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N.° 60

SESSÃO DE 1 DE AGOSTO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

Leitura e approvação da acta. - O sr. Franzini apresenta um parecer. - O sr. Barjona de Freitas faz declarações politicas a proposito de um manifesto publicado nos jornaes, em que era proclamado chefe do partido regenerador o sr. Antonio de Serpa. - Sobre este incidente usam da palavra os srs. Fernando Palha, Thomás Ribeiro e Hintze Ribeiro. - Os srs. Barjona de Freitas e Hintze Ribeiro usam ainda da palavra, este pela segunda vez e aquelle segunda e terceira vez. - Os srs. conde de Castro e Francisco de Albuquerque apresentam pareceres. - O sr. Augusto José da Cunha apresenta uma representação e pede a sua publicação no Diario, que a camara auctorisa. - O sr. Vaz Preto dirige uma pergunta ao sr. ministro do reino, que responde ao digno par. - O sr. Margiochi apresenta uma representação e pede a sua publicação no Diario, que a camara auctorisa. - O sr. conde de Alte apresenta um projecto de lei. - Os srs. Silva Amado, conde de Campo Bello, Bandeira e José Tiberio apresentam pareceres. - Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 87. - A requerimento do sr. Henrique de Macedo, relator, adia-se a discussão para a sessão seguinte. - São approvados sem discussão os projectos de lei nos. 32, 48, 68, 63 e 62. - O sr. Serra e Moura manda para a mesa uma proposta, que é lida e approvada sem discussão.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 50 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda, guerra, justiça e dos negocios estrangeiros.)

O sr. Franzini: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Foi mandado imprimir.

O sr. Barjona de Freitas; - Disse que tendo apparecido hontem publicado em alguns jornaes de Lisboa um manifesto ou abaixo assignado, em que os signatarios, aliás nomes illustres e respeitaveis, declaravam ter escolhido para seu chefe o digno par sr. Antonio de Serpa, tinha de referir-se a este facto e fazer algumas declarações.

Se se tratasse de uma nova agremiação partidaria, se este facto fosse a affirmação da existencia de um novo partido, elle, orador, ao tomar a palavra, resumir-se-ia a saudar o novo partido, felicitando-o com a maior consideração pelos homens tão distinctos que o constituem.

O manifesto, porem, segundo n'elle proprio se vê, tem a sua rasão fundamental na necessidade de sustentar e estreitar a união dos homens que na politica militam sob a bandeira do partido regenerador, e desde este momento não podia deixar de causar-lhe espanto o facto de faltarem entre os signatarios d'aquelle documento os nomes de muitos membros do partido regenerador que pertenceram ao parlamento e alguns até a diversos gabinetes da regeneração.

Elle, orador, que havia muitos annos pertencia áquelle partido, e para elle vira entrar a maior parte dos signatarios do manifesto; elle que no parlamento ou no ministerio combatera pelo partido sempre ao lado do seu glorioso e chorado chefe, o sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, declarava que pela sua parte não tivera conhecimento do manifesto senão pela sua publicação nos jornaes. Não contaria a historia de quanto no seio do partido se tem passado desde a lamentavel perda do seu chefe, porque tudo deve ser considerado como que passado em familia; mas era já do dominio publico a chamada reunião dos cardeais, reunião constituida de todos os que haviam tido a honra de ser collegas do seu chefe em diversas situações regeneradoras, e ahi n'essa reunião propozera elle, orador, a convocação de todo o partido n'uma reunião publica, onde fossem discutidas as opiniões que se apresentassem discordes ácerca do caminho a seguir mais conveniente aos interesses do partido, para ser por todos seguida a decisão da maioria do mesmo partido.

Este teria sido o caminho, na sua opinião unico, a seguir, para evitar uma scisão no partido. Mas pelo manifesto vê que prevaleceu a opinião de se nomear desde já um chefe, apenas acclamado por alguns membros do partido e não por todo elle, não podendo elle, orador, deixar de notar que no mesmo manifesto são dadas ao novo chefe, como attribuições unicas, as de convocar a reunião dos membros do partido que pertençam ás duas casas do parlamento e nada mais.

Não se elegia um chefe para dirigir o partido nas luctas da politica, e com a força da sua superioridade e o prestigio da sua auctoridade no partido manter a união e a disciplina partidaria; elegia-se um chefe apenas para convocar a reunião dos partidarios, membros das duas casas do parlamento, o que era realmente tão urgente que não se elegeu no principio da sessão legislativa e elege-se quando a sessão vae findar em poucos dias.

Depois de tudo isto, e quando via que o fim attribuido ao manifesta era estreitar a união dos membros do partido, sem desmentir o grande respeito que tinha por todos os seus signatarios, não podia deixar de considerai-o uma suprema e verdadeira ironia.

Sentia e deplorava que a tal situação chegasse o partido regenerador, abalado pela grande perda do seu chorado chefe!

Onde estava o partido regenerador? Perguntava.

Era o d'aquelles que assignaram o manifesto?

Era o d'aquelles que o não assignaram?

Pedia ao menos que não lhe contestassem a elle e aos seus amigos o direito de manter e continuar a tradição liberal do partido que, por tantos annos, haviam defendido.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Fernando Palha: - Será talvez estranho que eu que nada valho e que apenas represento a minha propria individualidade tome a palavra para declarações depois do sr. Barjona, que tanta importancia e valor tem nesta casa.

Mas como ha muito que eu desejava definir clara e precisamente a minha situação n'esta assembléa, parece-me que não posso aproveitar melhor ensejo para o fazer, do

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que a occasião em que o documento a que acaba de se referir o digno par o sr. Barjona de Freitas provoca tantas declarações.

A camara desculpar-me-ha o tornar-lhe alguns instantes fallando a respeito da minha pessoa; mas perceberá que o que para ella nenhuma importancia tem, é para mim de primeira necessidade e que não posso deixar de historiar como estou e porque estou aqui.

Chegou a occasião de se extremarem bem os campos politicos e não quero que sobre mim haja equivocos.

E é certo, sr. presidente que não faço mais do que seguir exemplos dados já na actual sessão.

Ouvi ainda não ha muito tempo aqui um collega nosso levantar-se para dizer que pertencia a um determinado ministro; ouvi o digno par o sr. Manuel Vaz declarar que não pertencia ao governo, e por ultimo os signatarios do manifesto que provocou a declaração do orador que me precedeu não se dirigiam a esta camara mas ao para inteiro dizendo-lhe que pertenciam ao sr. conselheiro Antonio de Serpa, Pimentel.

A mim que pouco valho, tambem assiste o direito de declarar bem alto que não pertenço a ninguem, que não tenho compromisso algum e que estou no meu direito de assim o declarar sem receio de ser contradito.

A minha vida politica, sr. presidente, é muito curta. Ha pouco mais de dois annos não pensava sequer em entrar nas lides partidarias; o meu tempo gastava-o tratando da minha casa, dos meus negocios particulares e no convivio de amigos que, se enganam ás vezes nunca atraiçoam. Foi n'estas circumstancias que fui um dia procurado por um homem, que toda a gente chora, amigos como adversarios, que hoje se chora mais do que hontem, pelo sr. Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, que vinha pedir-me que acceitasse as candidaturas, que outra cousa me não podia offerecer, de membro d'esta casa e de presidente da camara, municipal de Lisboa.

Lisonjeou-me a offerta; lisonjeou-me não só porque na minha vida não havia precedentes que me indicassem para o desempenho de cargos tão importantes, mas porque na occasião em que para elles era procurado, acabava eu, como já tive occasião de dizer n'esta casa, de ser o alvo das mais vis calumniadas de uma parte da imprensa portugueza, e não podia eu deixar de orgulhar-me vendo que um homem que se chamava Fontes Pereira de Mello, desprezando como devia a baba que sobre mim tinham lançado os calumniadores, vinha pedir-me que acceitasse uma missão tão honrosa quanto difficil, como era sobretudo a de presidente da camara municipal de Lisboa, embora eu reconhecesse quanto era grande, apesar da escolha que me honrava, a minha insufficiencia para o cabal desempenho do cargo que se pretendia confiar-me.

De uma unica condição fiz depender a minha acceitação: que aquelles que me tinham confiado o mandato, de outro genero, que eu então desempenhava, acceitassem a minha renuncia; e impuz esta condição, não porque julgasse que havia incompatibilidade entre uma e outra funcção mas porque julgo que são tão pesadas as obrigações de quem toma a seu cargo uma parte da administração publica que quem o faz deve estar, tanto quanto possivel, desprendido de quaesquer preoccupações, que não sejam as que derivam dos interesses que lhe são confiados.

E quem não podér proceder por esta fórma melhor é que se abstenha da vida publica.

Satisfeita a condição, por mim imposta, acceitei, e desde esse dia julguei-me filiado no partido regenerador e fil-o sem hesitar, não só porque com tal chefe eu não podia receiar, seguindo a sua bandeira, o ter um dia de partilhar responsabilidades que me envergonhassem, mas porque, embora não applaudisse todos os actos do partido regenerador, muitos havia em que me honraria ter collaborado e que eram inspirados pelos principios liberaes que mais prezo.

E já que fallo em principios partidarios, permitta-me v. exa. e permitta-me a camara que eu diga algumas palavras a este respeito, aproveitando a occasião para me referir a umas phrases que foram aqui ha tempos pronunciadas pelo digno par o sr. dr. Senna.

S. exa. mostrou-se muito espantado por ver, que no mesmo partido, ao lado dos homens rasgadamente liberaes, se levantavam outros que, em certos e determinados assumptos, emittiam opiniões que se não harmonisavam com as apregoadas tendencias da facção a que estavam ligados.

O digno par não está presente, mas apesar d'isso eu direi que aquelle nosso illustre collega deu n'essa occasião uma grande prova da sua ingenuidade, e digo isto na ausencia de s. exa., porque lhe pedi licença para o fazer.

S. exa. que conhece perfeitamente o caminho que o pensamento leva até chegar aos ultimos esconderijos do cerebro, não conhece por igual as partes componentes do cerebro da politica do nosso paiz.

