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SESSÃO DE 18 DE AGOSTO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Sousa Franco
Conde de Fonte Nova

Pelas duas horas e um quarto da tarde, tendo se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual se não fez reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio do sr. bispo de Vizeu, participando que por incommodo de saude se ausentou da capital, e que por essa rasão não póde comparecer ás sessões da camara.

Inteirada.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo copia da relação dos possuidores de titulos de divida publica interna fundada com assentamento, que em conformidade com o disposto nas leis de 8 de junho de 1843 e 24 de janeiro de 1854 podem eleger ou ser eleitos ou nomeados membros effectivos ou substitutos da junta do credito publico, a fim de que possa ter logar a eleição da pessoa que por parte da camara dos pares ha de exercer o cargo de membro effectivo da dita junta.

Um officio do ministerio da guerra, remettendo copia dos pareceres da maioria e minoria do conselho d`estado sobre a pretensão do coronel Coelho Borges, requerida pelo digno par, o sr. marquez de Vallada, em sessão de 30 de julho ultimo.

Para a secretaria.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei sobre o augmento extraordinario da contribuição predial no continente do reino e ilhas no corrente anno de 1869.

Á commissão de fazenda.

Outro officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei sobre serem abonados aos officiaes de artilheria, que servirem nas baterias de campanha e de montanha dos regimentos chamados de guarnição, as gratificações estipuladas para commissões activas.

Ás commissões de guerra e fazenda.

O sr. Presidente: — Em cumprimento da lei, ha de dar se para ordem do dia da seguinte sessão a eleição de um membro d`esta camara, que tem de fazer parte da junta do credito publico.

O sr. Larcher: — Tenho a honra de participar a v. exa. que recebi por parte de alguns individuos, que pertenceram ao extincto corpo de engenheria civil, 40 exemplares de uma obra que estes senhores desejam que seja distribuida pelos membros d`esta camara. Como os exemplares da obra a que me refiro já chegaram a esta camara, peço a v. exa. que lhes dê o destino conveniente.

O sr. Presidente: — Serão distribuidos pelos dignos pares.

O sr. Fernandes Thomás: — Sr. presidente, tenho a honra de mandar para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

Aproveitarei a occasião para tratar de um outro objecto. Tendo ouvido ha pouco ler um officio em que se pede a esta camara que eleja um vogal para ajunta do credito publico, e em vista do proximo encerramento da actual sessão legislativa, peço a v. exa. se digne fixar o dia em que essa eleição deverá ter logar, e a que me parece ser conveniente proceder com brevidade, por isso que me consta que os vogaes d`aquella junta estão reduzidos a um pequeno numero, carregando por conseguinte sobre elles um grande trabalho, que talvez não possam satisfazer cabalmente, como convem ao serviço publico, quando aliás muito se podia aproveitar se o numero dos membros da junta não fosse tão diminuto.

Insisto pois para que a eleição se faça, sendo dada para ordem do dia com a brevidade possivel.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer que o digno par o sr. Fernandes Thomás acaba de mandar para a mesa. Mas antes devo declarar ao digno par que o seu pedido será satisfeito, dando para a ordem do dia de ámanhã a eleição do membro d`esta camara, que ha de fazer parte da junta do credito publico.

Leu se na mesa o parecer.

Entraram na sala os srs. presidente do conselho e ministro do reino, e ministro das obras publicas.

O sr. Presidente: — Este parecer será opportunamente dado para ordem do dia. Vae entrar-se na que está designada para hoje.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 31

Senhores. — O projecto de lei n.° 41, approvado pela camara dos senhores deputados, contém uma auctorisação conferida ao governo para pagar á companhia do caminho de ferro de sueste o valor nominal de 1:850:000 libras, em bonds de 3 por cento, com o juro desde 1 de julho do corrente anno, comprehendida n`aquelle valor a somma de 2.376:653$75l réis, com a mesma applicação, consignada no artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1869.

A commissão de fazenda, apreciando reflectidamente a materia do referido projecto, considera como determinação necessaria, na conjunctura financeira em que nos achâmos, a prompta e definitiva resolução das repetidas e pendentes reclamações da companhia do caminho de ferro de sueste, e n`este sentido aceita o pensamento do projecto approvado pela camara dos senhores deputados; attendendo porém a que só por meio de accordo celebrado entre o governo e os interessados na companhia se poderá realisar o indicado proposito, a que outro alvitre se offerece, que, atenuando o sacrificio acima referido, proporciona ao mesmo tempo a conclusão das linhas ferreas de sul e sueste, sem contribuição alguma do thesouro, e a que tanto nas disposições do projecto remettido pela camara dos senhores deputados, como nas modificações offerecidas pela vossa commissão, se reconhece a obediencia ás indicações da equidade que sempre deve adoçar o rigor do direito stricto em relações como estas de tão difficil meneio como precario successo, tem a commissão de fazenda, de accordo com o governo, a honra de submetter á vossa approvação a seguinte substituição:

Projecto de lei n.º 41

Artigo 1.° Realisado na sua totalidade o emprestimo a que se refere a carta de lei de 16 de julho de 1869, fica o governo auctorisado a pagar á companhia do caminho de ferro de sueste, ou a quem de direito for, a somma nominal de 1.850:000 libras esterlinas em bonds de 3 por cento, com o juro desde 1 de julho de 1869 em diante.

N`esta somma se comprehenderá o deposito e seus ju-

Substituição ao projecto de lei n.º 41
Artigo 1.º Realisado o emprestimo a que se refere a carta de lei de 16 de julho de 1869, fica o governo auctorisado a pagar aos interessados no caminho de ferro de sueste, ou a quem legitimamente os representar, precedendo accordo definitivo e legal que ponha termo a todas as reclamações, ou uma somma nominal não excedente a 1.850:000 libras esterlinas, em bonds de 3 por cento, com

henderá o deposito e seus j u- em bonds de 3 porcento, com

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ros vencidos e não pagos, que serve de caução aos contratos celebrados entre o governo e a companhia do caminho de ferro de sueste.

juro desde 1 de julho de 1869 em diante, ou unicamente a somma fixada no artigo 4.º d`aquella lei, dando de arrendamento aos interessados, constituidos em nova companhia, a exploração das linhas ferreas de sul e sueste, com obrigação de concluir os prolongamentos de Evora a Extremoz, de Beja a Casevel e de Beja á margem direita do Guadiana, sem mais subsidio algum.

§ 1.° Qualquer das sommas arbitradas, addicionada á importancia do emprestimo realisado, não excederá o limite do valor fixado no artigo 1.° da citada carta de lei de 16 de julho de 1869.

§ 2.° Na somma nominal de 1.850:000 libras se comprehenderá o deposito de libras 20:000 com seus juros vencidos e não satisfeitos, que serviu de caução aos contratos celebrados entre o governo e a companhia do caminho de ferro de sueste.

Art. 2.° Fica assim alterado o artigo 4.º da carta de lei de 16 de julho de 1869, e revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em... de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Herinque de Barros Gomes, deputado secretario.

Art. 2.° Fica assim alterado a carta de lei de 16 de julho de 1869, e revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de fazenda, 16 de agosto de 1869. Conde d`Avila = Felix Pereira de Magalhães = José Augusto Braamcamp = Conde da Ponte = Manuel Vaz Preto Geraldes = Visconde de Algés.

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, eu não combato o projecto em discussão, antes estou disposto a votar por elle, mas preciso primeiro expor á camara algumas considerações, as quaes é possivel que tenham pouco ou nenhum merecimento, mas que me vejo forçado a fazer para descargo da minha consciencia, e por dever meu, como membro d`esta casa. O primeiro reparo que faço é com relação a algumas palavras do relatorio da commissão, em que se estabelece (leu).

Estabelecidos estes principios de equidade, e reconhecidos elles, nós damos seguramente o direito a outra qualquer companhia de caminho de ferro existente ou que venha a existir em Portugal, para tambem pedir indemnisações e fazer reclamações por perdas e damnos, de que o estado nunca póde ser responsavel, em virtude de contractos celebrados com essas companhias.

Este negocio não estava nos termos que se quer inculcar no relatorio da commissão. O que se concedeu á companhia não foi verdadeiramente por equidade; mas por generosidade, o que é cousa inteiramente diversa. O decreto de 10 de março diz claramente, que o governo, em virtude do juizo arbitral e de varias outras formalidades, rescindiu o contrato, declarou que nada devia á companhia, e que ella nenhum direito tinha a reclamar contra essa rescisão, nem a exigir qualquer indemnisação. O estado mandou primeiramente pelos seus engenheiros vistoriar o caminho de ferro e examinar o que havia gasto a companhia, e verificando se a final que ella tinha gasto a somma de 2.370:000$000 réis, o governo disse então — pois bem, a nação portugueza não deve nada segundo o direito escripto, mas ella não quer locupletar-se com a jactura alheia: a nação portugueza prescinde de tirar á companhia esse capital empregado, como aliás tinha todo o direito de o fazer, e dá-lhe os 2.370:000$000 réis.

Isto, digo, não foi equidade, foi um acto de generosidade da parte da nação portugueza, porque a equidade dá-se quando, não havendo direito a pedir pela lei escripta, ha um tal ou qual direito moral; quem pede por equidade, ainda pede com alguma rasão, com algum motivo; mas quando assim não acontece, o que se concede ou dá sem ser pedido é sómente por generosidade que se dá.

Ora, até aqui o estado deu aquella quantia sem exigencia alguma, deu-a porque quiz por um acto só seu e sem lhe ter sido pedida, porque se a companhia tivesse pedido a totalidade da quantia, e o governo só lhe desse parte, então é que se podia dizer até certo ponto que era por equidade que concedia essa mesma parte. Como o governo praticou é que ficou a porta fechada para qualquer outra companhia que reclamasse, não com justiça, mas a titulo de equidade. Pelo parecer da commissão parece-me que se admitte, não direi o direito, mas a rasão com que todas e quaesquer companhias d`esta natureza, sujeitas aos riscos de tão precarios successos, e em relações de tão difficil meneio, venham dizer que, tendo se dado á companhia dos caminhos de ferro de sueste uma indemnisação, e tendo ellas sido tambem prejudicadas pelo concurso de diversas circumstancias que lhes tenham causado perdas maiores e muito superiores até ás que suppunham que podiam estar sujeitas, ellas pretendem que lhes seja concedida por equidade uma certa quantia como indemnisação.

Este é o primeiro reparo que eu fiz, e ainda que não tem relação immediata com a substituição, tem n`a comtudo mediata, e a camara, approvando este parecer, approva um principio que me repugna.

Agora, emquanto ao resto, cumpre-me dizer que ouvi o sr. ministro da marinha declarar na camara dos senhores deputados, que o governo não approvava o projecto originario, porque não era um projecto de accordo, porque ali o não havia, e que só approvaria um em que o houvesse; mas a mim parece me que tanto o projecto originario como a substituição da commissão contém accordo.

No projecto originario vem o mesmo que na substituição. Pelo primeiro dava o governo uma somma de 1.850:000 libras para compensação do prejuizo que teve a companhia, e dava essa somma porque lhe fôra pedida; e tanto o fôra, que tendo o governo concedido já 2.376:000$000 réis, a companhia, ou esses homens que a representam, que não sei quem são, porque aqui nada se diz a este respeito, não se contentaram e disseram que queriam mais 47:000 libras e as 20:000 do deposito, e os juros que estas tinham vencido; o governo concordou com esta exigencia, e concordando está demonstrado que houve accordo. Se não houvesse um accordo previo, podia porventura vir pedir-se esta quantia? Pois quando se tratasse do accordo não podia a companhia, ou as pessoas que a representam, exigir 2.000:000 libras, por exemplo? Então de que serviria votar uma somma, que depois podesse não ser aceita? Pede-se, porque se sabe que essa quantia é aceita por aquelles interessados. Logo, se se sabe que ella é aceita, é porque effectivamente existe um accordo previo, e portanto as palavras que se acham nos dois projectos equivalem ao mesmo.

