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CAMARADOSDIGNOS PAREà

SESSÃO BE 5 DE AGOSTO PRESIDEXCIA DO El.1" SR. VISCONDE DE LABORIM VICE-PRESIDEIVTE

_ Seeretanos: os dignos pares^Ueinâo (Assistiam os srs. ministros da guerra e das obras publicas.]

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 40 dignos pares, declarou o ex.m* sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual se não fez reclamação.

O sr. Secretario Conde ãe Peniche: — Mencionou a seguinte correspondência:

Quatro oíficios da presidência da camará dos senhores deputados, enviando quatro proposições: l.a sobre a auctorisação para varias verbas de despeza liquidada, relativas ao anno económico de 1858-1859 e de 1859-1860, bem como para a despeza de 24:000)5000 réis a mais no orçamento de 1860-1861 do ministério dos negócios estrangeiros; 2.a sobre ser permittido o transito de Lisboa para Elvas, do material que tiver de ser empregado na construcção do caminho de ferro de Ciudad Real a Badajoz e á fronteira portugueza, pagando um certo direito de transito; 3.a auctorisando a camará municipal de Oliveira de Azeméis para contrahir um empréstimo para melhoramento do mercado publico, e para outras obras de interesse local; e 4.a auctorisando a camará municipal de Guimarães a contrahir um empréstimo para a construcção de um mercado publico, e para outras obras de interesse do município.

A 1* foi remettiãa á commissão ãe negócios externos.

-Do ministério das obras publicas, enviando, para se

distribuir pelos dignos pares, duas collecções de setenta e cinco exemplares cada uma, do boletim deste ministério, relativo aos mezes de maio e junho do corrente anno.

Manãaram-se distribuir.

-Do digno par visconde de Algés, participando que,

tendo necessidade de ir fazer uso" das aguas das Caldas da Rainha, não pôde por isso comparecer nas sessões da camará.

O sr. Margiochi: — Pedi a palavra a v. ex.a para mandar para a mesa umas alterações ao projecto de lei n.°121, que tive a honra de apresentar nesta camará, e'foi remet-tido á commissão de legislação publica para dar sobre elle o seu parecer. Estas alterações são precedidas de um extenso relatório, que não leio para poupar o tempo á camará. Neste trabalho apresento novas considerações para mostrar a necessidade e a urgência de ser approvado o referido projecto n.° 121, e refutam-se as considerações feitas em uma consulta do conselho de saúde publica do reino, que anda impressa e foi distribuída pelos dignos pares.

Pediria aresta camará se dignasse mandar fazer em separado a impressão das alterações que apresento, para serem distribuídas com o projecto de lei.

Senão posta á votação foi approvaâa.

O sr. Felix Pereira: — Leu e mandou para a mesa um parecer de commissão, ,que foi lido depois na mesa.

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O sr. Baldy: — Pedi a palavra para apresentar um requerimento de esclarecimentos ao governo. Passo a ler o requerimento.

«Requeiro que se peça ao governo, com a maior urgência, mande a esta camará uma nota em que se declare quanto recebeu de quotas cada um dos governadores civis dos districtos administrativos do continente do reino nos annos económicos de 1855 até 1860.

Sala das sessões da camará dos dignos pares do reino, em 5 de agosto de 1861.= José Maria Baldy.»

«Requeiro que se peça, com urgência, ao governo que, pelo ministério do reino, mande a esta camará uma nota em que se declare quantos são os professores de primeiras letras pagos pelo thesouro no continente do reino, e quantos d'elles têem provimento vitalício. Igual declaração peço também a respeito das mestras de primeiras letras.

Sala das sessões da camará dos dignos pares do reino, em 5 de agosto de 1861.= José Maria Baldy.»

Osr. Presidente: — Estes requerimentos costumam votar-se logo.' Os dignos pares que approvam que estes requerimentos sejam remettidos ao governo, tenham a bondade de levantar-se.

Foram approvados.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a attenção do sr. presidente do conselho. S. éx.a disse a esta camará, diante de todos que aqui estão, e acham-se as suas palavras impressas no Diário de Lisboa, que não era, nem podia ser responsável pelos artigos que appareciam nos jornaes que defendem a politica do governo, porque nem os lia, nem tão pouco os mandava escrever. N'e3sa occasião, ou em outra, não me recordo em qual, disse eu que, para poder julgar leaes os homens públicos ou particulares, carecia de que dessem provas d'essa lealdade, e que não as dando assis-tia-me o direito de não reconhece-los como taes. Chegámos á occasião em que o sr. presidente do conselho pôde demonstrar a lealdade das suas vistas, a franqueza do seu proceder, e que tem a justiça gravada em seu coração. Li hontem, sr. presidente, com espanto n'um dos jornaes que defendem a politica do governo um artigo infame contra o sr. cardeal patriarcha. Bem sei que se me dirá que esse jornal nem sempre defende os actos do governo; mas como nem todos acreditam na sinceridade com que ataca alguns d'elles, e seja certo que são extipendiados pelo governo na pessoa dos seus redactores, que são empregados seus, e empregados que elle não demitte, pois só costuma demittir os empregados que têem intelligencia e em que não confia, por não defenderem a sua politica; mas confia n'aquelles que redigem os jornaes extipendiados que são portanto da sua politica, sobem as escadas das secretarias e frequentam os gabinetes dos ministros: li hontem com espanto n'um d'esses jornaes, dizia eu, um artigo infame, que me aucto-risa a suppor que é de infame proceder o seu auctor, em que gravissimamente se ataca o em."" cardeal patriarcha de Lisboa, entrando por a vida particular, que é uma cousa defeza a quem quer que sabe o que é ter probidade. Como homens públicos podem atacar-se as opiniões dos bispos, pôde recoçrer-se d'elles mesmos nas cousas religiosas, porque não são infalliveis. Infallivel é só a igreja. Mas ataca-los do modo como se atacou o em.'1" prelado, é um proceder infame que reclama uma severa punição. Vae n'isso a dignidade do governo e do próprio partido, cuja politica o sr. presidente do conselho e os seus amigos defendem e têem sustentado.

Não é a vida publica do sr. cardeal patriarcha que vem atacada no artigo a que me referi; não é. Primeiro diz-se que o sr. cardeal patriarcha fora membro de uma sociedade secreta: mas por muito grave que seja a imputação, não me occuparei d'isso, que até certo ponto pôde considerar-se facto da vida publica.