Onde ha, em que partido se encontram principios definidos?

Quem são os progressistas e quem são os conservadores?

Ha trinta annos, pelo menos, a distincção é difficil.

Ha nomes, ha classificações que differençam os chamados partidos, mas os factos não são a base d'essas classificações.

Dizem-se uns os paladinos das doutrinas liberaes e para o provarem apontam para a bandeira onde inscreveram a desvinculação e a desamortisação; respondem os contrarios apontando para a sua onde se lê codigo civil, reformas politicas.

Dizia-se conservador o partido de Fontes Pereira de Mello e comtudo é d'elle o codigo administrativo de 1878.

Chama-se progressista o partido que sempre lhe foi contrario, e o codigo com que no anno passado substituiu o de 1878, apesar de em parte ter caminhado contém disposições que fazem lembrar um regimen que supponho ninguem quer fazer reviver, o regimen obnoxio do codigo de 1842.

Á vista d'este e de outros factos que eu poderia citar, póde porventura dizer-se com precisão quaes são os principios que animam os partidos politicos portuguezes?

Não são pois elles o que os dividem; serão as doutrinas economicas?

Não, eu não o vejo pelo menos traduzido em factos.

Paizes ha em que muitas vezes, durante longos annos, os partidos luctam em volta de um facto da sua vida economica, sem que entre elles haja mais differença do que a diversa solução que preconisam para o problema a resolver.

Na America, por exemplo, n'esse grande paiz, que em tanta cousa póde servir de modelo, durante muitos annos democratas e republicanos, se combateram quasi exclusivamente porque uns queriam conservar o papel moeda e os contrarios queriam abolil-o.

Qreen-backs ou no green-backs eram os lemmas das differentes bandeiras e mais nada. Mas esse pouco representava uma differença essencial sobre um ponto tambem essencial da organisação economica do paiz.

Entre nós podemos fazer igual observação?

Ufana-se o partido regenerador de lhe dever a nação a quasi totalidade dos melhoramentos materiaes; allega o partido progressista que lhe não é contrario e que não pequena parte por elle foi realisada; e a rede de caminhos de ferro sonhada pelo actual ministro das obras publicas vem a feição para provar a asserção.

Nem sequer podem os partidos provar que dissentem sobre cada obra especial; feriram os regeneradores renhidas pugnas combatendo o caminho de ferro de Torres, caíu o partido progressista, e um dos primeiros actos do que lhe succedeu foi contratar o mesmo caminho com os mesmos

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defeitos, se não maiores, que lhe tinham apontado; combateram os progressistas as obras do porto de Lisboa e são elles que sem hesitar tratam de executar o que tinham criticado.

Conclusão: não se podendo conhecer differença entre os principios politicos dos partidos, não existindo entre as suas doutrinas economicas, falta-lhes o que em todo o mundo preside á sua constituição, logo não existem.

E a verdade é que não ha partidos em Portugal; ha outra cousa, ha patronatos. Ha patronos e ha clientes. Ha patronatos organisados desde a, mais humilde aldeia até aos centros politicos onde se debatem os grandes interesses do paiz.

É patrono na aldeia o cura ou o regedor; no concelho o administrador, o presidente da camara ou o proprietario que dispõe devotos e por consequencia delegares; no districto ou provincia o grande influente, que nem sempre é o grande proprietario, Vaz Preto ou Proença, Bivar ou Centeno, e quem está com um está contra o outro; finalmente, aqui onde as batalhas se ferem ha os marechaes, patronos de todos estes e clientes ainda do chefe, de partido, patrono que ha de submetter os seus nomes á sancção regia quando a patria reclamar os seus serviços.

Um facto de facil observação confirma esta verdade.

Em todos os paizes da Europa em que está implantado o regimen representativo, os partidos e ainda os differentes grupos em que elles se subdividem são conhecidos por designações que trazem logo ao espirito o conhecimento da idéa atacada ou defendida, do principio ou doutrina que combatem ou apostolisam.

Em Hespanha, os republicanos, por exemplo, são historicos, são radicaes, são federaes; em França ha direita, ha centro direito, ha centro esquerdo, ha esquerda, ha intransigentes, ha o grupo do appel au peuple; na Allemanha ha nacionaes liberaes, ha socialistas, ha o grupo do protesto.

Pois ao lado d'isto nós o que temos?

Serpaceos, hintzaceos, sopaceos, marianaceos, barjonaceos e não sei que mais.

Quem for estranho ao nosso viver politico e que ler esta resenha cuidará que tem diante dos olhos não a enumeração dos grupos que militam na politica portugueza mas a flora lusitana.

E quem quizer pertencendo á politica votar sempre com coherencia, medidas conservadoras se for conservador, progressistas se for progressista, a nenhum d'estes grupos póde pertencer mas ao dos papillonaceos.

Eu não sei, sr. presidente, se devo lamentar que o facto seja este, porque o que elle prova é que todos, sem excepção, somos liberaes, todos somos progressistas no sentido lato da palavra; por outro lado a desvantagem é manifesta: desde que não ha differença entre os principios partidarios os agrupamentos formam-se tendo por unica base o valor pessoal e a confiança que merecem os chefes escolhidos; consequencia total: quando se trata de atacar põem-se os principios de parte e atacam-se as pessoas, mas como felizmente o caracter da maior parte dos homens que teem presidido aos destinos do paiz é inatacavel, a calumnia é a arma mais usada.

A cada passo na politica portugueza a estamos vendo nascer, crescer, medrar, envolver-nos n'uma atmosphera mephitica, morrer muitas vezes, mas deixando sempre apoz de si o miasma que envenena. Eu nunca usarei de similhante arma, sr. presidente, farei mais e já o tenho feito, quando a vir empregada contra adversarios não hesitarei em os cobrir com o meu proprio corpo; ninguem nunca a usará impunentemente diante de mim, hão de mesmo os que estiverem ao meu lado encontrar-me entre elles e o calumniado; porque nada ha que mais me repugne que a calumnia.

E que o ataque pessoal é a norma das discussões parlamentares demonstra-o o que n'esta sessão se tem passado n'esta casa do parlamento. O governo tem apresentado medidas de grande alcance que devem transformar o regimen economico do paiz. Todas teem sido combatidas e o natural é que o fossem no campo dos principios se entre os partidos houvesse as differenças que se quer inculcar.

E que tem succedido? Os dignos pares da opposição levantam-se e a primeira cousa que dizem é que concordam em absoluto com o pensamento dos projectos e que apenas o combatem porque não lhes inspira confiança pessoal quem os apresenta.

O digno par o sr. Antonio de Serpa chegou n'este caminho até ao ponto de invocar a indole de desconfiança da legislação fazendaria do regimen representativo, para levar esta camara a desconfiar do sr. ministro da fazenda, esquecendo-se que este regimen ao lado da desconfiança da lei tem por base a confiança n'aquelles a quem incumbe applical-a. Esquecendo-se digo eu, mas a verdade é que tão singular doutrina só podia significar um ataque pessoal. Quer, dizer que até o sr. Antonio de Serpa, que costuma conservar-se tão elevado nas suas discussões, tão moderado nos seus ataques, não póde resistir á onda, e ainda que muito ligeiramente, caiu no erro commum.

Mas deixando esta ordem de considerações que me eram necessarias para explicar as rasões porque, saíado de um partido, julgo poder, sem, quebra dos principios, filiar-me n'outro logo que os individuos que o dirigem me inspirem confiança pessoal, continuo na rapida exposição do meu passado regenerador. Já disse á camara a rasão por que me não repugnou jurar a bandeira de Fontes Pereira de Mello; dir-lhe-hei tambem que poucas foram as manifestações partidarias em que tomei parte. Assisti apenas ás duas ultimas reuniões da maioria a que presidiu o chefe; á que teve logar sobre a queda do ultimo ministerio regenerador, e por signal não VI lá o sr. Serpa Pimentel, e á que se realisou para preparar a campanha eleitoral; tambem n'essa, se bem me lembra, não compareceu o sr. Serpa.

Pouco depois morreu Fontes Pereira de Mello.

Morto o chefe, embora a sua falta fosse insupprivel, embora com a sua morte tivesse desapparecido o maior elemento de vida do partido, julgava eu, e desejava-o, sr. presidente, que o unico meio para que esse partido não desapparecesse, se mantivesse e seguisse as grandes tradições que tão gloriosas eram, era que todos aquelles quer da velha quer da nova guarda que tinham sem tergiversações nem duvidas acompanhado o homem mais eminente do seu tempo, se unissem num só pensamento, se juntassem, se constituissem, e que o partido continuasse a proseguir na senda do progresso e da civilisação com grandes vantagens para o paiz.

Disse da velha e da nova guarda, porque o sr. Fontes, que governou este paiz como ministro e como politico durante trinta e tantos annos, durante um periodo maior do que aquelle em que Napoleão I governou a França, como elle teve de soccorrer-se a novos collaboradores, como elle teve a velha e a nova guarda, e em ambas teve Lannes e teve Bernadottes.

Pois eu queria que os Lannes se juntassem e embora não excluissem os Bernadottes, lhes não conferissem o commando.

A minha idéa, sr. presidente, era que todos os homens que tinham servido com lealdade e dedicação representassem o partido regenerador embora não tivesse chefe. Os chefes, julgo que foi o sr. Serpa Pimentel que o disse, não se elegem, impõem-se. Quando elles têem a auctoridade do talento não precisam que os elejam ou proclamem, bem depressa se elevam acima dos que estão ao seu lado.

Sr. presidente, foi n'este sentido que eu trabalhei e alguem aqui está que d'isto póde dar testemunho aberto e franco.

Tentei conseguir esse fim que entendi conveniente aos interesses do partido regenerador e do paiz, mas o meu trabalho foi infructifero o que não é para estranhar, porque

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eu era apenas um simples operario, cheio de boa vontade sim, mas sem mais nada.

Assim, pois, não me espantei que a minha boa vontade de nada servisse. Espantou-me, sim, o espectaculo a que todos assistimos. Pullularam as ambições e todos se julgaram com jus a ser enthronisados chefes. O espectaculo, guardadas as proporções, foi a repetição d'aquelle a que deu logar a successão de Alexandre.

