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N.º 60

SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Discussão, na generalidade, dos pareceres n.°s 78 e 79 sobre os projectos de lei que approvam os orçamentos de receita e despeza para o anno economico de 1880-1881. - Discursos e considerações dos srs.: Conde de Valbom, Serpa Pimentel, Carlos Bento, Vaz Preto, Conde de Samodães, Barros e Sá, ministro da fazenda (Barros Gomes) e Visconde de Chancelleiros. - Requerimento do digno par Quaresma, pedindo informações ácerca das asserções dos pareceres n.ºs 139 e 149 da camara dos senhores deputados e que foram remettidos á camara dos pares.

Ás duas horas e um quarto da tarde sendo presentes 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 100 exemplares do relatorio e mais documentos apresentados pela commissão administrativa de inquerito á penitenciaria central do districto de Lisboa, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Outro do mesmo ministerio, fazendo igual remessa do relatorio sobre a inspecção á setima secção do caminho de ferro do Douro, pela commissão nomeada em portaria de 19 de agosto de 1879.

Mandaram-se distribuir.

Outro do ministerio da guerra remettendo a nota das portarias confidenciaes expedidas para pagamento de despezas superiormente fiscalisadas e approvadas desde julho de 1852 até ao presente; satisfazendo assim ao requerimento dos dignos pares os srs. Fontes Pereira de Mello e general Sousa Pinto, feito em 30 de abril ultimo.

Ficou a camara inteirada.

Estes documentos mandaram-se imprimir no Diario do governo.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda, e entrou durante a sessão o sr. presidente do conselho.)

O sr. Presidente: - Chamo a attenção do sr. Fontes. Acham-se na mesa os documentos pedidos pelo digno par, os quaes ficam á disposição de s. exa.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara, se tanto for preciso para que estes documentos sejam publicados no Diario do governo.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, na sessão de hontem, para ser agradavel a v. exa., limitei-me unicamente a discutir o artigo 36.° do projecto relativo á reforma da contabilidade.

N'essa occasião prometti eu ao sr. presidente do conselho que havia de tratar a questão, que v. exa. considerou como incidente.

O sr. presidente do conselho não appareceu, porém, ainda n'esta casa, e por isso peço a v. exa. que me reserve a palavra para quando s. exa. estiver presente.

Desejava ao mesmo tempo saber se já vieram os documentos que pedi pelos ministerios da guerra e das obras publicas?

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): -- Na mesa não ha documentos alguns.

O sr. Vaz Preto: - Noto outra vez á camara, que se está discutindo o orçamento, que pedi aquelles documentos ha mais de dois mezes, e ainda não foram enviados!

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos passar á ordem do dia, que é a continuação da discussão na generalidade dos pareceres n.ºs 78 e 79, sobre o orçamento da receita e despeza do estado.

Continua com a palavra o sr. conde de Valbom.

O sr. Conde de Valbom: - Diz que não se alargará em considerações ácerca da questão de fazenda, mas que vae simplesmente fazer algumas reflexões sobre as leis da receita e despeza que estão em discussão.

Acha inconveniente e inutil a disposição relativa aos creditos supplementares, consignada na lei da despeza;

Vê, do confronto da receita com a despeza, que ha um deficit de 7.000:000$000 réis, que se espera attenuar com o producto dos novos impostos; não crê, porém, que isto se leve a effeito, porque na despeza não estão comprehendidos os encargos resultantes, este anno, do caminho de ferro da Beira Alta, do prolongamento do caminho de ferro do Douro e do porto de Leixões.

Não se refere aos 9.000:000$000 réis para estradas, e aos 2.000:000$000 réis para escolas, visto que o governo já declarou que não exigia a sua approvação na actual sessão legislativa.

Do confronto do orçamento da despeza do anno economico presente com o do anno futuro, que actualmente se discute, se deprehende que no ministerio da fazenda ha um augmento do despeza de 828:000$000 réis, no ministerio da justiça de 28:000$000 réis, no das obras publicas de 218:000$000 réis, o que tudo perfaz 1.164:000$000 réis na despeza.

Todos estes augmentos de despesa tem explicação, mas o governo prometteu reduzir as despezas publicas

Folga que o governo e os seus adeptos já creiam que os melhoramentos publicos são indispensaveis ao desenvolvimento da prosperidade nacional; é necessario, porém, que os convertidos não vão alem do rasoavel, e não entrem a especular com os melhoramentos publicos para chegarem a alcançar fins politicos.

(O discurso do orador será publicado logo que s. exa. devolva as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Estão inscriptos ainda os dignos pares: o sr. Serpa e o sr. Carlos Bento, mas eu pedia á camara que me honrasse por um pouco com a sua attenção.

Quando hontem se acabou de votar o plano a que se refere o artigo 1.° do projecto de lei n.° 56, passou-se a discutir o orçamento, e não se votaram os artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.° d'aquelle projecto. Em vista d'isto eu propunha á camara que suspendesse agora a discussão do orçamento, para se votarem os restantes artigos do projecto n.° 56, o

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que é muito urgente, visto que esse projecto tem de voltar á outra camara.

Se os dignos pares concordam com esta proposta vão ler-se os artigos a que me referi, para entrarem em discussão e serem votados. (Apoiados.}

Consultada a camara, approvou a proposta do sr. presidente.

Foram em seguida approvados successivamente, sem discussão, os artigos 2°, 3.°, 4.° e 5.° do projecto de lei n.° 56.

O sr. Egypcio Quaresma: - Mando para a mesa um requerimento da commissão de administração publica.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro, por parte da commissão de administração publica, que, pelo ministerio do reino, se informe ácerca da exactidão das asserções que se fazem nos relatorios dos pareceres n.ºs 139 e 149 da camara dos senhores deputados, e que foram remettidos para esta camara, e que enviou para a mesa em sessão de 15 de maio de 1880. = Quaresma de Vasconcellos.

Mandou-se expedir.

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, não tenho intenção de tomar parte no debate, na altura em que elle póde ser discutido, e pedi a palavra unicamente para declarar que fiquei satisfeito com as declarações feitas pelo sr. ministro da fazenda, quando usou da palavra, na sessão passada, para explicar melhor o que primeiro tinha dito, e com as declarações, completamente explicitas, do digno par relator da commmissão, o sr. conde de Samodães; mas a camara comprehende de certo que eu não podia ficar satisfeito com as primeiras explicações do sr. ministro.