O que é um escândalo é ir devassar a vida privada de s. em.a, é ameaça-lo com calumnias, dando-as como factos da vida intima do em.mo cardeal patriarcha. Isto não pôde continuar assim. Se as leis não são efficazes para proteger os cidadãos, o governo tem na sua mão o remédio. Os governos não se sustentam senão com maiorias, e por essas maiorias têem na sua mão os meios de fazer passar no parlamento leis que tendam a reprimir esses abusos; porque se elles não forem reprimidos, se esses crimes não forem castigados, então, sr. presidente, inaugurar-se-ha um novo direito que será sanccionado por aquelles que respeitam os factos consummados. Esse direito, sr. presidente, é o direito das pugnas pelas ruas, e pelos sitios mais ou menos frequentados, o direito da vindicta particular, o direito de quebrar a cabeça aos calumniadores, aos assassinos da honra; n'uma palavra, o direito da anarchia.

Quando as leis não dão remédio aos males, quando os poderes públicos não cumprem o seu dever, não ha para onde appellar senão para o direito da força, com o qual é incompatível a existência da sociedade.

A um homem d'estado, que não é membro d'esta camará, ouvi eu dizer, que queria ampla liberdade de se escrever o que se quizesse, mas que havia de haver também a par ampla liberdade de pôr em lençoes de vinho aquelles que difamassem a vida particular. É um bom dito; mas, ai da sociedade em que seja reputado tal! Se não se quer isto, é necessário castigar severamente esses homens sem vergonha, que escrevem infâmias d'estas, unicamente porque desejam que o governo os compre dando-lhes logares, ou melhoran-do-os nos que já têem.

Sr. presidente, repetirei as apreciações que fez um outro jornal hostil ao governo em relação ao proceder d'este jornal. Dizia elle, mas n'isso não posso eu crer, que o governo auctorisa estes' artigos; e fallando também de certas ameaças que se fazem na questão intitulada—a questão lazarista ; disse que o governo, vae de accordo em tudo com os mesmos jornaes.

Parece impossivel! Eu julgo ser esta apreciação um pouco apaixonada, da parte do jornal da opposição; e não creio que seja assim. Entretanto é certo que 'este artigo estam-pou-se e correu.- • •

Sr. presidente, seja-me licito manifestar, por assim dizer, os desejos sinceros de meu coração. Os venerandos prelados vão aprendendo com estas diatribes qual é a recompensa que se lhes dá de serem ás vezes, por assim dizer, brandos de mais.

Sr. presidente, é preciso não transigir com o partido revolucionário, e muito menos com o partido a que pertence o jornal que trouxe similhante artigo; se é que pôde cha-mar-se partido a gente que é capaz de tal procedimento: esses homens não tem partido nenhum; são a escoria de todos os partidos. É necessário pugnar pelos direitos da igreja sem receio, e com ardor; porque, seja qual for o procedimento dos prelados, se hoje parece favorável aos seus desejos, nada dizem, ou mesmo dizem bem, mas se tomam no dia seguinte o seu logar e obram em sentido contrario aos desejos d'esses homens, são logo cobertos de infâmias: mas os homens de bem vão seguindo um só trilho, sem se desviarem para a direita nem para a esquerda, com os olhos sempre fixos na luz da verdade. Podem elles dizer de mim o que quizerem; faço como o sr. visconde de Sá, não gastei nunca um real com esses infames, nem mesmo tenciono gastar.

Peço ao sr. presidente do conselho, que por dignidade própria e por honra do paiz, tome uma medida enérgica para cohibir estes factos que tanto a miúdo se estão dando. Qualquer que seja a posição que eu occupe em relação ao governo, devo sempre desejar e desejo deveras não ver desvirtuados todos os principios raeionaes, não ver subvertida a ordem publica, nem tão pouco ver transtornada a machi-na social. Perguntarei pois, ao sr. presidente do conselho (e a esta pregunta estou certo que s. ex." me pôde responder promptamente), se s. ex.a viu o artigo a que me refiro. Eu sei que o sr. presidente do conselho confia muito pouco em mim, e é portanto natural que a sua resposta seja — que viu ou não viu: se viu, acredita e diz que é verdade, se pelo contrario não o viu, comoé muito natural, pelos seus muitos afazeres, limita-se a dizer que não tem conhecimento do artigo, mas que tratará de o ver para tomar as providencias necessárias, etc. Esta é que será naturalmente a resposta de s. ex.a, pois pôde suppor que ha exageração da minha parte, ou exaltação de partido; e mesmo porque s. ex.a ainda não fallou com os seus amigos.

Eu faço estas observações, e julgo-me com o direito de as fazer, porque o sr. ministro não confia em mim, como disse já, pois me lembro que n'uma occasião, não muito remota, mandando eu para a mesa o requerimento de umas religiosas, d'estes requerimentos que, pela sua simplicidade, costumam expedir-se immediatamente, mesmo sem serem lidos, o sr. presidente do conselho pediu com vivacidade, com emphase, que fosse lido; mas viu depois que era tão innocente, que não valia a pena, por assim dizer, de dedi-car-lhe dois minutos de attenção.

Esta desconfiança perpetua e permanente, da parte do sr. ministro do reino, de certo que não lhe está mal, visto que s. ex.a é membro de um partido diverso, e preside a uma administração que eu combato lealmente. Não estranho este proceder, da parte de s. ex.a, e comprehendo-o perfeitamente. O que não comprehendo, e por isso peço ao sr. presidente do conselho, que não deixe subsistir, é que em vista das leis que temos, não se tome uma resolução definitiva sobre este objecto; pois parece-me que sobre este ponto não.ha descordancia. Tenho conversado com differentes jurisconsultos sobre esta matéria de leis da imprensa, e tenho visto que todos estão de accordo comigo. Peço pois, repito, ao sr. ministro, não só como homem publico, mas' como homem particular, que examine bem este negocio, porque é preciso que se demonstre, de uma vez para sempre, que se não riscou do nosso diccionario a palavra— vergonha.

Eu, sr. presidente, apesar da pequena confiança que o sr. presidente do conselho tem em mim, lamento que se publicassem contra s. em.a tão atroses asserções; nem posso deixar de as combater, porque a minha lealdade não per-mitte que eu consinta que se dirijam certos ataques a certas pessoas; e não consinto, porque não desejo perder estes sentimentos, como todos nós não os desejamos perder, nem os perderemos, com a graça de Deus.

Espero pois que o sr. presidente do conselho examine este artigo, e o leia com a devida circumpecção; que consulte embora também os seus amigos, mas que proceda contra o jornal que publicou estas infames ameaças, para mostrar que é leal, que as suas palavras são francas, e que a sua sinceridade é tal, como s. ex.a quer que se creia.

Aguardo a resposta de s. ex.a, bem como o seu proceder, qualquer que elle seja; proponho-me a apreciar a sua resposta: se ella for como julgo, e como posso esperar de s. ex.a, dar-lhe-hei os meus louvores, embora o sr. presidente do conselho não m'os agradeça. S. ex.a não m'os costuma agradecer. O sr. Avila algumas vezes m'os tem agradecido : entretanto eu não preciso de licença para lhe dirigir louvores, posso fazer-lh'os, assim como se s. ex.a merecer censuras lh'as posso fazer, pronunciando a minha opinião sobre os actos do governo.