Não estavam, como os successores de Alexandre, da posse da Cappadocia, da Thracia, do Egypto ou da Macedonia, mas um dispunha de cinco deputados, outro do voto de tres pares, outro tinha mais linha, e se todos julgavam com direitos superiores aos dos contrarios.

Depois d'este combate de ambições o que succedeu?

Succedeu o que era de esperar, ninguem se entendia e o enfraquecimento do partido era fatal.

O resultado vemol-o hoje no documento que deu logar ás declarações do digno par o sr. Barjona de Freitas.

Os signatarios d'elle dizem-se regeneradores, sr. presidente, e com effeito são os seus nomes que habitualmente figuraram nas lides do partido, mas o que são é degenerados, porque quebraram a tradição que tinham herdado.

Poderão continuar a chamar-se assim, se ninguem lhes contestar o nome, mas não são os antigos regeneradores de Fontes Pereira de Mello, nem os continuadores da sua politica.

São um grupo importante d'esse antigo partido que escolheu para chefe o sr. Antonio de Serpa.

Sobre o caracter e intelligencia d'este respeitavel cavalheiro nada tenho a dizer, e sob este ponto de vista pois escolheram perfeitamente.

Prezo-me de ser amigo particular de s. exa., e d'elle nunca recebi se não provas de consideração e estima.

Mas isso não é rasão para que eu applauda a sua proclamação como chefe do antigo partido regenerador, e creio que não escolheram acertadamente.

O ultimo consulado do sr. Fontes luctou com duas opposições: uma franca, regular, natural, a do partido progressista; a outra acre, tenaz, persistente, a do sr. Antonio de Serpa, que durante mezes, como redactor do Jornal do commercio, proclamou quasi diariamente que o governo malbaratava a fazenda publica, que falsificava as suas contas, que eram inefficazes os alvitres que propunha, n'uma palavra que era incapaz de governar.

Comtudo, são aquelles que faziam parte d'essa situação que, precisando quem os aconselhasse, vão agora buscar para o fazer o sr. Antonio de Serpa, o mesmo que no Jornal do commercio tão acerbamente os criticava.

Logo, ou o sr. Antonio de Serpa foi a Canossa, e durante quatro dias e quatro noites esteve com os pés na neve, vestido com a camisa alva dos penitentes e a corda ao pescoço, implorando o perdão do conclave que o havia de eleger, ou foram os que o proclamaram que reconheceram agora que st exa. era justo nas suas criticas e que confessaram os seus erros.

Ora eu não posso admittir qualquer das duas hypotheses.

Nem tenho o sr. Antonio de Serpa em tão pouca conta que o julgue capaz de começar a sua chefia por um acto que o amesquinha e apouca, nem creio que homens como os srs. Hintze Ribeiro, Bocage e Aguiar, com um passado intacavel, com tradições muito superiores ás d'aquelle que proclamaram chefe, renunciem a ellas e venham hoje confessar como erros o que na realidade foram serviços.

Prefiro admittir uma terceira hypothese e suppor que tacitamente uns e outros combinaram esquecer o passado, passar sobre elle uma esponja e encetar vida nova.

Muito bem. É o novo partido regenerador, mas o que não é com certeza é o partido regenerador de Joaquim Antonio de Aguiar, de Rodrigues Sampaio e de Fontes Pereira de Mello.

É possivel que lhes esteja reservado um futuro glorioso; ninguem o deseja mais do que eu; e ninguem os applaudirá mais sinceramente, porque a gloria dos partidos compõe-se com os actos acertados da sua administração que redunda em favor da prosperidade publica.

Appellem, pois, para o futuro, mas cessem de appellar para o passado; cessem de o offerecer como garantia porque não lhes pertence; as tradições do partido regenerador não são suas, são de mais alguem, e se n'ellas tiveram qualquer parcella, embora importante, a tudo renunciaram com o documento que firmaram.

Sr. presidente, este resultado tinha-o previsto eu (e não era difficil prevel-o) é por isso que me abstive de entrar em qualquer manejo para a nova organisação do partido regenerador.

Não fui convidado para assignar o manifesto. Não me queixo, embora talvez a minha qualidade de, antigo par eleito regenerador me d'esse o direito de ser ao menos consultado.

Não o fizeram, nem lh'o levo a mal. O facto é que eu não sei occultar o meu pensamento, ou se lê na minha cara, ou as minhas palavras o não sabem esconder, e por isso não posso censurar ninguem por se não arriscar a uma recusa.

A minha resposta era sabida. Conservei a minha independencia e não me arrependo.

Alguem poderá perguntar-me, porque é que pensando eu como penso sobre os principios dos partidos constituidos não assentei arraiaes no partido progressista?

Não o fiz porque sempre me repugnara actos inuteis.

É certo que os principios apregoados pelo partido, progressista são os principios liberaes de todos os partidos monarchicos portuguezes e são os meus, é certo que entre os homens que o dirigem conto amigos dedicados e intimos e que me merecem confiança igual á que me inspirava o sr. Fontes Pereira de Mello ou o sr. Hintze Ribeiro, mas o partido progressista não precisava do meu pouco valioso auxilio; os partidos quando estão no poder não precisam de adhesões; a minha entrada n'estas circumstancias poderia ser considerada uma pretensão ao marechalato, poderia dar logar a julgarem que eu me considerava cardeal papavel, e quem sabe se amigos que hoje me estendem a mão sem reservas não começariam a olhar-me como concorrente.

Só uma unica cousa me poderia ter levado a dar esse passo.

Era, se o tivesse julgado necessario para obter para a camara municipal de Lisboa o auxilio do governo, auxilio de que não póde prescindir, emquanto a sua situação financeira não estiver definitivamente regulada.

Mas nem essa rasão tenho, porque a verdade, sr. presidente, é que a camara municipal de Lisboa não tem recebido senão favores do governo actual, que nunca se tem recusado a auxilial-a, prompta e proficuamente, todas as vezes que o tem precisado. Direi mesmo que no actual ministro do reino tenho encontrado mais facilidade em despachar as pretensões da camara do que achei no seu antecessor, que presidira á sua eleição, e não hesito em dizel-o na presença do digno par, o sr. Barjona, porque isto não envolve censura, pois s. exa., auctor da lei que fomos chamados a pôr em execução, nunca se recusou a prestar-me a força de que por vezes precisei, o que não impede que o seu successor o tenha feito com mais promptidão e facilidade, provavelmente por querer mostrar com o seu proceder a sua imparcialidade.

Ainda podia ter achado pretexto para me filiar no partido progressista, quando soube que o meu nome era indigitado pelo governo para candidato a uma cadeira n'esta casa do parlamento.

Quando isto succedeu, dirigi-me a um membro do governo, que está presente, e perguntei-lhe se o facto era verdadeiro, e, recebendo de s. exa. resposta affirmativa, disse-lhe immediatamente que teria muito gosto em voltar

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a occupar a cadeira que deixara, mas que não tomava compromissos. A resposta foi que assim o entendia o governo. Igual declaração fiz ao sr. ministro do reino quando, por signal nas escadas do ministerio da justiça, s. exa. me confirmou o que o seu collega já me dissera.

S. exa. respondeu-me gentilmente que eu julgaria os actos do governo, e que negaria a minha approvação aos que considerasse prejudiciaes ou inconvenientes.

Por consequencia, nem para com os antigos nem para com os modernos me prende compromisso algum. A minha liberdade de acção tenho-a completa e absoluta.

Ninguem me póde accusar de desertor. A bandeira que jurei esfarraparam-n'a os proprios a quem incumbia defendel-a, e os que lograram apoderar-se da maior parcella foram entregal-a a quem tentára apoucal-a. Não fui eu que desertei da bandeira, foi ella que se afastou de mim.

Se me perguntam se tenciono conservar-me isolado, direi que não.

Eu sei perfeitamente que, na politica como na arithmetica, o zero, e n'este caso o zero sou eu, desacompanhado nada vale, e visto que me acho na vida politica, não me resigno a ficar para sempre annullado.

Não é que eu desconheça o papel que na politica podem representar os homens independentes, desligados de compromissos partidarios, quando reunem as qualidades e a auctoridade que a posição exige, qualidades e auctoridade que não tenho e que provavelmente nunca terei.

E com isto respondo ainda a uma observação do digno par, o sr. Senna, quando disse aqui que não percebia uma nova classificação, hoje tão usada, a de amigos do governo, ou de todos os governos.

Eu não pertenço ao numero d'esses homens que são amigos de todos os governos, direi mesmo como p poeta: - L'ami du genre humain n'est pas monfait - mas estimaria muito ter auctoridade sufficiente para, com utilidade para a politica do meu paiz, conservar-me sempre independente.

Eu tenho muita sympathia por esse papel independente. Quem o representa póde prestar grandes serviços no parlamento, e a sua attitude é sempre como que um guia para as maiorias. Se um homem independente presta o seu apoio a uma medida qualquer, d'essas que excitam os odios e provocam as calumnias, é certo que a maioria, quando esteja incerta, não póde deixar de cobrar animo quando vê que quem não é levado por interesses ou por disciplina partidaria não hesita em votar; se a combate, obriga as maiorias a estudar a questão com maior cuidado, e ás vezes a fazer recuar os governos em medidas menos bem pensadas ou inopportunas.

Eu gosto muito d'este papel, sr. presidente, repito; mas como não tenho, nem terei nunca a pretensão de possuir a auctoridade necessaria para o representar, é provavel que mais cedo ou mais tarde eu vá novamente enfileirar-me num dos partidos constituidos. As circumstancias determinarão o meu proceder.

No entanto, o que eu posso desde já affiançar a v. exa. e á camara é que, quando me resolver a dar esse passo, não será nunca o partido que estiver no poder aquelle que eu hei de escolher.

Por ora, conservo-me na mesma posição.