Ora, a differença que ha entre o projecto anterior e a substituição apresentada agora pela commissão, é unicamente em o governo ser auctorisado a contratar por dois modos, ou dando dinheiro por uma só vez aos representantes da companhia do caminho do sul, ou formando de novo com elles um outro contrato, isto é, entregando as linhas em exploração e dando 2.370:000$000 réis, mas isto mesmo é um outro accordo já feito (O sr. Larcher: — Peço a palavra), porque dando o governo 47:000 libras e mais as 20:000 libras do deposito sobre a quantia que o governo

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se tinha obrigado a dar, foi publico e notorio que os representantes da companhia offereceram este segundo alvitre, o da exploração do caminho, para o governo escolher um ou outro. O que quero demonstrar, e parece-me que é verdade, é que o accordo que está no projecto n.° 41 é o mesmo que está na substituição offerecida pela commissão de fazenda d`esta casa, não ha diversidade alguma, nem ha a differença que se pretende, e que o governo deveria demonstrar se fosse inteiramente exacto o que o sr. ministro da marinha disse na outra casa do parlamento, isto é, que não havia accordo algum no projecto de lei do gabinete anterior. Ora eu, sr. presidente, confesso que não sou competente, nem tenho os conhecimentos precisos, para entrar agora na apreciação de qual dos dois methodos será mais conveniente para o estado: se livrarmo-nos completamente d`aquelles que representam a companhia, e tirar-lhes de uma vez para sempre toda a ingerencia nos negocios da administração de Portugal; ou se chama-los outra vez e arrendarem-se lhes as linhas em exploração, e de proporcionarmos áquelles individuos occasiões de novas reclamações, de novas duvidas, e de todas estas difficuldades em que aquella companhia, os interessados e os representantes d`ella, ou quem quer que seja, tem posto este paiz. Pela minha parte parece-me que era mais conveniente não conservarmos ao pé da porta tão maus vizinhos, alem de que a differença de uma para outra proposta é pequena, porque como o governo dá em todo o caso dois mil trezentos e setenta e tantos contos não vem o thesouro a poupar senão 47:000 libras. Por tão pequena differença não sei o que seria mais conveniente. Não tenho opinião minha, porque não tenho os esclarecimentos necessarios para tratar esta questão, mas eu deixo á competencia do governo o discriminar qual dos dois alvitres é o mais conveniente.

Tambem tenho minhas duvidas, porque não se declara aqui nem os annos por que se dá o caminho, nem a renda ou aluguel que o estado ha de receber por elle; nada se diz a tal respeito.

Eu ouvi em tempo que a companhia tomava o caminho por cincoenta annos; ora, se isto é assim, se ha accordo feito ou encetado n’esta conformidade, seria bom que na lei se declarasse esta condição, que se dissesse o numero de annos por que se arrendava o caminho, e bem assim se o estado tinha outros beneficios a auferir alem do acabamento das linhas começadas de Evora a Extremoz, de Beja a Casevel, etc. Foi talvez pela rasão da companhia tomar sobre si o encargo de acabar estas linhas que o governo se inclinou a apresentar o segundo alvitre que vem n’este projecto, o que realisado alliviaria o estado de alguns centos de contos de réis, os quaes todavia não seriam immediatamente dispendidos pelo thesouro, mas pouco a pouco conforme as obras progredissem por conta d’elle.

Alem d’isto, sr. presidente, tambem não acho claro .º § 1.° Devo confessar a verdade: esta lei, no meu entender, está muito pouco clara, está escura, e as leis devem ser feitas de maneira que facilmente possam ser comprehendidas por todas as intelligencias, até pelas mais pequenas e mesquinhas como é a minha, principalmente quando se trata de leis d’esta natureza, que envolvem graves interesses para o estado, e vão tocar com individuos que nós sabemos já por experiencia, que são propensos a disputas e a questões. Devia-se pois ser mais explicito nos termos da substituição de que nos occupâmos. Eu pelo menos acho-a pouco intelligivel. No § 1.° diz-se (Leu).

Não excederá o quê? Os 18.000:000$000 réis do emprestimo? Creio que sim, mas em todo o caso era preciso que isto estivesse mais claro (leu).

Tambem hão de entrar no emprestimo dos 18.000:000$000 réis? Parece-me tudo isto falto de clareza sufficiente. Até o artigo final está escuro (leu).

Como fica alterada a carta de lei de 16 de julho, se ella trata do emprestimo que então se queria fazer com a casa Goschen, se trata dos encargos d’este emprestimo...

O sr. Visconde de Algés: — Fica alterada no artigo 4.°

O Orador: — Pois então explique-se isso n’esta lei, porque a carta de lei de 16 de julho tem muitos e differentes artigos. Diga se pois que fica alterado o artigo 4.°

Sr. presidente, parece-me que alguma rasão tenho em desejar mais clareza na redacção d’este projecto de lei. Quem o fez comprehende-o de certo muito bem, e todos áquelles que tiverem bastante intelligencia o comprehenderão, mas eu, que a não tenho, acho-a escura e confusa, e muitas outras pessoas estarão no mesmo caso, mormente em relação a este segundo methodo de accordo, porque se não diz nem por quantos annos será dado o caminho de arrendamento, nem se durante a exploração receberá o thesouro alguma cousa.

São estas as considerações que eu queria fazer.

Sr. presidente, peço desculpa á camara de lhe ter tomado estes poucos minutos na discussão do parecer, assim como peço desculpa de ter fallado nos artigos em especial, não o devendo fazer ainda n’esta occasião, mas não podia fallar na generalidade sem me referir a elles. Nada mais tenho a dizer.

O sr. Visconde de Algés: — Sr. presidente, no posto de honra que a commissão de fazenda temerariamente me confiou, cumpre-me responder não só a tudo que for impugnação do projecto, mas até ao que for apresentado como exposição de duvidas, porque tenho o dever de dissipa las conforme as minhas forças o permittam.

O digno par que me precedeu na tribuna, o sr. Fernandes Thomás, principiou e acabou por declarar que approvava o projecto, expondo todavia certas apprehensões que existem no seu animo, e que eu preciso quanto antes remover, para que s. exa. e a camara possam tranquillos e serenos dar um voto consciencioso de approvação ao projecto que se discute.

Começou o digno par, meu amigo, o sr. Fernandes Thomás, estranhando que no relatorio se invocasse o principio da equidade, para n’elle se assentarem as disposições do projecto, e affirmando que não era por equidade, mas por generosidade, que o governo portuguez havia concedido esta indemnisação aos interessados no caminho de ferro de sueste. Principio por declarar ao digno par que a camara não vota o relatorio da commissão, vota simplesmente o projecto, e ainda que votasse o relatorio, o principio de equidade invocado aqui, note o digno par, é invocado unicamente com relação á hypothese, com applicação á especie do projecto que n’este momento se discute.

Não temo a invocação da equidade para escudar futuras reclamações, pois não basta allegar, é preciso demonstrar e convencer de que a equidade effectivamente protege a pretensão que se manifesta, e a força da equidade na latitude das faculdades legislativas não foi o relatorio que a inventou, já a rasão, os factos e a indole das attribuições legislativas a tinham bem alto proclamado. Reserene pois o espirito do digno par, que não foi o relatorio que disse ao mundo que a equidade era um bom fundamento de pedir, não perante os tribunaes que só applicam as disposições da lei escripta, mas perante estações que têem como esta uma esphera de actividade de muito mais extenso diametro.

Agora o que eu não posso deixar de contestar abertamente ao digno par é que a indemnisação decretada pelo governo, e aqui tomo a defeza do governo transacto, tivesse por fundamento um acto de mera generosidade. Pois quem administra a fazenda alheia, e principalmente nas criticas circumstancias em que nos achâmos, na precaria situação financeira em que se acha o thesouro, póde praticar actos de mera generosidade? (Apoiados.)

Eu não tenho procuração do governo transacto para defender a rectidão das suas intenções, mas julgo-me auctorisado para declarar em seu nome que não foi por impulso de generosidade, mas por um severo principio de equidade, que o governo decretou esta indemnisação. Se o digno par conseguisse convencer-nos de que a indemnisação concedida

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aos interessados no caminho de ferro era simplesmente a obediencia a um impulso de mera generosidade, declaro que não só não defendêra, mas que havia de impugnar com todas as minhas forças este projecto, em que a referida indemnisação se contém (muitos apoiados).

É um acto de equidade! É um acto de equidade que praticou o governo transacto, e que só teve o defeito de o praticar tão tarde (apoiados); se o tivesse praticado mais cedo, teriamos evitado com proveito do thesouro e do credito publico muitos accidentes desagradaveis e muito onerosos encargos que vieram aggravar sensivelmente a nossa já grave situação financeira. Em condições menos favoraveis que fosse, com duplicados encargos que viesse, viria mais benefica tendo vindo mais cedo demandar a sancção parlamentar.

É um acto de equidade! Não é só um acto de equidade, é uma indicação de probidade e de dignidade nacional. (O sr. Marquez de Sabugosa: — Peço a palavra.)

A historia das relações da companhia do caminho de ferro de sueste com o governo de Portugal é, com leves modificações, a historia das relações de muitas outras companhias de caminhos de ferro com differentes governos da Europa; e a identidade historica n’este caso provém da identidade das clausulas que se contêem nos referidos contratos, e da identidade dos accidentes que têem salteado a situação financeira de muitas companhias, accidentes que têem determinado crises a que umas succumbiram e a que outras com difficuldade sobreviveram.

Sr. presidente, em todos os contratos de construcção e de exploração de caminhos de ferro ha uma clausula penal, nos contratos francezes, italianos, hespanhoes, como nos portuguezes, ha uma clausula em que se dispõe que, não cumprindo a companhia certas condições do contrato, o governo terá o direito de o rescindir, de o levar á praça e de, não encontrando na praça arrematante, apropriar-se do caminho, explorando-o por sua conta.

Esta clausula está quasi ipsis verbis inscripta em todos os contratos de caminhos de ferro, e os embaraços e crises financeiras das companhias têem sido infelizmente tão numerosos e repetidos que se tem fornecido muitas vezes o ensejo de fazer applicação da clausula a que me referi.

Sr. presidente, estes contratos de construcção e exploração de caminhos de ferro têem para as companhias mormente pelo systema de subvenção um pronunciado perfil de contratos aleatorios. O valor do capital a empregar na construcção e o valor da receita provavel a colher da exploração esquivam-se tanto aos calculos que precedem a formação d’estas emprezas, que quasi sempre vem a realidade demonstrar que se no capital foi mesquinho o calculo em compensação na receita ultrapoz as fronteiras da generosidade.

Aqui a causa das attribulações por que tem passado grande numero de companhias, maior despeza e muito menor receita é o desequilibrio que explica o difficil e penoso viver d’estas sociedades anonymas, que pelo estimulo do lucro, é verdade, porém quasi sempre com frustrada expectação, muitos serviços têem prestado a diversos paizes na introducção d’este apparelho de viação accelerada que, mau grado dos indifferentes, é um instrumento de producção e de civilisação.

Mas que temos nós visto, sr. presidente, quando estas circumstancias, quando o ensejo de applicar a disposição dos contratos a que alludi se tem deparado em differentes paizes?