O sr. Presidente do Conselho (Marquez de Loulé): — Devo responder ao digno par que effectivamente, apesar de ter noticia do artigo a que s. ex.a alludiu, ainda o não li. O que posso todavia dizer e assegurar ao digno par é que, se por ventura se verificar que esse artigo offende as leis, o governo ha de cumprir com o seu dever, tomando mesmo a iniciativa que lhe competir para desaffronta-las naquillo em que se reconheça que foram offendidas por esse jornal.

O sr. Marquez de Vallaãa: — Era esta, sr. presidente, a

resposta que, pouco mais ou menos, eu esperava. Agora resta-me assegurar que fui muito exacto na narração que fiz do que se encontra no jornal que o sr. presidente do conselho nos diz que não leu, o que eu muito sinto. Agora só quero ver se o sr. presidente do conselho não julga crime uma ameaça de tal ordem a um prelado, fazendo-se an-nuncio de aceusações sobre a sua vida privada, e ameaçando com a narração de factos escandalosos, querendo-se com este enunciado fazer pressão sobre s. em.* para alcançar assim um certo effeito, que é arrastar pelo chão o manto de um prelado da igreja lusitana. Veremos se o sr. presidente do conselho julga isto criminoso ou não. S. ex.* ainda me não responde; mas como isto ha de ter um termo, aguardo para outra occasião a resposta que tenho direito a pedir; e espero-a o mais tardar d'aqui a tres ou quatro dias. Então tornarei a pedir a palavra, não dispensando o sr. marquez de Loulé d'esta responsabilidade, ainda mesmo que aconteça s. ex.a mudar dos bancos dos ministros para a sua cadeira de par do reino.

Limito-me por agora a apresentar estas succintas observações ; mas desde já previno a v. ex.a de que, se Deus me der vida e saúde não hei de desamparar este negocio; e farei ainda sobre elle as considerações que julgar a propósito á vista do procedimento do governo.

O sr. Conãe ãa Taipa:—Não toma parte n'esta questão porque não leu o artigo, posto que já hontem lhe deram conhecimento d'elle. Agora mandou-o buscar e ainda lh'o não trouxeram, talvez porque ninguém tem aqui similhante jornal. Observa comtudo, que conversando hoje com diversas pessoas tanto d'esta camará como de fora, todos repetiram quasi as mesmas palavras. Verdade é que o orador, sem ler, mal pôde fallar de facto; mas pôde dizer, que se o artigo é tal como se diz geralmente, é dever do governo manda-lo aceusar pelo ministério'publico em policia corre-cional, pois o em.m0 patriarcha na sua qualidade de prelado da igreja lusitana não pôde faze-lo.

Dizer-se assim n'um jornal, que se hão de estampar os escândalos da vida de um prelado, é cousa inaudita e que deve ser immediatamente julgada em policia correccional sem mais prova que a contestação da diffamação.

De mais é necessário que nos recordemos que já ha precedentes, que foi o de mandar o governo pelo ministério publico aceusar um jornal pelas injurias que escreveu contra o ministro do Brazil. Portanto parece-lhe que não devem importar menos ao governo 'as injurias dirigidas contra o sr. cardeal patriarcha de Lisboa, que pelos seus dotes e elevada posição não deve ser menos considerado (apoiaãos). E é tanto mais necessário que isto se faça, quanto é certo que muito convém e urge que se cohibam estes escândalos de jornaes que todos os dias estão commettendo d'estcs abusos, com descrédito da imprensa pela falta de vergonha dos que escrevem similhantes cousas..

O sr. Barão ãe Villa Nova ãe Foscoa: — Eu ouvi.com muita attenção o digno par o sr. marquez de Vallada, e confesso que admiro sempre com muito prazer-a sua facilidade de expressão, sua prodigiosa memoria e á força da sua eloquência, que certamente o tornam um ornamento d'esta camará. Entretanto o que é também verdade é que eu não posso seguir s. ex.a nas suas excentricidades. O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Peço a palavra. O Orador: — Assim não posso deixar de extranhar e de achar pouco coherente que s. ex.a venha a esta camará fazer a aceusação a um jornalista sobre cousas que este escreveu; e tanto mais me admiro, porque eu li esse jornal e não vi essas offensas ao sr. patriarcha. O que vi foi uma arguição a s.' em.a porque o em.mo prelado não concedeu a devida licença para se fazerem as exéquias, ao conde de Cavour.

Eu, na verdade, acho pouco decente similhante recusa, quando é publico e bem notório que o conde de Cavour se confessou, sacramentou e morreu como christão, tendo sido sempre um homem respeitado em toda a Europa, que arrostou com tantas tempestades e contratempos para dar liberdade á sua pátria; que em Inglaterra mereceu no parlamento os elogios os mais pomposos, e a quem em toda a parte se elevam estatuas. Eu acho uma vergonha que em Portugal se negue uma missa a um christão, e n'isto estou de accordo com o jornal; acho que elle tem muita rasão, porque isto realmente é um escândalo. Agora emquanto ao mais digo que nós temos leis de liberdade de imprensa, e por consequência se o jornal se excedeu, quem se julgar offendido recorra aos tribunaes, que é o logar competente; e se a injuria é de natureza cujo desaggravo excede o alcance dos tribunaes então pegue nas armas e chame-o para o campo da batalha, porque só com o sangue é que a honra se lava. Assim é que se entende em toda a parte, e não como eu vejo fazer aqui.

Se ha abuso no que se escreveu lá está o ministério publico que cumprirá o seu dever, mas não se previna de fórraa alguma o juizo, alem de que eu também não concordo em que o próprio,cardeal patriarcha não possa chamar um jornalista aos tribunaes; não sei em que estivesse ahi a falta de decoro! Pois não temos nós o exemplo do arcebispo de Leão que tem estado em processo por abusos commettidos a titulo de publicar pastoraes, e elle igualmente tem chamado aos tribunaes os que o têem aggredi-do? Não vejo pois inconveniente algum em que proceda o ministério publico ou o próprio sr. patriarcha; no que eu vejo inconveniente é em se fazerem censuras d'estas ao governo, exigindo-lhe a sua responsabilidade no que a não pôde ou não deve ter, porque as leis ahi estão, e os executores n'éste caso são os agentes do ministério publico; o governo não pôde obrar n'elle directamente...

O sr. Conãe ãa Taipa (sobre a orãem):—Parece-me que o digno par o sr. marquez de Vallada também disse que era necessário fazer guerra constante aos revolucionários.

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O sr. Marquez de Vallada:—Exactamente, foram essas as minhas palavras e são as minhas idéas.