Tinha eu perguntado a s. exa. se se julgava auctorisado, em vista do artigo 5.° da lei de despeza, a abrir creditos supplementares. S. exa. respondeu que tinha feito declarações na commissão, e que depois da approvação do projecto, relativo á contabilidade, não podia ter inconveniente o artigo da lei. Á primeira parte da resposta, ponderei que as declarações feitas na commissão não têem a importancia das que são apresentadas perante a camara, porque estas são publicadas e servem para a interpretação das leis, e emquanto á segunda observei que me parecia que s. exa. entendia que se podiam abrir os creditos supplementares.

Da segunda vez que fallou, o sr. ministro foi mais explicito, e declarou muito terminantemente que o governo não póde abrir creditos supplementares, excepto se por uma lei se determinarem os capitulos ou artigos do orçamento, para os quaes se podem abrir; por consequencia, não me parece que valha a pena eliminar o art. 5.º da lei de despeza, porque se tal cousa se fizesse, a lei tinha de voltar á outra camara. (Apoiados.}

Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Carlos Bento: - Queria imitar o exemplo do sr. Serpa Pimentel, limitando as minhas reflexões, mas o vicio parlamentar faz com que eu abuse da paciencia da camara, apresentando algumas considerações a respeito do orçamento, que, aliás é assumpto merecedor da attenção de todos a quem não é indifferente a nossa organisação financeira.

Não se cuide que as reflexões feitas a respeito d'este importante assumpto tenham o inconveniente de nos desacreditar no estrangeiro; pelo contrario, é bem que todos saibam que estamos dispostos a sair do estado em que nos achâmos ha tanto tempo.

Ha mais alguma cousa. A reflexão de que o encardo da divida em Portugal é superior a metade da receita, é exacta, mas não é o facto desconhecido lá fóra.

Em uma publicação annual que apparece em Inglaterra, chamada Annuario dos estadistas, menciona-se que o encargo por habitante em Portugal da divida é quasi igual ao de cada inglez.

Em uma obra classica, sobre as dividas de todas as nações, diz-se que nós temos um deficit constante ha trinta annos, sem a desculpa de uma guerra. Eu estimo muito que não tenhamos essa desculpa. É uma guerra qualquer, para fazer acceitar o facto pouco lisonjeiro da existencia do deficit.

Mas, agora, creio que o bom senso dos homens publicos fará alguma cousa para que esta situação tão prolongada tenha um termo.

Todos entendem que é necessario que a receita acompanhe a marcha rapida da despeza.

Eu não quero dizer que por ser necessario crear receita, todos os expedientes sejam acceitaveis. Todos nós devemos combater qualquer creação de receita, quando virmos que ella não corresponde ao fim para que foi creada.

A nossa receita, segundo diz este documento, importa em perto de 29.000:000$000 réis, mas a verdade é que ella não sobe a tanto.

Ha immensas deducções a fazer no calculo da nossa receita.

Entre outros factos, nas provincias ultramarinas, essa compensação de receita traz comsigo a necessidade de desfazer mais uma illusão. O deficit não é só do áquem-mar, segundo o relatorio do sr. ministro da marinha. As nossas provincias ultramarinas não querem ficar atrás da metropole, e têem tambem um deficit de mais de 200:000$000 réis.

(Internação do sr. Vaz Preto que não se ouviu.}

Nós não podemos contar com uma receita de mais do 20.000:000$000 réis.

(Áparte.)

Não me parece, sr. presidente, que seja muito para nos extasiarmos ser a verba dos encargos da nossa divida superior a metade da nossa receita.

Diz-se que todas as nações se têem achado em difficuldades. Distingamos. A França e a Inglaterra constituem, por exemplo, uma excepção.

Em consequencia dos acontecimentos que na França tiveram logar em 1870 e 1871, este paiz gastou perto de 14 milhares de milhões de francos, e depois estabeleceu o equilibrio entre a receita e a despeza, com o que ha quatro annos tem excessos de receita, e póde já reduzir os seus impostos em mais de 100 milhões de francos.

Em Inglaterra os encargos da divida comprehendem uma tão forte amortisação que, em cinco annos, reduziram 20 milhões sterlinos no capital da divida.

N'aquelle paiz, de 1859 a 1879, a divida tinha já sido reduzida na importancia de porto de 80 milhões de libras sterlinas.

No mesmo espaço de tempo, a nossa divida publica augmentou n'uma somma quasi igual.

E não é só em nações de primeira ordem, em nações poderosas e em boas condições de prosperidade que se tem dado o facto da diminuição da sua divida publica. Vemos, por exemplo, a Hollanda que a póde reduzir consideravelmente n'um espaço de tempo relativamente curto. Os encargos da sua divida attingem hoje ali apenas um quarto da receita publica. Na Belgica esses encargos são um quinto da receita do estado; na Suecia anda por um setimo, e o mesmo na Dinamarca; e em todas estas nações não se tem deixado de fazer melhoramentos materiaes. A propria Dinamarca que, em 1864, esteve empenhada n'uma guerra, na qual teve a gloria de ver que, para a levarem de vencida, foi preciso juntarem-se os exercitos de duas grandes potencias, a Austria e a Prussia, dois annos depois, isto é, em 1866, a sua divida, que se elevava a 15 milhões de libras sterlinas, desceu, em poucos annos, a 10 milhões de libras. A Hollanda, depois do 1844, esteve trinta annos sem fazer emprestimos, e nem por isso deixou de proceder a melhoramentos materiaes.

Portanto, e em vista d'estes exemplos, não devemos deixar de considerar a nossa situação, que não é prospera,

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que não é nada conveniente, e que necessariamente se tornará perigosa, se continuar no mesmo pé.

É certo que a actual administração não é a primeira que tem tratado de melhorar o nosso estado financeiro, procurando estabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza; mas é certo tambem que ninguem está innocente por não ter combatido projectos que tendiam ao afastamento dos perigos que d'esse estado da nossa fazenda póde resultar.

Um ministro da fazenda, que eu tenho já citado, disse exactamente, n'um relatorio bem conhecido, que o nosso mal financeiro não era só devido ao preço dos melhoramentos materiaes, mas tambem resultado das hesitações dos homens politicos.

Concorramos, pois, todos para que esta situação se não mantenha eternamente, e se hoje ella apresenta já serios inconvenientes, tornar-se-ha cada vez mais difficil de remediar, se não nos compenetrarmos bem da urgencia de não adiar a realisação dos meios precisos para conseguir o equilibrio nos nossos orçamentos.

É necessario fazer justiça a todos.

