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N.º60
SESSÃO DE 11 DE JUNHO DE 1883
Presidencia do exmo sr. João de Andrade Corvo
Secretarios— os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. — Correspondencia.— O sr. João Chrysostomo justifica a sua ausencia das sessões antecedentes. — Primeira parte da ordem do dia: é approvado em discussão o parecer n.° 198 sobre o projecto de lei n.° 229, equiparando o secretario da procuradoria gerai da corôa e fazenda, para os effeitos do terço e aposentação, aos agentes do ministerio publico. — É igualmente approvado, depois de usarem da palavra os srs. Pires de Lima e ministro da marinha, o parecer n.º 204 sobre o projecto de lei n.° 225; relativo á navegação entre Lisboa e Africa oriental. — Segunda parte da ordem do dia: continua a discussão do orçamento da despeza da junta do credito publico; é approvado, após usarem da palavra os srs. Mendonça Côrtez e presidente do conselho. — Em seguida entra em discussão o orçamento da despeza do ministerio da fazenda. — Usa da palavra o sr. conde de Castro, que ficou com ella reservada. — Os srs. - conde do Bomfim, visconde da Arriaga e Francisco Costa, mandam para a mesa pareceres de commissões.
Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta á sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada em conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia.
Um officio da, sociedade de geographia de Lisboa, offerecendo á camara 10 exemplares do mappa n.º 1 da estatistica da emigração portugueza no periodo de 1872 1881.
Mandaram-se distribuir.
Outro da alfandega de consumo de Lisboa, enviando 100 exemplares da estatistica d’esta alfandega relativa ao anno de 1880.
Mandaram-se distribuir.
Uma representação da sociedade pharmaceutica de Lisboa, pedindo á camara a sua attenção para o projecto de lei n.° 92, ultimamente approvado na camara dos senhores deputados.
Ficou sobre a mesa.
Um requerimento dos estudantes de Villa Real, pedindo instantemente á camara dos dignos pares do reino que ainda na presente sessão legislativa seja approvado o projecto de reforma de instrucçao secundaria que eleva o lyceu de Villa Real a l.ª classe.
A commissão de instrucção publica.
(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho de ministros e ministro da marinha.) ,
O sr. João Chrysostomo: — Sr. presidente, pedida palavra para participar a v. exa. e á camara que por incommodo de saude não pude assistir ás ultimas sessões.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Como não ha mais ninguem inscripto, vae entrar-se na primeira parte dá ordem do dia, que é a discussão dos pareceres n.ºs 198 e 204.
Vae ler-se o parecer n.° 198.
Leu-se na mesa e é o seguinte:
PARECER N.° 198
Senhores. — A commissão de legislação apreciou o projecto n.° 220, pelo qual o serviço prestado pelo actual secretario da procuradoria geral da corôa e fazenda é equiparado para todos os effeitos, legaes, principalmente os da aposentação e vencimento do terço do ordenado, aos dos agentes do ministerio publico.
Á commissão parece que é projecto deve ser approvado por ser justo.
Sala da commissão, 19 de maio de 1883.= Visconde de Alves de Sá = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Couto Monteiro = Sarros e Sá.
A commissão de fazenda, na parte que lhe respeita, não tem duvida alguma que oppor ao projecto n.° 220, que considera justo.
Lisboa, 6 de junho de 1883.= Carros e Sá = Visconde de Bivar = Francisco Costa = A. X. Palmeirim = Gomes Lages.
Projecto de lei n.° 220
Artigo 1.° O serviço desempenhado pelo bacharel Joaquim José dá Costa Simas, nos logares de secretario dá procuradoria geral da fazenda e procuradoria geral da corôa e fazenda, é equiparado para os effeitos do terço e aposentação aos dos agentes do ministerio publico:
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das côrtes; em 18 de maio de 1883.= João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Francisco de Paula Gomes Barbosa, deputado vice-secretario.
O sr Presidente: — Está em discussão.
Não havendo nenhum digno par que pedisse a palavra, foi approvado tanto na generalidade como na especialidade.
O sr. Presidente: — Agora passa-se á discussão do parecer n.° 204.
Foi lido na mesa e é o seguinte:
PARECER N.° 204
Senhores. — As vossas commissões de marinha e ultramar e de fazenda estudaram attentamente o projecto de lei, vindo em mensagem da camara dos senhores deputados da nação, em que foi convertida a proposta do governo approvado o contrato celebrado em 9 de maio ultimo com a empreza E. Pinto Basto & C.ª, para a navegação por barcos de vapor entre Lisboa e o Porto do Ibo na provincia de Moçambique.
Tanto no relatorio que precede a proposta do governo como rios das commissões de marinha é ultramar que acompanharam o alludido projecto de lei, estão consignadas, todas as rasões ponderosas que justificam as differentes clausulas do contrato a que nos referimos, e com as quaes foi modificado q serviço que tem sido até agora feito pela companhia «British India», e, a nosso ver, com decidida vantagem para as communicações dos diversos portos d’aquella, provincia entre si, e por conseguinte para o commercio e relações postaes a que é importante attender.
Não descurou o governo o- porto de Lourenço Marques porque o manteve em circumstancias de poder corresponder a importancia que está destinado á dar-lhe q movimento commercial que deve attrahir, servindo de largo deposito das mercadorias e productos de consumo no Trans-
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vaal em um futuro muito proximo, realisando-se, como se conta, a construcção de um caminho de ferro entre o dito porto e aquella republica.
Foram no contrato bem reputadas duas questões de valor a das tarifas e a da sua rescisão á vontade dos contratantes com seis mezes de aviso previo.
Reconhece-se facilmente que as clausulas consignadas no contrato que somos chamados a examinar são de superior vantagem ás do antigo contrato. E se é superior o subsidio com que o paiz tem de contribuir para o serviço da navegação que se projecta, teremos a compensação da maior despeza estipulada em ver terminadas muitas reclamações e incessantes queixas do commercio, e em obter um serviço mais rapido, menor dispendio com o transporte de passagens e cargas do estado, nenhuma baldeação em porto estrangeiro e vantagem para a administração da provincia pelo modo differente por que hão de ser feitas as communicações entre os seus portos mui afastados, como sabeis, uns dos outros.
Não foram esquecidas as relações postaes e de commercio entre Moçambique e a India, porque o serviço da companhia se prolonga até Zanzibar.
Pelas rasões que ponderamos e pelo exposto nos dois relatorios que citámos, e que seria prolixidade repetir aqui, submettemos á vossa approvação, para ser presente á sancção regia, o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É approvado o contrato celebrado em 9 de maio de 1883 entre o governo e a empreza E. Pinto Basto & C.ª, para o serviço de navegação por barcos de vapor entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique.
§ unico. A provincia de Moçambique contribuirá para o subsidio de 72:000$000 réis, que o governo se obriga a pagar na conformidade do contrato junto, com uma verba não inferior a 31:500$000 réis, podendo o governo augmentar esta verba quando as circumstancias financeiras da provincia o permitiam.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 6 de maio de 1883. = Barros e Sá = Visconde de Soares Franco = Antonio de Sousa a Uva Costa Lobo = Marino João Franzini = A. X. Palmeirim = Visconde de Bivar = Thomás de Carvalho = Visconde de S. Januario = Gomes Lages = Francisco Costa = Visconde da Arriaga.
Projecto de lei n.° 226
Artigo 1.° É approvado o contrato celebrado em 9 de maio de 1883 entre o governo e a empreza E Pinto Basto & C.ª, para o serviço de navegação por barcos de vapor entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique.