O Orador:—Eu confesso a verdade, parece-me que o digno par está fora da Europa e que não attende bem ao estado das cousas e espirito da epocha em que vivemos! Pois s. ex.a não vê que a Europa toda está em revolução e em revolução permanente?! S. ex.a não contempla a agitação que ha; povos desde a meia idade procurando sempre um progresso que não pôde deixar de estar afastado de outras idéas e de outros tempos. Se s. ex.a declarasse guerra eterna aos reaccionários, isso entenderia eu; mas proclamar essa guerra aos revolucionários quando nós estamos forcejando por nos subtrahir ao dominio dos padres, que queriam sempre dominar a sociedade civil por aquelles meios que nós todos vemos sob o pretexto de caridade e de religião, perturbando o socego das familias, é uma incoherencia por certo para admirar. Pois então o digno par emquanto se queixa d'este jornal, esquece o que todos nós por tantas vezes temos visto estampado nas columnas de um jornal legitimista! Não tem n'elle visto escriptas as cousas mais inconvenientes contra a dynastia reinante e contra as instituições. (O sr. Marquez ãe Vallada:—Também não approvo, mas hei de responder a isso fazendo um paralello.) Mas eu ainda não vi que se fizesse a menor increpação a esse jornal que está por assim dizer quasi todos os dias atacando a pessoa do rei directamente! Pois então merece mais cuidados a honra e credito do sr. patriarcha de Lisboa, do que merece a familia real! Do que merecem as instituições? Pois então acaso não se vê, sr. presidente, que estão minando solapada-mente procurando corromper a sociedade! Pois é isso o que eu queria ver combater com todas as forças, e não occupar-mo-nos em accusar este jornal que tem um redactor a quem se não deu mais do que um emprego de mesquinha e ridícula retribuição, que não recebe subsidio algum do governo, é que se bateu pela pátria defendendo sempre a liberdade. (O sr. Marquez de Vallaãa:—E atacando também a Senhora D. Maria II infamemente.) Eu não sei que nunca taes ataques se fizessem. (O sr. Presiãente:—Peço que não interrompam o orador.) Eu leio habitualmente o Portuguez e nunca li esses ataques, antes estou persuadido que tem mostrado respeito pela familia real, e eu, pela minha parte, muito deveras o professo, porque não quero de forma alguma o dominio dos que combatem as actuaes instituições, querendo que se levantem novamente as forcas e se accen-dam também de novo as fogueiras da inquisição, substituindo á lei o arbítrio, e ao governo liberal um poder ty ranno.

O sr. Conãe ãa Taipa (sobre a orãem):—E para dizer em primeiro logar o que entende sobre revolucionários reaccionários. O orador assevera ao sr. barão de Villa Nova de Foscoa, que o progresso não é revolucionário nem reaccionário. Os revolucionários querem, proclamando o progresso, estabelecer uma ordem de cousas análoga á sua in-tellectualidade, ao que chamam espirito da epocha; e os reaccionários querem levar o progresso para uma ordem de cousas análoga ao que já passou, porque entendem que o progresso dos revolucionários o que quer é acabar com o direito, substituindo-lhe o poder da força. Ambos elles têem diante de si a acção e poder das idéas, e é essa que elle quer ver livre, o que comtudo não se pôde fazer em quanto' se perturbar a sociedade seja de que modo for.

Não ha nada mais prejudicial do que esses ataques a pessoas respeitáveis, ou que devem ser respeitadas; obra de caprichos particulares de gente que só pela sua maneira de proceder se vê que não ha para elle3 nada respeitável. Se não diga-se-lhe qual é o caracter publico que o jornal de que se falia não tenha atacado impunemente? Se qui-zesse apresentar exemplos não acabaria nunca.

Pelo que lhe diz respeito não faz caso d'elle; todos sabem que tem servido o paiz conforme pôde, e nunca pediu cousa alguma: quasi toda a gente aqui tem servido de ministro, menos elle; pergunta a todos os ministros se já viram alguma pretenção sua; se já tiveram algum requerimento seu a despachar? Nunca. Ha muita gente nestas circumstancias; não se está apresentando como excepção única, mas declara, porque pôde faze-lo, que nunca ha de accusar os jornaes; deixa-os dizer tudo o que quizerem porque está muito alto para que lhe possam chegar os seus tiros; o que faz é dizer de vez em quando alguma cousa para mostrar que não tem delles medo nenhum.

E conclue, porque era só isto o que desejava dizer ao sr. barão de Villa Nova de Foscoa sobre a sua distineção de revolucionários e reaccionários.

O sr. Presiãente:—Eu não posso deixar de dizer á camará, que depois do sr. ministro do reino responder que ha de tomar as providencias que se julgarem necessárias, parece-me que devia terminar esta questão.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Mas eu pedi a palavra para dar uma explicação ao sr. barão de Villa Nova de Foscoa. S. ex.a aggrediu-me fortemente, e eu não posso deixar de lhe responder.

O sr. Vellez Calãeira:—Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Marquez ãe Vallaãa:—O sr. barão de Villa Nova de Foscoa dirigiu-se a mim na sua resposta, começando-a por um elogio que bem depressa desappareceu; que á si-milhança do luzeiro que apparece e se esconde no horisonte presagiando a tempestade imminente veiu apenas luzir para bem depressa deixar tudo nas trevas.

Sr. presidente, s. ex.a disse-—que embora fizesse justiça a algumas qualidades minhas, que passou em rápida resenha, não podia estar de accordo comigo em certas excentricidades que s. ex.a me notou.

Que eu não estava de accordo com o sr. barão de Villa Nova de Foscoa dizia-o a minha vida politica; que s. ex.a pensava de uma maneira diversa da minha, diziam-n'o os seus precedentes. Está ahi a historia contemporânea que o

attesta e proclama. Não havia portanto n'isso espécie alguma de offensa. Era a constatação de um facto, era a apreciação de uma doutrina por outra contraria. Mas s. ex.a foi mais avante, e apresentou certas proposições, que tratou também de defender; mas que eu, sem ter tomado nota delias sobre o papel, mas, parecendo-me que a minha memoria será fiel, passarei em rápida revista, acompanhan-do-as de commentarios ou combatendo;as com todo o ardor que a minha convicção me inspira. E esse o meu dever como homem conservador, como membro desta camará e respeitador das bases sociaes, e amador sincero dos princípios liberaes.

