mais uma, assás importante.

Tambem tenho razão para perguntar, em que época se começaram a contar os juros dos capitaes empregados: se é desde que esses capitaes se começarem a empregar, ou sé ha de ser depois da obra concluida. Eu nao duvido, de que a empreza tenha só em vistas idéas patriotas; mas eu não conheço a Empreza, nem é possivel conhece-la, porque ella não está ainda formada, nem são sabidas quaes as pessoas, que entram nella: comtudo, eu não quero dizer, que essa Empreza futura não tenha essas boas intenções. Ouço, porém, dizer a uns, que os juros hão de começar a contar-se, logo que os capitaes se forem fornecendo; porém já ouvi tambem aqui uma observação, de que os juros começarão a contar-se sómente, depois de acabada a obra: já se vê, por tanto, que sendo differentes as opiniões a este respeito, convirá por isso, que se diga aqui alguma cousa, para tirar a incerteza e determinar este ponto, o que é conveniente, é necessario; e não menos conveniente e necessario é, Sr. Presidente, attender-se a que a obra, póde por um incidente, qualquer, deixar de concluir-se; e então o resultado será, que a Nação irá sempre carregando com o juro o dinheiro, e isso por nada menos, do que pelo espaço de quarenta annos, ficando ella sem ter o canal e sem tirar a vantagem dessa projectada navegavção! A minha intenção foi, pois, o pedir explicações para as differentes hypotheses, que podem verificar-se. Se, porém, a camara entender, que o Projecto vá assim, vá muito embora.

O SR. MINISTRO DAS JUSTIÇAS: - Eu só quero observar ao Digno Par, que ha Empreza de Emprezas: - ha Emprezas geraes, das quaes podem vir muitas utilidades para o paiz, e ás quaes o Governo deve dar toda a protecção; mas ha outras, como é por exemplo esta, de que actualmente nos occupamos, de que o Governo se convence da utilidade que viria ao paiz, de o Governo empregar todos os meios possiveis para emprehender essa obra, se elle a podesse por si só fazer. Mas como o Governo vê, que não póde fazer esta obra, por não ter para isso os precisos capitaes; é por essa razão, que elle quer animar uma Companhia, habilitando-a quanto fôr possivel, mas por maneira tal, que não só seja favoravel para o Governo, mas tambem para a Empreza. E então fiz eu mal, Sr. Presidente, quando disse, que esta empreza era especial, que era sui generis? - Creio que não, e não vejo por isso, que eu me contradissesse. Disse um Digno Par, que se o Governo quer uma authorisação geral, então que escusava vir aqui este projecto, concebido em tantos Art.ºs, e bastaria vir um projecto pedindo um voto de confiança para fazer esta obra; mas, Sr. Presidente, não é isso o que o Governo pede, nem o que veio da outra Camara: este voto de confiança é um voto, que tem base, nem o Governo o quer sem isso, porque nem deseja exorbitar, nem quer prejudicar a Nação: este voto, pois, de confiança é, como já disse, limitado; mas se, o Governo o viesse pedir como o aconselha o Digno Par, longe de ser illimitado, seria illimitadissimo: assim, não o quer o Governo.

1843 - ABRIL 70

Página 278

278 DIARI0 DA CAMARA

O Sr. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Esta Empieza da abertura da Valla, pedida ha muitos annos pelos povos daquelle Concelho, apesar da Lei de 1839, e da authorisação, que houve para construir um emprestimo; não foi possivel o fazer-se, por que não houve quem pretendesse encarregar-se della; e á razão disso é, por que capitaes neste Paiz têem emprego, que rende muito mais do que se póde esperar, que seja o rendimento desta Valla. Foi, pois, reconhecendo a utilidade da navegação, por esta Valla até Santatem, que um dos nossos maiores proprietarios, o Sr. Marquez do Fayal, fez vir, engenheiros de Hollanda para dirigir um Projecto sobre esta canalisação (no que já tem gasto muito dinheiro) O Sr. Marquez do Fayal, pois, com outros, capitalistas, propôem-se a organisar uma Companhia, quee forneça os capitaes para esta obra; mas nem elle, mem ninguem quererá entrar nisso, sem que se lhes dêem as necessarias garantias, e precisas seguranças. Em obras de natureza tal, tanto mais depressa a Companhia as acabar, tanto mais depressa ella começará a tirar lucros dos seus Capitaes, por que nisso vai o seu proprio interesse. Á vista, pois, das razões que se tem dado para sustentar esta Provisão, não vejo que haja objecções contra, pelas quaes deva ser rejeitada.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - 0 Digno Par, o Sr. Tavares de Almeida, não offereceu objecções, apresentou hypotheses, e eu declaro, quer não julgo totalmente inutil accrescentar mais essas hypotheses, por que ellas tendem a esclarecer mais a materia. Disse S. Exa,. que não existia Companhia, e que se fallava de um ente imaginario: tem razão; por que ainda não ha Companhia, e para a haver cumpre, que se èmittam acções, e para se emittirem é necessario, que primeiro se dêem as bases que estamos agora discutindo. Más se até agora não existe Companhia, pelo menos a idéa della encontra-se: em mais de meia duzia de pessoas, que a conceberam no intuito do bem publico, e alguma dellas já concorreram com os seus fundos, para o começo dos trabalhos preparatorios, que se fizeram.