§ unico. A provincia de Moçambique contribuirá para o subsidio de 72:000$000 réis, que o governo se obriga a pagar na conformidade do contrato junto, com uma verba não inferior a 31:500$000 réis, podendo o governe augmentar esta verba quando as circumstancias financeiras da provincia o permitiam.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 22 de maio de 1883. = João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
Contrato a que se refere a lei d’esta data
Aos 9 dias de maio de i 883, n’este ministerio da marinha e ultramar, e gabinete do exmo sr. conselheiro José Vicente Barbosa du Bocage, ministro e secretario d’estado dos negocios da marinha e ultramar, compareci eu Francisco Joaquim da Costa e Silva, secretario geral do mesmo ministerio, e ahi, estando presentes do uma parte o mesmo exmo ministro, como primeiro outorgante em nome do governo, e da outra parte Eduardo Ferreira Pinto
Basto, em nome da firma E. P. Basto & C.ª, de que é socio gerente, assistindo tambem a este acto o conselheiro procurador geral da corôa e fazenda 5 tendo sido apresentado o conhecimento do deposito de 9:000$000 réis feito pelo outorgante, Eduardo Ferreira Pinto Basto, pelos mesmos outorgantes foi dito na minha presença e das testemunhas ao diante nomeadas e assignadas, que concordavam em um contrato para o serviço de navegação por barcos de vapor entre Lisboa e o Ibo na provincia de Moçambique, nos termos e condições abaixo indicadas, e se obrigavam, na qualidade que representam, a cumprir todas as suas Disposições e clausulas.
Artigo 1.º A empreza (devendo entender-se por esta palavra o concessionario ou as emprezas ou companhias para as quaes, com a approvação do governo, elle transferir cate contrato) obriga-se a organisar ou serviço de navegação a vapor, quadrisemanal, entre Lisboa e o Ibo, na provincia de Moçambique, por via cabo da Boa Esperança, tocando nos portos de Lourenço Marques, Inhambane, Chiloane, Quelimane e Moçambique. Este serviço será prolongado, sem augmento de subsidio, até Zanzibar, se assim for necessario para ligar n’este porto a provincia de Moçambique com a Índia portugueza.
Art. 2.° O serviço entre Lisboa e Lourenço Marques será feito pela «Castle Mail Packeis Company Limitou».
O serviço colonial será desempenhado por vapores com bandeira portugueza e registados em porto portuguez.
Art. 3.° Os dias de partida de Lisboa e Lourenço Marques serão fixados por mutuo accordo entre o governo e a empreza, não excedendo o tempo da viagem entre os ditos portos a trinta dias, salvo os casos de forca maior, taes como nevoeiros, temporaes, avarias no casco e na machina e quarentena devidamente comprovados.
O serviço colonial será estabelecido em correspondencia com cada uma das viagens do serviço oceanico, e será regulado por accordo entre o governador geral da provincia de Moçambique, em conselho, e a empreza.
Os vapores do serviço oceanico demorar-se-hão, tanto na ida como na volta, até vinte e quatro horas no porto de Lisboa, se tanto for necessario, para o serviço de embarque e desembarque de mercadorias.
Art. 4.° Os vapores empregados no serviço oceanico serão de l.ª classe e de lotação superior a 2:000 toneladas (gross register tonnage da lei ingleza).
Os vapores empregados no serviço colonial serão de 1 .ª classe, de lotação não inferior a 500 toneladas (gross register tonnage da lei ingleza), com marcha não inferior a nove milhas horarias na experiencia ciliciai, com accommodações confortaveis para passageiros de 1.ª e 2.ª classe, e com o resguardo possivel para os passageiros do convez, e com caiado de agua tal, que possam entrar com segurança nos portos da provincia.
Art. 5.° Alem dos vapores necessarios para desempenhar o serviço colonial nos termos d’este contrato, a empreza obriga-se a ter, pelo menos um pequeno vapor para serviço subsidiario de outros portos da provincia.
Art. 6.° Todos os vapores do serviço colonia estarão á disposição do governador geral da provincia de Moçambique, se forem requisitados para serviço do governo, e mediante as condições em que mutuamente se accordar.
Art. 7.° Os vapores do serviço oceanico reservarão para Lisboa accommodações para, pelo menos, 15 passageiros de l.ª classe, 20 de 2.ª e 80 de 3.ª, e espaço para carga até 300 toneladas, sempre que a empreza for prevenida oito dias antes da partida de Londres do respectivo vapor.
Art. 8.° Será fixada, antes de começarem os serviços a que se refere este contrato, a tabella geral das tarifas de passageiros e carga, tanto no serviço oceanico como no serviço colonial, podendo ser alterada com previo assentimento do governo portuguez.
As tarifas de preços de passageiros e carga entre Lisboa e Lourenço Marques não excederão, em nenhuma
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epocha, aquellas que forem estabelecidas pela «Castle Mail Packets Company Limited», entre Londres e Natal.
Art. 9.° A empreza transportará os passageiros e carga do estado com a reducção de 10 por cento das tarifas geraes.
Se o governo pretender mandar um corpo de tropas da metropole para Africa oriental ou vice-versa, este transporte ficará sujeito a um accordo especial, em condições mais favoraveis para o governo.
Art. 10.° Se o governo desejar fazer transportar um corpo de tropas, colonos ou material entre as provincias de Angola e Moçambique, a empreza, mediante contrato especial, fará tocar um dos seus vapores em Angola para o desempenho d’este serviço.
Art. 11.° A empreza obriga-se a receber e transportar gratuitamente as malas, tanto do correio como da correspondencia official, entre Portugal e a provincia de Moçambique, bem como entre os portos d’esta provincia, sendo as malas fechadas em caixas ou saccos sellados pelas respectivas auctoridades portuguezas.
Art. 12.° O governo obriga-se:
1.° A pagar á empreza por todo o serviço oceanico e colonial o subsidio annual de 72:000$000 réis (16:000 libras esterlinas), sendo o pagamento em prestações trimestraes regulares, e sómente podendo effectuar-se o mesmo pagamento mediante a apresentação no ministerio da marinha de attestados das auctoridades competentes, declarando que o serviço foi regularmente desempenhado 5
2.° A não subsidiar outra qualquer empreza emquanto vigorar o presente contrato para o serviço de navegação entre Portugal e a Africa oriental, ou ao longo da costa da provinda de Moçambique;
3.° A dar a esta empreza, salvos os casos de urgente necessidade, todos os passageiros e carga do estado, entendendo-se, porém, que o governo se reserva a faculdade de mandar em navios seus quaesquer passageiros, tropas ou materiaes do estado.
4.° A dar aos vapores, tanto do serviço oceanico, como colonial, todas as vantagens concedidas aos paquetes, na conformidade da lei de 7 de julho de 1880.
Art. 13.° O serviço, á partir de Lisboa, começará dentro de dois mezes, a contar da data da lei que approvar o presente contrato, e a primeira partida do Ibo para a Europa corresponderá ao regresso d’esta primeira viagem de Lisboa.
Art. 14.° A empreza terá a faculdade de nos primeiros doze mezes do seu serviço, emquanto não tiver adquirido navios especiaes para o serviço colonial, empregar n’este serviço navios da «Castle Mail Packets Company, Limited», podendo durante este tempo a baldeação de passageiros e carga fazer-se na bahia da Mesa, mas depois d’este praso a baldeação será feita em Lourenço Marques.
Art. 15.° Este contrato vigorará até 30 de setembro de 1888, mas tanto, o governo como a empreza, terão a faculdade de o rescindir em qualquer epocha, mediante aviso previo de seis mezes, sem que qualquer das partes contratantes tenha direito a indemnisação alguma pelo facto d’esta rescisão. O aviso previo será feito por escripto.
Art. 16.° O deposito de 2:000 libras, feito pela empreza para garantia d’este contrato, será entregue á empreza, logo depois de concluida a primeira viagem de ida e volta, ou no caso de não ser approvado por lei este contrato.
1 Art. 17.° No caso de se suscitarem duvidas sobre a execução do presente contrato, serão ellas resolvidas por dois arbitros, um nomeado pelo governo e outro pela empreza. Se os dois arbitros não podérem harmonisar-se, será entre elles nomeado um terceiro; e, não concordando elles n’esta nomeação, será ella feita pelo presidente do supremo tribunal de justiça.
E com estas condições e clausulas ha por feito e concluido o dito contrato, ao qual assistiu, como fica declarado, o conselheiro procurador geral da corôa e fazenda, sendo testemunhas presentes José Estevão Clington, segundo official da secretaria d’estado dos negocios da marinha e ultramar, e Ricardo Augusto Leite Esteves, amanuense da mesma secretaria. — E eu, Francisco Joaquim da Costa e Silva, secretario geral do ministerio, em firmeza de tudo e para constar onde convier, fiz escrever, rubriquei e subscrevio presente termo, que vão assignar commigo os mencionados outorgantes e mais pessoas já referidas, depois de lhes ter sido lido. = José Vicente Barbosa du Bocage = E. Pinto Basto & C.ª = Fui presente, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens = José Estevão Clington = Ricardo Augusto Leite Esteves = Francisco Joaquim da Costa e Silva, secretario geral.