É a primeira vez que na camará dos pares se proclamam francamente estas doutrinas. Eu gosto de ver um inimigo descoberto e de lança em riste contra mim; gosto mais de o ver assim, do que achar-me accommettido por um adversário que se esconde. O sr. barão de Villa Nova de Foscoa, ha muitos annos retirado das lides da tribuna, ha muitos annos retirado do ministério em que esteve, ao que me parece só uma vez, de modo que passou apenas por elle. (Vozes: — Esteve duas vezes.) Duas vezes?! Bem;.mas então esteve de ambas tão pouco tempo, que realmente não aqueceu muito as cadeiras ministeriaes. O sr. barão de Villa Nova de Foscoa, digo, pelas apreciações que fez, e idéas que apresentou, está esquecido de alguns factos que se têem passado neste paiz, se é que talvez lhe não passaram desapercebidos. (O sr. Barão ãe Villa Nova ãe Foscoa:— Esquecido.) Como v. ex.a quizer. Dou-lhe a escolher: quem não vê é como quem não sabe; e quem não sabe é como quem não vê.

O sr. barão de Villa Nova do Foscoa tachou de imprudência o pedido que fiz ao ministério, de dar ao paiz satisfação de certos crimes que estão classificados como taes pela nossa legislação. Eu creio que s. ex.a é também jurisconsulto; e posto que já tenha combatido com alguns jurisconsultos, foi de uma maneira diversa, e por isso creio que elles me acompanharão agora com apreciações favoráveis ás minhas idéas.

Disse s. ex.a: «Eu não vejo que haja n'isto offensa, que o ministério deva punir». Pois s. ex.aesqueceu-se de que ha um código penal, e que já anteriormente tinhamos leis que puniam abusos, como este que praticou o Portuguez? Pois o sr. barão de Villa Nova de Foscoa não sabe que ha uma palavra que se chama dever? S. ex.a esqueceu a resposta dada por Sua Magestade ás felicitações que em nome da camará ha pouco lhe dirigiu o sr. visconde de Laborim? «Cada vez necessitámos mais de conhecer a necessidade do dever».

Muito bem disse o chefe do estado, e mais fortemente o diria, se tivessem chegado ao seu conhecimento antes de responder a esta camará as proposições que acaba agora de proferir um digno par apenas entrado n'esta camará por effeito da ultima nomeação. Creio deveras que os outros dignos pares que acompanharam então a s. ex.a nunca tiveram as suas idéas.

Se ha quem entenda que devemos governar com a revolução, e pela revolução, para a revolução, não era melhor, em vez de entrar para a camará conservadora, em vez de vestir os arminhos, que pozesse na cabeça o bonet rouge, que pela sua côr, nos recorda todos os horrores e orgias da revolução franceza? d'essa revolução que invocava a liberdade, mas á sombra delia arvorava a guilhotina, que captava a benevolência do povo e de alguns fidalgos ignorantes, ou pouco conhecedores do mundo, a quem dizia «deveis despojar-vos dos vossos privilégios, porque a pátria reclama esse sacrifício;» e depois despojou-os também da vida? Esses fidalgos faziam a corte á revolução, mas depois | vinham expiar o seu crime ou o seu erro na praça da revolução: as suas cabeças rolavam sobre o cadafalso. Madame Rolland, caminhando para a guilhotina, e encarando a estatua da liberdade, dizia-lhe: «Cobre o teu rosto, ó liberdade; quantos milhares de crimes á tua sombra se têem commettido!»

Sr. presidente, é assim que procedem sempre todos os revolucionários. Todos elles invocam os principios da liberdade, igualdade e fraternidade mas é para eiles o para os seus irmãos; essa liberdade, fraternidade e igualdade é só d'elles e para elles; para os outros é o punhal, quando não podem erguer a guilhotina (O sr. Barão ãe Villa Nova ãa Foscoa:—Isso não são revolucionários). O que são elles então? Não é assim que procedem sempre em toda a parte em que chegam a estabelecer o seu dominio ? E com a historia na mão que apresento as minhas proposições, para tirar d'ellas os corollarios. São estes os principios revolucionários em toda a parte. Pobre rei, que por um momento julgou que fazia a felicidade do paiz e a sua própria entre-gando-se aquelles que lhe diziam: «se quereis ver-vos livre dos vossos falsos amigos, que são antes vossos adversários, entregae-vos a nós!» Oh como pagou caro a sua fraqueza! Sr. presidente, os reis que se entregam aos revolucionários, não tarda que vejam acontecer-lhes o que aconteceu a Carlos I, o que aconteceu a Luiz XVI.

Sr. presidente, que n'uma camará de pares se viesse dizer— combatamos os reaccionários; seguramente que se podia admittir, se esses reaccionários quizessem desthronar o senhor D. Pedro V, ou destruir a carta, procurando illu-dir os seus adversários com o falso pretexto de algum principio justo; porque aqui, sr. presidente, como em toda a parte, muda-se de vestuário mas a idéa fica a mesma, e então, sr. presidente, só Deus sabe o que acontece! Mas fazer-se a apotheose da revolução quando nós sabemos o que ella quer, sempre e em toda a parte!...

Sr. presidente, que subversão de todos os principios! Que idéas tão novas saíram de uma boca tão anciã! Se fosse um joven que proclamasse estes principios, desculpa-lo-ía, e dir- j lhe-ía talvez o que dizia o nosso grande estadista e collega j

o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que disse aqui um dia: «Deus nos livre de encontrar um homem que em moço não tivesse sido republicano, por que depois de ter amadurecido elle reformaria os principios da sua mocidade...» E a mim que me parecia que o sr. barão de Villa Nova de Foscoa devia ter amadurecido já! S. ex.a ha de ter lido, e seguido passo a passo a carreira politica de mr. Gruizot; ha de ter lido as suas memorias e os seus differentes artigos dispersos por diversas revistas, por meio dessa leitura ha de ter notado que por uma gradação constante vem entrando nos verdadeiros principios da ordem, e chega por fim a ser um consumado politico, um homem diante de quem todos se curvam e a quem respeitam.

Ficar sempre, sr. presidente, nas mesmas idéas, querer sempre o que queriam uns poucos de homens em 1820 que diziam: «queremos uma constituição mais liberal do que a de Cadiz», éimpossivel e impróprio do homem pensador, não é de progressista, é ser estacionário como um marco.

Sr. presidente, o cortejo das revoluções é sempre o mesmo. Em geral pedem se reformas e economias, mas as reformas e as economias encerram-se em destruir o que está feito, substituindo-o por cousas impraticáveis e peioros. As economias consistem em demittir os homens que exercem certos logares, para metter n'elles outras pessoas que se desejam collocar; c depois de esgotada esta parte do pro-gramma, chega a vez das reformas, o que se chama a destruição dos abusos; aqui attacam-se os negociantes, que são tachados de homens obnoxios, para se considerarem os honestos, e quem são estes? os que ajudam a consummação da obra, mais logo atiram-so aos proprietários, chega a vez de acabar com os fidalgos... Mas os homens que dizem isto são os primeiros que fazem transacções em que especulam com o descrédito do paiz, que destroem a propriedade para serem proprietários, c fazem montaria aos fidalgos emquanto não chegam a ser fidalgos. Até o digno par quiz ser fidalgo, e par do reino apesar das suas idéas...