Houve uma epocha, que foi a que decorreu desde 1851, em que os homens publicos prestaram um grande serviço distrahindo as attenções da fermentação das paixões politicas para as applicar ao grande empenho de dotar o paiz de melhoramentos importantes.

Esses melhoramentos, tivessem custado muito ou pouco, custassem o que custassem, foram de grande beneficio publico, não fallando já nos seus resultados economicos que directa ou indirectamente haviam de trazer pelo desenvolvimento da prosperidade publica pelo que elles representavam em si propriamente, mas sobretudo pelas circumstancias em que se inauguraram, e pela influencia salutar que n'essas mesmas circumstancias produziram.

Então o paiz viu-se a braços com difficuldades politicas de grande monta, resultado das perturbações constantes da ordem publica; no meio d'essas difficuldades era impossivel caminhar em ordem a que a prosperidade publica se desenvolvesse, e os interesses mais caros da nação podessem encontrar um apoio seguro no jogo regular dos negocios publicos.

Por consequencia, a situação que emprehendeu remover essas difficuldades, trazendo a tranquillidade ao paiz, e desviando, das luctas civis para o desenvolvimento do progresso material a actividade do espirito dos politicos, fez um serviço enorme ao paiz.

Os melhoramentos materiaes foram, por conseguinte, embora saissem caros financeiramente fallando, uma necessidade politica em primeiro logar, e tambem uma necessidade economica; chegou, porém, a occasião de se não dever continuar no uso do mesmo expediente, e, por consequencia, de não se estar a decretar esses melhoramentos sem regra, nem cautela.

É indispensavel não ir alem do que comportam as nossas forças, e mais vale caminharmos n'essa senda de vagar, mas com passo seguro, do que lançarmo-nos n'uma carreira desordenada que nos leve a uma posição cheia de perigos.

Sr. presidente, dá-se uma circumstancia notavel que convem registrar a proposito do prurido que todos temos de melhoramentos publicos.

A nossa incontestavel prosperidade tem procedido da feitura de obras publicas, linhas ferreas e estradas, que, facilitando o transito de passageiros e mercadorias, tem activado a producção e com ella o commercio, e por conseguinte desenvolvido a riqueza publica; mas, apesar d'isso, ainda a nossa situação economica não está estabelecida de um modo tão seguro que não estejamos á mercê de um facto economico, que demonstra bem que essa situação não é tão feliz como muitos suppõem. Refiro-me á circumstancia de estarmos a cada passo a explicar as difficuldades em que nos encontramos pelo cambio do Brazil. É este um facto que faz reflectir.

Como é que Portugal, com o desenvolvimento que ultimamente tem tido incontestavelmente, e o socego que tem desfructado, está collocado financeiramente em uma situação tão desfavoravel?

E aqui cabe mostrarmos o nosso respeito e consideração por uma nação, á qual nos ligam até muitos interesses de familia; esta nação é o Brazil.

O Brazil ainda aqui ha uns dois annos tinha um deficit de perto de 80.000:000$000 réis.

E o que fez o Brazil para combater e aniquilar o deficit? Entendeu que fazel-o era de uma necessidade tão justificada que isso lhe serviria de desculpa de pôr em pratica medidas extremas, e lançou-se afoitamente no caminho das grandes economias.

E o deficit do Brazil tinha tambem grandes desculpas; porque aquella nação tinha levantado, para sustentar a guerra do Paraguay, mais de £ 50.000:000, e para combater a fome do Ceará mais de 60.000:000$000 réis fracos, no espaço de pouco mais de dois annos.

Agora o Brazil accusa o equilibrio entre a receita e a despeza, e prevê um excesso de receita que lhe permittirá, segundo diz o Imperador no ultimo discurso da corôa, lido por occasião da recente abertura das camaras, o desenvolvimento em grande escala das obras publicas e a reducção dos impostos.

Ora, sr. presidente, eu entendo que nós não conseguimos o mesmo resultado, porque não entramos desassombradamente no caminho das economias possiveis, e, ao contrario, tratámos de augmentar os encargos do thesouro, e adoptámos medidas com que queremos forçosamente que a nossa receita augmente consideravelmente. Entretanto, sr. presidente, quem suppozer que a nossa receita augmentará na proporção que seria necessaria, e que nós desejâmos, está enganado.

Pois nós não temos já o arroz pagando 30 por cento, o bacalhau pagando 40 por cento, e o assucar a pagar 60 por cento?!

Se nós voltarmos a nossa attenção para este ponto, havemos de ver que não podemos levar mais longe as disposições da nossa legislação tributaria em alguns pontos, e que, ao contrario, quando se reduziram as sizas de 10 a 5 por cento, logo nos primeiros annos produziu tanto o imposto de 5 por cento como produziam os 10 por cento.

O que é uma verdade desagradavel é que o nosso deficit apesar de ter sido muito injuriado n'estes ultimos annos, nem por isso tem cedido terreno. Entendo, pois, que para o extinguir, ou, pelo menos, o reduzir rasoavelmente, uma vez que não podemos modificar a nossa situação financeira, fazendo com que a receita possa alcançar a despeza, seria preferivel procurarmos conter as despezas nos limites da nossa receita.

Devemos reflectir que a despeza não está ainda, infelizmente, em estado de nos satisfazer completamente, e eu tambem sou d'aquelles que sinto não ter sido possivel, sem prejuizo dos serviços, effectuar mais algumas reducções.

Devemos observar, sr. presidente, que, em alguns ministerios, a nossa despeza não é de natureza tal, que outras nações, com recursos maiores do que os nossos, não reparem na sua importancia.

Não ha muito tempo que um hespanhol, escriptor distincto e ministro d'estado que foi, o sr. Ruy Gomes, que tenho citado aqui muitas vezes, se admirava da importancia da despeza do nosso ministerio das obras publicas, e dizia que relativamente era maior que a do seu paiz. A importancia da despeza do ministerio das obras publicas, n'aquella epocha, era de 3.000:000$000 réis; pois, senhores, no orçamento actual é o dobro d'aquella quantia! No orçamento hespanhol vota-se para o ministerio das obras publicas 76.000:000 pesetas ou francos ou 10 por cento de toda a despeza, e nós temos actualmente um orçamento das obras

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publicas de perto de 40.000:000 francos ou perto de 11 por cento da despeza total. E o orçamento hespanhol; segundo dizia o ministro da fazenda, o sr. [...] apresentava um facto importante, porque mostrava que as obras se faziam com o orçamento e não com o credito, visto que não se recorria a meios extraordinarios.