Dou ao governo o meu fraco apoio, a minha adhesão, não porque seja seu partidario, não ainda porque applauda todos os seus actos, porque alguns ha que lhe não teria aconselhado, como por exemplo o ter decretado em dictadura tanta medida que não carecia de o ser por aquella fórma, mas porque lhe vejo proposito de regularisar as nossas finanças e a nossa administração, e por isso não duvidarei, repito, dar-lhe o meu apoio franco e leal em tudo que a meu ver mereça approvação.

Tenho concluido.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, é natural que eu diga n'esta occasião algumas palavras, já que outros meus collegas na politica acharam conveniente e opportuno explicar a sua respectiva posição partidaria.

Bem se vê agora quão certa vae saíndo a prophecia de Fontes Pereira de Mello, momentos antes de morrer,

«Parece-me que ainda faço falta», disse elle, e bem se faz sentir agora essa falta enorme.

Lamento profundamente os factos que se têem dado no seio do partido regenerador, e, qualquer que seja a posição que eu tome, em relação ás diversas correntes que se manifestem n'esse partido, eu digo a v. exa. e ao paiz que não vou licenciar-me. Seria um crime nas circumstancias actuaes. Não me licenceio, mas não assigno matricula.

Faço votos para que á agremiação politica novamente organisada, e ás mais que do meu partido surgirem, nunca falte o apoio de homens serios e cordatos. Eu, pela minha parte, continuarei a pôr a minha palavra e as minhas faculdades, taes quaes são, ao serviço d'aquelles que trabalharem, na realisação de tudo que for util, grande e patriotico. Foram estes sempre os ideaes do meu partido.

Não admira que haja nos diversos grupos politicos, que da regeneração vão formar-se, quem mereça a minha amisade.

Não é debalde que se passaram tantos, annos em convivio partidario.

Depois talvez eu tenha apressado este desenlace, que aliás era fatal, segundo agora se vê.

Quando morreu o sr. Fontes Pereira de Mello, eu não estava em Lisboa. Vindo expressamente para manifestar o meu sentimento á sua enlutada familia, assisti a uma sessão da commissão eleitoral executiva, unico poder então constituido do partido regenerador.

N'essa sessão votou-se que o sr. Antonio de Serpa fosse aggregado aquella commissão.

Tomei parte na discussão e associei-me aos que votaram (e foram todos os presentes), que se lhe désse parte n'aquelles trabalhos.

Já v. exa. vê que eu tinha toda a deferencia para com o sr. Antonio de Serpa. Mais do que deferencia, amisade e gratidão.

Quando, pouco tempo depois da morte do sr. Fontes, foram convocadas as camarás, eu perguntei a amigos meus politicos, onde estava o partido regenerador, para minha orientação; e vi que todos aquelles que tinham obrigação de estar unidos, se haviam distanciado. Aqui, n'esta mesma casa, no fim d'uma sessão, empreguei todos os esforços para os juntar, o que consegui, até certo ponto.

Reunidos os antigos ministros da regeneração tentou-se organisar a unidade da acção no combate parlamentar. O meu fim, unico, era que houvesse onde nos reunissemos e combinassemos o plano de combate, pares e deputados. Pareceu-me ver desde logo, que a scisão era inevitavel, e que era importante.

Entre os dois methodos, eleger-se desde logo um chefe de partido ou um directorio.; votei pelo segundo; e muito explicitamente, e muito fundadamente.

Queria ver se adiava, e se, adiando, evitava isto que se está vendo.

Pedi que se não fizesse definitivamente a eleição de chefe, que organisassemos um centro onde alguem nos podesse reunir para tratarmos d'este assumpto, que era urgente e grave; não fui attendido, o que não admira, porque vou acreditando na transmigração das almas e parece-me que a minha é a da velha Cassandra.

Agora pergunto eu, se os homens que formam o grupo que hontem publicou o seu manifesto, são o partido regenerador?

Se são, eu desejo encorporar-me nas suas fileiras; mas, francamente o digo, não me parece que o sejam.

Nós eramos hontem um grande exercito, tinhamos á nossa frente um grande general; tinhamos o prestigio que dão victorias successivas, tinhamos uma grande fé no chefe que

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se nos tornava mais caro em cada dia, pelo conselho, pela palavra e pelo exemplo.

Tinhamos o numero o a força; tinhamos à palavra de tribunos e o conselho de estadistas; a confiança no futuro abonada pelas tradições, tinhamos as mais propicias condições de que um partido politico póde uffanar-se.

Isto não quer dizer, que faltem meritos, que faltem muitos d'estes elementos aos homens que hoje compõem o primeiro grupo dissidente, constituido com elementos tão valiosos do partido regenerador;

Mas a verdade é que esta fracção, não passa de uma fracção; a verdade é que não encontrâmos aqui o partido regenerador que o sr. Fontes nos deixou em testamento; a verdade é que, diminuido nas suas forças numericas e diminuido tambem no seu prestigio, eu olho e não1 vejo ali o partido regenerador. Vejo homens, sim, de grande valia, formarem uma agremiação politica e darem-lhe o nome que pertenceu á nossa collectividade mas a agremiação é diversa e é nova, embora de elementos antigos do partido.

O que vejo ahi é a representação de uma dissidencia que já se havia manifestado, mas cautelosamente, no seio da regeneração.

O sr. Hintze Ribeiro sabe que eu tenho pelo seu talento a consideração que lhe é devida, pois bem, vendo-o com o sr. Antonio de Serpa, quizera que me dissesse qual dos dois se submetteu.

Hontem o sr. Antonio de Serpa, cujo saber, cuja probidade, cujos dotes eu sou o primeiro a respeitar, representava um scisma no partido regenerador.

Não sei agora o que prevalece: a doutrina de s. exa. ou os methodos de administração financeira do sr. conselheiro Hintze, manifestados nas suas propostas?

Disse-o ha pouco o digno par o sr. Fernando Palha, e eu reedito a sua pergunta. Está aqui, no partido que se proclama n'este manifesto, a igreja ortodoxa ou a igreja reformada? Não sei. Não podendo comparecer na ultima reunião dos antigos ministros escrevi uma carta declarando que no caso de se manifestar uma scisão no partido regenerador, reservava o meu procedimento politico e a minha, liberdade de acção. N'esta situação neutra fiquei e me mantenho.

É minha opinião que já não póde salvar-se o meu partido, e esta proclamação inopportuna parece-me um erro gravissimo e fatal.

É apenas um aggravamento da molestia que de muito padecia o partido, e que determinou esta crise.

Sabemos, sabe toda a gente que o nosso saudoso chefe por vezes teve amarguras grandes, que até nem ousava manifestar em familia, com a sisania que se lhe semeava furtivamente nos prados.

Não pergunto se permanecem no grupo que se proclama partido, os germens da antiga doença; fôra obrigar os associados a uma reserva suspeita ou a uma confissão dolorosa; faço votos para que os agremiados logrem extirpal-os, para não encontrarem os estorvos que nós encontrámos, nós os que estamos a fazer estas declarações, nos ultimos tempos da nossa governação.

Chamei inopportuna esta proclamação e insisto no que affirmei.

Comprehendia que no principio da sessão legislativa, quando era urgente dar organisação e disciplina ás nossas forças, pois que uma campanha parlamentar se offerecia e tantos aggravos tinhamos a documentar e a articular, se precipitasse a organisação definitiva do partido, mesmo que fosse revolucionariamente; mesmo com risco de sermos chamados imprudentes, pois que força maior nos impellia; mas agora, no fim da sessão parlamentar e certo de uma dissidencia que o tempo podia desfazer, póde julgar-se que para a desunião se caminhou.

Pois não viram os pressurosos proclamadores que estamos n'um periodo manifesto não direi de desorganisação do partido regenerador, mas n'um periodo de desorganisação geral politica ou partidaria? Estâmos assistindo á evolução natural que lentamente, mas visivelmente opera uma transformação partidaria e politica em Portugal. (Apoiados.)

N'estas circumstancias, pergunto eu: que motivo levou os manifestantes a esta precipitação? Algum pensamento reservado de que o novo agrupamento póde ser victima.

Vão nas horas de Deus, certos de que levam comsigo, com os meus receios os meus votos de ventura. Ficarei para ajudar os que trabalhem em proveito e honra d'este paiz aos que promovam o augmento da sua riqueza, o aperfeiçoamento da sua illustração e a manutenção das suas liberdades.

Se me não alisto como soldado ou emquanto me não alisto bater-me-hei como voluntario.

Commigo estão e commigo esperam antigos camaradas parlamentares que ousaram como eu ouzei affirmar, n'outros tempos, e em questões gravissimas, as suas convicções liberaes; juntos aguardamos a organisação do partido que logicamente ha de provir d'esta desaggregação, providencial que se observa nos diversos agrupamentos politicos de Portugal. Pois que o partido regenerador é morto, iremos com quem devamos ir.

O sr. Hintze Ribeiro (s. exa. não reviu o seu discurso): - Sr. presidente, começarei por onde acabou o digno par o meu amigo o sr. Barjona de Freitas; s. exa. entende que melhor fôra que todos fossemos á campa do nosso illustre chefe o sr. Fontes, levar-lhe, como extrema homenagem ás suas cinzas, a certidão de obito do seu partido. Triste homenagem, sr. presidente, para aquelle que tão largos annos da sua vida consagrou a assegurar a existencia, o futuro e a prosperidade d'esse partido.

Mais grata homenagem, entendo eu, mais grata e mais digna d'elle e de nós, é guardar religiosamente o legado que das suas mãos recebemos, não deixando morrer com elle o seu partido, assegurando-lhe que elle vive e continua sustentado por aquelles que era sua vida lhe ouviram os conselhos e consideram por isso dever seu, o velar por elle, sustentar-lhe as suas gloriosas tradições, amparal-o nas difficuldades do presente, e encaminhal-o nas aspirações do futuro, fortalecer-lhe o prestigio por novos actos de administração, e levantar-lhe o brilho por novos serviços prestados ao paiz, fazendo que a sua força, a sua significação e o seu valimento se mantenham na altura em que nol-o deixou.