Palacio das côrtes, em 22 de maio de 1883. = João Ribeiro dos Santos, vice-presidente = Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita, deputado secretario.
O sr. Presidente: — Está em discussão.
O sr. Pires de Lima:— Sr. presidente, eu desejaria ser esclarecido pelo governo sobre algumas duvidas que a leitura d’este projecto suscita em meu espirito. Este projecto diz no § unico o seguinte.
(Leu.)
Quer dizer, o governo contratou com uma companhia a navegação entre Lisboa e a nossa provincia ultramarina de Moçambique. O subsidio que o governo dá para esta empreza é de 72:000$000 réis, segundo o que se diz no paragrapho que acabo de ler. Esta despeza deve ser paga metade pela metropole e metade pela provincia.
Mas, sr. presidente, eu não sei onde a provincia ha de ir buscar os 31:000$000 réis, porque, abrindo o orçamento, vejo que a provincia de Moçambique tem um deficit de 51:702$905 réis.
Ora, se ella tem hoje um deficit de quasi 52:000$000 réis, não comprehendo bem como ella ha de dar 31:000$000 réis para a navegação ou para a realisação das condições d’este contrato.
Estou certo que o sr. ministro da marinha me ha de dar as mais cabaes e satisfactorias explicações a este respeito, de modo a fazer desapparecer do meu espirito as duvidas que tenho.
Mas, ha mais ainda. O governo tinha feito em tempo um contrato com uma companhia, que se obrigava a communicar a metropole não só com Moçambique, mas tambem com Goa.
Esta companhia, se me não engano, recebeu ao principio de subsidio £ 9:000 ou 40:500$000 réis, e depois este subsidio foi reduzido a 39:150$000 réis.
Pelo contrato que se vae realisar agora deixa de existir a communicação entre a metropole e a nossa India, e fica unicamente obrigada a empreza a estabelecer a nossa communicação com Moçambique, e, comtudo, o subsidio é muito mais avultado.
Não sei como explicar isto.
Peço, pois, ao sr. ministro da marinha que me elucide a este respeito.
Por emquanto nada mais tenho a dizer.
(S. exa. não reviu este discurso.)
O sr. Ministro da Marinha (Barbosa du Bocage): — Sr. presidente, o digno par, o sr. Pires de Lima, impugna o contrato em discussão por duas rasões:
l.ª Porque se paga um subsidio mais elevado, comquanto se trate apenas de communicar Lisboa com os portos de Moçambique;
2.ª Porque uma parte avultada do subsidio tem de ser paga pela provincia de Moçambique, a qual tendo déficit não o poderá pagar.
Não ha duvida que se paga maior subsidio e se não contempla n’este contrato a navegação para a Índia portugueza. As vantagens, porém, que devem auferir-se d’este con-
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trato são taes que de sobra hão de compensar tal augmento de despeza.
No relatorio que precede a proposta de lei, nos pareceres das commissões que unanimemente o approvaram, vem claramente exaradas as rasões que o justificam. Tratarei, por isso, de contrahir a minha argumentação aos pontos mais essenciaes.
Em Lourenço Marques temos o melhor porto da Africa oriental, facilmente accessivel a navios de maior tonelagem e sufficientemente abrigado; ligado que seja por um caminho de ferro com o Transvaal, será tambem o maior emporio do commercio d’aquella região.
Ora, o projecto que se discute liga directamente Lisboa e a Europa com Lourenço Marques, reduz de cincoenta a trinta dias a duração da viagem, permitte assim o immediato desenvolvimento do commercio n’aquelle ponto, auxilia desde já quaesquer tentativas tendentes a desenvolver ali a agricultura, vem prestar auxilio efficaz á realisação do caminho de ferro do Transvaal.
O commercio, dizia eu, desenvolver-se-ha desde já e rapidamente era Lourenço Marques. Provam-o factos recentes: já no anno passado veiu do Transvaal a Lourenço Marques uma grande caravana com intuitos commerciaes. Não alcançou grandes resultados, porque não encontrou ali mercado suficientemente provido onde se abastecessem, e comtudo consta-me que igual tentativa se repete este anno, e espero que de melhores resultados.
Ora o commercio de Transvaal, que hoje se faz quasi exclusivamente pelo Natal, representa, segundo calculos que devo suppor exactos, uma somma não inferior a um milhão esterlino; e a muito maior algarismo se elevará por certo quando a existencia de um caminho de ferro entre Lourenço Marques e Pretoria estabelecer fáceis relações entre uma grande porção do territorio do Transvaal e o litoral, relações hoje quasi impossiveis, e alem d’isso permitir a exploração das minas que se acham profusamente espalhadas pela região oriental da republica dos boers.
E considere-se ainda, sr. presidente, a influencia que estas communicações directas, rapidas e seguras, com o porto de Lourenço Marques deverá ter no desenvolvimento agricola d’esta vasta região, eminentemente propria, como todos sabem, para a cultura da canna do assucar e de outros generos de lucrativa exportação, e ha ce reconhecer-se que se não pagam caro as vantagens que se vão auferir.
Chamarei tambem a attenção do digno par para as importantes alterações que o contrato introduz na navegação propriamente colonial. Até aqui, pelos vapores da British india, os passageiros e carga, que embarcavam em Lisboa para os portos de Moçambique não sómente tinham uma viagem demoradissima mas a carga principalmente, difficilmente chegava aos pontos do seu destino.
A carga embarcada de Lisboa para Quilimane ou Lourenço Marques ia algumas vezes para Groa, ou ficava em Aden, e em qualquer dos casos só mui tarde, ao cabo de mezes, chegava ao seu destino, muitas vezes deteriorada pela demora. Em taes condições as relações de commercio entre Lisboa e Moçambique não podiam desenvolver-se, e os negociantes d’aquella provincia tinham de abastecer-se do Natal, apesar de receberem d’ali gravados com direitos assas fortes os artigos que em melhores condições poderiam importar de Lisboa.
Se o digno par quizer examinar com attenção os artigos do contrato que se referem á navegação entre os portos de Moçambique e até ao de Zanzibar, o seu esclarecido espirito ha de comprehender que a navegação entre Moçambique e os portos da Índia fica salvaguardada, como o devia ser, attenta a importancia que já vae attingindo o commercio entre a nossa provincia de Africa oriental e a India.
Só de per si as importantes alterações introduzidas no serviço colonial valem o augmento do subsidio.
Porém, dirá ainda o digno par, não se attendeu no contrato ás communicações de Lisboa com a india, e da interrupção de taes communicações podem resultar grandes inconvenientes para o commercio da metropole.
Respondo ao digno par que no contrato não se podia attender a tudo, nem era conveniente mesmo que simultaneamente o governo se occupasse de ambos.
O digno par sabe de certo que o nosso commercio com a India é insignificante. Em 1881 as mercadorias exportadas para as provincias portuguezas da Ásia não attingiram 25:000$000 réis; ha a subtrahir d’aqui 7:000$000 a 8:000$000 réis, pelo menos, como valor das mercadorias enviadas para a China, e temos que o valor do nosso commercio com a India não vae alem de 16:000$000a 17:000*000 reis!
Tambem ninguem ignora que ha já actualmente fáceis relações entre os portos de Bombaim e os da Índia portugueza, e que estas relações augmentarão ainda quando se ultimar a construcçao do caminho de ferro de Mormugão. Da Europa para a India ing.eza ha pelo menos tres linhas de vapores, das quaes uma toca em Lisboa, outra faz escala por Gibraltar, outra parte de Marselha.
É possivel que a British India continue a fazer escala por Lisboa; quando, porém, assim não succeda, sempre haverá modo de se transportarem passageiros e de se remetter carga para a India portugueza, por qualquer das outras linhas, que se irão procurar aos seus portos de escala, com algum tenue augmento de incommodo ou de despeza.
Mais tarde, e em mais favoraveis condições, o governo poderá contribuir com algum diminuto subsidio para a navegação da India, se o tiver por absolutamente indispensavel.