Temos visto que todos os governos dão os primeiros dois passos, todos os governos chegam a decretar a rescisão do contrato, a leva-lo á praça (a uma ou mais praças, segundo as differentes disposições dos differentes contratos); mas quando na praça não encontram arrematante, chegado o momento de dar o terceiro passo, de tomar posse do caminho, de o explorar por sua conta e de sepultar na ruina os capitaes empregados pela companhia na feitura do caminho; todos os governos têem parado ante a responsabilidade de decretar a espoliação, embora auctorisada pela letra do contrato. Esta pena, que é a pena ultima, ultima na ordem e ultima nos effeitos, porque é a decapitação e o confisco da fazenda da companhia, ainda nenhum governo se atreveu a executa-la. Suspensa a hacha sobre a cabeça do paciente, ainda até hoje não faltou o anjo para obstar á consummação do sacrificio. É que a pena é impossivel. Podem escreve-la em todos os contratos, que não acham ninguem que a execute, não o consente a equidade que reprova a espoliação, não o consente a dignidade do paiz, que alem das vantagens que quotidianamente aufere do serviço do caminho, alem do juro que o producto liquido da exploração póde dar ao capital das subvenções com que subsidiou a construcção, não aceita a esmola do estrangeiro no juro do seu capital, que a exploração poderá de futuro produzir. É melhor banir tal pena dos contratos, reduzindo-os como a pratica tem ensinado a executa-los. É o que se faz na Italia. Nos contratos celebrados pelo governo d’este paiz mantem-se a faculdade de rescisão em dadas circumstancias, a faculdade de levar o contrato a tres praças consecutivas, nas duas ultimas com progressivo abatimento de preço; a faculdade, na falta de arrematante, de tomar o governo posse do caminho, explorando-o por sua conta; porém n’esta hypothese o governo é obrigado a prestar á companhia uma indemnisação equitativamente fixada. Modelem se pois por esta formula os contratos que tenham os de futuro a celebrar, imponham-se penas para garantir o cumprimento de todas as estipulações, porém penas a cuja execução não repugne o bom senso e a equidade. Não ha necessidade de adoptar n’estes contratos o systema penal do livro 5.° das ordenações do reino.

Pelos contratos de 1860 e de 1864 tinha a companhia do caminho de ferro de sueste pactuado com o governo a construcção e exploração das linhas de sul e sueste pelo systema de subvenção, systema substituido em virtude do contrato de 14 de outubro de 1866 pelo systema de garantia de juro; por effeito d’esta novação era a companhia obrigada a restituir ao governo o valor das subvenções que havia recebido como subsidio de construcção do caminho; a historia dos accidentes que se seguiram está de certo na memoria da camara, as letras que representavam o valor das subvenções foram protestadas, a rescisão do contrato decretada pelo governo e em recurso confirmada pelo juizo arbitral. Aberta a praça para a exploração do caminho, e não fornecendo a praça arrematação, era chegado o momento do sacrificio de que ha pouco fallei, sacrificio suspenso tambem pelas considerações que já tive occasião de expor á camara. Na gerencia do ministerio que então presidia á governação publica e do que immediatamente lhe succedeu dois accordos foram projectados e propostos ao parlamento accordos que tiveram a infausta sorte que todos sabemos. O ministerio que ultimamente abandonou aquellas cadeiras encontrando ao entrar no poder uma opinião desvairada e prenhe de erros economicos e financeiros, entre os quaes avultavam a necessidade de resistir energicamente a todas as solicitações dos interessados na companhia do caminho de ferro, fez por muito tempo d’essa obstinada resistencia o mais bello florão da sua corôa popular até que, dissipado com outros esse perniciosissimo erro que tão graves damnos produziu, veiu contricto e arrependido confessar o seu peccado no decreto de 10 de março do corrente anno.

Eis aqui a largos traços a historia das relações entre o governo e a companhia que é o reflexo da historia de analogas pendencias entre outros governos e outras companhias. O pensamento do projecto que n’este momento se discute já foi duas vezes benevolamente acolhido pela camara, a primeira quando emittiu um voto de sanação com respeito aos decretos dictatoriaes do governo transacto, entre os quaes se achava o citado decreto de 10 de março de 1869, e a segunda quando approvou o projecto de auctorisação que hoje é a lei de 16 de julho de 1869 que habilita o go-

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verno a contrahir um emprestimo. É pois esta a terceira vez que o pensamento d’este projecto demanda a vossa approvação, a qual se antes foi concedida com mais rasão o deve ser agora que o sacrificio que se pede, comquanto levemente aggravado, é todavia pedido com taes solemnidades que asseguram com firmeza a terminação de todas as controversias ha tanto tempo pendentes entre o governo e a companhia.

Disse mais o digno par e meu nobre amigo, o sr. Fernandes Thomás, referindo se á proposição enunciada pelo sr. ministro da marinha na outra casa do parlamento, de que o projecto approvado pela camara dos senhores deputados não era accordo, que s. exa. não viu differença entre o projecto que a camara dos srs. deputados approvára e a substituição offerecida pela commissão de fazenda d’esta camara, e que tanto havia accordo no projecto como na substituição. Peço licença ao digno par para divergir abertamente da sua opinião. O projecto apresentado pelo governo transacto na camara dos senhores deputados contém uma auctorisação para pagar á companhia do caminho de ferro de sueste a somma nominal de 1.850:000 libras esterlinas em bonds de 3 por cento, e a substituição da commissão de fazenda contém, é verdade, a mesma auctorisação, porém a primeira é concedida em termos absolutos sem clausula ou condição alguma, o que póde gerar a duvida sobre a terminação das tediosas pendencias entre o governo e a companhia; e a segunda clausula, como é com a impreterivel solemnidade de um previo accordo entre o governo e os interessados na companhia, torna dependente do cumprimento d’esta condição a effectividade do pagamento que auctorisa. Com a auctorisação conferida nos termos do projecto remettido pela camara dos senhores deputados bem podia o governo realisar o pagamento da somma arbitrada, sem proceder a nenhum accordo com os interessados, e sem exorbitar dos poderes que lhe eram concedidos como praticou ou como se propunha praticar o governo transacto, segundo as disposições do já citado decreto de 10 de março de 1869.

Com a auctorisação concedida nos termos da substituição não póde governo despender um só real sem que tenha celebrado, com quem legitimamente represente as diversas categorias de interessados na companhia, um accordo que ponha termo a todas as reclamações.

Diz o digno par, que o accordo estava feito; eu que não duvidei nunca, nem duvidarei jamais, da palavra do digno par nas relações da vida particular, em relações da vida publica e official permitta-me s. exa. que eu lhe peça a exhibição dos documentos d’onde consta que o accordo estava feito. Uma proposta assignada por um particular e na qualidade de particular, sem poderes ou procuração de ninguem, parece-me que não é accordo e que nem proposta é dos interessados do caminho de ferro.

É a este documento, creio eu, que o digno par alludiu quando affirmou a existencia do accordo; se pois não ha outro, permitta-me s. exa. que eu continue a negar a existencia do accordo. Que na substituição da commissão de fazenda tambem não ha accordo convenho eu com o digno par, mas tambem o meu nobre amigo deve convir commigo que se não ha accordo ha a condição do accordo, condição que faltava no projecto. A fórma, as solemnidades juridicas com que deve ser revestido aquelle acto, o que tanto parece incommodar o digno par, é questão estranha á competencia da camara, pois que o governo, aceitando a condição de proceder a um accordo, aceita a responsabilidade pela validade d’esse acto juridico, e não lhe faltam meios de acertar, porque tem a seu lado os fiscaes da corôa que creio serão bastantes para dirigir com segurança os passos do governo, na parte que depende de conhecimentos de direito.

Sr. presidente, a differença que ha entre o projecto e a substituição é a differença que ha entre o absoluto e o condicional; paguemos, dizia-se no projecto; não paguemos, diz-se na substituição, sem que primeiro se ponha termo
por um accordo a todas as reclamações da companhia. (O sr. Fernandes Thomás: —Peço a palavra.)

Parece-me que o defeito da fórma, o defeito da exposição, é que tem obstado a que eu transmitta ao digno par em toda a sua integridade o pensamento da substituição; se eu podesse communicar a s. exa. a impressão da verdade como ella se me espalha na rasão, estou certo que esta polemica terminaria pela mais perfeita conformidade.

Proseguindo na exposição do que o digno par chamou as suas duvidas, entrou s. exa. na apreciação comparativa, dos dois alvitres, suscitados no artigo 1.° da substituição, pronunciando a sua opção pelo primeiro e fundamentando a exclusão pelo segundo. Eu entendo, sr. presidente, que ambos se devem deixar á eleição do governo, que na presença das circumstancias e das condições que se offerecerem para realisar a hypothese do arrendamento, movido pelo interesse do paiz, adoptará o primeiro ou o segundo. Isto porém não obsta a que eu manifeste a inclinação do meu espirito no parallelo dos dois indicados alvitres. Comquanto a hypothese do arrendamento, para ser perfeitamente apreciada, dependa do conhecimento das condições d’esse contrato, condições que muito de industria se não accentuaram na substituição para fornecer ao governo o ensejo de contratar com mais vantagem do que a que resultaria da proposta a que o digno par se referiu, eu não posso dissimular que em condições aceitaveis optaria pelo segundo alvitre.

Não me impressiona o argumento adduzido de que, adoptada a indicação do arrendamento, continuariam as relações entre o governo e a companhia, contrariando d’est’arte o pensamento do projecto e da substituição, porque a companhia não seria a mesma, seria outra, composta de novas entidades, e dominada certamente por novas influencias, tendo sempre o governo a faculdade de não entrar em relações com sociedade que se não recommendasse pela res- peitabilidade de seus directores; e não póde deixar de mover o meu espirito a favor do segundo alvitre a vantagem, de despender uma somma inferior á que pela primeira hypothese é o thesouro forçado a desembolsar, consideração muito attendivel sempre, e mórmente na situação financeira em que nos achâmos, a vantagem de obter a conclusão dos prolongamentos das linhas, phenomeno que deve engrossar sensivelmente o producto da exploração, sem nenhum sacrificio, sem nenhuma contribuição dos cofres publicos, e finalmente a vantagem de transferir para uma companhia a tarefa da exploração que, a meu ver, não é conveniente conservar na gerencia do governo (apoiados) por muitos motivos e considerações aqui muitas vezes allegados, e que portanto me abstenho de reproduzir agora. Como porém a escolha da primeira ou da segunda indicação depende, como disse, das condições que se podérem concertar com a futura companhia, repito que a mais acertada determinação é a que se contém na substituição de confiar á eleição do governo a opção pelo primeiro ou pelo segundo alvitre.

Por ultimo, continuando e coroando a exposição das duvidas, accusou o digno par, a quem tenho tido a honra de responder, a redacção dos §§ do artigo 1.° da substituição de obscura, a ponto de não comprehender o que a commissão intentára dispor.

Não me parece fundada a arguição.

O § 1.° do artigo 1.° da substituição diz assim:

«Qualquer das sommas arbitradas, addicionada á importancia do emprestimo realisado, não excederá o limite do valor fixado no artigo 1.° da citada carta de lei de 16 de julho de 1869.»

Parece-me que não é preciso muito agudo engenho, tendo lido attentamente o artigo 1:°, para comprehender que o § 1.° dispõe que, ou a somma nominal, 1.850:000 libras esterlinas em bonds de 3 por cento, seguindo-se o primeiro alvitre, ou a somma real de 2.376:653$751 réis seguindo-se o segundo, addicionada a importancia por que se contrahir o emprestimo, não poderá exceder o valor de réis

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18.000:000$000, que é o limite fixado no artigo l.º da lei de 16 de julho de 1869.

O § 2.° dispõe d’esta maneira:

« Na somma nominal de 1.850:000 libras se comprehenderá o deposito de 20:000 libras, com seus juros vencidos e não satisfeitos, que serviu de caução nos contratos celebrados entre o governo e a companhia do caminho de ferro de sueste.»

Tambem me parece que nenhuma ambiguidade affecta a redacção d’este §. Como na auctorisação que se pede augmenta, segundo o primeiro alvitre, o valor da indemnisação fixada no artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1869, é, a meu ver, acertada precaução declarar que n’esse excesso de valor vae comprehendida a restituição do deposito e seus juros, para que de futuro não possa a companhia repellir a restituição do mesmo deposito.

Creio, sr. presidente, haver dissipado as duvidas apresentadas pelo digno par. Na qualidade de relator, de novo usarei da palavra, se a producção de outros argumentos provocar a defeza do parecer da commissão.