Portanto, as pessoas que tiveram essa lembrança, e que a promovem, collocam-se actualmente, no logar, que a Companhia ha de vir a ter, para apresentarem as condicções, e clausulas, com as quaes julgam possivel, que a Companhia se fórme; é francamente declaro, que julgo impraticavel a sua creação, a não se lhe apresentar a certeza de cobrar um juro tão modico, como é o de 5 por cento, sobre os capitaes, que se houverem de despender. O juro de 5 por cento é tão limitado, que não se encontrará dinheiro neste Paia por similhante preço na actualidade; e tambem é obvio, que se não se garantir á Empreza uma quantia, ainda que diminuta, para a arnortisação desses capitaes no espaço de quarenta annos, a qual poderá operar-se com os direitos hoje existentes; não haverá probabilidade de realisar a Empreza. São, pois, estas as duas condicções indispensaveis, que vejo implicitamente no Projecto. Entretanto, desejo que a Camara fique de accôrdo a este respeito, para que o Governo possa contractar, interpretando o Projecto deste modo.

Disse tambem o Digno Par, que a obra poderia não se terminar, e que nesse caso a Nação perderia o dinheiro, que se tivesse obrigado a pagar á Empreza: isso é verdade; mas é tambem certo que se o Governo por si só emprehendesse a obra, corria o mesmo risco, perdendo o capital que nella dispendesse, no caso de parar, ou inutilisar-se, Já se vê, pois, que o Governo não perdia mais com a Companhia, do que perderia se por si emprehendesse a obra; com a differença, de que neste caso, o Gverno teria que adquirir o dinheiro por meio de um emprestimo e sem duvida com um juro muito mais, elevado.

Finalmente approvou-se o N.º 6, e entrou em discussão

7.º O contracto, e cocessões a elle relativas, não poderão ter duração superior a quarenta annos, contados da celebração do contracto.

Art.° 2.º O Governo cederá gratuitamente á Empreza o Convento arruinado das Virtudes, e lhe concedera, tambem gratuitamente, aafaculdade de contar nos Pinhaes Nacionaes mais proximos todas as madeiras necessarias para a construcção das obras, e para o seu futuro intertenimento, mediante a fiscalisação necessaria, tanto para que se não damnifiquem as matas, como para se mostrar a legitima applicação da madeira cortada.

Art.º 3.º A Empresa para se habilitar a executar; sem demora, as obras que deve fazer, poderá tomar de emprestimo até á quantia de 160:000$000, e hypothecar ao pagamento do seu capital, e juros além do capital das suas Acções, e das mesmas Acções, todos ou parte dos rendimentos e interesses a que ella tinhaver direito, de qualquer natureza que elles sejam.

Art.º 4.º A Empreza poderá dispôr, para regas, das aguas do canal, que não fôrem necessarias para a navegação.

Todos aquelles Art.ªs foram sem discussão, approvados, e á qual passou-se a propªor o

Art.º 5.º Permittir-se-ha á Empreza a livre acquisição de uma Draga, e barcos respecticos, e de quaesquer machinas, ou apparelhos necesssarios para a execução das obras, e limpeza do canal, e isto em qualquer parte que lhe convenha fazer a dita acquisição podendo os mesmos objectos ser introduzidos no porto de Lisboa, seja directamente, ou por baldeação de qualquer outro porto, sem direito algum, e reecportados do mesmo modo, quando assim convenha á Empreza, mediante a fiscalisação precisa, para evitar qualquer desvio, ou fraude.