O nosso orçamento do ministerio das obras publicas, apesar de muito elevado, se por acaso fosse satisfazer a todas as exigencias de momento, precisava quadruplicar. Não sei que haja governo nenhum que possa, dentro de uma verba escassa, attender ás exigencias, aliás muito desculpaveis, que de todos os lados lhe apparecem. Eu bem sei, como o meu illustre amigo, que hoje usou da palavra, que tudo se explica, mas tambem sei que nem tudo se justifica.

Direi ao sr. ministro da fazenda que provisoriamente ha uma medida a adoptar, que não se póde considerar senão como expediente. Por exemplo, o regulamento se contabilidade de 1870, no artigo citado pelo meu illustre collega o sr. visconde de Bivar, estabelece que a divida fluctuante seja amordaçada com os recursos dos creditos dos exercicios lindos.

Eu acredito que talvez se possa fazer alguma cousa a lavor d'esta divida, que tem tomado proporções demasiadamente magestosas. A divida proveniente dos exercicios findos é calculada em 6.400:000$000 réis; mas, apesar de sermos muito dados a illusões, a verdade é que ninguem acreditada realidade d'estes 6.400:000$000 réis, dos quaes metade póde cobrar-se. Ora, sé metade se póde cobrar, e o regulamento de contabilidade estabelece que a divida seja consolidada por esta fórma, parece-me que o governo devia ser auctorisado a levantar um emprestimo de 1.000:000$000 réis. Mas dir-se ha: isso é uma diminuição de receita no anno futuro. Não é em proporção, porque, esta divida não se cobra senão parcialmente no futuro, Por consequencia, já se vê que quando ha difficuldades, todos nós estamos de accordo. O que é muito conveniente e tirar da receita do estado este expediente.

Segundo o calculo da respectiva repartição, a receita de 5.000:000$000 réis de impostos directos não figura senão em 2.000:000$000 réis.

Pelo que diz respeito a exercicios findos, eu confesso e declaro aqui, que espero que o sr. ministro da fazenda, pela sua parte, attenda ás reflexões que apresentei, sem hostilidade, mas apenas com o desejo de o habilitar a obter o fim que se tem em vista.

Eu estou persuadido que no facto de se pagarem os juros da divida interna com tres mezes de antecipação, ha desigualdade para com as differentes provincias e com o estrangeiro, e d'ahi podia vir um recurso importante, sem offensa do principio de pagar na integridade os juros da divida.

Quando no Brazil se tomavam providencias que eram determinadas pela difficuldade das circumstancias do thesouro, quando ali se faziam deducções nos vencimentos dos funccionarios publicos, quando se reduzia o exercito e se vendia na Inglaterra a fragata couraçada denominada a Independencia, levantou-se um dos membros da camara dos deputados d'aquelle imperio, e perguntou ao ministro da fazenda, que era o sr. Affonso Celso: "Por que não propõe o governo um tributo sobre os titulos de divida publica, como era o direito do governo?"

Respondeu-lhe o ministro: "Isso é o direito de calote".

Um homem que professa outras idéas politicas, e que é presidente da camara dos deputados em França, o sr. Gambetta, combatendo o imposto sopre as inscripções disse tambem:

"Eu peço á democracia que sustente com todo o empenho o ultimo baluarte da segurança interna, e externa do paiz.

Já muitos annos temos deixado de discutir e votar o orçamento. Ao menos agora ha essa vantagem. O que é desagradavel é que o discutamos com deficit. (Riso.)

Quanto aos creditos supplementares, confesso sinceramente que tenho pena de que apparecessem no orçamento, mas como não deixaram de apparecer quando eram prohibidos, talvez agora deixem de existir desde que são auctorisados.

Ás vezes entro nós ha d'estas irregularidades. (Riso.)

Supponho que, seja qual for a sorte que tiver a lei de contabilidade, o sr. ministro da fazenda não terá duvida em reiterar todas as vezes que a occasião se proporcione, á declaração de que não era intenção sua abusar da faculdade de abrir creditos supplementares. E a dizer a verdade, com creditos supplementares é difficil haver orçamento que signifique a verdade dos factos nas despezas publicas, e o que vem ao parlamento com esse nome não é mais que um thema para se fazerem alguns discursos, sem que se possa ter a certeza de que se vota o computo approximado das despezas a fazer. E uma illusão, que não me parece propria de um tão alto corpo politico como é o parlamento.

Ora, o sr. ministro da fazenda fez declarações muito claras e positivas a respeito dos creditos supplementares, e as declarações feitas nas discussões d'esta casa valem muito, e tanto que já se têem feito algumas que estão em contradicção com artigos de leis que se votam, vendo-se depois de decretada a lei executar-se a declaração, e não o artigo contendo materia contraria a ella.

Por consequencia, é evidente que as declarações têem bastante força, e que se não podem, taxar de inuteis as que se façam a respeito d'este orçamento no que toca aos creditos supplementares.

De resto, dá-se a circumstancia de que o orçamento é aqui apresentado um mez antes de se entrar no exercicio do futuro anno economico, e esta proximidade da votação do orçamento com o principio do exercicio em que elle deve vigorar, deve ser favoravel á sua exactidão.

Talvez não pareça muito attendivel esta rasão; mas houve um financeiro muito notavel, que d'antes era muito citado, e mereceu sempre grande consideração a todos os homens publicos, o barão Louis, que tinha esta opinião. E não só elle, mas tambem mr. Villele e outros ministros muito competentes, que tomaram parte na administração financeira da restauração, administração que ainda hoje é tida como modelo, sustentaram a opinião de que o remedio para os orçamentos serem exactos era adoptar os annos economicos começando em julho, porque se poderiam d'este modo votar os orçamentos muito proximamente ao tempo de começar o novo exercicio, e, por consequencia, pôrem-se em mais perfeito accordo com os factos financeiros.

O nosso systema é apresentar o orçamento em janeiro, tendo sido preparado em setembro, e, portanto, ha nove mezes de intervallo entre a epocha em que começa o exercicio e a elaboração d'aquelle documento. Ora, este espaço de tempo parecia-me que devia trazer a indicação de algumas modificações no orçamento conforme os factos fossem mostrando o que se devia alterar nas suas differentes verbas. Entretanto vejo com tristeza que se não seguiu este methodo com respeito ao orçamento em discussão.