É este o dever de todos que o acompanharam, que ouviram a sua palavra, que escutaram o seu conselho e que receberam o seu exemplo.

Deixar morrer o partido? Nunca.

Não o permitte o nosso dever nem como partidarios nem mesmo como cidadãos.

É preciso que na monarchia constitucional haja dois partidos regularmente constituidos, para se poder operar a rotação constitucional; suspender, inutilisar uma roda d'essa engrenagem seria um erro fatal. É necessario que haja, pelo menos, dois partidos para se alternarem no poder, e assegurar a força e vitalidade das instituições e promover a prosperidade nacional; um d'elles está no poder, o outro era e é o partido regenerador, que está vivo, que não deixaremos morrer, e que resolutamente sustentaremos sempre, quer nas responsabilidades do seu passado, quer nas aspirações do seu futuro.

Mas para que elle não morresse, para que elle podesse defender as suas responsabilidades, combater os principios e os actos dos seus adversarios e levantar firme, intemerata essa bandeira que dizem esfarrapada, era indispensavel e era urgente collocar o partido nas condições regulares de um partido organisado, e nenhum partido póde existir n'essas condições sem um chefe. Emquanto n'esse partido houver homens de boa fé, sãos de consciencia e verdadeiramente dispostos a cumprirem o seu dever através de todas as difficuldades, nunca essa bandeira deixará de erguer bem alto no nosso campo o lemma do partido que

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tantos annos teve por chefe, Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello, cuja perda por muito tempo choraremos, porque foi enorme para o partido e para a politica portugueza.

O partido não podia morrer, e para isso era necessario, não digo reconstituir-se, mas unir-se. Era pois indispensavel que um novo chefe fosse escolhido, porque, repito, nenhum partido póde viver sem chefe.

Para tomar essa resolução estavam naturalmente indicados aquelles que pelo seu antigo e chorado chefe tinham sido chamados a cooperar com elle no governo do estado. Parece que seriam esses os competentes, e assim o entendia elle tambem, pois ainda nos ultimos tempos da sua vida esse illustre estadista, nas questões mais difficeis, nos problemas mais importantes, se acercava dos que haviam sido seus collegas na governação publica para depois de ouvir as suas opiniões e o seu conselho traçar o caminho que tinha a seguir.

Ora, eu entendo que, faltando elle, era dever dos seus collegas caminharem para a resolução de uma questão tão difficil e tão importante para o partido, pois que ella interessava á sua existencia, pelo caminho que elle proprio em vida nos traçou.

Reuniram-se, pois, os antigos collegas do sr. Fontes e a ninguem foi estranha a conveniencia, mais que conveniencia, a necessidade de tomar uma resolução que affirmasse que o partido existia, que podia continuar no seu caminho de progresso e de civilisação. Desde que tudo isto se reconhecia, a consequencia lógica era combinar em paz sobre a escolha do chefe.

Foi então que vimos com mágua affastar-se o nosso collega e amigo o sr. Barjona de Freitas; mas esse acontecimento, por mais doloroso que fosse para todos nós e para o partido, não podia alterar a nossa opinião sobre a necessidade de tomar desde logo uma resolução definitiva.

Sr. presidente, posso asseverar a v. exa. e á camara que todos os que haviamos sido collegas do digno par, e que estavamos acostumados a admirar o seu talento, a firmeza do seu animo o grande valor do seu conselho e todos os distinctissimos predicados, finalmente, que o exaltavam aos nossos olhos, todos, repito, vimos com a mais profunda mágua e a mais sentida dor afastar-se aquelle nosso tão illustre collega.

Mas, sr. presidente, por mais sinceros, por mais profundos e por mais cordiaes que fossem os sentimentos de todos nós para com s. exa., a camara comprehende que, acima do dever e das considerações pessoaes, havia uma cousa que fallava mais alto, o interesse do partido e o interesse da nação.

Esse interesse exigia uma resolução prompta para que o partido podesse apresentar-se com a vitabilidade politica, e a força da sua união, nas condições regulares de poder alternar-se com o partido que está no poder.

Por isso nós, deplorando a perda de um dos nossos collegas mais illustres, entendemos que o nosso dever era não parar, não adiar, mas sim caminhar, custasse o que custasse.

É verdade que s. exa. instou para que houvesse uma reunião publica de todo o partido, a que s. exa. assistiria.

Mas pergunto, póde-se fazer uma reunião do partido que está espalhado por todo o paiz, em todas as localidades, e fazel-o convergir a um sitio qualquer, constituindo-o em plebiscito? Parece-me que não. Reunir aquelles que pela sua representação politica no partido, poderiam traduzir o voto, o sentimento e a maneira de pensar dos nossos correligionarios, foi o que se fez, e elles estão reunidos e tomaram a responsabilidade da resolução que se julgou mais conveniente, assignando este manifesto.

O seu voto foi a expressão do pensar de todos aquelles, que n'esta conjunctura mais legitimamente, podiam representar o partido.

Comtudo, sr. presidente, essa resolução que nós tomáramos, com o fim de congregar as nossas forças partidarias, foi, na opinião de s. exa., o que determinou a scisão, que aliás s. exa. abriu.

Eu poderia soccorrer-me das palavras do sr. Thomás Ribeiro, para responder ao sr. Barjona.

Aquelle digno par disse que quando o parlamento se abriu não sabia onde estava o partido regenerador. E eu não diria o mesmo, porque nunca perdi a esperança de que o partido affirmasse a sua existencia, a sua vitalidade, a sua influencia na politica portugueza; e mesmo na actual sessão legislativa elle não deixou nunca de sustentar no parlamento as suas doutrinas; doutrinas que se encontram gravadas e traduzidas em factos em todo o consideravel periodo da existencia do partido na moderna historia politica e administrativa de Portugal. Por consequencia, via-se aqui, aqui esteve nas discussões parlamentares da actual sessão, sempre no seu campo.

Com relação ás attribuições do chefe estranhou o digno par que ellas se reduzissem á faculdade de convocar os membros do partido que pertencessem ao parlamento.

Não é só para convocar os membros de ambas as casas do parlamento que se elege um chefe; é tambem para que elle vele, por interesses que são, não só do partido, mas da patria. É para presidir ás deliberações do partido com a auctoridade moral que lhe dão os seus longos serviços, a sua pratica dos negocios, e com esse prestigio tomar a iniciativa de propor e aconselhar o que mais conveniente for no interesse do paiz.

O futuro demonstrará se a resolução que nós tomámos era ou não de supremo alcance; o que ella de certo não era, era para maguar ninguem.

Onde está o partido regenerador? Pergunta o sr. Barjona. Se não está em nós, não me parece que, sem aliás possas. exa. querer agora fazer confrontos, affirmar que está em si.

O digno par entendia que se devia convocar uma reunião publica do partido, para deliberar sobre a escolha de chefe. Nós entendemos que esse processo não era praticavel, por isso que o partido se acha largamente espalhado por todos os pontos do paiz; e que nem mesmo estava isso nas tradições do partido. Tambem não era facil a reunião de delegados que legitimamente representassem as idéas de todos membros do partido porque a verdade é que nem em todas o as localidades do paiz está o partido regenerador agrupado em centro, partido, que todavia não tem impedido este de lhes prestar largos serviços, impellindo-as na senda do progresso e não lhes faltando com os melhoramentos de toda a ordem, com que deve ser dotada uma nação que se préza.

Mas a affirmação da existencia do partido está expressa nos nomes que subscrevem o manifesto; esses nomes por si só symbolisam a historia dos actos mais importantes do partido; estão ali em grande numero os homens que têem sustentado, e conseguido fazer vingar, as doutrinas professadas por todo o partido; estes nomes são portanto os dos seus mais legitimos representantes, porque são os d'aquelles que mais acercados se têem conservado da bandeira do partido regenerador.

Não será pois aqui que está o partido?

Feitas estas declarações concluirei dizendo aquelles, que assintam ao nosso modo de ver, que aqui os esperâmos; aos que desejem como nós, só a gloria do partido e apenas tenham divergido sobre uma questão de fórma, tambem os receberemos de braços abertos, considerando-os bem vindos e caminharemos ao seu encontro quando para nós caminharem; e digo isto, porque me parece que uma pequena divergencia de fórma, que em nada diz respeito a doutrinas e principios, não poderia cavar entre uns e outros um abysmo, ou erguer uma barreira insuperavel, quando é perfeita a communhão de principios, de convicções e de responsabilidades.

Seja, porém, como for, separados ou unidos, pela nossa parte continuaremos no campo, que foi sempre o nosso,

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honrando, como nos cumpre, as gloriosas tradições do nosso partido, sustentando os seus principios e as suas doutrinas com todo o vigor da nossa palavra e com toda a força das nossas convicções.

Agora pelo que diz respeito á censura feita pelo sr. Fernando Palha ao digno par o sr. Serpa, direi a s. exa. que nunca esse illustre estadista negou ao seu partido o seu valioso conselho, nem as mais evidentes provas da sua dedicação politica e da sua alta competencia de estadista. Como collega e amigo o considerou até aos ultimos momentos e por muitos annos o sr. Fontes, chamando-o a todas as reuniões para que convocava os seus antigos collegas, e ahi, ouvindo-o e considerando-o sempre.

Por isso poderia ser suspeito para o digno par, mas não o podia ser para os homens que haviam compartilhado com elle a responsabilidade do poder, onde, com o valor da sua rasão experimentada, com a auctoridade do seu saber e da sua experiencia, tanto contribuiu sempre para a resolução dos graves problemas financeiros e das mais graves questões de administração publica.

Isto em resposta ao digno par.