O sr. Jayme Larcher: — Sr. presidente, eu pedi a palavra quando estava fallando o sr. Fernandes Thomás, para dar algumas explicações sobre as duvidas que o digno par apresentava, e para fundamentar o meu voto; mas como o sr. marquez de Sabugosa pedisse a palavra quando fallava o digno relator da commissão, e podendo-se inferir da occasião em que s. exa. manifestou a sua intenção de fallar, que elle quererá apresentar algumas reflexões em contrario do que expendeu o sr. visconde de Algés, talvez seja mais conveniente para a discussão usar o digno par da palavra em primeiro logar, e que ella me fique reservada para depois.

O sr. Presidente: — Se o digno par cede da palavra, eu vou concede-la em primeiro logar ao sr. D. Antonio José de Mello, que a pediu sobre a ordem.

O sr. D. Antonio José de Mello: — Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Lido na mesa, mandou-se imprimir.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Sr. presidente, poucas palavras direi para deixar bem expresso o meu voto; não tenho a pretensão de persuadir ninguem n’essas poucas palavras; desejo apenas que sirvam para que o meu voto seja bem entendido.

Sr. presidente, primeiro que tudo devo declarar que não posso de maneira alguma encarar esta proposta, de que se trata, debaixo do ponto de vista politico ou partidario. Abstráhio toda a idéa politica ou partidaria com relação a este objecto, que para mim é unicamente uma grave questão de administração publica, e com o qual a politica partidaria nada tem que fazer.

Sr. presidente, o sr. relator da commissão disse no seu breve mas eloquente discurso, que a palavra equidade devia ser substituida pela palavra probidade.

(Interrupção do sr. visconde de Algés, que não foi ouvida.}

Eu não concordo completamente com o digno par. Parece-me que podemos substituir tanto a palavra generosidade, que já aqui se empregou, como a palavra equidade, que se empregou no parecer da commissão, como a palavra probidade, que o illustre relator da commissão diz que se poderia empregar, por uma outra que é a palavra necessidade. É a necessidade que nos obriga a um accordo. E é debaixo d’este ponto de vista que eu encaro o projecto que está em discussão. É uma necessidade que façamos quanto antes findar as reclamações que tem havido da parte dos interessados no caminho de ferro de sueste, para o governo portuguez poder attender devidamente aos altos negocios do estado, e se ver desassombrado d’essas continuas ameaças de prasos fataes, de que ha dois annos temos sido victimas. É por isso que eu voto o projecto como vem da outra camara, ou, se quizerem, com as alterações que lhe foram feitas pela nossa commissão de fazenda, exceptuando o segundo alvitre que no artigo 1.° se propõe. Eu não encontro, sr. presidente, as mesmas duvidas na redacção da substituição, que encontrou o sr. Fernandes Thomás. Pelo contrario, parece-me que na redacção, que a commissão deu a essa substituição, se dá maior garantia, para conseguir o fim desejado, e está mais claro e preciso o que se deseja. Com o que eu porém não concordo, como disse, é com o segundo alvitre que a substituição apresentou. A necessidade leva nos a acabar quanto antes as nossas relações com os interessados na companhia do caminho de ferro de sueste. Temos a pagar proximamente 400:000$000 réis? Paguemo-los; saldemos as nossas contas, para não continuarmos a sermos incommodados; mas não vamos de novo envolver-nos em outro negocio, que dentro de algum tempo nos colloque em novos embaraços, e nos sujeite a novas reclamações.

Pois, sr. presidente, estes interessados na companhia não poderam satisfazer os seus encargos, mas tiveram força para durante dois annos nos incommodarem, e não nos deixarem realisar nenhuma combinação financeira, e nós havemos de ir auctorisar o governo para lhe entregar de novo a exploração do caminho, e será se dizer por quanto tempo, em praça e sem designar outra condição, que não seja a dos prolongamentos de Evora a Extremoz, de Beja a Casevel, e de Beja á margem direita do Guadiana? Mas quem nos garante que essas mesmas condições se cumpram? O principio que se estabelece, a applicação da palavra equidade no sentido que se lhe quer dar, desvirtua completamente os contratos, podem fazer-se todas as promessas, porque se se não cumprem appella-se para a tal equidade, que, se é principio bom hoje, ha de sê-lo ámanhã, para estes e para todos os contratadores com o estado que em seu proveito o alleguem.

Se portanto se não cumprir este novo accordo que se auctorisa agora, virá ainda a equidade, e ficâmos sempre na mesma. Ora, sr. presidente, eu não quero obstar pela minha parte a que quanto antes finalise este negocio; é uma necessidade que finalise, mas pelos mesmos considerandos do parecer, pelo que ali se diz, o que me parecia natural e logico era aceitar para o momento o primeiro alvitre, e auctorisar depois o governo a pôr em praça o arrendamento dos caminhos de ferro de sueste, debaixo de certas e determinadas condições.

O não se auctorisar n’este projecto o governo a contratar o arrendamento d’este caminho de ferro, não importa a negação de que esse arrendamento se venha a fazer no caso de se conhecer que é mais vantajoso do que a exploração por conta do governo; mas não é esta a occasião. N’este projecto, como um dos alvitres para o accordo que tem de ser promptamente lavrado, é que o não voto. Mais tarde, depois de se conhecer que não contem a exploração por conta do estado, não terei duvida em dar o meu voto para o governo ser auctorisado a contratar em praça a exploração d’esse caminho a quem melhores condições offerecer.

E se agora, optando-se pelo segundo alvitre do artigo 1.°, poupavamos 300:000$000 ou 400:000$000 réis, é bem natural que os tornemos a haver se o arrendamento se fizer depois desassombradamente em melhores condições.

Saldemos pois as nossas contas já de prompto com os interessados do caminho de ferro de sueste, e depois tratemos do que se deve fazer a respeito do mesmo caminho.

Concluindo, sr. presidente, porque não devo cansar a camara, parece-me ter dito bastante para se entender o meu voto; por ultimo, direi que voto pela indemnisação proposta no primeiro alvitre, como uma necessidade, e com as clausulas com que a commissão de fazenda d’esta camara entendeu modificar o projecto, vindo da outra camara; pelo segundo alvitre não voto.

Voto pelo primeiro alvitre, porque é urgente, muito necessario, e mesmo indispensavel para o momento. (O sr. Ministro das Obras Publicas: — Peço a palavra.)

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Não voto pelo segundo, porque, pelo menos, me parece extemporaneo.

São estas as reflexões que tinha a fazer.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lobo d'Avila): - Expoz os motivos que levaram o governo a aceitar as alterações propostas pela commissão de fazenda d'esta camara. É necessario acabar com todas as reclamações, e era isso que não havia a certeza de conseguir pelo projecto vindo da camara dos senhores deputados; para que se obtenha isso não póde prescindir-se de um accordo solemne, e é isso o que previne a substituição, auctorisando o governo a conceder os fundos votados mediante esse accordo, que vem a ser a condição sine qua non. E mostrou a necessidade do segundo alvitre, visto que, se não se der a auctorisação para o aceitar, poderá ser um obstaculo á realisação do accordo o mais breve possivel.

(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Larcher: - Sr. presidente, usando da palavra, é minha intenção apresentar os fundamentos do meu voto, e dar explicações ácerca de algumas das duvidas que foram suscitadas pelo digno par, o sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás.

Offerece duvida a s. exa. a apresentação de dois alvitres, e principalmente por não ver enunciado o teor do segundo, a que se allude; e disse o digno par que não sabia por quantos annos se arrendava o caminho. Direi a v. exa. e á camara, que isto consta de um telegramma enviado pelo sr. Julius Beer ao governo d'este paiz, em 24 de julho d'este anno. N'esse telegramma se declarava que o praso de arrendamento seria de cincoenta annos, e que a renda annual importaria em 4:800 libras, ou 21:600$000 réis. Tudo vem especificado no dito telegramma, o qual vem impresso no Diario da outra camara, de 3 d'este mez, e por consequencia todos podemos ter conhecimento do que diz com respeito a este assumpto.

Não repetirei o que disse o sr. ministro das obras publicas, relativamente á duvida apresentada pelo sr. marquez de Sabugosa, sobre o inconveniente que resultaria de contratar o governo com uma companhia que já faltou ás suas obrigações, e que por consequencia, e com toda a probabilidade, faltava áquillo que de novo contratasse, por isso que muito claramente fica esta duvida resolvida pelo artigo 1.° proposto pela commissão de fazenda, no qual se declara que o caminho se arrendará a uma nova companhia. Porém diz o digno par: porque se não ha de approvar o primeiro accordo, tal qual veiu da camara dos senhores deputados, com o fim de fazer cessar todas as relações entre o governo e esta companhia, para que depois de se ver o mesmo governo livre e desembaraçado, se ponha em hasta publica a exploração da rede de sueste, e se contrate com a companhia que melhores condições offereça?

Respondendo a s. exa., cumpre me notar em primeiro logar que do segundo alvitre proposto pelo sr. Julius Beer resultam vantagens reaes pecuniarias para o estado, como em seguida demonstrarei, vantagens que ficariam annulladas pela aceitação do primeiro accordo. Em seguida farei observar que se esta companhia é tão poderosa, como s. exa. confessa, se ella até agora tem podido obstar á realisação de qualquer das tentativas por nossa parte emprehendidas, para effectuarmos uma grande transacção financeira, que nos habilitaria a satisfazermos aos nossos encargos, sem que previamente se tenha attendido as suas exigencias ou pedidos, não poderá ella, depois de terminado o primeiro accordo, empregar a mesma poderosa influencia para afastar da praça os licitantes, e por este meio obter a exploração em condições absolutamente vantajosas para ella? Pois tudo isto se evita por meio do accordo que o segundo alvitre considera, e como a antiga companhia dá plena quitação contra o recebimento de 1.700:000 libras, poderá o governo contratar com a companhia, sob condições muito mais favoraveis.

Sr. presidente, é forçoso confessar que bem pouco tempo nos coube para estudar detidamente tão importante questão; porém, como eu segui attentamente a discussão que sobre ella teve logar na camara electiva, acho-me hoje habilitado a declarar com desassombro que muito acertadamente procedeu a illustrada commissão de fazenda d'esta camara, facilitando ao governo a escolha entre qualquer dos dois alvitres propostos pelo sr. Julius Beer.

Digo mal; não é só entre aquelles dois alvitres que o governo terá a escolha; a commissão generalisa mais, e graças a esta generalisação poderá elle attender, julgando conveniente, a um terceiro alvitre, a proposta apresentada pelo sr. Laing; a proposta de que aqui nos deu noticia o sr. conde de Samodães; a proposta, cuja apparição em vão tenho solicitado; finalmente, a proposta que o governo procura debalde encontrar, segundo o declarou o ex-ministro das obras publicas, o sr. Calheiros, na camara dos senhores deputados. E porque debalde? Quererá o sr. Calheiros dar-nos a crer que elle destruíra aquelle documento?

Sr. presidente, repugna-me entrar nas considerações de certa ordem, nem quero de fórma alguma trazer para aqui os boatos que por ahi se propalam, comtudo não desejo deixar correr despercebida a falta de apresentação d'este documento; e se porventura o actual governo fizer renascer a proposta a que tenho alludido, se do teor d'ella se deduzir que da sua aceitação resultava maior conveniencia para o estado, que dirá o paiz, que dirá a camara, de um ministro da corôa que não traz á discussão todas as propostas que se haviam apresentado tendentes a um mesmo accordo, e que, por motivos até agora desconhecidos, supprime, faz desapparecer aquella que poderia ter sido julgada mais vantajosa nas duas casas do parlamento!? Será esta conducta propria de um ministerio que se intitulava de moralidade e das economias!?

Não continuo, sr. presidente, e abstenho me de mais considerações sobre este assumpto; e deixando consignado o facto, esperando que o futuro trará a luz no meio das trevas em que tem andado envolvido este caso, e no de muitos outros que acompanham o cahos a que nos conduziu a precedente administração, passarei a fazer uma curta analyse dos dois alvitres de que a camara já até agora tem conhecimento.

Pela falta de tempo a que já alludi não me foi possivel fazer os calculos necessarios, e por isso me utilisarei d'aquelles que li impressos no Diario da camara dos senhores deputados, em sessão de 9 do presente mez.

