DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 647
que não é nada conveniente, e que necessariamente se tornará perigosa, se continuar no mesmo pé.
É certo que a actual administração não é a primeira que tem tratado de melhorar o nosso estado financeiro, procurando estabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza; mas é certo tambem que ninguem está innocente por não ter combatido projectos que tendiam ao afastamento dos perigos que d'esse estado da nossa fazenda póde resultar.
Um ministro da fazenda, que eu tenho já citado, disse exactamente, n'um relatorio bem conhecido, que o nosso mal financeiro não era só devido ao preço dos melhoramentos materiaes, mas tambem resultado das hesitações dos homens politicos.
Concorramos, pois, todos para que esta situação se não mantenha eternamente, e se hoje ella apresenta já serios inconvenientes, tornar-se-ha cada vez mais difficil de remediar, se não nos compenetrarmos bem da urgencia de não adiar a realisação dos meios precisos para conseguir o equilibrio nos nossos orçamentos.
É necessario fazer justiça a todos.
Houve uma epocha, que foi a que decorreu desde 1851, em que os homens publicos prestaram um grande serviço distrahindo as attenções da fermentação das paixões politicas para as applicar ao grande empenho de dotar o paiz de melhoramentos importantes.
Esses melhoramentos, tivessem custado muito ou pouco, custassem o que custassem, foram de grande beneficio publico, não fallando já nos seus resultados economicos que directa ou indirectamente haviam de trazer pelo desenvolvimento da prosperidade publica pelo que elles representavam em si propriamente, mas sobretudo pelas circumstancias em que se inauguraram, e pela influencia salutar que n'essas mesmas circumstancias produziram.
Então o paiz viu-se a braços com difficuldades politicas de grande monta, resultado das perturbações constantes da ordem publica; no meio d'essas difficuldades era impossivel caminhar em ordem a que a prosperidade publica se desenvolvesse, e os interesses mais caros da nação podessem encontrar um apoio seguro no jogo regular dos negocios publicos.
Por consequencia, a situação que emprehendeu remover essas difficuldades, trazendo a tranquillidade ao paiz, e desviando, das luctas civis para o desenvolvimento do progresso material a actividade do espirito dos politicos, fez um serviço enorme ao paiz.
Os melhoramentos materiaes foram, por conseguinte, embora saissem caros financeiramente fallando, uma necessidade politica em primeiro logar, e tambem uma necessidade economica; chegou, porém, a occasião de se não dever continuar no uso do mesmo expediente, e, por consequencia, de não se estar a decretar esses melhoramentos sem regra, nem cautela.
É indispensavel não ir alem do que comportam as nossas forças, e mais vale caminharmos n'essa senda de vagar, mas com passo seguro, do que lançarmo-nos n'uma carreira desordenada que nos leve a uma posição cheia de perigos.
Sr. presidente, dá-se uma circumstancia notavel que convem registrar a proposito do prurido que todos temos de melhoramentos publicos.
A nossa incontestavel prosperidade tem procedido da feitura de obras publicas, linhas ferreas e estradas, que, facilitando o transito de passageiros e mercadorias, tem activado a producção e com ella o commercio, e por conseguinte desenvolvido a riqueza publica; mas, apesar d'isso, ainda a nossa situação economica não está estabelecida de um modo tão seguro que não estejamos á mercê de um facto economico, que demonstra bem que essa situação não é tão feliz como muitos suppõem. Refiro-me á circumstancia de estarmos a cada passo a explicar as difficuldades em que nos encontramos pelo cambio do Brazil. É este um facto que faz reflectir.
Como é que Portugal, com o desenvolvimento que ultimamente tem tido incontestavelmente, e o socego que tem desfructado, está collocado financeiramente em uma situação tão desfavoravel?
E aqui cabe mostrarmos o nosso respeito e consideração por uma nação, á qual nos ligam até muitos interesses de familia; esta nação é o Brazil.
O Brazil ainda aqui ha uns dois annos tinha um deficit de perto de 80.000:000$000 réis.
E o que fez o Brazil para combater e aniquilar o deficit? Entendeu que fazel-o era de uma necessidade tão justificada que isso lhe serviria de desculpa de pôr em pratica medidas extremas, e lançou-se afoitamente no caminho das grandes economias.
E o deficit do Brazil tinha tambem grandes desculpas; porque aquella nação tinha levantado, para sustentar a guerra do Paraguay, mais de £ 50.000:000, e para combater a fome do Ceará mais de 60.000:000$000 réis fracos, no espaço de pouco mais de dois annos.
Agora o Brazil accusa o equilibrio entre a receita e a despeza, e prevê um excesso de receita que lhe permittirá, segundo diz o Imperador no ultimo discurso da corôa, lido por occasião da recente abertura das camaras, o desenvolvimento em grande escala das obras publicas e a reducção dos impostos.
Ora, sr. presidente, eu entendo que nós não conseguimos o mesmo resultado, porque não entramos desassombradamente no caminho das economias possiveis, e, ao contrario, tratámos de augmentar os encargos do thesouro, e adoptámos medidas com que queremos forçosamente que a nossa receita augmente consideravelmente. Entretanto, sr. presidente, quem suppozer que a nossa receita augmentará na proporção que seria necessaria, e que nós desejâmos, está enganado.
Pois nós não temos já o arroz pagando 30 por cento, o bacalhau pagando 40 por cento, e o assucar a pagar 60 por cento?!
Se nós voltarmos a nossa attenção para este ponto, havemos de ver que não podemos levar mais longe as disposições da nossa legislação tributaria em alguns pontos, e que, ao contrario, quando se reduziram as sizas de 10 a 5 por cento, logo nos primeiros annos produziu tanto o imposto de 5 por cento como produziam os 10 por cento.
O que é uma verdade desagradavel é que o nosso deficit apesar de ter sido muito injuriado n'estes ultimos annos, nem por isso tem cedido terreno. Entendo, pois, que para o extinguir, ou, pelo menos, o reduzir rasoavelmente, uma vez que não podemos modificar a nossa situação financeira, fazendo com que a receita possa alcançar a despeza, seria preferivel procurarmos conter as despezas nos limites da nossa receita.
Devemos reflectir que a despeza não está ainda, infelizmente, em estado de nos satisfazer completamente, e eu tambem sou d'aquelles que sinto não ter sido possivel, sem prejuizo dos serviços, effectuar mais algumas reducções.
Devemos observar, sr. presidente, que, em alguns ministerios, a nossa despeza não é de natureza tal, que outras nações, com recursos maiores do que os nossos, não reparem na sua importancia.
Não ha muito tempo que um hespanhol, escriptor distincto e ministro d'estado que foi, o sr. Ruy Gomes, que tenho citado aqui muitas vezes, se admirava da importancia da despeza do nosso ministerio das obras publicas, e dizia que relativamente era maior que a do seu paiz. A importancia da despeza do ministerio das obras publicas, n'aquella epocha, era de 3.000:000$000 réis; pois, senhores, no orçamento actual é o dobro d'aquella quantia! No orçamento hespanhol vota-se para o ministerio das obras publicas 76.000:000 pesetas ou francos ou 10 por cento de toda a despeza, e nós temos actualmente um orçamento das obras