O SR. SILVA CARVALHO: - Parece-me que este Art.º deve ter uma redacção mais clara, e por isso offereço a seguinte

Emenda (de additamento.)

Depois das palavras - e limpeza do canal - as seguintes "bem como de barcos para a navegação delle, com os seus apparelhos respectivos."

E proseguiu - O pensamento tambem está no Art.º, mas é preciso consignalo daquella maneira, para o tornar mais claro.

Admittida a emenda, proseguiu a discussão.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Eu peço a S. Exa., que me queira informar, se, quando diz: barcos para a navegação, se intende barcos de vapor, ou outros que se possam construir no Paiz; por que, se intendem-se barcos de vapor, que senão podem construir no Paiz, eu dou-lhe a minha approvação; mas se se intendem outros, que cá se possam construir, rejeito.

O SR. SILVA CARVALHO: - Intendem-se todos os

Página 279

DOS PARES. 279.

barcos, que forem necessarios, para a navegação da Valla, e similhantes concessões já se tem feito a outras Companhias, como á dos Omnibus, e assim como esta poderia citar outros exemplos: é muito de presumir que, se a Empresa achar estes barcos dentro do Paiz, não vá buscalos lá fóra: contudo, se não os encontrar cá, ou quando os encontre, sejam mal feitos, e como taes hão possam servir, no seu emprego; não se lhe ha de prohibir a faculdade de o poder mandar vir de fóra, quando de mais a mais já a outras Empresas se tem feito iguaes concessões, afim de que se animem os individuos a entrar nestas obras.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Sr. Presidente, eu votei pelo Art.° como está, por que nelle havia um pensamento, a que eu me subjeito - A orevidade - e como é preciso principiar as obras no verão (se acaso a Empresa fôr avante), é necessario que a Draga, e barcos de descarga venham brevemente, mas voto contra a emenda, que permitte virem barcos de vapor estrangeiros, e até barcos de serviço sem pagar direitos; por que ha muito tempo para os fazer cá tão bons, e melhores, do que os viados de fóra (riso no extremo lado da direita). Não se ria, meu illustre Collega: bem perto de nós está uma fabrica estabelecida, ahi á Boa-Vista, onde se fazem as machinas de vapor, e toda a qualidade de obras de ferro, e aço; na Cidade do Porto estão já trabalhando duads machinas de vapor recentemente feitas ali mesmo; no Conservatorio das Artes, e Officios, póde vêr-se outra machina quasi prompta com todas as peças feitas cá; e um curioso, digno de bastante elogio, o filho de José Pedro Colares (da rua Augusta), ahi fez já, por duas vezes, exposição publica de uma pequena machina feita toda na sua offici ama pequena perfeitamente; e sem ter ido vêr as officinas da Inglaterra, e da França, nem o Estado ter gasto com elle um só real, fez a machina muito perfeita, e até melhorou muito o seu movimento, pois não precisa do volante, e póde servir tanto para fazer andar um barco, como para estar em terra a servir de motor em qualquer officina. Quanto ás embarcações, é bem certo que já as sabiamos fazer quando conquistámos tão extensa parte das Costas d'Africa, e descobrimos a róta do Oriente. Como os barcos de vapor só hão de servir depois do canal feito, a muito tempo de os fazer cá antes disso; e tambem as competentes machinas: por isso voto contra a emenda.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Eu apoio a emenda apresentada pelo Sr. Relator da Commissão. Em quanto a dizer-se, que em Lisboa se fazem machinas para barcos de vapor, digo que talvez possa ser; mas por ora são tentativas. É questão entre os engenheiros, se ha, ou não inconvencia em os canaes serem navegados por barcos de vapor, por causa do estrago que as rodas fazem nas suas margens: tem-se procurado evitar este mal, já colocando uma só roda na linha central do barco, e agora usando do parafuso de Archimedes; o qual se applica tambem a grandes navios, afim de que, por este meio o movimento das aguas sobre as paredes dos canaes fosse menor. Em Portugal, nem ha canaes, nem por consequencia experiencia relativamente aos barcos, que a elles convêm: seria, portanto, iniquo o obrigar a Companhia a submetter-se ao arbitrio, e ás experiencias daquelle manufactor, que quizesse construir as machinas: portanto, a Companhia não deve ser inhibida de poder trazer barcos para seu uso, tanto de vapor, como de outra especie, taes como daquelles, que hoje navegam um canal, que ha em Escocia entre Glasgow, e Paisley que são puxados por cavallos que vão a gallope, e fazem 10 milhas, por hora; então se aqui se não construem barcos desta especie, barcos muitos ligeiros de ferro, e com uma fórma especial; por que se ha de prohibir, que elles venham de fóra? - Pois não concederam á Companhia dos Omnibus o trazelos de fóra? - Não se concedeu á Companhia dos Vapores o trazer vapores Inglezes? - Entào por que, não havemos conceder o mesmo a esta nova Empresa, quando d'ahi não resulta prejuizo nenhum para a Nação, antes pelo contrario ha de resultar beneficioi? Por que, em Portugal nunca se poderão construir bem taes barcos, sem que primeiro venham de fóra para servirem de modêlo; mas introduzidos aqui outros, se farão de novo conforme as necessidades, o que já tem acontecido com as carruagens Omnibus.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu fui prevenido completamente, pelo que acabou de dizer o Sr. Visconde de Sá. Eu sou defensor da industria portugueza; mas approvo o additamento do Sr. Silva Carvalho: entretanto perguntou-se - quaes são os barcos que hão, de vir? E eu digo, que devem ser barcos construidos de uma fórma, que nós não conhecemos, e da que ha de resukar uma nova industria para o Paiz, podehdo assegur, que não virão cá mais do que os primeiros, por quanto estes servirão depois para modêlo; dos que cá se fizerem, que de certo devem ficar mais baratos á Empresh, do que mandando-os vir de fóra, por isso que a mão de obra é lá fmais cára: por exemplo, os que vierem da Hollanda, Escocia, e Irlanda, hão de custar mais cáras. Consequentemente estejam descançados, de que só cá virão os primeiros.