Estranha o digno par, o sr. Pires de Lima, que se inscreva no orçamento de Moçambique uma parte do subsidio que se ha de pagar á Castls Mail Company. E o que já se fazia com relação ao contrato de British India; a provincia de Moçambique contribuia com 3.500$000 reis Agora terá de concorrer com 3l:000$000 réis; tambem a navegação colonial vae melhorar consideravelmente; e o incremento que vão ter os rendimentos de Lourenço Marques, e a salutar influencia que aã de irradiar dali sobre toda a provincia, hão de compensar largamente este augmento e supprimir dentro em pouco o deficit da provincia.
Parece-me que as explicações que tenho dado terão conseguido satisfazer o digno par.
O sr. Pires de Lima: — Sr. presidente, o governo celebrou com uma companhia um contrato de navegação entro Lisboa e Moçambique, promettendo dar a essa companhia um subsidio de 72:000$000 réis, quantia que, segundo o projecto, será paga metade pelo governo e outra metade pelos cofres da provincia de Moçambique. Ora, eu pergunto: tendo a provincia de Moçambique um deficit de 50:000$000 réis, como ha de ella pagar 35:000$000 réis?
Diz o sr. ministro da marinha que é verdadeira esta minha observação, mas que pelo grande desenvolvimento que aquella provincia vae ter, precisamente em consequencia d’este projecto, em breve haverá um saldo que daria para isso.
Ora, sr. presidente, o artigo 15.° d’este contrato diz que o contrato vigorará até l5 de setembro de 1888, e n’este curto praso parece-me impossivel que a provincia de Moçambique não só esteja sem deficit mas tenha até um saldo tão importante que lhe de para pagar este subsidio.
O sr. ministro da marinha póde dar largas á sua phantasia, mas o que não poderá é convencer-me a mim, nem á camara, de que esta provincia do ultramar passará subitamente do seu estado de abatimento a uma tão grande prosperidade, que possa pagar promptamente a parte do subsidio que lhe determina esta lei. O § unico do artigo 1.° do projecto poderá sim anaun-
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ciar uma bella esperança com a sua realisação = para um futuro longiquo; mas parece-me demasia de imaginação antever-lhe a realisação no curto espaço de cinco, annos.
Sr. presidente, o que realmente se vê é que este contrato é muito peior do que o antigo.
Pôr este contrato o estado vae dar muito mais, recebendo muito menos. Pelo antigo contrato dava o estado pela communicação de Lisboa com Lourenço Marques réis 39:l50$000, o sr. ministro da marinha não póde negar isto, e hoje vae dar 72:000$000 réis quasi o dobro quaes eram os resultados que o estado tirava do subsidio que dava.
Tirava dois beneficios, primeiro a communicação directa entre Lisboa e Moçambique, segundo a communicação entre a metropole e Goa.
Agora pelo novo contrato subsiste o primeiro beneficio e apparece o segundo, logo o estado recebe menos e dá mais, e o sr. ministro da marinha não me deu uma unica rasão pela qual eu me podesse convencer de "que estava em erro.
nos tambem o sr. ministro o systema que ia adoptar na administração na gerencia da sua pasta, se nos que tendo nós uma grande area territorial nas colonias, mas ao mesmo tempo sendo pouco abundantes os recursos do thesouro, entendia que, o que devemos fazer, é escolher de entre as colonias aquellas que porventura tiverem maiores elementos de vida e desenvolvimento, e que n um futuro mais proximo possam entrar n’um periodo de prosperidade, e então dotal-as, a essas, dentro dos recursos do thesouro com a maior somma de melhoramentos e acrescentou que Moçambique estava n’este caso e por isso devia-mos fazer uma co
communicação directa entre a metropole é Moçambique.
Mas eu vejo nas palavras do nobre ministro da marinha alguns argumentos, que vem corroborar aquillo que eu disse.
S. exa. notou que na Índia ha hoje um movimento commercial importante por causa do caminho de ferro de Mormugão.
Pois bem. Se ha grande prosperidade em Mormugão, a consequencia lógica do systema exposto por s. exa. é communicar desde já a India com a metropole. Pois é precisamente n’esta occasião que o sr. ministro da marinha diz:
«Por em quanto faço só um contrato de communicação entre Moçambique e Lisboa.
«Não me importo com Mormugão, porque póde dizer-se que o seu estado é prospero.
«Preciso de promover, a prosperidade de Moçambique pondo-a por este contrato em communicação com a metropole.»
Parece-me que este procedimento não é o mais regular, nem o mais logico. Mas notou o sr. ministro da marinha que, se fica supprimida agora a communicação entre a metropole e, Goa, mais tarde se poderá fazer um novo contrato para esta communicação.
Mas n’este caso devo dizer ao sr. ministro da marinha, que a despeza deve ser extraordinaria, porque alem da communicação com Moçambique, que nos vae custar muito cara, temos de fazer um novo contrato entre Mormugão e Lisboa, e portanto haverá um dispendio muito maior.
Mas, voltando outra vez a Moçambique, o sr. ministro fallou do progresso provavel ou possivel d’aquella provincia, e principalmente de Lourenço Marques, que estava destinada a ser um porto importante, por onde haviam de ser exportados os productos das minas do Transwal, cujo movimento s. exa. avalia em 1.000$000 libras esterlinas approximadamente.
Alem d’isso fallou no desenvolvimento agricola d’esta provincia e no incremento que a sua receita vae ter.
Sr. presidente, o desenvolvimento agricola de Lourenço Marques por emquanto é muito pequeno nem podia deixar de o ser, porque é escasso o numero dos seus habitantes, o que é um obstaculo a esse desenvolvimento, porque significa a falta de braços.
Sr. presidente, eu não quero que a provincia de Moçambique fique privada das relações dos seus portos com a metropole.
Entendo, entretanto, que não devemos ir dar mais dinheiro para subsidiai1 essas relações do que aquelle que davamos para manter, não só essas relações, mas tambem as que tinhamos coma nossa India.
Depois de concluido o caminho de ferro de Lourenço Marques, o desenvolvimento d’esta provincia deve ser importante, porque diversos productos commerciaes que do interior vem agora ao porto do Natal para ahi embarcarem, affluirão então ao porto de Lourenço Marques, que se tornará um porto de grande exportação, do que resultará não só o enriquecimento da provincia, mas de que tambem reverterá proveito para a metropole.
Eu quero crer em tudo isto; más como o caminho de ferro de Lourenço Marques está muito longe dá sua conclusão, sou de opinião que é muito cedo, e tanta antecipação nos nossos sacrificios torna-os perfeitamente inuteis.
Com isto não quero eu dizer que se deva conservar a provincia de Moçambique separada da metropole, mas quimera menos dispendiosa a communicação, porque d’ella não espero, nem para tão cedo, nem tão vantajosos os resultados que possam justificar um contrato que reputo oneroso.
O sr. ministro da marinha ponderou, referindo-se ás condições do contrato antigo, que havia reclamações; que a navegação não se fazia de uma maneira regular que havia baldeações, que havia atrazos e grandes incommodos.
Eu creio que estes factos narrados pelo sr. ministro são exactos; mas tambem creio que o subsidio que o governo der a esta empreza não impedirá que haja as mesmas reclamações, os mesmos atrazos e os mesmos incommodos.
Essas reclamações podem até certo ponto evitar-se desde o momento em que não haja indulgencia para com a empreza quando ella não cumpra as condições que a obrigam.
Estou convencido de que por este modo as reclamações haveriam de cessar.
O sr. ministro, respondendo ás minhas observações, ponderou que com este contrato não ficavam supprimidas as communicações subsidiadas entre a metropole e Goa, e que as relações entre Goa e Bombaim.
(Interrupção do sr. ministro da marinha.) - É exactamente d’essa falta que me queixo.
A isso não respondeu o nobre ministro.
Eu não me julgo competente para tratar d’este assumpto. Apresentei apenas as duvidas que existiam no meu espirito.
O sr. ministro tem de certo muitas informações, e portanto póde expor á camara os fundamentos que teve para celebrar este contrato, que eu, por mim, continuo a julgar menos conveniente.
Tenho dito.
(O orador não reviu este discurso.)