O sr. Barão ãe Villa Nova ãe Foscoa: — Não pedi nem uma cousa nem outra.

O Oraãor: — Mas aceitou-as, e agora é fidalgo. Ora, quem é fidalgo e membro de uma camará de pares, não sobe á tribuna para proclamar a revolução!

Disse s. ex.a que não via que fosse necessário accusar o artigo, porque nada continha de offensivo, mas ha de per-mittir-me o observar-lhe que apenas viu a primeira parte, ou então esqueceu-se da segunda parte, do que mais importante se lê nesse artigo. Nelle não se tratava só das exéquias do conde de Cavour, mas de injuriar o prelado, e de o ameaçar com outras caíumnias em perspectiva, que já de si constitue uma nova injuria. Mas tratava-se das exéquias do conde de Cavour que s. ex.a também deseja. E por esta occasião direi de passagem que, nas cousas da igreja, quem governa são os prelados, e não todos os individuos. Essa era a doutrina de Marco Antonio Dominis; de quem já tive occasião de dizer que ensinava que a igreja é governada por todos os fieis, o que equivale a dizer que são os leigos que governam. Nos assumptos da igreja o sr. patriarcha é o juiz competente, ao qual devem todos obediência.

Pois o digno par, que é um dos chefe3 do partido que tem proclamado que ó necessário que as irmãs de caridade se sujeitem ao prelado, que se tem apparentado cheios de indignação por uma supposta desobediência, não percebe a triste contradicção em que caiu vindo revoltar-se agora contra a jurisdicção do prelado?! Eis aqui o que são as parcialidades politicas!

Disse também s. ex.a que se devia ter consideração com um desgraçado, com um homem pobre e que tem combatido pela liberdade; mas onde é que essas circumstancias dêem a ninguém direito para conculcar as leis e affrontar a moral publica? e mais avançou s. ex.a, que nunca esse jornal insultou a senhora D. Maria II! Isto não esperava eu que s. ex.a dissesse! Apesar das minhas excentricidades, apesar de não estar ligado aos centros revolucionários e maçónicos, de que nos tem informado iususpeitas publicações, posso informar a s. ex.a de que tenho um livro aonde escrevo os differentes acontecimentos, e sei perfeitamente que, numa occasião solemne o Portuguez declarou em phrase bem intelligivel que tomava sobre si a responsabilidade de todos os artigos que tinham sido publicados no Patriota. E que jornal era este? Aquelle que insultou mais infamemente a vida privada da rainha. Mas s. ex.a não sabe d'isto! Deixou passar desapercebidos esses artigos, apesar de tão repetidos e de sua extrema impudência.

Eu não leio regularmente esses jornaes immundos; mas quando publicam algum artigo contra mim ou mais notável contra algum homem superior, ou contra as idéas sociaes, mando comprar, porque não quero perder esses documentos que mostram qual é o estado da sociedade, ou da administração publica; o que seria fácil se não os mandasse comprar, porque não assigno para nenhum jornal.

Ao Patriota andava annexa uma outra publicação O Supplemento Burlesco; pois também o comprei, e custou-me bastante, porque existem poucas collecções, se s. ex.a quizer pôde vê-lo, tanto porque alguns dos seus amigos o hão de ter como eu mesmo lh'o poBso emprestar. Neste jornal e no supplemento estão estampadas todas as affrontas que certos homens dirigiram á senhora D. Maria II; poderá o digno par contestar a verdade do que deixo dito, que ninguém ignora, e de que existem os documentos comprobativos?

Disse também o digno par que era melhor que eu guardasse o meu ardor para combater um jornal que todos os dias combate a dynastia e as instituições. Julgo que s. ex.a se refere á Nação e talvez também ao Povo, jornal que nunca vi. Mas pois que s. ex.a allude a elles, é notável, sr. presidente, que a Nação tem sido chamada aos tribu-

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naes centenares de vezes, porque apresenta idéas contrarias aquellas que hoje governam a nossa sociedade, e que eu sigo, venero e defendo, isto é, não reconhece como rei de Portugal o sr. D. Pedro V. É porém notável nunca atacou esse jornal a vida privada da sr.a D. Maria II nem do sr. D. Fernando, e quando aquella senhora foi rouhada ao nosso amor, csso jornal veiu quinhoar. de nossa dor, acom-panhar-nos em nossos prantos; qlle que não reconhece a dynastia que nos governa, respeitou sempre a honra individual de seus membros, emquanto o jornal revolucionário, de que nos fez s. ex.a a apologia, atacou sempre e com furor a vida privada dos dois augustos personagens, que acabo de examinar, e nunca foi chamado aos tribunaes!

Sr. presidente, é necessário quo certos principios e certas idéas estejam fora da discussão, se nós não queremos ver a ordem e a sociedade completamento subvertidas, S. ex.a também me tachou de exaltado, mas ha de-me dar licença para dizer lhe que também é exaltado, por que foi o chefe do partido exaltado até á ascenção do sr. marquez de Loulé, que até hoje ainda não caiu em sustentar tão claramente a revolução, nem em proclamar principios tão subversivos das doutrinas sociaes. S. ex.a fez aqui uma espécie de em-broglio, que não posso traduzir bem, mas como sempre houve o quer que é, procurarei expor as impressões que me deixou. S. cx.a que é jurisconsulto esqueceu-se n'esta occasião d'essa qualidade. Assim, disse s. ex,1, pois o digno par quer que o governo chame o jornal aos tribunaes? Ao sr. patriarcha é que cumpre faze-lo se se julga offendido, e citou o exemplo do bispo de Leão, a propósito da pastoral contra o celebre Manual ccclesiastico. Permitta-me s. ex.a dizer-lhe que está equivocado: quem foi chamado ao3 tribunaes (o que é muito differente de chamar a elles) foi o -bispo de Orleans monsenhor Despanloup, e foi-o pela familia Rousseau, relacionada por parentesco a um bispo que também foi de Orleans, a qual so julgou offendida pela publicação de umas noções históricas de monsenhor Dupanloup a respeito d'esse bispo, em resposta ao que um jornalista lhe tinha opposto fundando-se no procedimento d'aquelle seu antecessor: foi uma questão particular entre o actual bispo de Orleans e aquella familia. De certo que se o sr. patriarcha atacasse qualquer pessoa n'um escripto particular, o offendido tinha nas leis recurso para chamar o prelado aos tribunaes; mas aqui, na theoria do digno par, tratar-se-ia de ser o sr. patriarcha quem chamasse aos tribunaes o seu bffensor. Não creio portanto que possa colher o argumento.

Quanto ao arcebispo de Leãp, o cardeal de Bonald, esse viu a sua pastoral objecto d\im recurso á coroa, ou, como dizem1 os francezes, d'un appel comum cfalus; mas elle pessoalmente não foi levado a nenhum tribunal; e por isso também «-'esta parte não colhe o precedente.