Vejo que no primeiro caso, isto é, no do pagamento de 1.850:000 libras, vem o encargo annual de 257:326$146 réis, ao qual se deve juntar o encargo addicional proveniente do levantamento dos 500:000$000 réis necessarios para conclusão da rede, importando em 51:450$000 réis, o que tudo perfaz a totalidade de 308:776$146 réis.

D'esta somma devemos deduzir o producto liquido d'aquella exploração, que se suppõe ser actualmente de 51:000$000 réis, e teremos para esta primeira transacção um encargo annual de 207:766$146 réis.

Na segunda operação pagâmos annualmente 244:557$670 réis, correspondente ao juro e amortisação de 1.700:000 tibras, e abatendo d'ali a renda fixa, offerecida pela companhia, os 21:600$000 réis, será o encargo annual 222:957$670 réis.

A differença entre estas duas transacções dá a favor da segunda 34:818$476 réis, e d'este facto se póde concluir que esta é mais aceitavel pela maior vantagem que offerece ao estado.

Comtudo, segundo a minha opinião, não deve parar aqui o governo, e se porventura lhe for presente a terceira proposta que desappareceu, rogo aos srs. ministros que se dêem ao trabalho de a estudar minuciosamente, e de a comparar com as duas de que acabo de fallar.

E é o que me agrada na maneira por que em geral se exprime a commissão, quando diz (leu).

Não se trata portanto do segundo alvitre, falla-se em ge-

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ral de qualquer alvitre que se apresente para a conclusão d'este negocio.

Lamento que me faltem os documentos e dados estatisticos sobre que eu desejava basear a preferencia que dou á terceira proposta, mas, como v. exa. e a camara sabem, tenho pedido repetidas vezes estes documentos, e até agora não me foram enviados. Consta me que esta terceira proposta differe do segundo alvitre n'um ponto essencial: em vez de pagar a companhia uma renda fixa, durante os cincoenta annos, estipulava se que tomando a companhia de arrendamento o caminho de ferro durante cincoenta annos, e concluindo ella á sua custa os prolongamentos encetados, logo que a receita bruta kilometrica excedesse 1:500$000 réis, seria dividido este excesso em duas partes iguaes, das quaes uma pertencia ao governo e a outra á companhia. Peço a V. exa. que note que se trata aqui do rendimento bruto kilometrico, de mais facil fiscalisação do que o rendimento liquido.

Como já disse faltam me dados estatisticos sobre que me possa basear para tornar bem patente perante os meus illustres collegas o alcance d'esta proposta, e para obter que elles partilhem a minha opinião, e vejo-me reduzido a citar alguns factos destacados, que entretanto talvez bastem para que a camara se persuada de que a receita effectiva poderá receber dentro de pouco tempo um augmento consideravel.

Em fevereiro do anno passado principiaram a ser transportados pela via ferrea os primeiros minerios, que provinham de pequenas explorações marginaes. N'aquelle mez pagou a industria mineira 4 libras ao caminho de ferro. Em igual mez d'este anno subiu o custo do transporte dos productos d'essas mesmas explorações a 1:000$000 réis.

A companhia transtagana, que dirige a exploração da mina de Aljustrel, tem, segundo me consta, alguns milhares de toneladas em deposito, que estão esperando, para serem transportadas, pela conclusão do prolongamento de Casevel, e tambem por um pequeno ramal exclusivo da mina, o qual deverá achar-se concluido dentro do corrente anno.

Chegada essa epocha, conta a companhia exportar 25:000 a 30:000 toneladas em cada anno. E sabe v. exa. e a camara o que representam estas 20:000 a 30:000 toneladas de minerio? Em primeiro logar representam para o estado uma somma de 1:500$000 a 2:000$000 réis annuaes, importancia do imposto especial sobre a industria mineira, e para o caminho de ferro representa um rendimento de réis 50:000$000 a 60:000$000. Se dividirmos estes 50:000$000 a 60:000$000 réis por 202 kilometros que se contam entre o Barreiro e Casevel, encontraremos um augmento de 242$000 a 297$000 réis por kilometro, Se a divisão se fizer pelos 316 kilometros constituintes da totalidade da rede de sueste, será aquelle augmento de receita bruta de réis 158$000 a 189$000 por kilometro.

Vê se portanto, por estes dois factos isolados, como se poderá elevar com muita brevidade a receita bruta kilometrica, receita que supponho ser actualmente de mui cerca de 1:200$000 réis ao minimum indicado na terceira proposta.

Sr. presidente, eu não quero cansar a camara citando mais factos com respeito a este objecto, e por este motivo indicarei muito resumidamente a colonia do Pinhal Novo, colonia que não existiria se o caminho de ferro lhe não tornasse accessivel a acquisição de adubos e lhe não facilitasse a exportação dos productos agricolas.

Concluirei repetindo que, crendo no desenvolvimento agricola d'aquelles paizes abandonados e na creação de industrias novas em sitios por ora inaccessiveis, espero em breve ver elevada a receita bruta kilometrica d'aquella rede acima do minimo de 1:500$000 réis, e justificada pela pratica a preferencia que a theoria nos impõe como obrigatoria a favor de uma proposta baseada sobre um producto crescente d'aquella exploração.

Nada mais tenho a dizer.

(Entrou. o sr. ministro da marinha.)

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, poucas palavras mais acrescentarei áquellas que já tive a honra de proferir a respeito d'esta questão, não só porque a camara se acha um pouco fatigada, e eu não quero abusar da sua benevolencia, mas porque não gosto nunca de ser extenso nas considerações que costumo fazer.

Eu ainda tenho as mesmas duvidas a respeito d'esta questão.

Eu reparei que nos considerandos exarados no parecer que a commissão nos apresenta se approvava o principio da indemnisação por equidade: apesar do sr. relator nos dizer que esta indemnisação por equidade tinha referencia unicamente a este caso especial, não se póde entender assim, mas antes pelo contrario se vê que é principio geral, porque diz expressamente o seguinte (leu).

Póde referir-se a todas as companhias que estiverem nas mesmas circumstancias, e por consequencia póde qualquer outra empreza, presente ..ou futura, procurar fundamento n'este exemplo para pedir ao governo indemnisações pelo principio de equidade.

Eu o que disse foi que este principio não estava consignado no decreto de 10 de março, mas que o governo, depois de rescindir o contrato e mostrar que nada devia, reconhecendo que os capitaes da companhia estavam representados nas obras já construidas, e não querendo que a nação ficasse a dever cousa alguma a ninguem, deu a essa companhia a importancia das sommas que ella havia dispendido com a parte do caminho de ferro concluida. Sendo assim, isto não se póde chamar equidade, mas sim restituir o que outrem dispendeu, ou trocar valor por valor; dar dinheiro pelos beneficios que a companhia já tinha feito no paiz.

Agora por estas palavras do relatorio da commissão segue se que este principio de equidade, que é favoravel a esta companhia, tambem o póde ser a todas as outras. Foi essa a minha proposição, que me parece ter ficado ainda de pé.

Por outro lado disse eu que - o accordo do segundo projecto era o mesmo do do primeiro. O primeiro accordo não está assignado, é verdade, mas é o mesmo, como já disse, que está na substituição proposta pela commissão de fazenda d'esta camara, porque tambem esta não está assignado e combinado.

Se se diz que no accordo do primeiro projecto se não sabia quaes eram as pessoas que vinham combinar com o governo, nem os titulos de procuração que tinham, tambem no segundo succede o mesmo, porque as propostas feitas ao governo passado são as mesmas que foram presentes ao actual.

É certo que este accordo não está effectuada e completo; para isso é preciso que passe esta lei, ou outra identica, e aqui direi de passagem, que acho difficil que o accordo se faça; pois com quem se deve elle fazer? Com os representantes da companhia? Não, porque ella foi extincta, falliu, e por consequencia já não tem utilidade juridica. Com quem ha de ser então? Com os emprezarios? Póde ser. Com os portadores de obrigações? Quem são elles? É provavel que se achem espalhados por muitas partes, por Inglaterra, França, Hespanha, e Deus sabe por onde. Ha de fazer-se o accordo com toda esta gente? Não sei. É possivel que elle se faça com alguns accionistas mais importantes, excluindo todos os outros que têem titulos e direito ao credito de 1.850:000 libras, e que podem vir depois pedir indemnisações. Parece me pois, sr. presidente, que este accordo ha de ser bastante difficil de se pôr em execução.

Disse o illustre relator da commissão, que = era necessario auctorisar o governo para fazer um accordo da maneira mas legal de chamar os interessados, a fim de que para o futuro não podesse haver duvida alguma =.

Ora, sr. presidente, esta segurança e esta legalidade não era necessario que se impozesse ao governo, porque elle

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necessariamente a havia de pôr em pratica como qualquer que dá o seu dinheiro por uma vez, e que não deseja que lh'o venham depois pedir segunda.

Pois é crivel que um governo, seja qual for, entregue 1.000:000 libras sem cautela e sem todas as seguranças necessarias?

(Interrupção do sr. visconde de Algés, que não se ouviu.)

No primeiro projecto diz-se realisado na sua totalidade o emprestimo; ora, estas palavras na sua totalidade faltam na substituição, e sobre isto desejo ser esclarecido; na sua totalidade parece-me que quer dizer realisada toda a quantia do emprestimo, e do segundo projecto póde concluir-se que, logo que seja dada uma prestação, se póde realisar o accordo.

(Interrupção do sr. ministro dos negocios estrangeiros, que se não ouviu.}

Aqui tem v. exa. em breves palavras ratificado o que eu tive a honra de dizer da primeira vez.

O sr. Visconde de Algés: - Sr. presidente, duas palavras ainda, mas agora declaro que as vou dizer já sem esperança nenhuma de conseguir convencer o meu nobre amigo, o sr. Fernandes Thomás.

S. exa. insiste nas duvidas que eu julgava que tinha dissipado; vejo que me enganei, que o meu trabalho foi perdido, e que perdida será uma nova instanciar.

O que mais assusta o digno par é a phrase do relatorio em que se invoca o principio de equidade; eu já disse ao digno par que a camara não vota relatorios. Quando porém fosse necessario sustentar que a equidade é o fundamento em que assentam o decreto de 10 de março, o artigo 4.° da lei de 16 de julho e as disposições do projecto e substituição que n'este momento discutimos, facil me seria a tarefa, e tão facil que bastaria repetir as palavras de s. exa., que para demonstrar que não foi por equidade que se tomou a resolução contida no decreto de 10 de março desenhou tão acuradamente o fundamento do decreto de 10 de março, que, embora lhe recuse o nome, não lhe póde negar a virtude da equidade.

Não foi por equidade, disse o digno par, foi porque, apropriando-se o governo do caminho, entendeu que se não devia apropriar das obras feitas á custa dos capitaes da companhia sem lhe conceder uma indemnisação. E o que é isto, pergunto eu, senão equidade? Não é generosidade, como o digno par primeiro lhe chamou, e repito que defendo as intenções do governo transacto, que certamente não faria expansões de liberalidade á custa da fazenda publica. A generosidade significa uma concessão gratuita, e quem indemnisa não concede gratuitamente, quem dá um certo valor em compensação de um certo damno ninguem dirá que pratica um acto de mera generosidade.

Não é applicação de direito stricto, pois que segundo a letra do contrato a nenhuma indemnisação estaria o governo obrigado em tal hypothese. Que será pois, que nome terá esse fundamento que o digno par tão accentuadamente descreveu, mas a que me parece que trocou o nome?

Qual será a potencia moral que nos move a reparar um damno alheio de que auferimos beneficio, não tendo todavia obrigação firmada em direito stricto de o reparar? Chame-lhe o digno par o que quizer, eu chamo lhe equidade.