Pelo que respeita ao que disse o digno par o sr. Thomás Ribeiro, eu devo dizer a s. exa., que é verdade que a falta do nosso chorado chefe foi grande, foi enorme, e se o foi ou não vê-se bem no abalo que no partido e na politica produziu a sua perda. A sua falta sente-se a cada instante; e sente-se, mais que nunca, no momento em que desgraçadamente no seu partido se dá uma scisão que evidentemente lhe não dá força, e que com a sua palavra, com o benefico influxo do seu prestigio, do seu conselho e do seu exemplo, elle saberia evitar. Mas se a fatalidade da morte nos roubou esse grande vulto, nem por isso nós podiamos ficar de braços cruzados ante a necessidade de unir as fileiras, um momento abaladas pela grande perda inesperada do seu glorioso chefe, e seguir resolutamente esse caminho por onde elle sempre nos guiou. É esse o nosso caminho, Por elle seguiremos, com relação ao passado, sustentando todas as nossas responsabilidades, com relação ao presente combatendo com toda a perseverança das nossas convicções e em relação ao futuro marchando firmes na esperança e no desejo de bem servir a patria.

O sr. Barjona de Freitas: - Começava por agradecer ao digno par o sr. Hintze Ribeiro as expressões benevolas que lhe dirigiu e que estava longe de merecer. Não podia deixar de notar o facto que lhe parecia menos justo da parte de s. exa., de o ver sómente a elle orador, entre muitos e tão importantes correligionarios seus, que não assignaram o manifesto.

A verdade, comtudo, era que ali mesmo acabara de levantar-se um digno par, o sr. Thomás Ribeiro, antigo ministro regenerador e tão antigo membro do partido regenerador, que elle proprio, um dos mais antigos, já o encontrara no partido quando n'elle se alistou, e o sr. Thomás Ribeiro, declarava-se contrario a qualquer resolução definitiva e precipitada, e tambem não assignou o manifeste.

Outros homens importantes do partido, não o ignorava o digno par, eram tambem, como elle, o mais humilde de todos, de opinião que mais urgente do que a solução prompta e definitiva era o evitar as scisões e dissidencias que tal solução poderia causar. E o receio de dissidencias não era perfeitamente uma novidade.

Já nos ultimos tempos do sr. Fontes, alguma cousa havia que elle não ignorava, e poucos dias antes do seu fallecimento dizia elle que percebia o que se passava, mas que mais convinha fingir que o ignorava, porque a todo o custo era preciso manter a integridade do partido.

Assim fôra que elle, bem como cada um dos seus correligionarios recebera como um legado do chefe a obrigação de guardar e assegurar a integridade do partido.

Não havia urgencia na escolha do chefe, e quando apresentara essa; opinião declarara bem, categoricamente que no partido, para si, queria apenas o posto de soldado raso, sujeitando-se e obedecendo ao commando de todos. Esse teria sido o caminho para salvar a integridade do partido.

Não quizeram assim, a scisão era a consequencia inevitavel.

Outra consequencia fôra a morte do partido. Formassem os partidos que quizessem formar, mas o velho partido regenerador, esse já não existia.

Dissera o sr. Hintze Ribeiro que nos dois grupos as ideias são communs; dissera-o, mas os factos podiam mais do que as palavras.

Referiu-se á impossibilidade da reunião do partido, notada pelo sr. Hintze Ribeiro, e tratou de mostrar que tal reunião não era impossivel nem mesmo difficil, e como o partido não representava apenas uma certa categoria ou classe dos seus partidarios, não era sómente a opinião d'esses, mas sim a de todos a que devia determinar o caminho a seguir.

Sendo o primeiro a reconhecer os altos merecimentos do sr. Serpa, por isso mesmo a proposito vinha citar a sua opinião ácerca da eleição de chefes de partido, eleição que s. exa. condemnava com o fundamento de que os chefes não se elegem, apparecem naturalmente indicados pelas circumstancias partidarias e impostos pela superioridade do seu prestigio e da sua auctoridade.

Ainda mesmo que se pretendesse considerar os signatarios do manifesto como representantes das opiniões dos seus amigos nas differentes localidades, nem elles nem esses seus amigos tomaram conhecimento das rasões em que se fundavam as opiniões discordes com relação ao facto de se escolher desde já o chefe do partido, e comtudo era indispensavel que todos as conhecessem previamente sobre uma questão tão grave para o partido, que ella podia trazer como trouxe a scisão, scisão fatal para o partido, porque, por mais communs que sejam aos dois grupos, a idéa, o pensamento, os principios e as aspirações e a tradição do velho partido regenerador, esse partido acabou, já não existe.

(O discuso do digno par será publicado na integra quando s. ex. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Hintze Ribeiro (S. exa. não reviu este discurso): - Sr. presidente, duas palavras apenas. A camara comprehende perfeitamente que as aggremiações dos partidos são assumpto para simples declarações, entre os homens que os vão compor, .e não para .discussões especiaes e largas, sobre a constituição d'essas aggremiações. Se a sua existencia d'esta ou d'aquella fórma, interessa ou não interessa ao paiz, questão é essa que melhor do que pelas declarações dos seus membros, se resolve pelos seus actos, assim como os intuitos do partido melhor se definem pela maneira como os seus adeptos advogam os seus interesses, affirmando as suas crenças e defendendo os seus principios.

Posto isto, só duas palavras em resposta ao digno par o sr. Barjona de Freitas.

Em primeiro logar, eu desejo significar ao digno par que s. exa. não tinha o direito de estranhar o não ter sido convidado para assignar este documento, desde o momento em que s. exa. tinha declarado que não podia compartilhar qualquer resolução que tivesse por fim a nomeação de um chefe. Desde este momento, é claro que s. exa. se afastou de nós, e que portanto não nos assistia o direito de o convidar.

Agora pelo que toca á scisão do partido ninguem mais lamenta do que eu, que ella se tivesse dado, e as palavras do digno par sobre este ponto dão-me o direito de perguna s. exa. visto mostrar tanto desejo sobre a unidade do partido regenerador, porque é que estabeleceu a, scisão, separando-se d'elle e porque é que não quiz acceitar as decisões da maioria, se, como s. exa. disse, queria no partido apenas ser um soldado raso prompto a executar as deliberações de todos?

Sr. presidente, o que é claro e evidente é que a unida-

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de do partido regenerador se teria mantido; se s. exa. não tivesse provocado a desunião. S. exa. queria evitar a scisão no partido, e no seu grande desejo de a evitar foi s. exa. a determinar a scisão!

Respeito completamente as intenções de s. exa. que de certo foram dictadas pela nobre ambição de bem servir o seu paiz, por isso mesmo espero que s. exa. respeitará as nossas, que igualmente se inspiram no nosso patriotismo e no nosso desejo de manter e honrar as tradições do partido a que pertencemos.

O sr. Barjona de Freitas: - Tomava pela terceira vez a palavra e não querendo prolongar o incidente, limitaria muito a sua resposta ao sr. Hintze Ribeiro. Ninguem nunca lhe dissera que a reunião do partido por elle proposta, não teria logar e tinha, por consequencia rasão e direito de contar com essa reunião onde todas as declarações seriam amplas e explicitas, onde todas as opiniões seriam abertamente justificadas, e onde toda a verdade seria apurada, para ser então segura e competente a decisão.

Nas reuniões que tiveram, discordaram de opiniões, mas todos concordaram no interesse commum de procurar o melhor meio de chegar a um accordo.

O digno par affirmára, que era elle orador o que abria a scisão no partido, tinha a este proposito, de repetir o que já dissera, que a sua opinião era a de muitos homens importantes do partido, que não assignaram o manifesto, e portanto quando mesmo lhe coubesse a elle a responsabilidade da iniciativa da scisão, essa responsabilidade, que aliás não declinava, era compartilhada por todos quantos seguiam a sua opinião.

Entretanto a persistencia do digno par em affirmar que fora elle orador, o que abrira a scisão, trazia-lhe neste momento á lembrança a historia do celebre teimoso, que teimando em tudo contra todos, teimava por fim que eram todos os outros que teimavam e não elle. Pela sua parte entendia, que ascisão fôra aberta pelos que assignaram o manifesto.

Referiu-se á parte do discurso do sr. Hintze Ribeiro em que s. exa. lendo o manifesto mostrara que as atribuições ali dadas ao novo chefe, não se resumiam, como elle orador dissera, a convocar os partidarios, que pertencessem ao parlamento, pois que tinham tambem a attribuição da iniciativa de tudo quanto podesse interessar á prosperidade do partido e concluiu dizendo que Deus o livrasse de pertencer a um partido onde tal iniciativa fosse uma faculdade exclusiva do chefe e não de cada um dos partidarios.

(O discurso do digno par, será publicado na integra logo que s. exa. o devolva.)

O sr. Presidente: - Este incidente está terminado. Tem a palavra sobre a ordem, o sr. Conde de Castro.

O sr. Conde de Castro: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de administração publica e de fazenda.

Foi a imprimir.

O sr. Francisco de Albuquerque: - Mando para a mesa um parecer das commissões de administração publica e de fazenda.

Foi a imprimir.

O sr. Augusto José da Cunha: - Mando para mesa uma representação pedindo que não seja approvado o projecto de lei n.° 59.

Peco a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario do Governo.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Manuel Vaz Preto: - Aproveito a presença do sr. presidente do conselho, para pedir-lhe que me de os esclarecimentos que eu pedi ácerca do conflicto dado entre o governador civil substituto de Castello Branco e a misericordia, ao qual eu me referi em uma das sessões passadas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Mandarei ámanhã ao digno par os documentos que a esse respeito existirem na secretaria a meu cargo.

O sr. Margiochi: - Mando para a mesa uma representação que passo a ler.

(Leu.)

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que ella seja publicada no Diario do governo. Reservo-me para fazer sobre o assumpto a que a representação se refere, as considerações que julgo convenientes, quando ella venha á tela do debate.

A camara assentiu a que a representação seja publicada no Diario do governo.

O sr. Silva Amado: - Mando para a mesa um parecer das commissões de instrucção publica e fazenda.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia, e continua em discussão o parecer n.° 87.

Tem a palavra o sr. Henrique de Macedo.

O sr. Conde de Alte: - Sr. presidente, eu tinha pedi de a palavra, para apresentar um projecto de lei.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Conde de Alte: - Sr. presidente, apesar da agitação em que se acha esta camara, eu peço licença a v. exa. e á camara para apresentar um projecto de lei, que, no meu entender, tem summa importancia e que eu tomo a liberdade de ler, e peço a v. exa. que com urgencia elle seja remettido á commissão respectiva, porque me parece de necessidade urgente, urgentissima que os membros d'esta casa do parlamento, tomem este projecto na consideração que elle merece.