Dantes fazia-se o que acabo de indicar; vinham ao parlamento informações ácerca das despezas feitas, e procedia-se ás modificações que a experiencia aconselhava, antes de se entrar na discussão do orçamento. Assim se chegaria a resultados mais praticos, e sobretudo se poderiam descrever os factos com mais exactidão, tanto mais que tão perto estamos agora do proximo exercicio.

Em França apresenta-se o orçamento um anno antes de entrar, em exercicio, isto é, em janeiro de um anno é que se apresenta, para começar a vigorar no primeiro de janeiro do anno seguinte. Por isso ali, alem do mais os creditos supplementares têem muita plausibilidade.

Parece-me que o orçamento devia representar melhor a verdade. E havendo de mais a mais a idéa do orçamento rectificativo, que fará com que só haja de se recorrer aos

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creditos supplementares quando absolutamente for indispensavel, e de accordo já, com as declarações do sr. ministro da fazenda em resposta ao sr. Antonio de Serpa, muito grato me seria poder ter a confiança de que chegaremos a um resultado mais lisonjeiro.

Com isto tenho terminado as observações que desejava fazer.

O sr. Serpa Pimentel (sobre a ordem): - Sr presidente, mando para a mesa um parecer das commissões de fazenda e obras publicas.

Leu se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu esperava que o sr. ministro da fazenda, ou o sr. relator da commissão, pedissem a palavra para responderem aos oradores que têem fallado sobre o orçamento que todos, sem exceptuar o sr. Carlos Bento, mais ou menos, n'esta discussão da generalidade, fizeram reflexões que condemnam o procedimento do actual governo. Admira, pois, o silencio por parte do governo sobretudo!

Como, porém, nem o sr. ministro nem o sr. relator se resolveram a pedir a palavra, eu, que só esperava ouvir s. exa. para usar então da palavra, usarei agora d'ella.

Eu tenho que chamar a attenção da camara, e pedir ao governo ou a sr. relator que me esclareçam sobre um ponto a que se refere o relatorio da illustre commissão de fazenda ácerca do orçamento da despeza.

É o seguinte:

Ministerio da guerra

A despeza proposta é de 4.335:65O$131

A despeza auctorisada para o exercicio corrente de 1879-1880 foi de 4.336:126$881

Differença para menos 476$750

Na camara dos senhores deputados foi reduzida a somma proposta á de 4.330:246$180 réis, em consequencia da suppressão de algumas verbas na importancia de 5:403$946 réis. O governo comprometteu-se, alem d'isto, a reduzir a verba calculada para 23:000 homens effectivos, em todas as armas, ao estrictamente indispensavel, fazendo para isso licenciamentos de praças de pret na maior escala possivel.

É, porém, intenção do governo, já manifestada pela correspondente proposta feita ás côrtes, applicar a importancia de todas as economias, que possa effectuar no orçamento da guerra para o exercicio futuro, ao melhoramento dos quarteis militares, reparações de fortificação nas escolas de tiro, e para occorrer ás differenças que possam resultar no custo das rações de pão o forragens, e que possam tornar indispensavel maior subsidio para os ranchos; em fórma, porém, que o gasto nunca exceda á verba pedida de réis 4.330:246$185.

A commissão, confiando na promessa do sr. ministro da guerra, de que procurará melhorar o serviço com a somma indicada, é de parecer que seja approvada.

Na minha opinião o que se lê aqui não está bem conforme com o orçamento.

Quer dizer, a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados apenas fez aqui a reducção de 5.403$000 réis na despeza auctorisada para o ministerio da guerra em consequencia da suppressão de algumas verbas, mas nem a commissão de fazenda d'esta camara nem a da camara dos senhores deputados fizeram a reducção mais importante que havia a fazer em consequencia da differença a menos da despeza a fazer com as 23:000 praças de pret, pois que a despeza calculada no orçamento é para 26:250 homens. E para o que vejamos o que diz o orçamento do ministerio da guerra. Sempre vou ler á camara a seguinte nota:

Engenheria, praças de pret.................. 613

Artilheria, praças de pret.................. 2:948

Cavallaria, praças de pret................. 2:688

Infanteria, praças de pret................. 12.960

Caçadores, praças de pret.................. 6:858

Total.......................... 26:067

Juntando ainda a este numero os empregados da administração militar, e os da companhia de correcçção, da homens 26:250.

Portanto já se vê que a verba pedida pelo sr. ministro da guerra é calculada para 26:250 praças, e que a commissão concede a mesma verba para 23:0000 homens, isto é, não faz a reducção competente. Eu espero que o sr. relator da commissão, ou o sr. ministro da fazenda, visto não estar presente o sr. ministro da guerra, me digam como é que indicando-se esta reducção de pessoal se não fez a diminuição correspondente na receita, porque assim parece que ou vamos votar um calculo que está errado, ou que se não fará. no effectivo do exercito a reducção que se promette.

Eu desejo que por parte do governo, ou pelo relator da commissão me tirem esta duvida.

Como é que dizendo este parecer que a força para o futuro anno economico deve ser de 23:000 homens, apparece no orçamento, ao qual não se fez emenda alguma vinte seis mil e tantos homens?

O sr. Conde de Samodães (relator): - Sr. presidente, eu não tomei a palavra quando fallou o digno, par e meu amigo, o sr. conde de Valbom, nem depois quando fallou o sr. Carlos Bento, porque nem um nem outro digno par atacaram o parecer da commissão de fazenda.

O digno par, conde de Valbom, disse que não fazia a critica dos pareceres, e limitou as suas uteis, judiciosas e illustradas observações a comparar os factos que são revelados pelo orçamento do estado com o programma ou politica do governo; ora, como eu, na qualidade de relator geral do orçamento, não tenho de me occupar d'essas questões politicas, mas unicamente do que diz respeito á conformidade do que foi escripto, cem o que determina o regulamento de contabilidade, e o que se acha mencionado no orçamento, abstive-me de tomar a palavra, reservando-me para tratar a questão politica quando o julgar conveniente e opportuno.

V. exa. e a camara sabem perfeitamente que ha muitos annos não vinha ás sessões d'esta casa do parlamento, e que não tenho, por consequencia, tomado, parte nas suas discussões.

Não me tendo pronunciado, nem por um nem por outro lado, não posso ter responsabilidade pelos actos praticados pelo governo que saiu, nem pelos dos cavalheiros que estão hoje nas cadeiras do ministerio, e que então eram opposição.

N'estas circumstancias está o sr. ministro da fazenda que não fazia parte do parlamento n'aquella epccha.