O SR. SILVA CARVALHO: - Está já dito tudo quanto é necessario para mostrar, que é util o fazer-se esta obra, porque do estado, em que nós estamos não se seguem senão males: por consequencia comecemos a fazer alguma cousa, já que até agora nada se tem feito.

Em quanto ao curioso, ou homem, que existe em Portugal, e faz as machinas para os barcos de vapor; digo, que senão deve, por maneira nenhuma, sujeitar a Companhia a comprar-lhas pelo preço, porque elle as quizer vender: portanto, deverá vir de fóra para servirem depois para modelos, o que é de grande utilidade, não só para a Empreza, como para o paiz, a fim de que os nossos artifices não sejam mandriões, como lhe chamou o Sr. Tavares d'Almeida n'uma Sessão antecedente, fallando das fabiricas de lanificios; e isto porque não tinham competidores. Hoje em Inglaterra fazem-se melhoree sedas, do que em França: entretanto, os seus primeiros fabricantes foram francezes; e quereremos nós fechar-nos no nosso paiz com os muros da China? - Eu sei que ha esse homem que faz dessas machinas; mas tambem sei que são muito caras, e portanto se obrigaria esta Empreza a ir lá compra-las, pelo que elle quizesse.

Approvou-se o Art.º com a emenda, proposta. Passou-se ao

Art.º 6.º O Governo cederá á Companhia todos os trabalhos prévios que possue a este respeito.

Página 280

280 DIARIO DA CAMARA

Art.° 7.° Fica revogada a legislação opposta ás disposições desta Lei.

Approvados sem discussão.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Requereu, que, se dispensasse a segunda leitura da redacção, a que o Projecto passava, a fim de mais brevemente ser enviado á Camara dos Srs. Deputados - Assim foi resolvido.