Insiste ainda o digno par que tanto ha accordo no projecto como na substituição; eu já disse a s. exa. e á camara, e agora repito, que nem o projecto nem a substituição contêem accordo algum, mas que a substituição, não contendo accordo, contém a condição do accordo, condição imposta ao governo, condição que o governo aceita, e condição que clausula o pagamento que se auctorisa. Nem o estado da minha saude, nem a paciencia da camara, permittem que eu repita agora o que ha pouco alleguei, e que bem claramente me parece manifestou a differença entre o projecto e a substituição.

Continue o digno par a incommodar-se com as difficuldades do accordo, com a tarefa de colher em uma rede todos os interessados na companhia com as solemnidades juridicas que devem garantir a validade e os effeitos do accordo.

Tambem já respondi que o governo, aceitando a clausula da auctorisação, aceita a responsabilidade pelo cumprimento d'essa clausula, que essa clausula não é cumprida não sendo o accordo celebrado com todas as solemnidades de direito, que isto é uma questão de processo alheia á competencia da camara, e que o governo tem á sua disposição todos os auxilios necessarios para celebrar com firmeza o acto juridico a que o digno par se refere.

Vote, pois, o digno par como prometteu votar, mude o nome se quizer ao fundamento do projecto, eu continuarei a chamar-lhe equidade.

E tenho dito.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Tendo notado que o digno par, o sr. Fernandes Thomás, considerára que havia uma população immensa de interessados n'este caminho de ferro, para objectar o accordo com as difficuldades de reunir e harmonisar tantas vontades, fez notar que este argumento infirmava não menos o que s. exa. tinha dito com relação ao accordo que dizia haver tambem no projecto primitivo, e que viriam igualmente contrariar o ministerio passado, que tinha proposto esse mesmo projecto.

O sr. Presidente: - Não havendo mais quem peça a palavra, vou pôr á votação o projecto, e segundo o que determina o nosso regimento, consultarei primeiro a camara sobre o projecto primitivo, e depois, no caso d'este ser rejeitado, porei então a votos a substituição.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, quando os projectos vem da outra camara são remettidos ás nossas commissões, as quaes dão o seu parecer approvando ou modificando esses projectos, e são esses pareceres a base para as nossas discussões; portanto o que nós devemos votar aqui são os pareceres que as nossas commissões dão sobre os projectos, e não os projectos primitivos que vem da outra camara.

O sr. Presidente: - Segundo o que determina o nosso regimento, devo pôr á votação o projecto e não o parecer da commissão.

O sr. Visconde de Algés: - Parece-me, sr. presidente, que, segundo o nosso regimento, o que se deve primeiro votar é o parecer da commissão que tem estado em discussão.

O sr. Marquez de Vallada: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se se deve votar ou não primeiro o parecer da commissão.

O sr. Presidente: - Vejo que ha um equivoco mui facil de destruir. Vou pôr á votação o parecer da commissão (apoiados).

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será ámanhã; a primeira parte da ordem do dia, a eleição de um membro para a junta do credito publico; a segunda parte, a discussão dos pareceres nos. 30 e 32 sobre os projectos nos. 23 e 14.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 18 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro, Duque de Loulé, Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, de Sousa Holstein, de Vallada, Condes, de Fonte Nova, de Fornos, de Linhares, da Ponte, da Praia da Victoria, de Rio Maior, do Sobral, Viscondes, de Algés, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Soares Franco, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Teixeira de Queiroz, Rebello de Carvalho, Montufar Barreiros, Pereira de Magalhães, Larcher, Moraes Pessanha, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Baldy, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Fernandes Thomás, Ferrer.

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Discurso proferido na sessão de 7 de agosto, e que devia ler-se a pag. 377

O sr. Ministro da Justiça (Mendonça Cortez): - Sr. presidente, ter de fallar pela primeira vez n'esta casa é para mim difficultoso, porque esta camara é não só um dos ramos do poder legislativo, e como tal augusta assembléa, mas ainda se torna recommendavel pelos serviços importantissimos que tem prestado ao paiz nas letras, nas armas e na administração, consubstanciando em si a verdadeira e illustre aristocracia d'este reino congenere com a sua monarchia e com a sua independencia.

Já v. exa. Vê quanto me devo achar embaraçado diante de assembléa tão egregia, mas em consequencia do cargo que hoje tenho a immerecida honra de occupar cedo á rigorosa necessidade de usar da palavra, não direi para repellir, mas tão sómente para responder ás observações que se nos fizeram aqui, e que, posto fossem muito urbanamente feitas, não foram comtudo desacompanhadas de alguma acrimonia.

Sr. presidente, seguirei as observações feitas pelos dignos pares que usaram da palavra, mas v. exa. e a camara hão de permittir-me que eu as siga pela ordem chronologica inversa d'aquella por que s. exas. as expozeram.

Primeiramente responderei ao digno par, o sr. Rebello da Silva, e depois aos outros dignos pares que dirigiram perguntas ao governo. E devo declarar á camara que, se começo por ali, é porque o sr. Rebello da Silva foi o que mais reparos fez sobre a vida do ministerio e ácerca das circumstancias, no meio das quaes o gabinete foi reconstruido.

O digno par, usando d'aquella cortezia que sempre deve haver em todas as assembléas da natureza d'esta, teve a bondade de nos dirigir os emboras e os pezames pela nossa vinda e subida ao poder; pezames e emboras, sr. presidente, que nós recebemos da mesma maneira porque aceitâmos tudo quanto se nos dirija com aquella urbanidade e cavalheirismo. Mas permitta-me o digno par que á sua cortezia retribua com outra igual, posto que não seja em phrase tão eloquente como é a de s. exa.

Uma das cousas que mais nos lisonjeia de termos subido a estas cadeiras é o direito que isso nos dá a vermos os nossos actos discutidos e analysados por cavalheiros tão respeitaveis como aquelles que compõem esta camara. Merecer-lhes a approvação é um premio que ambicionâmos, porque os homens novos se inclinam reverentes diante da senectude, que é monumento vivo das nossas glorias.

S. exa., fallando do systema que hoje nos rege, disse, pouco mais ou menos, que a monarchia e a republica eram duas fórmas de governo completamente diversas, que se excluiam; mas devo observar a s. exa. e á camara que serão duas fórmas diversas, differentes lhes chamo eu, mas a diversidade das fórmas póde bem casar se com a identidade dos elementos.

Sabe o digno par, que é não só profundo nas sciencias positivas, mas tambem nas sciencias naturaes e nas historicas, e eu conheço as suas producções; sabe s. exa., repito, que muitas vezes se podem ir procurar exemplos ás sciencias naturaes para comprovar os principios postos pelas moraes ou sociaes; é este o caso. A diversidade da formula casa-se e une-se inteiramente com a identidade dos elementos. É assim que o alcool, o hydrogenio bicarbonado diluido, e o ether diluido são compostos differentes com os mesmos elementos carbone, hydrogenio e oxigenio. Portanto permitta-me o digno par que lhe diga que deveras não sei como é que se poderá dizer, com bom rigor de principios de direito publico, que a formula republicana e a formula monarchica são completamente diversas, que nada tem de commum. Mas ainda que isto assim fosse, não sei para que dize-lo, quando se trata só de pedir explicações politicas ao governo.

O digno par sabe perfeitamente que os povos têem idades como os homens. Na idade da infancia, em que se levantam as pyramides do Egypto, os jardins de Semiramis, é a formula monarchica pura que domina; na idade viril em que se alargam os foruns e levantam os capitolios, predomina a formula republicana; na idade em fim da decrepitude, que escreve na historia os nomes de Romulo, Augustulo, e de Constantino Dragoces, e que se deleita com as circenses, predomina o absolutismo.

E não obstante, todas estas formulas diversas da civilisação estão encadeadas umas nas outras, porque são élos da mesma cadeia que mede a idade dos povos.

Assim, sr. presidente, póde a formula republicana ser differente, e estar ligada com a formula monarchica. Porém o que é certo é que os ministros da corôa, que se sentam n'estas cadeiras como todos os que se têem sentado e se hão de sentar, quero querer são o que devem ser segundo a carta constitucional; são homens que respeitam a monarchia representativa como principio constitucional que juraram, promptos a derramarem a ultima gota do seu sangue, e a perderem o ultimo ceitil da sua fazenda em defeza da fórma de governo que a nação aceitou. Isto é dito com verdade, sem ambages, e creio que deve satisfazer o digno par, se s. exa. tinha algumas duvidas quando trouxe para a discussão as differentes formulas da governação publica.

S. exa. dando largas á sua fertil imaginação, que já tanto tem produzido para honra da nossa litteratura, referiu-se á solidariedade do ministerio, lembrou a fabula da antiguidade pagã de Saturno devorando os proprios filhos; mas peço perdão ao digno par para lhe dizer que ainda na fabula de Saturno ha alguma cousa que nos póde aproveitar; lembro-lhe a partida de Saturno para a Italia, onde foi recebido por Jana, que é a indicação de janeiro, e que d'ahi começou a idade de oiro para a Italia. Permitta-me pois o digno par que aproveite da sua figura mythologica o conceito favoravel de que este governo ha de empregar todas as suas forças para se realisar a idade de oiro de Saturno. Não fui eu que lembrei a imagem, foi s. exa. Os elogios são tão raros, que é necessario aproveita-los, quando tão espontaneos, despretenciosos e descuidados!

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

S. exa. disse-nos que o governo estava inerte e cruzava os braços diante da manifestação, aliás brilhante, de um auspicioso tribuno do reino vizinho, que é admirado justamente na Europa pelo seu elevado talento, pela sua palavra inspirada, mas que proclama doutrinas que da nossa parte cumpre em certos pontos não deixar de repellir. O digno par póde estar certo de que cada um de nós o que tem em vista é o cumprimento dos seus deveres, tanto individual, como collectivos, tanto como cidadãos, como ministro da corôa.

Não estamos porem, não o esqueça o digno par, no tempo da discussão livre e franca, felizmente não é esta a epocha de empregar meios violentos, esses tempos vão longe! O digno par sabe perfeitamente que em tempos passados, o verdadeiro e leal amor de portuguezes aconselhava aos monarchas que não deviam entreter se em divertimentos venatorios, e censuravam os quasi com ameaça quando o conselho era esquecido. Os bons portuguezes, os homens liberaes, hoje o que fazem é conservarem-se mantenedores firmes das garantias da carta constitucional, entendendo que a melhor maneira de servir bem ao rei e á patria é cumprir rigorosamente os preceitos da lei fundamental do estado.

Aqui tem v. exa. como se poderá ajuizar do nosso amor pela patria. Parte dos membros do gabinete já o tem demonstrado, ensopando o solo da patria com o seu sangue ou afincando n'elle o rasto dos grilhões com que o despotismo os algemára. Os outros hão de demonstra-lo pela mesma fórma se for necessario, que não têem coração nem brios para menos. Hão de pugnar sempre pelas boas doutrinas liberaes, pelas garantias á liberdade, que formam o codigo mais sagrado das liberdades publicas. Mas o digno par lamentava hontem que não estivesse presente o meu

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nobre collega da marinha, hoje que s. exa. se acha presente, ninguem mais competente por todos os motivos e pela eloquencia da palavra, pela valentia da argumentação, pelos brios do caracter, para satisfazer aos dignos pares; deixo pois ao meu collega o desempenhar-se d'essa nobre tarefa que elle aceita de bom grado e onde não póde ser substituido por mim.

Tratando de observações geraes, disse o sr. Rebello da Silva, que = o paiz ainda estava na adolescencia para que podesse admittir uma organisação democratica republicana =. Ora eu peço a v. exa. e á camara que notem a circumstancia de que similhante proposição não partiu do banco dos ministros. Mas não notou o nobre par a illação que se tira d'essa asserção de s. exa. É evidente e obvia! Se o paiz está ainda para se governar pela fórma democratica e republicana; se s. exa. assim o entende, é porque admitte que quando o paiz chegar á virilidade poderá receber e seguir essa indicada fórma de governo. Se a consequencia a tirar d'aquellas palavras não é esta, então declaro que ellas não podem facilmente ser interpretadas.