O sr. Ministro da Marinha: — Sr. presidente, direi apenas o indispensavel para completar a resposta que tive a honra de dar ao digno par, o sr. Pires de Lima.
Não procurarei justificar as minhas asserções, entrando em considerações mais desenvolvidas, porque ellas estão nos pareceres das commissões e no relatorio que precede a proposta de lei.
A grande importancia que tem o estabelecimento de relações directas e de communicações mais rapidas entre Lisboa e Lourenço Marques, apreciam-na bem todos os que teem perfeito conhecimento do que é e do que póde vir a ser aquella nossa vasta provincia de Africa oriental.
Lourenço Marques, como já. disse, estava quasi a sessenta dias de viagem. Os passageiros dentro d’este praso ainda conseguiam chegar aquelle porto mas as mercadorias gastavam de ordinario muitos mezes, por ficarem es-
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quecidas em Aden, ou por terem sido mandadas por engano para outros portos, e quando chegavam estavam muita vez deterioradas.
Disse o digno par que esperássemos por um periodo de maior prosperidade. Pois é exactamente para attingir esse periodo de prosperidade, que todos desejamos, que eu procurei estabelecer esta navegação directa e rapida, condição essencialissima para que Moçambique prospere.
E esta opinião não é só minha é partilhada por todos os membros das commissões do ultramar e de fazenda.
Não ha duvida que este contrato não considera a navegação directa de Lisboa para a India. No emtanto, não resulta d’ahi a interrupção das nossas relações em Goa.
Todos sabem que passageiros e carga podem aproveitar-se, com pequeno incommodo mais, e com tenue dispendio, de qualquer das tres linhas inglezas e franceza, indo procural-as a Gibraltar ou a Marselha, ou, ainda, aos portos do norte. Isto na hypothese de que a «British India» supprime a escala de Lisboa, o que não é ainda certo.
Para não cansar mais a attenção da camara em assumpto que a grande maioria dos membros d’esta casa, sem distincção de cores politicas, consideram do mesmo modo que eu, porei termo ás minhas explicações.
O sr. Pires de Lima: — Ouvi com toda a attenção as considerações apresentadas pelo nobre ministro da marinha, e das palavras que proferiu concluo que s. exa. é de opinião que, para melhorar algumas colonias de Africa, devemos impor excessivos sacrificios á metropole e devemos cortar as communicações entre Lisboa e Goa.
Eu tenho um grande amor ás nossas provincias ultramarinas, mas adoro muito mais a metropole, e vejo que o illustre ministro tem principios em diametral opposição com as minhas idéas. Quero que a metropole acuda ás provincias ultramarinas, mas não sou de parecer que esse auxilio vá ao ponto de se sacrificar por ellas, e muito menos entendo a conveniencia de cessar a communicação entre Lisboa e Goa.
Diz o illustre ministro que as relações commerciaes entre a nossa, cidade e Goa são actualmente insignificantes, mas não affirma s. exa. que o commercio que ha annos havia entre Lisboa e, algumas das nossas possessões, de limitado que era, se desenvolveu muito, e que revela tendencias de augmento e de grande prosperidade?
Pois que rasões ha para que se duvide que o movimento commercial entre Lisboa e a capital da Índia chegue a um certo grau de augmento? Em que bases assenta a resolução de se cortar a communicação directa entre Lisboa e Goa?
Acrescenta o illustre ministro que ha de trazer mais tarde um projecto que tenha por fim o estabelecimento de uma communicação directa entre os dois pontos. E porque ha de ser mais tarde e não hoje, quando, no fim de contas, as condições do novo contrato são inferiores ás do antigo? O antigo impunha-nos o pagamento de quarenta e tantos contos, e o novo, que está submettido á apreciação d’esta camara, obriga-nos a um dispendio de setenta e tantos, reduzindo-nos, note-se bem, á necessidade de mais tarde fazermos novo contrato especial para a communicação com Goa!.
Melhore-se Moçambique, trate-se do engrandecimento d’aquella provincia, mas façamos isto sem prejudicar a metropole e sem prejudicar as relações da nossa provincia de Goa, justamente quando essa provincia vae entrar em uma epocha de prosperidade.
(O orador não reviu,)
Posto o projecto á votação, foi approvado na generalidade e na especialidade.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA
Continua a discussão do orçamento de despeza da junta do credito publico
O sr. Mendonça Cortez: — Começou por estranhar na discussão se antepozesse o orçamento da junta do credito publico ao do ministerio da fazenda, alterando-se por esta fórma a ordem que logicamente n’ella se devora manter. Não obstante, acatava a resolução que n’este sentido a maioria tomara, porquanto lhe cumpria votar como entendesse.
Em seguida, entrando na apreciação do orçamento da junta, notou que a sua dotação augmentara, e havendo alguma differenca entre o por ella apresentado e o do sr. ministro resumiu, as rasões que a seu ver a motivara, juntando que a tal proposito faria ainda algumas observações, se a ventura lhe permittisse que s. exa., o sr. presidente, lhe prestasse attenção.
(O sr. presidente do conselho certificou-o de que estava attentissimo.)
Advertiu-lhe, porém, o orador que não se refirira a s. exa., mas ao sr. presidente da camara e proseguindo logo no que se propozera, depois de ampla e copiosa leitura de varias prescripções legaes e de fazer amiudadas referencias aos juros da divida fundada interna, bem como a diversos factos relativos á gerencia dos negocios da junta nos annos anteriores, comparado tudo com o projecto em discussão, surgiu por ultimo na inferencia de que as verbas d’este eram uma transparentissima illusão, visto como o sr. ministro frequentemente exorbitava das concedidas. Alem d’isto, se bem ás vezes, segundo em assumptos financeiros devem fazer todos os ministros, s. exa. pedia mais do que era presumivel gastar-se, comtudo succedia que nem sempre tornava extensiva essa boa doutrina ao que mais devera importar.
Alludindo depois á troca do cambios, e ao toque do oiro e prata de varias nações estranhas, censurou que um dos elementos de calculo fosse a libra esterlina, por já vir cerceada e ser esse o motivo da sua exportação para Portugal, quando ainda mesmo estando ella no seu estado perfeito, era superior o toque do oiro portuguez. Parecia-lhe, pois, que com os elementos que viera de subministrar, se poderia achar approximadamente o valor normal da libra ao par.
Mas attento o cambio designado no orçamento, aliás bem elaborado, e o que havia a despender com os empregados da agencia financeira e respectivo expediente, e outrosim com os juros em circulação na posse da fazenda, resultava, quanto aquellas, a necessidade de pagar cincoenta e tantos mil réis a mais e, quanto aos ultimos 18:000$000 réis. E não se taxassem de insignificantes estas verbas, pois se fosse a comparar-se a administração da divida publica portugueza com os seus proprios juros, chegar-se-ia ao triste corollario de estarmos na cabeça do rol das nações que fazem maior despeza. E no proposito de comprovar esta asserção, passou em revista a Prussia, a Austria, a Bélgica, a Dinamarca e a Inglaterra, reiterando que era effectivamente Portugal a nação que mais alardeava em luxo de administração.
Porém, sendo possivel contestar-lhe o sr. ministro quanto vinha de asseverar lhe, valendo-se a esse fim da circumstancia de alguem o exalçar como o primeiro dentre os melhores financeiros e por estar o seu nome vinculado a importantissimos melhoramentos, desde já o atalhava nos seus designios e do modo seguinte: que presidindo s. exa., haveria approximadamente já uns treze annos successivos, aos negocios publicos como ministro da fazenda, por tão dilatado este praso de tempo, lhe pertencia, ainda que maior, proporcional quinhão na responsabilidade do augmento da divida publica. Conseguinte evidentemente devera antes apresentar-se como um activo cooperador d’esses melhoramentos, porém jamais como o primeiro.
Finalmente, o orador poz termo ao seu discurso, com a chegada do relator da commissão de fazenda, protestando que seria desconsideral-o deixar de analysar o seu respectivo parecer; e posto que o devesse fazer só quando se discutisse a lei de receita publica do estado, no emtanto antecipar-se-ia caso lho permittisse o sr. presidente da camara,
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(O discurso será publicado, na integra se por acaso s. ex. nol-o devolver.)
O sr. Presidente:— A lei não está em discussão.
O Orador: — Então desde já peço a palavra para quando ella se discutir.