Não tomei, portanto, a palavra para apreciar a questão politica, porque entendi que era deslocada a occasião; porém, quando se apresentar a opportunidade, não deixarei de emittir a minha opinião, dizendo o que pensei a respeito do passado, o que penso do presente, e o que desejaria que se fizesse de futuro.

Como não vi que o orçamento fosse impugnado por não estar redigido na conformidade dos preceitos que se exigem em documentos d'esta ordem, não pedi a palavra; comtudo, como o sr. Vaz Preto formula uma pergunta mais explicita, entendi dever fazel-o.

Começarei por dizer á camara que n'estas questões de orçamento nomeia-se um relator geral, e outros especiaes para tratarem dos ministerios. Nem era possivel, se não se tivesse feito isto, que se apresentassem os pareceres com tanta brevidade.

A commissão, ainda mesmo antes de virem, as propostas de lei da outra camara, dividiu os ministerios pelos seus membros, que ficaram sendo, os relatores especiaes e eu

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occupei-me especialmente do que diz respeito á receita. Declaro á camara que empreguei todos os esforços e todos os meios ao meu alcance para verificar se effectivamente as differentes receitas que se achavam calculadas, o estavam em conformidade dos preceitos do regulamento de contabilidade; e na verdade devo dizer que, com pequenas excepções, e principalmente com relação a verbas pouco importantes, cheguei a adquirir a convicção que se tinha feito um calculo com a receita, em conformidade com os preceitos da lei de contabilidade, não architectando cifras, mas calculando-se com tanta parcimonia, que não é de crer que os exercicios venham demonstrar que o orçamento foi calculado com exagero.

Os diversos assumptos foram divididos por pessoas competentes.

Por exemplo, a junta do credito publico, ao nosso illustrado collega, Joaquim Gonçalves Mamede; o ministerio da fazenda, ao sr. Serpa Pimentel; o ministerio da guerra, ao sr. Barros e Sá; etc.

Portanto, este digno par, melhor do que eu, de certo poderá dar explicações a s. exa.

Quando me foi mandado fazer o relatorio da lei de receita, aproveitei me textualmente do que tinha escripto o sr. Barros e Sá, porque reconheço toda a competencia em s. exa. para tratar d'estes assumptos, e muitos outros em que é reconhecida a sua muita illustração.

Comtudo, não deixei de comparar o que os dignos pares meus collegas na com missão de fazenda offereciam para o relatorio, com o que se achava no orçamento e o que tinha vindo da outra casa do parlamento, no respectivo parecer da commissão orçamental, onde se lê o seguinte.

(Leu.)

Quer dizer que o calculo no orçamento era para 23:000 praças, e que a commissão orçamental da outra camara recommenda ao governo que, por meio de leis, faça as reducções possiveis, sem prejuizo do serviço publico e da instrucção do mesmo exercito.

Ora, calculado o orçamento para estas 23:000 praças, em conformidade com o que o sr. ministro da guerra disse na outra casa do parlamento, não podia haver deducções nenhumas com referencia áquillo que podiam dar os licenciados, porque é precisamente d'essa quantia que o sr. ministro precisa, para outros serviços indispensaveis para o melhoramento do exercito, e por isso s. exa. se abstinha de apresentar outras addições, que seriam necessarias se, porventura, se não aproveitasse tal quantia para esses differentes serviços.

Isto, sr. presidente, explica tambem qual é a rasão por que este orçamento não vem com certas diminuições, assim como tambem não vem outras, por isso que o governo, na organisação do orçamento, e a camara dos senhores deputados, pela sua commissão orçamental, tiveram em vista que este orçamento fosse, quanto possivel, a expressão da verdade, e d'aquillo que os factos hão de demonstrar, e não fossem feitos os calculos em supposições, que de certo se não realisariam, porquanto todos nós sabemos que, embora os orçamentos se apresentem muitas vezes em cifras muito diminutas, vem depois os factos demonstrar que esses calculos não tinham sido bem feitos, e, portanto, a despeza apresenta-se muito maior.

Não seria difficil provar que as verbas calculadas n'este orçamento estavam muito abaixo do que effectivamente se tem gasto com relação aos varios artigos. É a rasão por que este orçamento se apresenta com um certo aspecto de não se ter feito economia, quando realmente ella existe, ainda que não fosse em tão larga escala como seria para desejar, muito principalmente em presença do desequilibrio que se dá entre a receita e a despeza.

Creio que tenho explicado sufficientemente o ponto a que se referiu o sr. Vaz Preto. S. exa. não deve esperar diminuição alguma no orçamento de que se trata, por isso que a haver obras, vão ellas, segundo a proposta apresentada na outra camara pelo sr. ministro da guerra, ser applicadas a melhoramentos no exercito.

(O orador não reviu este discurso.}

O sr. Vaz Preto: - Á camara ouviu a duvida que se me afigurou e a pergunta que eu fiz ao governo. Ouviu tambem a resposta do sr. relator da commissão, e, portanto, fica sabendo que a duvida subsiste da mesma fórma, e que a pergunta, embora o sr. relator pretendesse responder, ficou sem ser satisfeita. As explicações dadas pelo sr. relator, em logar de resolverem a questão, complicaram-se cada vez mais.

Dirijo-me, portanto, ao sr. ministro da fazenda, que tem obrigação de conhecer o assumpto, visto estar representado o governo n'esta discussão de orçamento.

A minha pergunta é a seguinte:

Foi apresentado ás camaras o orçamento do ministerio da guerra e a proposta em que o sr. ministro pede réis 4.335:650$131 para o anno economico de 1880-1881, portanto esta avultada somma deve ser despendida conforme está designada no orçamento que acompanha a proposta. Esse orçamento não condiz com a parte que diz respeito ao ministerio da guerra no projecto de lei de despeza, e por isso eu desejava que o sr. ministro me explicasse como deve ser interpretado o periodo do relatorio que eu tive a honra de ler á camara, e que não está em harmonia com e orçamento apresentado pelo sr. ministro da guerra.

O sr. ministro da guerra prometteu reduzir o exercito de 23:000 homens a 20:000, e reduzirá ainda mais esse numero, comtanto que a economia realisada se despenda em melhoramentos para o mesmo exercito. N'este caso o que eu pergunto é: Qual a rasão por que, havendo uma differença de 30:000; pois a força, foi calculada por 23:000 homens, o que dá pelo meros 150:000$000 réis de economia, não fazem nem a commissão nem o governo essa correcção?