Portanto parece-me que o digno par que accusa um dos jornaes mais importantes d'este paiz de favorecer essa idéa, é s. exa. o proprio que aqui a vem defender.

S. exa. disse que o governo parecia adoptar as doutrinas republicanas.

O sr. Rebello da Silva: - Não, senhor.

O Orador: - Bem; s. exa. entende então que o governo não adopta as idéas republicanas, nem se deveria suppor outra cousa de homens de probidade, que aceitando o cargo de ministros da corôa, têem mais do que ninguem obrigação rigorosa de fazer observar a lei fundamental do estado, aonde está consignada a fórma monarchica. Bem me queria a mim parecer que s. exa. não podia ter dito isso, mas então em que consistem os receios, as hesitações do nobre par?

S. exa. apontou para a historia do paiz, e especialmente para as nossas glorias passadas; mas, sr. presidente, glorias tivemos nós nas sciencias, nos commettimentos, na magistratura e na diplomacia; temos nomes que não cedem um passo a nenhum dos nomes mais illustres e mais conspicuos da Europa. Porém as glorias adquiridas nos campos de batalha, comquanto eu as respeite muito, parecem-me de todas as mais faceis de alcançar. É muito natural no campo de batalha o homem tomado pela febre do combate, pelas exhortações dos seus, pelas mil excitações de sentidos que o cercam, enthusiasmar-se a ponto de se tornar um heroe, arrostando os maiores perigos, e nem sequer sentir as feridas que lhe retalham o corpo; mas tenho por muito mais difficil acommetter outras emprezas mais diuturnas, obscuras e inglorias; sujeitar-se e resistir a todas as accusações e dissabores que lhe sobrevem quando se propõe devotar-se á prosperidade do seu paiz. Isso sim, isso parece-me muito mais difficil.

S. exa. apontou para a Belgica; aceito a citação; convem-me. Ora quando a Belgica de 1830 a 1838 teve grandes difficuldades a vencer, e as venceu, o seu monarcha não alcançou aquelle primeiro logar entre os soberanos modernos, nos campos de batalha foi pela sua prudencia e sábia applicação dos principios liberaes que tinha aprendido em 1830.

Esse exemplo aproveita para um paiz como o nosso. Mas, sr. presidente, a proposito de uma reconstrucção de gabinete ir chamar as glorias bellicas, ir chamar as questões internacionaes em que ninguem tocou, permitta me o digno par que lhe observe que o meu espirito não alcança qual seja a intima ligação que possam ter com aquelle facto as considerações, aliás optimamente apresentadas por s. exa. e a que eu acho só o incontestavel defeito de serem pouco apropriadas.

Apresentou ainda o digno par algumas outras observações com respeito ás nossas relações internacionaes com o reino vizinho. V. exa. e a camara devem perfeitamente conhecer que a posição official que occupo me impõe o dever de abster-me de entrar em largas explicações sobre este assumpto, e por isso limitar-me-hei a dizer que os homens que estão no governo não têem menos desejos que o digno par de que a nossa independencia e autonomia sejam mantidas, e que hão de empregar todos os esforços para esse fim, não só internamente velando pela conservação da ordem e por tudo que possa concorrer para a manutenção da tranquillidade publica como externamente, empregando os meios diplomaticos e todos aquelles que a civilisação moderna põe ao nosso alcance para que sejamos para todos o que somos e o que queremos inabalavelmente ser: estado livre, independente, autonomico e soberano.

Disse o digno par que as questões financeiras podem trazer graves revoluções aos povos. Concordo plenamente com s. exa. As questões financeiras podem ser origem de perigosas perturbações, e uma nação não póde conservar a sua independencia quando não tem os elementos necessarios para viver e para se governar segundo as exigencias do progresso e da moderna civilisação. É como o homem que se não póde conservar livre quando não tem em si proprio os elementos para se dirigir na vida. É por isso que este ministerio tem por uma necessidade incontestavel e urgentissima proceder desde já e quanto antes á organisação da nossa fazenda, é por isso que eu ha pouco disse, e agora repito, que me parecem mal cabidas as considerações, aliás eloquentemente feitas pelo digno par; nós agora não temos nada que ver com as questões internacionaes, mas muito com a questão financeira: e todo o tempo que lhe tirâmos é um grave erro.

Acredite v. exa., acredite a camara, acredite o digno par, que se o estado das nossas relações com o reino vizinho obrigasse os filhos d'esta terra a defender violentamente a sua autonomia, os ministros da corôa, que se sentam n'estes logares, seriam de todos talvez os mais obcuros, mas os mais firmes soldados que o paiz encontraria para defender os seus fóros de nação livre e independente. (O sr. Vaz Preto: - Ora, isso são todos.)

Acredite o digno par que eu não digo cousa alguma de que não esteja convencido, como homem que se présa.

O digno par a quem tenho estado a responder, dirigindo-se especialmente ao ministro da justiça, perguntou em que campo, ou campos, eu considero a lei de desamortisação. Com a lealdade de que sempre uso em todos os actos da minha vida, lealdade de que me não tenho arrependido e de que provavelmente nunca me arrependerei, devo responder a s. exa. que o pensamento do governo é aperfeiçoar o pensamento de D. Affonso IV, D. Fernando I, a respeito da desamortisação, e completar a idéa liberal e economica, que presidiu ás leis que a respeito d'esta têem sido promulgadas. Decretos, 30 de julho, 13 de agosto de 1832, 19 de setembro de 1836; leis, 5 de março de 1838, 20 de julho de 1839, 8 de novembro de 1841, 11 de setembro de 1861, etc.

Isto é o mesmo que dizer, que o governo está decedido a considerar a desamortisação ou antes que o ministro da justiça está resolvido a considerar a desamortisação como um dos elementos mais importantes e de maior alcance para a reorganisação economica e financeira do novo systema governativo. Expressando me assim, sr. presidente, creio que fallo com a maior clareza, mas se no entanto ainda restar alguma duvida no espirito do nobre par, eu não hesitarei em tomar a palavra e novamente responder a s. exa. Por agora porém limito-me a dizer que considero a lei de desamortisação como um dos elementos mais importantes do nosso systema governativo, isto é, como um elemento liberal, financeiro, e economico.

Perguntou o digno par que economias tencionava eu fazer no meu ministerio? Posso desde já dizer a s. exa. quaes as economias que tenho assentado em fazer, quaes as economias que quasi estão realisadas.

Na commissão de fazenda a que pertenci coube-me a

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honra de ser relator do orçamento do ministerio da justiça e como tal fiz certas e determinadas economias que constam do parecer da mesma commissão. Esse parecer ha de ser apresentado na camara dos srs. deputados, e ha de vir depois a esta e então verá o digno par quaes são as idéas que eu tenho com relação ás economias que se podem fazer desde já n'aquelle ministerio, pois que é inutil declarar que as minhas idéas como membro da commissão de fazenda se me conservam inalteraveis como ministro. Mas, para socegar o espirito do nobre par sempre direi quaes ellas são. Nos orçamentos rectificados de 1869 a 1870 montam as reduções na despeza a 8:072$292 réis; as economias que proponho no parecer e que estou resolvido a manter como ministro são superiores a 36:066$360 réis na despeza ordinaria que com 50:000$000 réis na despeza extraordinaria e com as reducções que notei de meu predecessor, perfazem a verba de 94:138$652 réis. E não desorganiso serviço algum, e tenciono como digo no indicado parecer, fazer reformas na organisação judiciaria e na ecclesiastica, para o que já dei as necessarias ordens. Aqui tem o nobre par o que se me offerece a responder pelo menos na conformidade dos apontamentos que tomei ás observações de s. exa.

Agora procurarei responder ao digno par o sr. Vaz Preto. S. exa. dirigindo-se ao nobre presidente do conselho, estranhava que s. exa. não tivesse apresentado em nome dos seus collegas qual era o novo systema que nós vinhamos inaugurar.

Mas, sr. presidente, a resposta é simples porque é clara. Eu e o meu collega da fazenda não fazemos mais do que apontar para a posição em que estavamos quando viemos para estas cadeiras; eramos membros, obscurissimos sim mas firmes, da maioria da outra camara. O programma do governo antes de ultimamente reconstruido era o da maioria, que era tambem o do paiz; ora tendo nós saído da maioria para entrar no gabinete deviamos necessariamente conservar inalteravel o mesmo programma que se define claramente: reducção na despeza, moralidade na administração e augmento rasoavel no imposto. Eis-aqui tem o digno par e a camara quaes são os topicos ou os capitulos importantes do programma dos novos ministros, programma que já estava feito e que nós viemos encontrar.

E, sr. presidente, devo dizer isto com tanto mais desafogo, quanto tinha esta occasião, que tanto estimo, de dizer perante esta respeitabilissima assembléa, que esta convicção em que estou não é baseada apenas em bons desejos, mas no exame dos factos. Estes principios têem-se conservado illesos desde que este ministerio assumiu a governação das cousas publicas; emquanto aos novos ministros elles hão de sabe-los tambem respeitar emquanto as circumstancias politicas lhes permittirem que tomem parte na governação publica; nem hão de descurar os negocios financeiros economicos, nem as reformas de que o paiz carece, procurando sempre igualar em justiça e moralidade os seus collegas, a quem de certo o paiz faz a devida justiça.

O digno par quiz mostrar que os principios da solidariedade ministerial tinham sido offendidos na reconstrucção do gabinete; mas, sr. presidente eu appello para os largos conhecimentos historicos de s. exa., que deve saber quantas reconstrucções tem havido no paiz desde 1834 até hoje, e apenas lembrarei a situação de 1842, presidida pelo sr. duque da Terceira; as de 1847 e de 1851, presididas pelo sr. duque de Saldanha; as de 1856 a 1860, presididas pelo sr. duque de Loulé; e a de 1865 a 1867, presidida pelo sr. Joaquim Antonio de Aguiar; e ahi encontrará s. exa. muitos exemplos de reconstrucções em circumstancias perfeitamente iguaes a esta. Por consequencia s. exa. deve confessar que a solidariedade ministerial não foi offendida; o principio ficou puro como estava nas praxes constitucionaes.

Sr. presidente, quer-se appellar para os principios, e a camara ha de permittir-me que eu apresente aqui o modo como as reconstrucções são considerados por um dos publicistas mais eminentes, por Batbie, tom. 3.°, pag. 460:

«Sous le régime parlementaire... l'usage, constamment suivi, voulait que les ministres se retirassent dés quils avalent perdu la confiance de l'une des assemblées. La pensée de la chambre etait comprise à demi-mot, et le ministre n'attendait pas, pour abandonner son portefeuille, que l'assemblée lui infligeât le blâme par un vote formel; le refus d'un crédit suffisait pour poser la question de cabinet, et les votes, en apparence les plus insignifiants, tiraient de l'intention qui les inspirait une importance décisive pour la destinée du ministère.»

A paginas 467, diz:

«Sous le régime parlementaire, tous les membres du cabinet des ministres etaient solidairement responsables. Cette solidarité ne pouvait raisonnablement s'appliquer qu'aux mesures arrêtées en conseil des ministres. Jamais personne n'a compris la solidarité en ce sens que tout acte d'admnistration engagerait le cabinet entier, même les membres qui n'avaient pas pu connaître l'acte incriminé. On voyait parfois la chambre manifester ses défiances à un ministre; ce vote entraînait des remaniements et, après le changement de quelques ministres, la majorité donnait son appui au cabinet modifié.»

E note a camara que se refere ao regimen constitucional em França desde 1814 a 1848, e ninguem dirá que aquelle regimen não era a expressão verdadeira dos principios constitucionaes. Assim, segundo a pratica attestada por Batbie em França, esta recomposição em nada offendeu os principios constitucionaes.

Mas esta pratica não vigorava só em França, tambem em Inglaterra; e os dignos pares sabem que n'este paiz se encontra o typo do systema constitucional. Pois em Inglaterra muitos exemplos demonstram que a solidariedade ministerial não se quebra com reconstrucções.