Mencionou-se, recebido, um officio da Camara dos Srs. Deputadas, enviando o processo crime, que se instaurára ao Sr. Deputado Joaquim Pedro Celestino Soares - Enviou-se á Secção de Legislação.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Levanto-me para renovar aquelle meu Requeiimento que já em outras occasiôes tenho feito, e para isso me obrigam motivos, que julgo attendiveis: embora possa merecer a censura de importuno, principalmente, da parte da Commissão encarregada de regular as fórmas, que se devem seguir quando a Camara se constituir em Tribuna de Justiça. Sr. Presidente, estou bem persuadido, de que os Membros desta Commissão teem empregado todo o seu zelo, para effectuarem este trabalho; mas eu, peço a SS. Exas., que não tenham, só em vistas o apresentarem um trabalho perfeitissimo, e que se contentem em trazer a esta Camara alguma cousa sobre este objecto, ainda que não venha com essa perfeição; por quanto, se houver grande demora no julgamento dos processos, varias interpretaçôee se poderão dar: a respeito d'um dirão - qne se quer protelar, este negocio, por ser nelle involvido um Membro desta Camara - e agora relalivamente a este que se nos apresentaa dirão que se quer ir tirar um Membro da Camara dos Deputados, porque não pertence á maioria: portanto, podem-se dar; differentes interpretações, qualquer dellas injuriosa, para esta Camara, e por isso repito, e peço á Commissão, que nos apresente alguma cousa.

O SR. SILVA CARVALHO: - Eu creio, que os trabalhos da Commissão já estão muito adiantados; e como temos agora uns poucos de dias feriados, póde-se concluir esse negocio: entretanto parece-me, que este Processo deverá ser remettido á Commissão de Legislação, onde existe o outro, porque se póde tractar de ambos.

O SR. SERPA MACHABO: - Se fosse igual o fazer qualquer cousa, ao pedir que se faça, já de certo a Commissão teria apresentado o seu trabalho: entretanto, pedirei, que o Digno Par, visto ser um Magistrado tão intelligente, seja addicionado á mesma Commissão, para que a possa auxiliar nos, eus trabalhos com ás suas luzes; porque talvez que com a sua presença se nos tirem muitas difficuldades. (Riso.)

Assim se resolveu.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Eu não puz em duvida o zelo dos Dignos Pares, Membros da Commissão, antes pelo contrario lhes faço a devida justiça, e nas minhas observações só queria dizer, que, o desejar ás vezes fazer um trabalho perfeitissimo, influe para que senão apresente com a brevidade de que se necessita.

Agora, agradecendo a bondade que a Camara teve em me addicionar á mesma Commissão, direi que a minha presença ali em nada poderá, concorrer para a perfeição daquelle trabalho; mas que em quannto á sua celeridade fica a meu cuidado, e espero me não hei de descuidar.

O Sr. Vice-Presidente fechou a Sessão, tendo antes declarado, que a seguinte teria logar terça feira (18 do corrente), sendo a sua Ordem do dia, os Pareceres (n.ºs 63, e 63 A) sobre o Projecto (n.° 35) da Camara dos Srs. Deputados, ácêrca da authorisação ao Governo,para providenciar sobre o Ultramar.

Era mais de quatro horas.

N.º 59. Sessão de 18 de Abril. 1843

(PRESIDIU O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)

TENDO dado uma hora depois do meio dia foi aberta a Sessãó: estiveram presentes 34 Dignos Pares - Os Srs. Duque de Palmella; Marquezes de Abrantes, de Fronteira, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria; Condes de Bomfim, do Farrobo, de Lavradio, de Paraty, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real; Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, e de Sobral; Barão de Ferreira; Barreio Ferraz, Miranda, Osorio, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Geraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, e Polycarpo José Machado.- Tambem fo-presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, da Justiça, e da Marinha.

Lida a Acta da Sessão precedente, ficou approvada.

O SR. SECRETARIO MACHADO: - O Sr. Conde Lumiares participou, que por motivo de molestia não podia comparecer hoje.

O SR. VISCONDE DE SEMODÃES: - O Digno Par Conde de Santa Maria encarregou-me de fazer presente á Camara, que não podia concorrer á Sessão por estar, molesto.

Mencionou-se um Officio da Camara dos Srs. Deputados participando haver ella adoptado as emendas, que esta Camara lhe propozera ao Projecto de Lei, que lhe enviára, sobre a admissão de livros publicados em Paizes estrangeiros em lingua portugueza, cujos auctores, ou traductores sejam, portuguezes.

A Camara ficou inteirada daquellas participações, e deste officio.

Foi lida a ultima redacção dos authographos dos Decretos das Côrtes Geraes, sendo um relativo ao Projecto de proteger a agricultura, e commercio dos vinhos do Douro; e o outro relativo ao

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×