É sobre este ponto que eu preciso que o sr. ministro responda, já que o sr. relator da commissão não o soube fazer.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - V. exa. e a camara comprehendem de certo que, tratando-se de um ponto do orçamento do ministerio da guerra, não sou o mais proprio para dar sobre ele explicações que possam esclarecer de um modo cabal.

Entretanto devo dizer á camara o seguinte:

O sr. ministro da guerra, apresentou na outra casa do parlamento uma proposta pedindo auctorisação para abrir creditos supplementares para occorrer ás necessidades de alguns serviços do seu ministerio, indicando os artigos a que elles se referem, e fazendo saber que esperava fazer economias e reducções nas despezas de alguns serviços, de modo que podesse fazer face ás que terão de resultar da compra de armamento e de outras reformas.

Isto foi o que declarou o meu collega da guerra, e as propostas que apresentou estão de accordo com a sua declaração.

Logo qualquer alteração que houvesse no orçamento do ministerio da guerra teria talvez explicação n'estes factos.

O sr. Vaz Preto: - É evidente que nem o sr. relator da commissão, nem o sr. ministro da fazenda, sabem resolver a minha duvida, e isto prova que o projecto de lei que estamos a discutir não é tão simples, como parece á primeira vista.

A sua inexactidão parece manifesta, n'esta situação os calculos feitos relativamente ao orçamento das despezas não podem merecer a confiança alguma.

Se, pois, a camara não fizer alguma alteração n'este parecer terá de votar um orçamento errado, o que a desauctorisado.

Eu desejo que isto fique bem consignado.

A camara póde votar como quizer, mas n'este caso vota sem saber o que vota, porque o faz sobre uma base que

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não está bem definida e que não é a expressão da verdade.

Póde ser que eu esteja enganado, porque o exame que fiz no orçamento foi pouco minucioso, e muito superficial por falta de tempo, mas parece-me que não póde haver duvida na nota que submetto á apreciação da camara.

Essa nota, a que me referi, ainda affirma que o numero de soldados que está descripto no orçamento apresentado pelo sr. ministro da guerra é de 26:250 e tantos.

É preciso que se saiba se effectivamente está em armas este numero de praças superior aos 23:000 homens, para o qual foram ainda calculados os orçamentos do anno passado e d'este anno.

É admiravel, sr. presidente, que o governo viesse apresentar, um orçamento com um tão elevado numero de praças, quando a opinião do partido progressista era reduzir o exercito a 18:000 homens, e até um dos srs. ministros havia proposto, sendo opposição, que essa reducção descesse a 13:000 homens!

Sr. presidente, apesar das circumstancias precarias do thesouro, que têem sido descriptas, com as cores as mais carregadas, pelo sr. ministro da fazenda; apesar das opiniões de todos os ministros, menos o da guerra, estarem compromettidas para a reducção do exercito a 18:000 homens; apesar da necessidade tão apregoada de economias, sustentada pelos membros do actual gabinete, quando eram opposição; apesar de todas as promessas e de todas os compromissos, a commissão apresenta, apenas ao parecer a economia, em relação ao passado, de 5:400$000 réis.

É sobremaneira significativa esta, conclusão, e por isso nada mais direi.

O sr. Barros e Sá: - Eu tenho presentes os documentos officiaes mandados pelo governo, assim como tenho tambem presente o parecer da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados; mas o que me parece é que talvez a differença indicada pelo digno par o sr. Vaz Preto, seja porque os 23:000 homens são praças de pret, e os 26:000 e tantos seja incluindo os officiaes.

O sr. Vaz Preto: - Não, senhor; são tudo praças de pret.

Uma voz: - Nem podia ser outra cousa.

O Orador: - Isto é o que dizem os documentos officiaes do governo.

O sr. Vaz Preto: Está encanado. Havia de fazer o calculo da despeza com as 3:250 praças de differença, para se abater na despeza total.

O Orador: - Pois faça o digno par um calculo exacto, e talvez nós lhe possamos dar a explicação.

Diz s. exa. que se devia ter feito o desconto em harmonia com o que o sr. ministro da guerra declarou na outra casa do parlamento: se houve erro, demonstre-o o digno par.

O sr. Vaz Preto: - É o que eu tenho estado a demonstrar.

O Orador: - Pois se ha erro, não é no calculo da commissão.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu não queria insistir mais n'este ponto, mas v. exa. e a camara bem vêem que elle se tem tornado cada vez mais importante pela discussão, e por isso é necessario que a camara fique esclarecida ácerca d'elle, e sem a mais leve duvida para poder votar, sem hesitação.

O orçamento parece-me que é um documento official, n'elle se descrevem todas as verbas de despeza distinctamente, e lá está designado tanto para secretaria, tanto para praças de pret, etc.

Ora, estando n'elle calculada a despeza para 26:250 praças de pret é claro que, fallando-se agora em 23:000 homens, a commissão devia ter feito a rectificação n'este ponto; mas não o fez.

É por isso que eu digo que o calculo está errado, e que é preciso rectifical-o.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, o que se discute é o parecer da commissão de fazenda, não se discute o que primitivamente estava no livro chamado orçamento. Ora, o que a commissão apresentou foi uma verba calculada para 23:000 praças de pret.

(Leu.)

E aqui está a explicação d'esta differença no orçamento.

O sr. Vaz Preto: - Mas qual é a explicação?

O Orador: - Pois s. exa. não acabou de ouvir! O que se está discutindo é o parecer da commissão. Póde ter primitivamente havido um erro no orçamento; mas se o houve está rectificado pelo calculo da commissão.

O sr. Conde de Valbom (sobre a ordem): - Como se apresentam duvidas sobre este ponto, proponho que fique reservada a sua discussão para quando estiver presente o sr. ministro da guerra, que é a auctoridade competente para informar o digno par que levantou as duvidas.

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, pergunto a v. exa. qual é a ordem da discussão. Depois de votada a generalidade dos pareceres, o que é que se deve seguir?

O sr. Presidente: - A camara já resolveu que, depois de approvada a generalidade dos pareceres n.ºs 78 e 79, se discutisse a especialidade, começando-se pelo projecto n.° 78, que diz respeito á lei da receita, seguindo-se a este o parecer n.° 79, que é relativo ao orçamento da despeza.

O sr. Costa Lobo: - A discussão d'esses projectos constitue tudo o que se refere ao orçamento?

O sr. Presidente: - Não ha duvida nenhuma, porque a lei de receita comprehende tudo o que diz respeito á receita, e a de despeza comprehende todas as verbas de despezas.