Também s. ex.a disse que' era necessário acabar com os reaccionários; eu creio que sou reaccionário no sentido que o digno par deu a esta palavra, porque procuro sustentar a acção que destroe a acção revolucionaria. Sou reaccionário n'este sentido, quero sê-lo e reclamo para mim esse titulo.

Sr. presidente, na tribuna e em qualquer parte em que me achar, espero não me esquecer do juramento que prestei nas'mãos da presidência, de defender a carta constitucional, a dynastia, as liberdades, e manter a religião catholica e apostólica romana: por isso quero a reacção, e sau-doa nos termos e como a querem mr, de Montalembert, mr. Cousin, mr. Guizot, c muitos outros homens que têem militado e estão militando nas fileiras d'essa chamada reacção, aos quaes acompanho de todo o eoração.

Sr. presidente, é preciso que as palavras se definam, e que se saiba a rasão das cousas; esses epithetos que os partidos inventaram para redicularisar os homens que os não seguem, esses epithetos, digo, deviam acabar para sempre. Isso porém não dispensa, e pelo contrario impõe aos homens públicos o dever de passarem em resenha os factos, de examinarem os seus auctores, e depois d'isso julga-los com justiça. O que é dizer-se, são reaccionários, querem dominar tudo, sem nada provar-se contra elles? Isso não pôde admita tir-se; é uma injustiça flagrante e escandalosa contra que protesta comnosco a consciência publica. A propósito direi, que vi um manifesto do grão-mestre da maçonaria na Bélgica, no qual se diz que é necessário que em todas as associações, em todos os estabelecimentos, seja de que natureza forem, haja pelo menos um irmão maçon para os fins que n'esse manifesto se ennunciam. Assim é aos que nos aceusam de querer invadir tudo e dominar tudo que eu reenvio essas aceusações aos que no-las fazem, e de quem o digno par se constituiu...

O sr. Presidente: — Lembro a v. ex.a que pediu a palavra para uma explicação, e vejo que está fora d'ella (apoiados).

O Orador:— Também a pedi para responder ao digno par, o sr. barão de Villa Nova de Foscoa. V. ex.a, que é um homem instruído, sabe muito bem que ha obras divididas em diversas partes, assim o foi o discurso do digno par a que estou respondendo; e tenho por isso necessidade de rebater os argumentos que s. ex.a adduziu, e de defender as minhas idéas e as do partido a que me honro de pertencer.

Avançou s. ex.a uma idéa que é preciso não deixar passar desappercebida; ainda que. ha uma parte d'ella que não comprehendo bem. Disse o digno par, que não via offensa para o sr. cardeal patriarcha, no que diz o artigo de que fallei, e que o governo não tinha nada que ver com isso. Ora, eu respondo a s. ex.a, que os ministros qué se sentam n'aquellas cadeiras, têem obrigação de vellar pelo cumprimento das leis, como no caso envquestão, em que elles devem mandar que a auctoridade competente aceuse o jornal O Portuguez, para ser julgado em policia correccional, pela difamação irrogada ao sr. cardeal patriarcha. Se os srs. mi-

nistros não procederem como devem, então nós temos o di? reito de lhes pedir contas.rigorosas d'essa falta. Tenho porém observado o dizer-se ás yezes, que os corpos legislativos não devem perder tempo com a discussão de assumptos como este; porque o que precisámos ó discutir o fazer leis.

Mas, sr. presidente, eu entepdp que nós não precisamos só de leis civis, prccisaiuos também de leis moraes, porque umas devem ser acompanhadas das outras; e em, presença d'isto não pode estranhar-ge que eu falle n'estas matérias, porque não é tempo perdido o que com isto se gasta. Isto mesmo tenho eu visto fazerem ás vezes outros dignos pares. O sr. Ferrão por exemplo, ao qual eu tenho ouvido fazer largas dissertações e commentarios sobre os direitos civis, e a influencia que nass leis deve exercer a moral; o que também se pratica em toda a parte.

Parece-me que o digno par dera a entender que o offendido pela imprensa devia de3aggravar-se nos tribunaes, ou batendo-se no campo. Não percebi bem se s. ex.a dizendo isto sc referia ao sr. cardeal patriarcha. Supponho que não. Ora s. ex.a sabe, pois é homem lido, o que no tempo de S. Luiz, rei de França, succedeu a respeito do duello. Então succedeu que os fidalgos,' reputando os duellos um assumpto de honra, não queriam que j>odessem os peões ter entre si desafios; e estes entendiam por sua parte que lhes era igualmente permittido ter duellos. O duello foi prohi-bido; e apesar d'isso, tanto em França como entre nós, tem-os havido. Havia de ser motivo muito de estranheza que o sr. patriarcha de Lisboa, vestido com a sua capa magna e a sua mitra na cabeça apparecesse n'um duello! Eu espero não ser espectador de tal scena, porque não quereria ver isso; nem o sr. presidente do conselho o quereria também ver, c reprova-lo-ia especialmente o sr. Antonio José dAvila que nomeou q sr. cardeal patriarcha, e que o respeita.

E verdade que também pôde ser que o digno par entenda que eu devo constituir-me campeão do era.""1 cardeal patriarcha fora d'esta casa; e não sei mesmo se é conselho que s. cx.a me dá para que eu o siga. Se é, limitq-me a ar-,chiva-lo; e feito o competente registo, direi a s. ex.a que tres meios se tem adoptado de vingar estas affrontas; uns escolhem o duello, outros preferem ps tribunaes, e os que não confiam tanto na própria fortaleza,compram um assassino, dã/>-lhe umas poucas de moedas, e mandam-no dar cabo do aggressor. Ainda não ha muitos annos, no tempo do sr. D. Miguel, aconteceu um facto d'estes na rua de Monte Oliveto, sendo assassinado um cirurgião por um ferreiro, o qual segundo ouvi declarou tinha sido commissio-nado para aquelle attentado.

O que é portanto preciso, sr. presidente? Que o governo applique todos os seus esforços para que se executem as leis protectoras dos cidadãos para tirar pretextos á vindicta particular, a que se dêem scenas de gladiadores nas praças publicas. Legem habemus, devem dizer todos os homens conservadores.

Cumpra-se a lei, e seja a lei e o cumprimento d'ella que nos governe e dirija, não só como homens públicos, mas também como homens particulares. Que a lei da honra não se risque do nosso diccionario e do nosso coração, e assim caminharemos pela estrada do verdadeiro progresso.

O digno par sabe muito bem o que os santos patriarchas disseram contra o duello. S. ex." sabe que a igreja catholica os prohibe com penas muito severas; e não ignora também que a religião que ella nos ensina é a única verdadeira, pela qual somente não só os homens como as sociedades podem ser salvas.

