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424 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

aos interessados no caminho de ferro era simplesmente a obediencia a um impulso de mera generosidade, declaro que não só não defendêra, mas que havia de impugnar com todas as minhas forças este projecto, em que a referida indemnisação se contém (muitos apoiados).

É um acto de equidade! É um acto de equidade que praticou o governo transacto, e que só teve o defeito de o praticar tão tarde (apoiados); se o tivesse praticado mais cedo, teriamos evitado com proveito do thesouro e do credito publico muitos accidentes desagradaveis e muito onerosos encargos que vieram aggravar sensivelmente a nossa já grave situação financeira. Em condições menos favoraveis que fosse, com duplicados encargos que viesse, viria mais benefica tendo vindo mais cedo demandar a sancção parlamentar.

É um acto de equidade! Não é só um acto de equidade, é uma indicação de probidade e de dignidade nacional. (O sr. Marquez de Sabugosa: — Peço a palavra.)

A historia das relações da companhia do caminho de ferro de sueste com o governo de Portugal é, com leves modificações, a historia das relações de muitas outras companhias de caminhos de ferro com differentes governos da Europa; e a identidade historica n’este caso provém da identidade das clausulas que se contêem nos referidos contratos, e da identidade dos accidentes que têem salteado a situação financeira de muitas companhias, accidentes que têem determinado crises a que umas succumbiram e a que outras com difficuldade sobreviveram.

Sr. presidente, em todos os contratos de construcção e de exploração de caminhos de ferro ha uma clausula penal, nos contratos francezes, italianos, hespanhoes, como nos portuguezes, ha uma clausula em que se dispõe que, não cumprindo a companhia certas condições do contrato, o governo terá o direito de o rescindir, de o levar á praça e de, não encontrando na praça arrematante, apropriar-se do caminho, explorando-o por sua conta.

Esta clausula está quasi ipsis verbis inscripta em todos os contratos de caminhos de ferro, e os embaraços e crises financeiras das companhias têem sido infelizmente tão numerosos e repetidos que se tem fornecido muitas vezes o ensejo de fazer applicação da clausula a que me referi.

Sr. presidente, estes contratos de construcção e exploração de caminhos de ferro têem para as companhias mormente pelo systema de subvenção um pronunciado perfil de contratos aleatorios. O valor do capital a empregar na construcção e o valor da receita provavel a colher da exploração esquivam-se tanto aos calculos que precedem a formação d’estas emprezas, que quasi sempre vem a realidade demonstrar que se no capital foi mesquinho o calculo em compensação na receita ultrapoz as fronteiras da generosidade.

Aqui a causa das attribulações por que tem passado grande numero de companhias, maior despeza e muito menor receita é o desequilibrio que explica o difficil e penoso viver d’estas sociedades anonymas, que pelo estimulo do lucro, é verdade, porém quasi sempre com frustrada expectação, muitos serviços têem prestado a diversos paizes na introducção d’este apparelho de viação accelerada que, mau grado dos indifferentes, é um instrumento de producção e de civilisação.

Mas que temos nós visto, sr. presidente, quando estas circumstancias, quando o ensejo de applicar a disposição dos contratos a que alludi se tem deparado em differentes paizes?

Temos visto que todos os governos dão os primeiros dois passos, todos os governos chegam a decretar a rescisão do contrato, a leva-lo á praça (a uma ou mais praças, segundo as differentes disposições dos differentes contratos); mas quando na praça não encontram arrematante, chegado o momento de dar o terceiro passo, de tomar posse do caminho, de o explorar por sua conta e de sepultar na ruina os capitaes empregados pela companhia na feitura do caminho; todos os governos têem parado ante a responsabilidade de decretar a espoliação, embora auctorisada pela letra do contrato. Esta pena, que é a pena ultima, ultima na ordem e ultima nos effeitos, porque é a decapitação e o confisco da fazenda da companhia, ainda nenhum governo se atreveu a executa-la. Suspensa a hacha sobre a cabeça do paciente, ainda até hoje não faltou o anjo para obstar á consummação do sacrificio. É que a pena é impossivel. Podem escreve-la em todos os contratos, que não acham ninguem que a execute, não o consente a equidade que reprova a espoliação, não o consente a dignidade do paiz, que alem das vantagens que quotidianamente aufere do serviço do caminho, alem do juro que o producto liquido da exploração póde dar ao capital das subvenções com que subsidiou a construcção, não aceita a esmola do estrangeiro no juro do seu capital, que a exploração poderá de futuro produzir. É melhor banir tal pena dos contratos, reduzindo-os como a pratica tem ensinado a executa-los. É o que se faz na Italia. Nos contratos celebrados pelo governo d’este paiz mantem-se a faculdade de rescisão em dadas circumstancias, a faculdade de levar o contrato a tres praças consecutivas, nas duas ultimas com progressivo abatimento de preço; a faculdade, na falta de arrematante, de tomar o governo posse do caminho, explorando-o por sua conta; porém n’esta hypothese o governo é obrigado a prestar á companhia uma indemnisação equitativamente fixada. Modelem se pois por esta formula os contratos que tenham os de futuro a celebrar, imponham-se penas para garantir o cumprimento de todas as estipulações, porém penas a cuja execução não repugne o bom senso e a equidade. Não ha necessidade de adoptar n’estes contratos o systema penal do livro 5.° das ordenações do reino.

Pelos contratos de 1860 e de 1864 tinha a companhia do caminho de ferro de sueste pactuado com o governo a construcção e exploração das linhas de sul e sueste pelo systema de subvenção, systema substituido em virtude do contrato de 14 de outubro de 1866 pelo systema de garantia de juro; por effeito d’esta novação era a companhia obrigada a restituir ao governo o valor das subvenções que havia recebido como subsidio de construcção do caminho; a historia dos accidentes que se seguiram está de certo na memoria da camara, as letras que representavam o valor das subvenções foram protestadas, a rescisão do contrato decretada pelo governo e em recurso confirmada pelo juizo arbitral. Aberta a praça para a exploração do caminho, e não fornecendo a praça arrematação, era chegado o momento do sacrificio de que ha pouco fallei, sacrificio suspenso tambem pelas considerações que já tive occasião de expor á camara. Na gerencia do ministerio que então presidia á governação publica e do que immediatamente lhe succedeu dois accordos foram projectados e propostos ao parlamento accordos que tiveram a infausta sorte que todos sabemos. O ministerio que ultimamente abandonou aquellas cadeiras encontrando ao entrar no poder uma opinião desvairada e prenhe de erros economicos e financeiros, entre os quaes avultavam a necessidade de resistir energicamente a todas as solicitações dos interessados na companhia do caminho de ferro, fez por muito tempo d’essa obstinada resistencia o mais bello florão da sua corôa popular até que, dissipado com outros esse perniciosissimo erro que tão graves damnos produziu, veiu contricto e arrependido confessar o seu peccado no decreto de 10 de março do corrente anno.

Eis aqui a largos traços a historia das relações entre o governo e a companhia que é o reflexo da historia de analogas pendencias entre outros governos e outras companhias. O pensamento do projecto que n’este momento se discute já foi duas vezes benevolamente acolhido pela camara, a primeira quando emittiu um voto de sanação com respeito aos decretos dictatoriaes do governo transacto, entre os quaes se achava o citado decreto de 10 de março de 1869, e a segunda quando approvou o projecto de auctorisação que hoje é a lei de 16 de julho de 1869 que habilita o go-