SESSÃO DE 1 DE AGOSTO DE 1887 777
defeitos, se não maiores, que lhe tinham apontado; combateram os progressistas as obras do porto de Lisboa e são elles que sem hesitar tratam de executar o que tinham criticado.
Conclusão: não se podendo conhecer differença entre os principios politicos dos partidos, não existindo entre as suas doutrinas economicas, falta-lhes o que em todo o mundo preside á sua constituição, logo não existem.
E a verdade é que não ha partidos em Portugal; ha outra cousa, ha patronatos. Ha patronos e ha clientes. Ha patronatos organisados desde a, mais humilde aldeia até aos centros politicos onde se debatem os grandes interesses do paiz.
É patrono na aldeia o cura ou o regedor; no concelho o administrador, o presidente da camara ou o proprietario que dispõe devotos e por consequencia delegares; no districto ou provincia o grande influente, que nem sempre é o grande proprietario, Vaz Preto ou Proença, Bivar ou Centeno, e quem está com um está contra o outro; finalmente, aqui onde as batalhas se ferem ha os marechaes, patronos de todos estes e clientes ainda do chefe, de partido, patrono que ha de submetter os seus nomes á sancção regia quando a patria reclamar os seus serviços.
Um facto de facil observação confirma esta verdade.
Em todos os paizes da Europa em que está implantado o regimen representativo, os partidos e ainda os differentes grupos em que elles se subdividem são conhecidos por designações que trazem logo ao espirito o conhecimento da idéa atacada ou defendida, do principio ou doutrina que combatem ou apostolisam.
Em Hespanha, os republicanos, por exemplo, são historicos, são radicaes, são federaes; em França ha direita, ha centro direito, ha centro esquerdo, ha esquerda, ha intransigentes, ha o grupo do appel au peuple; na Allemanha ha nacionaes liberaes, ha socialistas, ha o grupo do protesto.
Pois ao lado d'isto nós o que temos?
Serpaceos, hintzaceos, sopaceos, marianaceos, barjonaceos e não sei que mais.
Quem for estranho ao nosso viver politico e que ler esta resenha cuidará que tem diante dos olhos não a enumeração dos grupos que militam na politica portugueza mas a flora lusitana.
E quem quizer pertencendo á politica votar sempre com coherencia, medidas conservadoras se for conservador, progressistas se for progressista, a nenhum d'estes grupos póde pertencer mas ao dos papillonaceos.
Eu não sei, sr. presidente, se devo lamentar que o facto seja este, porque o que elle prova é que todos, sem excepção, somos liberaes, todos somos progressistas no sentido lato da palavra; por outro lado a desvantagem é manifesta: desde que não ha differença entre os principios partidarios os agrupamentos formam-se tendo por unica base o valor pessoal e a confiança que merecem os chefes escolhidos; consequencia total: quando se trata de atacar põem-se os principios de parte e atacam-se as pessoas, mas como felizmente o caracter da maior parte dos homens que teem presidido aos destinos do paiz é inatacavel, a calumnia é a arma mais usada.
A cada passo na politica portugueza a estamos vendo nascer, crescer, medrar, envolver-nos n'uma atmosphera mephitica, morrer muitas vezes, mas deixando sempre apoz de si o miasma que envenena. Eu nunca usarei de similhante arma, sr. presidente, farei mais e já o tenho feito, quando a vir empregada contra adversarios não hesitarei em os cobrir com o meu proprio corpo; ninguem nunca a usará impunentemente diante de mim, hão de mesmo os que estiverem ao meu lado encontrar-me entre elles e o calumniado; porque nada ha que mais me repugne que a calumnia.
E que o ataque pessoal é a norma das discussões parlamentares demonstra-o o que n'esta sessão se tem passado n'esta casa do parlamento. O governo tem apresentado medidas de grande alcance que devem transformar o regimen economico do paiz. Todas teem sido combatidas e o natural é que o fossem no campo dos principios se entre os partidos houvesse as differenças que se quer inculcar.
E que tem succedido? Os dignos pares da opposição levantam-se e a primeira cousa que dizem é que concordam em absoluto com o pensamento dos projectos e que apenas o combatem porque não lhes inspira confiança pessoal quem os apresenta.
O digno par o sr. Antonio de Serpa chegou n'este caminho até ao ponto de invocar a indole de desconfiança da legislação fazendaria do regimen representativo, para levar esta camara a desconfiar do sr. ministro da fazenda, esquecendo-se que este regimen ao lado da desconfiança da lei tem por base a confiança n'aquelles a quem incumbe applical-a. Esquecendo-se digo eu, mas a verdade é que tão singular doutrina só podia significar um ataque pessoal. Quer, dizer que até o sr. Antonio de Serpa, que costuma conservar-se tão elevado nas suas discussões, tão moderado nos seus ataques, não póde resistir á onda, e ainda que muito ligeiramente, caiu no erro commum.
Mas deixando esta ordem de considerações que me eram necessarias para explicar as rasões porque, saíado de um partido, julgo poder, sem, quebra dos principios, filiar-me n'outro logo que os individuos que o dirigem me inspirem confiança pessoal, continuo na rapida exposição do meu passado regenerador. Já disse á camara a rasão por que me não repugnou jurar a bandeira de Fontes Pereira de Mello; dir-lhe-hei tambem que poucas foram as manifestações partidarias em que tomei parte. Assisti apenas ás duas ultimas reuniões da maioria a que presidiu o chefe; á que teve logar sobre a queda do ultimo ministerio regenerador, e por signal não VI lá o sr. Serpa Pimentel, e á que se realisou para preparar a campanha eleitoral; tambem n'essa, se bem me lembra, não compareceu o sr. Serpa.
Pouco depois morreu Fontes Pereira de Mello.
Morto o chefe, embora a sua falta fosse insupprivel, embora com a sua morte tivesse desapparecido o maior elemento de vida do partido, julgava eu, e desejava-o, sr. presidente, que o unico meio para que esse partido não desapparecesse, se mantivesse e seguisse as grandes tradições que tão gloriosas eram, era que todos aquelles quer da velha quer da nova guarda que tinham sem tergiversações nem duvidas acompanhado o homem mais eminente do seu tempo, se unissem num só pensamento, se juntassem, se constituissem, e que o partido continuasse a proseguir na senda do progresso e da civilisação com grandes vantagens para o paiz.
Disse da velha e da nova guarda, porque o sr. Fontes, que governou este paiz como ministro e como politico durante trinta e tantos annos, durante um periodo maior do que aquelle em que Napoleão I governou a França, como elle teve de soccorrer-se a novos collaboradores, como elle teve a velha e a nova guarda, e em ambas teve Lannes e teve Bernadottes.
Pois eu queria que os Lannes se juntassem e embora não excluissem os Bernadottes, lhes não conferissem o commando.
A minha idéa, sr. presidente, era que todos os homens que tinham servido com lealdade e dedicação representassem o partido regenerador embora não tivesse chefe. Os chefes, julgo que foi o sr. Serpa Pimentel que o disse, não se elegem, impõem-se. Quando elles têem a auctoridade do talento não precisam que os elejam ou proclamem, bem depressa se elevam acima dos que estão ao seu lado.
Sr. presidente, foi n'este sentido que eu trabalhei e alguem aqui está que d'isto póde dar testemunho aberto e franco.
Tentei conseguir esse fim que entendi conveniente aos interesses do partido regenerador e do paiz, mas o meu trabalho foi infructifero o que não é para estranhar, porque