S. ex.a sabe que as differentes descobertas feitas nasscien-cias, quaesquer que fossem as aberrações primitivas em que tivessem caído, essas descobertas fizeram voltar aos verdadeiros principios do espiritualismo as idéas até então atoladas no materialismo. E sabe não menps que sem o predomínio das idéas espiritualistas os governos baqueiam e a ordem não pôde existir. Sr. presidente, quando faltam as crenças, tudo está perdido; porque é a crença que inspira as grandes era prezas, que alimenta a honra, e faz com que as sociedades possam prosperar. Para que ella se não apague, e continue pelo contrario a vivificar o coração dos homens politicos.

Eu não posso resistir á necessidade que tenho de dizer aqui aquellas bellas palavras que o sr. marquez de Ficalho proferiu n'esta camará n'outra occasião, sentindo que o digno par não esteja presente para lhe dar os meus sinceros emboras; vou repeti-las pois com ufania, tanto porque exprimem os sentimentos do meu coração, como por ser s. ex.a meu parente e amigo. Disse o sr. marquez de Ficalho = primeiro que tudo sou catholico. = E isto o que deviam dizer com s. ex.a e comigo todos os homens politicos, porque só o catholico tem crenças religiosas racionaes, e sem crenças religiosas não ha crença politica.

O que convém então aos homens que são politica, sincera e verdadeiraniente liberaes? que tenhamos a crença religiosa. E assim que penso, e em que mais confirma quanto estou vendo, e espero morrer sem ter deslisado um único momento desta nova senda, que espero continuar a seguir, e que peço aos srs. ministros que a sigam igualmente para bem da ordem e da liberdade; pois só assim é que podem regenerar este paiz. E portanto preciso que todos estejamos compenetrados d'estas idéas para que possamos acompanhar o verdadeiro progresso, que tem por origem a crença e a fé, e depois d'ella a esperança no porvir. E elle será prospero.

(O orador não viu estes dois discursos),

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, eu não sei mesmo o que Be está tratando n'esta camará, e parece-me que estamos fora da ordem. Eu também sou catholico apostólico romano, mas peço a Deus que me auxilie para seguir as

minhas crenças religiosas'de coração, e não ser catholico só por palavras^ porque o caso não está em dizer eu sou. catholico, todos nós o somos, e ninguém poz. isso, em duvida. (O sr. Marquez de Vallada: — Mas disse-se, que nós, não éramos.) Admira-me. como v. ex.a consente.esta discussão! ...

O. sr. Presiãente:—Eu lembro a v. ex.a que pediu a pa? vra sobre a ordem.

, O Oraãor: -— Eu sinto-muito qup v. ex.a.use,4'este ri-, gor para mim. Eu entendo que todos os membros d'esta, camará têem direito de interpellar os srs. ministros, e dizer — ha este facto e usem da lei; mas dizer — ha um facto, e este facto é criminoso, é punido pelo código penal, o gq-verna mande puni-lo na conformidade da lei; isto é prevê-, nir os tribunaes, é prevenir o ministério publico, é preye-nir tudo. E n'este facto, como se acabou de ver, Q, digno, par, que primeiro encetou o debate, considera o facto que citou como criminoso, e outro digno par diz que o não é. Eu declaro que não li o periódico a que s. ex.* alludiu, mas se o artigo se refere ao facto de s. em.* ter negado a licença para as exéquias do conde Cavour, eu também sinto que s. em.a negasse tal licença, bem como sinto que o illustre prelado fosse offendido por esse jornal, se é que o foi. (O sr. Marquez ãe Vallada: — É sobre a YJda prj-vada.) Disse qup havia de dizer, mas não disse, e aqqi está como são as cousas.

Ora, eu pediria que fosr-emos todos conservadqres, que guardássemos a nossa dignidade, e.que não atacássemos os nossos collegas, e parece-me que chamar ao sr. barão de Villa Nova de Foscoa bonet rouge não é ser conservador,

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Também me chamou excêntrico. Mas a igualdade é só para os pares noyqs...

O Oraãor: — Os pares novos são tanto como os antigos, e tem os mesmos sentimentos de probidade (apoiaãos). Eu; digo, como disse o sr. barão de Foscoa, que não solicitei o. pariato, e provoco os srs. ministros "para que digani sp pu. pedi este logar directa ou indirectamente? Se q digno par, o sr. marquez de Vallada, assenta que nos resulta d'essa, nomeação grande honra, eu assento, que isso não faz nada, á minha honra de familia; porque, se ella não era nobre, lá estão os me«,mo3 Caldeiras, que já eram de antes, e aqua só poderão dizer é quo um dos seus descendentes de um, filho segundo foi par do reino. „

Não ha nada mais natural do que aceusarem os jprnaes, que não são da mesma opinião: já aqui nouve um jornal, protegido por homens, em que pelo menos os membros d'es-ta camará faliam em respeito, que disse — que o sr. José Jorge Loureiro não era capaz de commandar nem uma ps-quadra, e todos nós temos conhecimento dos grandes serviços militares quo elle prestou a favor da liberdade do nosso paiz (apoiados). Quanto ao meu collega o sr. barão de Foscoa, digo que s. ex.a por mais do uma vez foi ministro da fazenda, e se não quiz continuar a ser ministro foi porque elle e os seus collegas assentaram quo nãq deviam continuar no ministério. (O sr. Aguiar: — Isso não vem para o caso). Tem o digno par toda a rasão.

Sr. presidente, a minha moção de ordem é.que nos conservemos na ordem, e não percamos o tempo com cousa» que não essenciàes.

O sr. Presidente:—Eu julguei que v. ex.* terminava a sua moção de ordem pedindo á mesa que consultasse a camará se este incidente devia terminar. Vou portanto consultar a camará n'este sentido (apoiados).

Deciãiu-se que terminasse este incidente.

O sr. Presidente: — Passamos á ordem d°. 4'a^ (Vozes: — Está a dar a hora.) Então a sessão será na quarta-feira, ç a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 5 de agosto de 1861

Os srs. visconde dé Laborim; marquezes de Ficalho, de Loulé, de Niza, da Ribeira, de Vallada; condes do Bomfim, de Linhares, da Louzã, de Mesquitela, de Peniche, da Ponte, do Rio Maior, da Taipa, de Vimioso; viscondes de Balsemão, de Benagazil, da Borralha, de Castro, de Fornos de Algodres, da Luz, de Sá da Bandeira; barões da Vargem da Ordem, de Foscoa; Mello e Carvalho, Avila, Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, Costa Lobo, Margiochi, Moraes Pessanha, Aguiar, Soure, Larcher, .Pinto Bastos, Reis e Yas-concellos, Baldy, Vellez Caldeira^ Franzini.

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