Tem a palavra sobre a ordem o sr. visconde de Chancelleiros.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pedi a palavra sobre a ordem, porque suppunha que o sr. Costa Lobo ia apresentar qualquer moção no sentido de aclarar as duvidas que assaltaram o espirito de alguns dignos pares; mas, como v. exa. me concedeu a palavra, direi que julgo racional que sigamos a idéa de adiar este assumpto, como propoz o sr. conde de Valbom, até estar presente o sr. ministro da guerra, visto dizerem respeito a este ministerio as duvidas levantadas pelo digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Presidente: - A proposta apresentada pelo sr. conde de Valbom tem logar na especialidade da lei de despeza.

N'essa occasião se renovará a discussão, na presença do sr. ministro da guerra, sobre a duvida exposta pelo digno par o sr. Vaz Preto. Agora o que se discute é a generalidade dos pareceres n.ºs 78 e 79.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Abundo inteiramente na opinião de v. exa., porque tambem entendo que esta questão póde ficar reservada para quando se tratar da especialidade da lei de despeza.

Agora peco a v. exa. que me inscreva sobre a generalidade.

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio que se recebeu agora na mesa.

Leu-se, na mesa.

É do teor seguinte:

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo quatro documentos sobre gratificações e ajudas de custo, pedidos pelo digno par Vaz Preto.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Dou a palavra ao sr. visconde de Chancelleiros sobre a generalidade d'estes projectos, mas peço a s. exa. que não se afaste da questão.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Fez algumas considerações sobre a generalidade do orçamento, cuja discussão declarou, na sua opinião, ser inutil emquanto ella se der nos termos em que se dá hoje e se tem dado até

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aqui. Crê entretanto que esta é ou deve ser a funcção mais importante do parlamento. Asseverou que julgava impossivel extinguir o deficit, emquanto os governos tiverem contra si o deficit de força moral e de auctoridade que lhes falta sempre, a despeito das grandes maiorias que têem no parlamento. Governar sem auctoridade era tão difficil como organisar as finanças sem meios para extinguir o deficit, Que a sua opinião era de que convinha sobretudo robustecer as instituições, fazer com que o parlamento representasse o paiz, e para que tal fim se conseguisse não via outro meio senão a reforma do nosso systema eleitoral, acceitando a eleição indirecta com circulos de um só deputado, com eleitores primarios por freguezia, e com a apresentação da candidatura como consequencia logica d'este systema. Que lhe parecia este o unico meio de accommodar a eleição á educação politica que o paiz tem. Affirmou que todas as nossas difficuldades e todos os nossos deficits nas contas correntes com todos os serviços publicos resultavam de sacrificar a administração á politica, e que assim aconteceria sempre emquanto não modificassem, racionalmente o nosso systema de governo, começando pela reforma do nosso systema eleitoral.

O sr. Camara Leme: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.
Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Portanto, vou pôr á votação a generalidade dos pareceres n.ºs 78 e 79.

Posta á votação a generalidade d'estes pareceres, foi approvada.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para segunda feira (17 do corrente) é a discussão da especialidade do projecto relativo ao orçamento da receita, e depois a discussão na especialidade do orçamento da despeza, e mais os pareceres n.ºs 83, 80, 81 e 74.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 15 de maio de 1880

Exmos. srs. duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; marqueses, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim; arcebispo do Evora; condes, de Avidez, de Bertiandos, de Bomfim, de Canral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, da Ribeira Grande, do Samodães, de Valbom, da Torre; bispo eleito do Algarve; viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, da Chancelleiros, de S. Januario, de Portocarrero, do Seial, de Soares Franco, de Valmór, da Praia, de Ovar; barão de Ancede; Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede Pestana Martal, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Pinto Bastos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Calheiros e Menezes, Miguel Osorio.

Discurso proferido pelo digno par visconde de Chancelleiros na sessão de 14 de maio, e que devia ler-se a pag. 630, col. 1.ª lin. 34.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Uma vez que está presente o sr. ministro da fazenda, e como não sei se terei occasião de assistir a mais alguma sessão, nem se o parlamento será prorogado por muito tempo, desejo chamar a attenção de s. exa. para um assumpto que considero de grande importancia.

Quando era ainda ministro da fazenda o sr. Serpa, tive eu uma conferencia com s. exa., pedindo-lhe, no interesse da agricultura, que providenciasse sobre o seguinte facto.

O anno passado os vinhos hespanhoes concorreram com os portugueses ao nosso mercado em circumstancias muito desiguaes.

Aquelles vinhos pagam o imposto de nacionalisação; mas depois de o pagarem, ficam isentos de todo o imposto local, vindo, portanto, os vinhos hespanhoes ao nosso mercado livres d'este imposto. Dá isso em resultado ficarem mais sobrecarregados os nossos vinhos.

O sr. Serpa providenciou a este respeito, chegando até a formular uma proposta de lei n'esse sentido. S. exa., porém, saiu do ministerio e nada se póde fazer.

Posteriormente fallei sobre este assumpto com o sr. ministro da fazenda, que me declarou considaral-o devidamente e prometteu tomar as providencias que o caso pedia, chegando mesmo a ter conferencias com alguns empregados superiores de seu ministerio para tratar d'esta questão, que é importantissima.

Como as condições de preço no mercado mudaram, ainda este anno não concorreram os vinhos hespanhoes. O preço baixou consideravelmente, fazendo uma grande differença do do anno anterior, e por isso o mercado não offerece hoje grandes lucros com relação áquelles vinhos.

Gomo, portanto, não tem havido ainda reclamações por paris dos interessados, o sr. ministro da fazenda deixou de considerar devidamente este assumpto, que é de grande importancia, porque toca muito, de perto com os interesses da industria vinicola. É uma questão que não soffre impugnação por parte de ninguem, porque ninguem quer, de certo, que se de mais vantagens aos vinhos hespanhoes do que aos portuguezes. Desde que áquelles vinhos pagam direitos de nacionalisação, devem ficar considerados como vinhos portuguezes, e, por consequencia, pagarem os impostos a que estes estejam sujeitos.

Chamo, pois, a attenção do sr. ministro da fazenda sobre este importantissimo assumpto, e peço. a s. exa. que, ainda n'esta sessão, se for possivel, como creio que é apresente a proposta, que já foi elaborada no anno passado, a fim de se evitar que no fim da proxima vindima se dê facto identico ao que se deu no anno anterior.

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