(Leu.)

Mando para a mesa.

Ficou sobre a mesa para segunda leitura.

O sr. Conde de Campo Bello: - Mando para a mesa um parecer de commissão.

Foi a imprimir.

O sr. Silva Amado: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração publica.

Foi a imprimir.

O sr. Bandeira Coelho: - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de marinha e negocios do ultramar.

Foi a imprimir.

O sr. José Tiberio: - Mando para a mesa um parecer de commissão.

Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Está terminado o incidente, vae entrar-se na ordem do dia, tem a palavra o sr. Henrique de Macedo.

O sr. Henrique de Macedo: - Sr. presidente, a hora está adiantada e a camara um pouco alvoroçada com as declarações que todos acabâmos de ouvir, e que se referem a lamentaveis factos da politica portugueza; e sem querer irrogar nenhuma especie de censura a v. exa., porque se eu estivesse no logar de v. exa. teria feito o mesmo, é certo que se destinou um quarto de hora ou meia hora para os assumptos a tratar antes da ordem do dia, devendo o resto do tempo ser destinado á discussão dos projectos dados para a ordem do dia; acontece, porém, que, em virtude do incidente, levantado, se inverteu a ordem dos trabalhos, tendo-se despendido todo o tempo com assumptos que não pertenciam á ordem do dia e ficando para esta apenas um quarto de hora V. exa. e a camara comprehendem que, tendo eu, na qualidade de relator do projecto que está em discussão, de responder a observações que lhe foram feitas, para as quaes preciso occupar a attenção da camara por meia hora ou tres quartos de hora, e tendo-me já hontem cabido a palavra quasi no fim da sessão, é realmente desagradavel ter de encetar a defeza do projecto

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para de novo suspender a minha exposição, e por isso pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se ella permitte que esta discussão fique reservada para ámanhã, e que o tempo que falta para dar a hora seja aproveitado na discussão de projectos de menor importancia, que estão dados tambem para a ordem do dia e que naturalmente não levantarão discussão larga.

(S. exa. não reviu.)

Consultada a camara, assim se resolveu.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer.

Foram successivamente lidos na mesa e approvadas sem discussão os pareceres nos. 90, 93 e 98, que são os seguintes:

PARECER N.° 90

Senhores. - A vossa commissão de agricultura, commercio e industria examinou devidamente o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados com o n.° 32, que estabelece que o proximo recenseamento geral da população, no continente do reino e ilhas adjacentes, tenha logar no anno de 1890, e que os futuros recenseamentos se realisem regularmente de dez em dez annos.

A estatistica é uma das sciencias mais importantes, porque investiga todos os actos e phenomenos da vida social, e d'essas investigações resulta quasi sempre uma serie de conhecimentos de grande utilidade pratica para o genero humano. Assim o celebre naturalista allemão Cari Vogt observou que em Bruxellas a estatistica dos casamentos e dos crimes, dois factos que dependem quasi exclusivamente da vontade individual, era tão fatalmente uniforme e invariavel como a estatistica dos nascimentos e mortes, acontecimentos que dependem das condições naturaes, e d'essa observação tirou o sabio allemão conclusões sobre a natureza humana, de grande alcance para a sciencia.

Mas, se é fóra de duvida que a estatistica é uma das sciencias mais importantes pelos seus resultados, é igualmente certo que o mais importante dos seus ramos é aquelle que diz respeito ao augmento ou decrescimento da população dos estados, n'uma palavra, ao seu recenseamento.

É tambem evidente que essa importancia deve ser tanto maior quanto mais exacto e perfeito for o recenseamento. Da exactidão e precisão dos recenseamentos depende a solução de importantes problemas, como são o das forças de que uma nação póde dispor para a sua defeza, e o dos braços que ella póde fornecer á agricultura. Tambem, até certo ponto, póde depender d'essa exactidão a importancia e consideração dos estados no concerto europeu, porque essa importancia é hoje aferida pela cifra da respectiva população, e um recenseamento defeituoso póde fazer figurar esta como muito menor do que é na realidade.

Considerando, portanto, que os recenseamentos serão mais exactos, se forem periodicos, e com intervallos mais curtos do que têem sido até hoje;

Considerando que nas nações mais cultas, como Inglaterra, Belgica, Hollanda, Italia e Noruega, está ha muito tempo em pratica o periodo decennal dos censos;

Considerando, que estes paizes procederam assim em virtude de deliberações de diversos congressos internacionaes, especialmente o que se reuniu em S. Petersburgo em 1872, no qual Portugal tomou parte, e tambem o de Berlim em 1863, onde Portugal foi representado pelo eminente estadista Antonio José d'Avila, depois duque d'Avila e de Bolama;

Considerando que seria muito conveniente que em todos os paizes se fixasse o mesmo anno para os recenseamentos, porque assim seria mais facil fazer a comparação do movimento das diversas populações.

Considerando que foi n'este intuito e para facilitar o attingimento d'este resultado que os congressos de estatistica deliberaram que os recenseamentos se realisassem em annos cujo algarismo de unidades fosse zero;

Considerando que o principio dos censos decennaes acha-se consagrado entre nós no artigo 2.° da lei de 15 de março de 1877, e que já em 30 de maio de 1863 uma proposta com o mesmo objecto foi levada ao parlamento, mas não foi convertida em lei, por se terem encerrado as côrtes;

Considerando que o augmento progressivo da população em Portugal, extremamente lento até ao primeiro quartel do actual seculo, se tem agora desenvolvido muito mais em consequencia dos progressos que tem feito a agricultura e que portanto já deve apresentar em dez annos um augmento muito apreciavel:

É a vossa commissão de parecer que este projecto merece a vossa approvação.

Sala da commissão, em 27 de julho de 1887. = João Ignacio Ferreira Lapa = Visconde da Azarujinha = Conde de Campo Bello = Conde de Valenças = Manuel Antonio de Seixas = Candido de Moraes = Conde de Castro = Visconde de Carnide, relator.

Projecto de lei n.° 32

Artigo l.° Proceder-se-ha, pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria, de dez em dez annos, ao recenseamento geral da população no continente do reino e ilhas adjacentes.

§ 1.° O primeiro recenseamento terá logar no anno de 1890, no mez e dia que o governo determinar.

§ 2.° O governo fará inserir nos orçamentos relativos aos annos em que deverem realisar-se os recenseamentos, as verbas com que o estado houver de concorrer para a execução d'este serviço.

§ 3.° O governo decretará a quota parte com que, nos termos do codigo administrativo, cada camara municipal houver de contribuir para as despezas de retribuição aos agentes do recenseamento no respectivo concelho.

§ 4.° Serão decretados em diploma especial os regulamentos e instrucções necessarias para a execução d'esta lei

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6. de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.

PARECER N.° 93

Senhores. - A vossa commissão de instrucção publica examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 48, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim crear definitivamente no lyceu de Braga o ensino das linguas grega e allemã, e bem assim auctorisar n'este e em outros lyceus do reino, dadas certas condições, a creação até dois logares de professores aggregados.

Considerando que as circumstancias que concorrem no lyceu de Braga, não só relativamente á importancia da cidade que d'elle é sede, como em relação á densidade da população em toda a região que elle é naturalmente destinado a servir, têem feito com que esse lyceu, o primeiro depois dos de Lisboa, Coimbra e Porto, e em numero de alumnos alguns annos superior a estes, haja sido sempre considerado lyceu de l.ª classe, de modo que sempre n'elle poderam os alumnos habilitar-se com todos os estudos necessarios para a entrada nos cursos de instrucção superior; e que assim é de justiça que actualmente lhe sejam concedidas as duas cadeiras das linguas grega e allemã, unicas que lhe faltavam, depois do decreto de 29 de julho de 1886, para o seu ensino ficar equiparado aos dos lyceus centraes;

Considerando que o ensino d'essas duas linguas já se racha provisoriamente estabelecido e auctorisado pelo decreto de 3 de novembro de 1886, com reconhecida vantagem publica, e que se trata agora unicamente de o fixar de um modo definitivo;

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SESSÃO DE 1 DE AGOSTO DE 1887 785

Considerando, por outro lado, que todas as vezes que, em qualquer lyceu, o movimento escolar não seja inferior a 1:200 exames e o rendimento para o estado exceda a verba de 7:000$000 réis, fica ipso facto demonstrada a importancia d'esse lyceu e a necessidade do maior desenvolvimento do seu ensino, e que conseguintemente não póde haver inconveniente algum em que o governo fique auctorisado, dadas essas condições, a crear até dois logares de professores aggregados, quando de mais a mais a essa creação tem de preceder consulta affirmativa da secção permanente do conselho superior de instrucção publica:

É a vossa commissão de parecer que o mencionado projecto merece a vossa approvação para poder subir á sanção regia.

Sala da commissão, 25 de julho de 1887. = Adriano de Abreu Cardoso Machado = Jayme Constantino de Freitas Moniz = José Fructuoso Ayres de Gouveia Osorio = Manuel Pereira Dias = Thomás de Carvalho = José Joaquim da Silva Amado = Conde de Campo Bello, relator.

PARECER N.° 93-A

Senhores. - A vossa commissão de fazenda, na parte em que é chamada a dar o seu parecer sobre o projecto de lei n.° 48, vindo da camara dos senhores deputados, concorda com a illustre commissão de instrucção publica, por entender que a importancia do lyceu de Braga, destinado a servir uma região muito populosa, justifica plenamente a creação n'esse estabelecimento do ensino das linguas grega e allemã, e por considerar que a auctorisação concedida ao governo para crear até dois logares de professores aggregados, n'este e n'outros lyceus, fica restricta aos casos de absoluta necessidade e de parcial compensação, visto que se exige para tal que o movimento escolar não seja inferior a 1:200 exames e que o rendimento para o estado seja superior a 7:000$000 réis.