Devo, porem, dizer que no parecei da commissão de fazenda, a primeira impressão que senti ao lel-o, foi de um grandissimo pezar, quando observei que algumas da verbas que se apresentaram ao meu espirito, em medonhos milhares de cifras, vinham reduzidas a meia dezena de milhares, julgando então que tinha havido diminuição nas despezas publicas, de que tinha provindo aquelle milagroso resultado.
Depois, porem, de analysar o parecer, o enthusiasmo desappareceu de prompto, e por isso desde já peço a palavra para quando se discutir a lei da receita.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): —Tivesse eu a pretensão de ser o primeiro em alguma cousa, que não o desejara ser senão em manifestar o profundo respeito e attenção que me merece o digno par, o sr. Mendonça Cortez, muito embora em tudo mais fosse o ultimo.
Sr. presidente, ouvi, pois, com toda a attenção ò digno par, e supposto eu não concorde com a opinião de s. exa., não tenho duvida, todavia, em declarar que o seu discurso provou mais uma vez a sua grande illustração e profundos conhecimentos.
O assumpto que se discute é de sua natureza restricto, não se prestando, portanto, a grandes divagações; e comtudo s. exa., discutindo-o conseguiu entreter a camara por bastante tempo.
A junta do credito publico é uma instituição cuja dotação está marcada no orçamento geral do estado, cujo calculo de despeza é pouco sujeito a erros.
Existe uma certa divida publica interna, assim como tambem existe uma determinada divida externa, e a tudo isto corresponde um juro preciso e determinado.
Ha, comtudo, uma parte que póde variar, e a esta se referiu, tambem, o digno par, o sr. Cortez: é a despeza feita com os empregados.
Alem d’isso, n’este mesmo projecto, que estamos discutindo, se nos apresenta uma differença relativa ao juro da divida externa fundada; mas, n’esse ponto, o digno par deve considerar que, ainda assim, as contas da gerencia dos diversos annos provam que esta despeza é em uns maior, em outros menor, comquanto a differenca não seja muito grande.
Mas, admittida ella, claro está que deve haver uma tal ou qual explicação.
O digno par referiu-se aos orçamentos de 1872, 1874, 1870 e 1877; mas nós estamos discutindo agora o orçamento para o futuro anno.
No orçamento da junta do credito publico ha algumas verbas que, por sua natureza, podem ser variaveis, como, por exemplo, a verba que diz respeito a cambios.
O digno par sabe perfeitamente que os cambios podem variar a despeito da vontade do governo.
Nós, por exemplo, temos que mandar uma certa porção de dinheiro de Lisboa para Londres, sendo que elle ha de variar, conforme estiver o cambio.
S. exa. sabe que o orçamento pôde, effectivamente, determinar um certo cambio, mas a praça é que póde não estar por essa determinação.
O governo calcula uma determinada verba, correspondente ao cambio que ha, quando se faz o orçamento; mas, se o cambio, na occasião da remessa do dinheiro, for maior ou menor do que está calculado, de certo haverá uma differença que não estava prevista no orçamentos .
O digno par referiu-se tambem á amortisação a cargo da junta do credito publico.
Sobre este assumpto não entrarei em largas considerações porque s. exa. tambem as não fez, e eu desejo muito ser cuidadoso na economia do tempo, e, portanto, não entrarei em minudencias.
É certo, sr. presidente, que existe na legislação em vigor a amortisação da divida interna, que diz respeito aos coupons da camara municipal.
Esses coupons amortisam-se, e, desde que são apresentados, têem forçosamente que ser pagos, se bem por vezes se apresentem em maior ou menor quantidade.
Ora, é claro que, dada esta alternativa, as contas da gerencia hão de, naturalmente, accusar a differença que d’ahi resulta.
Aqui está como eu, bem ou mal, respondo á observação do digno par.
Emquanto ao cambio, permitta-me s. exa. lhe diga ainda que tratou a questão scientificamente: foi buscar o valor do oiro e da prata, para o que alludiu á lei de 1854, e fez diversos calculos muito exactos.
Deixou, porém, de considerar pequenas modificações, as quaes aliás teem occorrido, e que, supposto pareçam insignificantes, alteram muito os calculos.
Supponhamos, no emtanto, que não havia modificação nenhuma, e que era exactamente o que diria o digno par; isso apenas serviria para a apreciação do cambio legal, isto é, do que resulta do valor intrinseco do metal; mas o cambio effectivo, aquelle de que nós estamos tratando, é o cambio formado pelas praçes, em consequencia de certas leis economicas.
Se assim não fosse... o digno par, segundo os seus gestos, está-me dizendo que não é assim; mas digne-se v. exa. de me continuar a ouvir.
Se não fosse esta a rasão terminante, é claro que o cambio seria constante; mas a verdade é que elle varia muitas vezes de mez para mez, de semana para semana, e até de um dia para o outro, pela maior procura em consequencia da necessidade de ter em Londres o dinheiro necessario para o pagamento de uma certa quantia.
O sr. Mendonça Cortez: — Se v. exa. me dá licença é unicamente para rectificar uma asserção que me parece ou v. exa. não comprehendeu, ou, mais provavelmente, eu não consegui bem exprimir.
Não quizera, pois, que v. exa. estabelecesse um certo e determinado cambio, mas que marcasse um limite como já se tem feito.
O Orador: — O digno par acaba de confirmar o que eu ha pouco disse: desde que o cambio é variavel, que muda de mez para mez, e de dia para dia, o governo não podia estabelecer no orçamento o cambio determinado para fazer um pagamento num a certa epocha, não podia prever qual se seria n’essa occasião, e por isso fiz o que é costume fazer-se, e se tem feito nos annos anteriores, pois o cambio n’esta occasião, póde tanto ser prejudicial como favoravel ao governo, depende da oscillação.
(Observação do sr. Cortez que não se ouviu.) Mas o cambio ao par nem sempre existe, é quasi que aro, e o digno par sabe perfeitamente, porque tem dirigido superiormente um estabelecimento de primeira ordem na apitai, que nós não podemos calcular, senão o cambio hypothetico, o qual ha de ser necessariamente o do dia em que se fizer a operação.
E agora reparo eu na affirmação de um digno par, que tambem é conhecedor da materia, e me está indicando que tenho rasão. É o sr. Manuel Antonio de Seixas. (Riso.)
Ora, muito bem, isto é claro, toda a gente sabe isto. Riso.)
Agora, sr. presidente, tenho que responder ainda a certas observações apresentadas pelo digno par, não com o desenvolvimento com que s. exa. as apresentou, mas com aquelle de, que sou capaz de oppor & argumentação abundante de s. exa.
O digno par tratou a questão sobre um ponto de vista theorico, e eu tenho de o tratar debaixo do ponto de vista pratico.
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Permitia-me, todavia, v. exa. que eu responda agora ás observações que fez o digno par, o sr. Henrique de Macedo, especialmente ácerca da caixa economica, para o que mandou buscar á secretaria o proprio relatorio da junta do credito publico, onde vem descripta a despeza d’aquella caixa.
Não ha duvida nenhuma que a caixa economica não tem florescido, não tem tido o desenvolvimento que seria para desejar mas s. exa. não só tratou a questão segundo a sciencia economica, como ainda parece ter querido indicar que as rasões politicas é que impediram o desenvolvimento d’aquella instituição.
S. exa. attribue o pouco resultado que tem dado a caixa economica ao que chamou grande escandalo da nomeação dos empregados. É claro que eu não compartilho n’este ponto com a opinião do digno par, supposto não tenha de me defender directamente, porque não pertencia ao ministerio que fez essa nomeação. Todavia é for a de duvida que tendo sido creadas ao mesmo tempo a caixa economica e a caixa geral o depositos, pela mesma rasão pela qual uma floresce, devia florescer a outra; porque as nomeações do pessoal foram feitas ao mesmo tempo.
O facto, porém, é que em Portugal não ha aquillo a que os francezes chamam epargnes, e que os nossos compatriotas não estão habituados; nem tem propensão para as operações de credito, que podiam produzir a prosperidade d’aquella instituição. A propria circumstancia de estar estabelecida a caixa n’um terceiro andar, não prova nada, porque a outra, que tem florescido, tambem está n’um terceiro andar. Qual a rasão, pois, porque custa a subir a uma, e se sobe com facilidade a outra?