O digno par disse ainda que = a saída de dois ministros provava que houve desaccordo no ministerio, e até me parece que indicou qual o motivo d'esse desaccordo =. Ora, se houve desaccordo, está claro que não podia haver solidariedade, porque s. exa. deve saber que esta, ou tomada em geral, ou em relação a uma certa e determinada medida, não tem logar senão quando os ministros, accordando entre si em conselho, assentam n'uma dada medida. Se um ministro então entender que as idéas manifestadas pelos seus collegas não podem conciliar-se com as suas, é evidente que ou ha de aceitar a responsabilidade do que não quer, porque aceita a solidariedade, ou não aceita esta, sáe do ministerio, e pede portanto a sua demissão.

Ora, se elle sáe, precisamente porque respeita a solidariedade ministerial, não sei onde está, n'esta hypothese, a offensa ao principio da solidariedade! Não a vejo em parte alguma. Se o nobre ministro da fazenda que saíu, o sr. conde de Samodães, e o sr. ministro da justiça, apesar de divergirem, na hypothese do sr. Vaz Preto, das idéas dos seus collegas, quizessem todavia continuar a conservar-se nos conselhos da corôa, sem aceitarem as idéas dos seus collegas, então é que isso importava um ataque moral á solidariedade do governo.

Mas aconteceu porventura isto? Não. Os nobres ministros saíram por motivos particulares; a solidariedade nada ahi tem que ver. Mas quer o digno par que saíssem por motivos politicos? Ainda assim s. exa. não prova nada, pois que implicitamente confessa que os nobres ministros deixaram o poder precisamente para que houvesse solidariedade na administração. Por consequencia, o principio solidario em vez de ser attacado, foi respeitado. Negue-o o nobre par, se póde!

Disse tambem o digno par que = os novos ministros estão perfeitamente em harmonia com os quatro que já existiam =. Então o que prova isso? Prova exactamente o contrario d'aquillo que o digno par quer concluir. Prova que o nucleo do ministerio, os quatro srs. ministros que fica-

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ram, procederam regular e constitucionalmente na sua reconstrucção, indo procurar á maioria do parlamento homens, cujas idéas estavam perfeitamente de accordo com as que ss. exas. professavam. E eu desejaria muito que o digno par nos dissesse, para esclarecimento da camara, do publico e da sciencia, se um ministerio qualquer póde reconstruir-se constitucionalmente sem ir buscar á maioria parlamentar os elementos necessarios para a sua reconstrucção.

O sr. Vaz Preto: - E á opposição tambem.

O Orador: - Á opposição! Para se reconstruir um ministerio póde-se lançar mão de homens pertencentes á opposição! Mas se isso se fizer; se esses homens, convidados para tomarem parte nos conselhos da corôa, aceitarem um tal encargo conjunctamente com os seus adversarios politicos, de duas uma - ou não se deve acreditar que elles tivessem principios firmes e estaveis, e que fossem dignos do nome de opposição constitucional, mas só de opposição interesseira, egoista, fementida; ou os homens com quem elles se iam associar é que confessavam não ter principios assentados, firmes, não ter pudor politico, serem indignos de formar governo. Nem o governo e as suas maiorias, nem as opposições podem, sr. presidente, prescindir das convicções profundas, da honestidade de convicções politicas. Não sendo assim, os principios constitucionaes serão ludibriados, e o systema constitucional será uma mentira: a opposição é o requerimento para a apostasia, o governo e as suas maiorias serão o receptaculo de todas as moralidades politicas. Seria para isto que derramaram o seu sangue nosses paes, e alguns dos venerandos anciãos que d'aqui estou vendo! Não merecia a pena, sr. presidente, que, para transformar em systema politico a podridão moral, se tivesse derramado tanto sangue, soffrido tantas angustias!

Não posso pois aceitar as consequencias que resaltam das doutrinas apresentadas pelo digno par, porque nos levaria á justissima condemnação do systema representativo. E o systema representativo parece-me que é cousa grave e seria, para sermos summamente cautelosos no que ácerca d'elle avançarmos.

Disse mais o digno par que = os principios nos vedam que estejamos aqui =. Que principios são esses? Diga-o o digno par. Nenhum ha que de tal nos impedisse, senão o da nossa insufficiencia para tão alto cargo. Esse sim! Mas esse era egoista, e nós não queremos ser egoistas.

Se alguma cousa actuou no nosso animo para aceitarmos a difficil missão de fazermos parte do actual governo, esse alguma cousa foram os principios constitucionaes; foram os desejos que tinhamos de empregar todos os nossos esforços em servir o paiz, e diligenciar contribuir na medida das nossas forças para o tirar do estado em que se acha. E foi tambem, porque o não diremos, principalmente, o rigoroso e nobre dever que tinhamos de nos dedicarmos á situação que defendemos.

Sabe o digno par que nenhum partido se póde conservar, sem que qualquer dos seus membros se dedique na sua pessoa e na sua vida publica ás necessidades do seu partido e da sua situação...

O sr. Vaz Preto: - Ao lado do sr. conde d'Avila é que eu esperava ver v. exa. sentado n'uma reconstrucção ministerial. Ali sim, não com este ministerio.

O Orador - Apesar dos ápartes não serem conformes, ouvi dizer, com os usos d'esta casa, e com o seu regimento, agradeço comtudo ao digno par o seu áparte, porque me deu occasião para explicar agora á camara a rasão por que eu não podia estar sentado ao lado do sr. conde d'Avila, que eu estimo e respeito n'estas cadeiras. A rasão é muito simples. Eu não podia estar ao lado do sr. conde d'Avila na administração passada, primeiro, porque s. exa. não me consideraria digno de tanta honra; segundo, porque a nossa situação politica em que nos achavamos era diversa quando s. exa. occupava os conselhos da corôa; s. exa. era governo e eu opposição, porque queria e instava com s. exa. para que fizesse reformas e economias, que s. exa. entendeu não dever fazer; portanto, era impossivel o que o digno par acabou de indicar. Isto emquanto ao anno passado; agora era tambem impossivel, pois que o nobre conde militava nas fileiras da opposição, e eu fazia parte da maioria da outra casa do parlamento.

O digno par tambem nos perguntou quaes eram as nossas idéas a respeito da autonomia e independencia d'este paiz. Eu repito, sr. presidente, o mesmo que acabei de dizer ha pouco. As nossas idéas sobre esse assumpto estão ha muito tempo fixadas, isto é, desde que nos começámos a conhecer como homens nascidos n'este paiz, desde que começou para nós o tempo do estudo das meditações, e que sentimos que tinhamos um coração de verdadeiros e leaes portuguezes, e desde que jurámos diante do altar impolluto da nossa consciencia, que todo o sangue que nos corre nas veias até á ultima gota haviamos de derramar pela causa publica, quando a patria o reclamar. Já s. exa. vê quaes são as nossas idéas a respeito da autonomia e da independencia d'este paiz.

A pergunta era inutil se o nobre par reparasse que se dirigia a cidadãos portuguezes, que como todos, quero crer, como o nobre par, hão de deffender a nossa independencia e autonomia de Portugal, por todos os modos, pela palavra e com a penna, com os martyrios ou com as armas.

Aqui está, sr. presidente, como os membros do actual gabinete entendem, que devem obstar a qualquer tentativa contra a nossa independencia e nacionalidade.

Agora que a explicação foi dada permitta-me v. exa. e a camara que eu não deixe passar esta occasião, sem que extranhe ao digno par a sua pergunta. Pois s. exa. ousa perguntar aos ministros da corôa se elles defendem a autonomia do paiz? Pois aos homens, que estão aqui sentados n'estas cadeiras, faz se uma pergunta d'esta natureza!?... Formule então o digno par a sua accusação se tem motivos, mas não faça perguntas d'estas que parecem occultar uma odiosa insinuação. Seja franco!

O sr. Vaz Preto: - Não é com v. exa. é com o sr. ministro da marinha.

O Orador: - As idéas do meu collega são as mesmas que têem todos os cidadãos dedicados á sua patria, e que estão promptos para fazer todos os sacrificios que forem necessarios em sua defeza. O meu collega é cidadão tão digno, tão portuguez como os mais portuguezes d'este paiz, e se não fossem estas as suas idéas, como explicaria o digno par o eu estar aqui sentado ao seu lado?

Creio, sr. presidente, que respondi ainda mal, mas lealmente, a todas as considerações apresentadas pelo digno par.

Resta-me agora responder ás observações do digno par o sr. marquez de Sabugosa. S. exa. Pediu-nos explicações relativamente a um jornal, que se publica n'esta capital, e que tem grande e merecida importancia commercial e politica n'este paiz; e perguntou s. exa. ao governo como elle considerava as idéas que esse jornal tem propalado ha alguns tempos a esta parte.

As idéas do governo, sr. presidente, relativamente a este assumpto são bem claras e posso expo-las, apesar de não ter ainda fallado com os meus collegas a esse respeito, porque não é necessario; são cousas espontaneas que brotam da consciencia e da intelligencia de todos os homens que se sentam n'estas cadeiras, não é necessario haver combinações previas para as poder manifestar.

As nossas idéas são manter o artigo 145.° da carta, manter o principio da liberdade de imprensa e todas as liberdades do cidadão, manter as prorogativas da corôa e os direitos magestaticos da nação, defender e fazer respeitar a autonomia e independencia do paiz, manter illeso o principio da nossa nacionalidade e combater por todos os modos e maneiras, tudo quanto podér atacar essa autonomia e independencia até á ultima parcela do nosso territorio.

Agora, sr. presidente, em abono da justiça, porque sou desconhecido da maior parte dos cavalheiros que collaboram no jornal a que se tem alludido, e apenas tenho rela-

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434 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ções de amisade com o seu proprietario, devo lembrar ao digno par, o sr. marquez de Sabugosa, que, se n'aquelle jornal têem apparecido ultimamente artigos contendo doutrinas menos conformes com os principios monarchicos que nos regem, tambem se deve recordar s. exa. que lá têem sido publicados artigos manifestando o mais acrisolado amor da patria, e o maior respeito pelas instituições liberaes; se por um lado ali têem apparecido artigos da natureza d'aquelles a que se referiu o digno par, cujos perigos eu não vejo, por outro têem tambem apparecido artigos de que posso dar testemunho, porque os li em tempo, defendendo os altos poderes do estado e o seu chefe, quando outros se esqueciam do que deviam ao decoro constitucional. Isto é um facto que todos conhecem. E devo ainda declarar, como preito á verdade, que os cavalheiros que escrevem no jornal de que se trata bem devem merecer d'este paiz, porque lhe não deve ser indifferente que haja homens que, como elles, se prestam a estudar as mais altas e aridas questões sociaes, economicas e politicas, e trata-las ali com reconhecida superioridade, sem que d'isso tirem vantagem outra que não seja cumprir o dever de leaes portuguezes. Era assim que eu desejava que se manifestasse o ardente amor da patria, que parece requeimar muitos dos homens politicos d'este paiz.

Sobre este objecto julgo ter dito o sufficiente.

Emquanto ás reflexões do digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, parece-me que s. exa. disse, que queria saber qual o novo systema, que só na pratica se comprovaria.

Creio pois que o mais regular, segundo as mesmas idéas do digno par, será s. exa. aguardar os nossos actos para depois os apreciar devidamente. De outro modo parecerá que dá ao governo um voto de confiança, que não foi pedido.

O systema que o governo tenciona seguir é fazer quanto n'elle caiba para que sejam mantidos os principios liberaes, olhar para o principio da desamortisação como principio liberal, economico e financeiro, fazer as reformas todas que se poder nos serviços publicos, e administrar a justiça com a maior isenção e moralidade que esteja em nossas forças.

Emquanto á diminuição da despeza já tive occasião de responder a um outro digno par quaes são as minhas idéas com relação ao ministerio a meu cargo. E os meus collegas dirão as suas, que são identicas ás minhas, quando usarem da palavra.

Termino, sr. presidente, agradecendo á nobre camara a summa benevolencia com que se dignou escutar as minhas mal alinhadas phrases. Disse.

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