Sala da commissão de fazenda, aos 27 de julho de 1887. = A. de Serpa (com declarações) = Hintze Ribeiro (com declarações) = Conde de Castro = Manuel Antonio de Seixos = H. de Macedo = Pereira de Miranda = Frederico Ressano Garcia, relator. - Tem voto do sr. Augusto José da Cunha.

Projecto de lei n.° 48

Artigo 1.° É creado no lyceu de Braga o ensino das linguas grega e allemã, conforme o que se acha preceituado para os lyceus centraes, no decreto de 29 de julho de 1886, e bem assim fica o governo auctorisado a crear até dois logares de professores aggregados n'este e n'outros lyceus, que reunam as seguintes condições: movimento escolar não inferior a 1:200 exames, rendimento para o estado superior a 7:000$000 réis, voto affirmativo da secção permanente do conselho superior de instrucção publica.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 22 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario.

PARECER N.° 98

Senhores. - A vossa commissão de marinha examinou, com a devida attenção, o projecto de lei que lhe foi presente, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim conceder auctorisação ao governo para proceder á reforma da escola naval.

Considerando que os motivos allegados para proceder a tal reforma são dictados pela reconhecida conveniencia de melhor satisfazer ás modernas exigencias da arte e do serviço naval;

E considerando que a reforma que actualmente se propõe ficará subordinada ao preceito de não augmentar a despeza actualmente votada:

É a vossa commissão de parecer que o referido projecto de lei merece ser approvado.

Sala das sessões da commissão de marinha, em 30 de julho de 1887. = J. M. Ponte Horta = H. de Macedo = Conde de Linhares = Marino João Franzini = Thomás Ribeiro = José Maria Lobo d'Avila = Carlos Testa, relator.

Projecto de lei n.° 68

Artigo 1.° É auctorisado o governo a reformar a escola naval e os estabelecimentos de ensino que lhe são annexos, decretando os regulamentos respectivos, para que a nova organisação possa começar a vigorar no proximo futuro anno lectivo.

Art. 2.° No uso da auctorisação do artigo antecedente, o governo não poderá exceder a despeza actualmente votada; qualquer augmento de despeza que possa sobrevir, para complemento da execução da reforma, só poderá verificar-se depois de obtida a sancção parlamentar.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da auctorisação contida nos artigos antecedentes.

Art. 4.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 30 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.

O sr. Franzini: - Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que, dispensando-se o regimento, entre desde já em discussão o parecer n.° 94 sobre o projecto de lei n.° 63.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

Foi lido na mesa e approvado sem discussão o parecer n.° 94 sobre o projecto de lei n.° 63, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 94

Senhores. - Ás vossas commissões reunidas de guerra e de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 63 da camara dos senhores deputados, o qual institue uma escola pratica das armas de cavallaria e infanteria na villa de Mafra.

Escusado é encarecer as vantagens que com esta creação hão de advir para o aperfeiçoamento d'aquellas duas tão importantes armas do exercito.

O que tem succedido com as escolas praticas de engenheria e artilheria, as quaes tanto teem elevado o nivel da instrucção n'estas duas armas, dá-nos a certeza de que igual resultado dará aquella a que se refere este projecto de lei.

Considerando ainda que a despeza é apenas de réis 10:000$000, e que esta verba é a que vem descripta para os exercicios de uma força de 4:000 homens no orçamento de 1886-1887, e que muito melhor applicação terá sendo destinada para o fim proposto;

Considerando mais que, reconhecido o bom resultado que d'esta creação necessariamente resultará para a instrucção do exercito, deverá mais tarde ser desdobrada a escola em duas, uma destinada á cavallaria e outra á infanteria:

As vossas commissões são de parecer que o projecto de lei n.° 63 deve ser approvado para subir á sancção regia.

Sala da commissão, 30 de julho de 1887. = José Paulino de Sá Carneiro = Antonio Florencio de Sousa Pinto = H. de Macedo = João Leandro Valladas = Conde de Castro = Domingos Pinheiro Borges = Conde do Bomfim, (com declarações) = Candido de Moraes = José Joaquim de Castro = Francisco Maria da Cunha = Hintze Ribeiro, (com declarações) = Conde de Magalhães = Barros e Sá = Francisco de Albuquerque = José Maria Lobo d'Avila = D. Luiz da Camara Leme = Pereira de Miranda = Frederico Ressano Garcia = Marino João Franzini, relator.

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Projecto de lei n.° 63

Artigo 1.° É creada na villa de Mafra uma escola que se denominará: «escola pratica de infanteria e cavallaria.»

Art. 2.° O ensino-a ministrar na escola comprehenderá:

1.° O tiro nas suas diversas applicações e o estudo das armas de fogo portateis usadas em o nosso exercito e nos das principaes nações;

2.° A fortificação do campo de batalha;

3.° A tactica applicada ao terreno e os serviços de segurança e exploração;

4.° A esgrima e gymnastica nas suas diversas applicações militares;

5.° A telegraphia optica e a avaliação das distancias á vista e por meio de instrumentos;

6.° A instrucção sobre os trabalhos de campanha para os sapadores, da infanteria e cavallaria.

Art. 3.° Em cada periodo de instrucção reunir-se-ha na escola uma força composta de um batalhão de infanteria e de um esquadrão de cavallaria, ambos no pé de guerra e formados por companhias constituidas, pertencentes a corpos da mesma especie.

Art. 4.° Aos primeiros sargentos das armas de infanteria e cavallaria, que forem mais antigos na escala do accesso, serão ministrados na escola os conhecimentos theorico praticos, indispensaveis para poderem ser promovidos ao posto de alferes.

Art. 5.° Os officiaes combatentes, que pertencerem ao quadro permanente da escola, terão direito a cavallo praça fornecido segundo os principios estabelecidos para a remonta dos cavallos dos officiaes das suas respectivas armas.

Art. 6.° A dotação annual da escola pratica de infanteria e cavallaria será de 10:000$000 réis.

§ unico. Esta dotação sairá da verba marcada no artigo 41.° do orçamento de despeza do ministerio da guerra para exercicios de uma força de 4:000 homens durante vinte dias.

Art. 7.° O governo formulará os regulamentos e programmas de ensino necessarios para a execução da presente lei.

Art. 8.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 29 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.

O sr. Candido de Moraes: - Requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento entre desde já em discussão o parecer n.° 96 sobre o projecto de lei n.° 62, o qual tem por fim isentar do pagamento de direitos de importação o material de guerra de qualquer ordem, adquirido em paizes estrangeiros pelos ministerios da guerra e da marinha.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do digno par o sr. Candido de Moraes, para que entre desde já em discussão o parecer n.° 96 sobre o projecto de lei n.° 62, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se.

Leu-se na mesa e posto á votação o projecto foi approvado sem discussão na generalidade e especialidade.

É do teor seguinte:

PARECER N.° 96

Senhores. - Ás vossas commissões de guerra e de fazenda reunidas, foi presente o projecto de lei n.° 62, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim isentar do pagamento de direitos de importação o material de guerra de qualquer ordem, adquirido em paizes estrangeiros pelos ministerios da guerra e da marinha e, considerando que o effeito do projecto, quando convertido em lei, será unicamente simplificar serviços sem diminuição das receitas publicas; são as vossas commissões de parecer que o projecto deve ser approvado para subir á sancção regia.

Sala das sessões, 30 de julho de 1887. = José Paulino de Sá Carneiro = Conde de Castro = José Joaquim de Castro = Domingos Pinheiro Borges = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Marino João Franzini = Francisco Maria da Cunha = Sarros e Sá = João Leandro Valladas = Pereira de Miranda = José Maria Lobo d'Avila = H. de Macedo = Conde do Bomfim = L. Camara Leme = Candido de Moraes, relator.

Projecto de lei n.° 62

Artigo 1.° É livre do pagamento de direitos de importação o material de guerra de qualquer ordem e natureza, que, em virtude de leis especiaes, tiver sido ou for adquirido em paizes estrangeiros pelos ministerios da guerra e da marinha.

§ 1.° A isenção de direitos de que trata esta lei refere-se só ao material cujo custo, nas contas publicas, for considerado como despeza extraordinaria, tambem em conformidade da lei.

§ 2.° O despacho livre, em qualquer alfandega do continente do reino e ilhas adjacentes, do mesmo material, só se realisará depois da publicação no Diario do governo do decreto expedido pelo ministerio respectivo, determinando a quantidade e qualidade do material que for importado.

§ 3.° As dividas, por direitos de importação, de material de guerra importado, que estiver a cargo dos dois ministerios da guerra e da marinha, e a do ministerio da fazenda ao da guerra, por material para a fiscalisação aduaneira, tudo na data da publicação d'esta lei, são annulladas para todos os effeitos.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 29 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.

O sr. Serra e Moura: - Mando para a mesa uma proposta, que passo a ler.

(Leu.)

Peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se permitte que ella entre desde já em discussão.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta.

Leu-se na mesa e posta á votação foi approvada; é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que das sobras do orçamento desta camara, seja concedida aos seus empregados em serviço effectivo uma gratificação igual á que lhe foi distribuida em 1886.

Palacio das côrtes, em 1 de agosto de 1887. = T. N.º da Serra e Moura.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é ámanhã, terça feira, 2 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 1 de agosto de 1887

Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá, João de Andrade Corvo; Condes, de Alte, de Campo Bello de Castro, de Linhares, de Paraty, do Restello, do Bomfim, Bispo de Bethsaida; Viscondes, de Alemquer, de Azarujinha, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de S. Januario, da Silva Carvalho; Adriano Machado, Agostinho Lourenço, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Barreiros Arrobas, Oliveira Monteiro, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Augusto Cunha, Carlos Bento, Carlos Testa, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges,

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SESSÃO DE 1 DE AGOSTO DE 1887 787

Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de Albuquerque, Costa e Silva, Francisco Cunha, Margiochi, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Holbeche, Valladas, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, José Luciano de Castro, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, M. Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho; Gonçalves de Freitas, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Melicio, Ornellas, Serra e Moura.

Redactor = Fernando Caldeira.

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