Se o digno par me diz que se tem feito pouca propaganda, a isso digo-lhe eu que sim. No emtanto, essa propaganda não pertence só ao governo fazel-a: pertence a todos nós.
Espero que o digno par esteja prompto a cooperar com todos nós, para vermos se é possivel persuadir o publico a que vá ali depositar as suas economias.
Emquanto á proposta da junta do credito, para o estabelecimento de um monte de piedade, acho-a muito importante nas suas tendencias e significação, mas surgem no meu espirito algumas duvidas ácerca da sua immediata applicação. Parece-me que o governo deverá propriamente auxiliar esta instituição, sem que todavia seja o gerente d’ella.
O unico monte de piedade em Portugal foi auctorisado por mim, em 1854 ou 1855, não me lembro ao certo em que anno, sendo ou ministro das obras publicas.
Fez-se a concessão a dois individuos, que escuso de nomear; e não seguiu avante. Já então eu estava convencido da vantagem de haver um estabelecimento que possa, por modico preço, occorrer ás necessidades pecuniarias, em que muitas vezes se encontrara os pouco favorecidos da fortuna.
Quanto a mim, receio que o proprio estado soja representante e gerente do estabelecimentos d’esta natureza, aliás protegidos por elle noutros paizes.
Tenho recommendado o estudo d’esse negocio a pessoa de perfeita competencia. Espero o seu resultado.
Hei de examinar depois a consulta que me fizerem, e talvez chegue a convencer-me da conveniencia de adoptar o mencionado alvitre.
Lembro apenas uma cousa ao digno par.
Esta instituição deve, a principio, ser muito bem recebida, porque toda a gente, que vae empenhar objectos de pequeno valor n’uma d’essas casas, onde se empresta dinheiro sobre penhores, está sujeita á exorbitante usura que entra em grande parte d’estes emprestimos, e a somma que recebe é relativamente insignificante.
Por consequencia, desde que exista uma instituição que de aos mutuarios uma quantia maior, exigindo-lhes menos juros, essa instituição ha de agradar.
Mas todos sabem que um numero consideravel dos objectos que se empenham, são os mais necessarios para a vida; e quando em occasiao propria for necessario vender esses objectos, para reembolso do dinheiro que se deu por elles, então parece-me que o descredito sobre o estabelecimento publico, de que se trata, ha de annullar o beneficio que d’elle se poderá esperar.
Por consequencia, entendo que talvez não seja conveniente (e digo talvez, porque no momento actual a minha opinião é esta), crear desde já um estabelecimento d’esta natureza, dirigido pelo estado.
Aqui têem os dignos pares como posso responder ás observações, aliás sensatas, que s. exa. fizeram sobre o orçamento, na parte que se discute.
Entendo não dever alongar mais as minhas considerações, porque pouco tempo nos resta para discutir o orçamento.
Isto não quer dizer que os dignos pares o não possam discutir como quizerem, mas apenas que devo proceder d’este modo.
O sr. Conde do Bomfim (sobre a ordem}: — Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra, relativo aos professores militares.
Leu-se na mesa e foi a imprimir.
O sr. Francsco Costa (sobre a ordem):— É para mandar para a mesa tres pareceres da commissão de fazenda.
Leram-se na mesa e foram a imprimir.
C sr. Mendonça Cortes: — Sr. presidente, poucas palavras direi em resposta a algumas observações feitas pelo sr. presidente do conselho.
Preciso, porém, justificar umas asserções que fiz ha pouco.
Disse o sr. presidente do conselho que o cambio não póde ser previamente fixado, porque elle póde ser maior ou menor.
Mas eu devo dizer que me parece que se póde fixar um cambio medio, ao par.
Indiquei os elementos para que isto se possa levar a effeito.
Fixar no orçamento precisamente o cambio ao par, seria de certo um contrasenso.
O que antes se deveria fixar era o cambio natural.
Nada mais tenho que dizer.
O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vae votar-se o orçamento da despeza da junta do credito publico.
Foram lidos na mesa e em seguida approvados os seguintes capitullos de despeza da junta do credito publico.
Junta do credito publico
Encargos da divida interna
Gratificações aos membros da junta e ordenados aos empregados ..„..,.„..,..... 34:350$000
Juros:
De titulos na circulação. ................ , ......................... 6.212:114$079
Dos titulos na posso da fazenda ...... ................ ..... ......... 862:051$500 7.074:165$579
Amortisações ......................................... 3:670$036
Diversos encargos ....................................9:600$000
7.121:785$615
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Encargos da divida externa
Despezas com a agencia financial em Londres...........................16:244$775
Juros:
Dos titulos na circulação............................. 5.799:329$476
Dos titulos na posse da fazenda........................ 98:967$089 5.898:296$565
Amortisações...........„............................................... . —$—.
Diversos encargos......................................... 22:000$000 5.936:541$340
13.058:326$955
O sr. Presidente: — Vae ler-se na mesa o orçamento de despeza do ministerio da fazenda.
Foi lido na mesa o orçamento de despeza do ministerio da fazenda.
O sr. Presidente: — Está em discussão.
Tem a palavra o sr. conde de Castro.
O sr. Conde de Castro: —Sr. presidente, desejo chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para dois assumptos importantes e que dizem respeito ao ministerio que está em discussão. Estes são o nosso serviço das alfandegas e a pauta geral, que ambos estão reclamando urgentemente uma reforma.
O meu respeitavel amigo o sr. Barros Gomes, quando ultimamente foi ministro da fazenda, apresentou ás côrtes uma proposta de lei, reorganisando o serviço das alfandegas. Essa proposta foi discutida e approvada na camara dos senhores deputados, e nesta, depois de approvada a sua generalidade, chegaram a ser, discutidos e approvados alguns artigos na especialidade. Infelizmente aquelle governo saiu do poder, e o gabinete que se lhe seguiu entendeu não dever proseguir na discussão d’esse projecto.
Disse eu, sr. presidente, que este ramo de serviço carecia de uma immediata reforma, mas o sr. ministro nada tem feito. Que me conste, limitou-se a decretar uma nova edição da pauta, alterando, algumas das suas disposições preliminares. Mas esta alteração foi por tal modo desastrada, que o nobre ministro foi por muitas vezes instado para suspender aquelle decreto.
Resistiu é verdade a essas instancias, mas viu-se depois forçado a modificar essas alterações, porque eram repetidas as queixas do corpo commercial. Choveram então, permitta-se a expressão, as circulares sobre as casas fiscaes, e d’ahi provem a incerteza e a confusão que naturalmente resultam de esclarecimentos e modificações que se iam dando e fazendo á maneira que as reclamações se tornavam mais exigentes.
Ora que o serviço das alfandegas precisa de ser reformado, sobretudo no modo por que se fazem os despachos, estãono a dizer as queixas continuadas, por parte do commercio, que estamos lendo todos os dias nos jornaes, e não só nos jornaes, porque muitas d’ellas têem subido ao conhecimento do sr. ministro, directamente e por via do director geral das alfandegas.
Não ha, sr. presidente, a rapidez que devia haver nos despachos. Muitas vezes para se fazer o simples despacho de uma caixa de fazendas, quando ella contem objectos de diversa natureza e classificação, gastam-se uns poucos de dias! Ora, quer-me parecer que estando nós por um lado a dar impulso ás nossas relações commerciaes, pondo em acção todos os meios que o progresso nos proporciona, não devemos por outro lado deixar as casas fiscaes no atrazo em que estão, de ser necessario escrever e receber muitos papeis, de se andar repetidas vezes de umas mesas para as outras, encontrando-se emfim muitos embaraços e difficuldades, o que importa annullar todos os meios expeditos que a actual civilisação nos fornece. Mas ainda ha mais. Não ha muito tempo que eu li que na mesa da abertura, na alfandega de Lisboa, onde deviam estar dez verificadores, se encontravam tão sómente tres, e que na mesa do pateo em vez de seis se achava apenas um.
Isto que succede na alfandega do Lisboa, acontece tambem na do Porto.
Causa, porém, um grandissimo transtorno ao commercio, e os negociantes tendo protestado muitas vezes contra este estado de cousas, não conseguiram até hoje que os inconvenientes fossem removidos. Mas estes defeitos ou estas faltas que se notam nos despachos, dar-se-hão unicamente por culpa dos empregados?
Não me parece que assina seja, pois eu conheço empregados das alfandegas maritimas de l.ª classe de Lisboa é Porto,1 que são aquellas onde o movimento é maior, que são extremamente zelosos no cumprimento dos seus deveres; o sr. Fontes que gere a pasta da fazenda ha muitos anãos, melhor do que eu sabe que a maioria d’essa classe de servidores do estado executa religiosamente as obrigações dos seus cargos.
A causa, pois, dos inconvenientes que apontei, não está só no pessoal, mas sim e principalmente na má organisação do serviço, como passo a mostrar á camara.
Em primeiro logar ha uma grande falta de simplicidade no despacho.
É certo que ha muito quem supponha que um grande desenvolvimento dos diversos artigos ou dizeres da pauta contribuo para o bom exito do fisco, mas na minha opinião produz o efeito contrario.
Não me atrevo á pedir que a nossa pauta seja tão concisa como é a de Inglaterra, porquanto as relações commerciaes d’aquelle paiz são de uma ordem ou natureza perfeitamente especial; mas, emfim, parece-me que poderiamos tornar a nossa mais succinta, e em todo o caso menos complicada.
Voltando porém ao modo como se faz o despacho, lembrarei que, ha uns bons vinte annos, quando se ventilou esta questão na camara dos senhores deputados, um digno membro d’essa camara, o sr. Affonseca, depois de ter estudado cuidadosamente o assumpto, e de ter verificado como corria esse processo na alfandega de Lisboa veiu dar á camara uma relação minuciosa dos muitos papeis e conhecimentos que se exigiam para qualquer despacho, e a camara, diante d’essa numeros relação, não direi que ficasse maravilhada, mas pasmou.
O illustre ministro, deve recordar-se d’este facto, pois eramos collegas n’aquella camara. Hoje o serviço está melhor, mas ainda não satisfaz. E quando eu insto pela reforma, entenda-se bem que não peço uma reforma radical, porque pedil-a seria desconhecer os melhoramentos introduzidos pelas anteriores reformas.
No entretanto entendo que o expediente podia ser ainda muito simplificado, e que assim melhoraria sensivelmente este serviço.
Em 1864 tivemos a reforma feita pelo sr. conde de Valbom, a qual, providenciando para as diversas alfandegas e sobre todos os serviços d’ellas dependentes, deu um excellente resultado.
Mais tarde o sr. Braamcamp, em 1869 alterou algumas das disposições d’essa reforma, aperfeiçoando assim o que tinha feito o sr. conde de Valbom.
Não poderia eu, portanto, vir dizer agora que ha tudo a fazer.
A final, em 1881, o sr. Barros Gomes, para remediar
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os defeitos que existiam e ainda existem na organisação actual das alfandegas, apresentou uma proposta de lei que elle elaborou, procurando ir de accordo com as indicações dos homens que reputava mais esclarecidos e competentes na materia.
Esta reforma, porém, foi victima da ultima mudança politica; occorreu então a apresentação de uma moção, que determinou a queda do ministerio, e isto na occasião mais impropria, justamente quando se estava em caminho de resolver a questão de fazenda, diligenciando o melhor modo de igualar a receita com a despeza.
Agora pergunto eu qual foi a rasão por que o ministerio presidido pelo sr. Sampaio não cuidou tambem de melhorar o serviço aduaneiro, adoptando esse projecto de lei?
Seria isso muito preferivel ao expediente que então se tomou de fechar muito á pressa o parlamento, entrando-se em uma dictadura, em uma mesquinha dictadura que não deu outro resultado senão o de se cobrarem os impostos sem as devidas auctorisações, não produzindo algum outro melhoramento, nem para as finanças, nem para o serviço publico.
Publicou-se, é verdade o regulamento para o serviço da fiscalisação externa das alfandegas, mas nós todos sabemos o que é esse regulamento e ainda mais qual foi a sua execução!
Creio que o sr. presidente do conselho não acceitou na outra camara a responsabilidade d’essa nova organisação dada ao corpo da fiscalisação, mas eu é que não sei se o nobre ministro a póde declinar de si, quer a consideremos moral, quer constitucionalmente.
Não póde constitucionalmente afastar de si essa responsabilidade, porque s. exa. alem de ter concorrido muito para a organisação d’aquelle gabinete, quando elle deixou de existir fez reconduzir dois dos ministros que passaram para o seu ministerio, e não podendo moralmente porque todos nós sabemos quem é que inspirava aquella situação, ou pelo menos quem era então a omnipotencia occulta.
Mas, voltando a tratar da mais conveniente organisação dos serviços aduaneiros, direi que a reforma do sr. Barres Gomes continha providencias muito acertadas, e uma d’estas e das primeiras era a que estabelecia mais intimas relações entre a direcção geral das alfandegas e as casas fiscaes, exigindo para os empregados da direcção o tirocinio das alfandegas, para que melhor possam apreciar os processos e resolver os negocios que sobem á mesma direcção geral. E isto é necessario porque, sem querer alludir a pessoa alguma, nem fazer censuras a ninguem, creio poder affirmar, sem receio de me enganar, que naquella repartição, cujo chefe aliás é muito competente, e que tem empregados tambem muito habeis, tem todavia alguns que nunca fizeram esse tirocinio nas casas fiscaes, o que me parece ser muito inconveniente.
Tambem por essa reforma os verificadares formavam uma classe á parte e deviam ter mais habilitações, pois é de absoluta necessidade que elles tenham uns certos conhecimentos technicos para bem poderem verificar e resolver as duvidas que diariamente apparecem. E para obviar á falta de verificadores nas alfandegas maritimas de segunda classe, creavam-se mais seis logares de verificadores.
O nobre ministro, n’esta tua ultima gerencia da pasta da fazenda, ha de ter reconhecido a falta d’esses empregados.
Havia ainda uma providencia importantissima, que era a que separava o quadro das alfandegas de 2.ª classe da raia. Parece que não, mas é realmente de um grande alcance para o bom serviço essa medida, porquanto hoje, segundo a lei, os empregados fazem escala para as alfandegas maritimas de l.ª classe exactamente por essas alfandegas de 2.ª classe da raia, onde quasi se não exigem habilitações nenhumas. E tão poucas que, não sei se era o sr. Heredia que muito espirituosamente dizia que para entrar no serviço das alfandegas bastava não saber nada!
Effectivamente assim acontece. Os aspirantes são nomeados para as alfandegas da raia; depois, e muitas vezes pelas recommendações, são transferidos para as alfandegas de l.ª classe, e collocados ahi como aspirantes; em breve trecho são chamados a verificai, na falta dos verificadores. Isto succede amiudadas vezes.
Ora, realmente, empregar no serviço difficil da verificação individuos que de ordinario não têem quasi nenhumas habilitações, deve ser; alem de prejudicial ao fisco, a causa de um grandissimo vexame para os negociantes, que perdem muito tempo até que tenham despachadas as suas fazendas.
Creio, sr. presidente, que deu já a hora, e, por isso, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a seguinte sessão.
O sr. Presidente: — Amanhã continua a mesma ordem do dia.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 11 de junho de 1883
Exmos srs. João de Andrade Corvo; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Penafiel, de Vallada; Condes, de Alte, do Bomfim, de Cabral, de Castro, de Ficalho, de Fonte Nova, de Gouveia, de Margaride, da Praia e de Monforte, de Valbom; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, da Arriaga, de Asseca, da Azarujinha, de Bivar, de S. Januario, de Moreira de Rey, de Soares Franco, de Villa Maior; Ornellas, Pereira de Miranda, Mello e Carvalho, Barros e Sá, Arrobas, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Pequito de Seixas, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Palmeirim, Basilio Cabral, Bernardo de Serpa, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Costa e Silva, Margiochi, Henrique de Macedo, Larcher, Jeronymo Maldonado, Abreu e Sousa, Mendonça Cortez, Gusmão, Pinto Basto, Reis e Vasconcellos, Ponte Horta, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Seixas, Pires de Lima, Vaz Preto, Franzini, Thomás de Carvalho, Ferreira de Novaes.