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Art.° 7.° Fica revogada a legislação opposta ás disposições desta Lei.
Approvados sem discussão.
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Requereu, que, se dispensasse a segunda leitura da redacção, a que o Projecto passava, a fim de mais brevemente ser enviado á Camara dos Srs. Deputados - Assim foi resolvido.
Mencionou-se, recebido, um officio da Camara dos Srs. Deputadas, enviando o processo crime, que se instaurára ao Sr. Deputado Joaquim Pedro Celestino Soares - Enviou-se á Secção de Legislação.
O SR. BARRETO FERRAZ: - Levanto-me para renovar aquelle meu Requeiimento que já em outras occasiôes tenho feito, e para isso me obrigam motivos, que julgo attendiveis: embora possa merecer a censura de importuno, principalmente, da parte da Commissão encarregada de regular as fórmas, que se devem seguir quando a Camara se constituir em Tribuna de Justiça. Sr. Presidente, estou bem persuadido, de que os Membros desta Commissão teem empregado todo o seu zelo, para effectuarem este trabalho; mas eu, peço a SS. Exas., que não tenham, só em vistas o apresentarem um trabalho perfeitissimo, e que se contentem em trazer a esta Camara alguma cousa sobre este objecto, ainda que não venha com essa perfeição; por quanto, se houver grande demora no julgamento dos processos, varias interpretaçôee se poderão dar: a respeito d'um dirão - qne se quer protelar, este negocio, por ser nelle involvido um Membro desta Camara - e agora relalivamente a este que se nos apresentaa dirão que se quer ir tirar um Membro da Camara dos Deputados, porque não pertence á maioria: portanto, podem-se dar; differentes interpretações, qualquer dellas injuriosa, para esta Camara, e por isso repito, e peço á Commissão, que nos apresente alguma cousa.
O SR. SILVA CARVALHO: - Eu creio, que os trabalhos da Commissão já estão muito adiantados; e como temos agora uns poucos de dias feriados, póde-se concluir esse negocio: entretanto parece-me, que este Processo deverá ser remettido á Commissão de Legislação, onde existe o outro, porque se póde tractar de ambos.
O SR. SERPA MACHABO: - Se fosse igual o fazer qualquer cousa, ao pedir que se faça, já de certo a Commissão teria apresentado o seu trabalho: entretanto, pedirei, que o Digno Par, visto ser um Magistrado tão intelligente, seja addicionado á mesma Commissão, para que a possa auxiliar nos, eus trabalhos com ás suas luzes; porque talvez que com a sua presença se nos tirem muitas difficuldades. (Riso.)
Assim se resolveu.
O SR. BARRETO FERRAZ: - Eu não puz em duvida o zelo dos Dignos Pares, Membros da Commissão, antes pelo contrario lhes faço a devida justiça, e nas minhas observações só queria dizer, que, o desejar ás vezes fazer um trabalho perfeitissimo, influe para que senão apresente com a brevidade de que se necessita.
Agora, agradecendo a bondade que a Camara teve em me addicionar á mesma Commissão, direi que a minha presença ali em nada poderá, concorrer para a perfeição daquelle trabalho; mas que em quannto á sua celeridade fica a meu cuidado, e espero me não hei de descuidar.
O Sr. Vice-Presidente fechou a Sessão, tendo antes declarado, que a seguinte teria logar terça feira (18 do corrente), sendo a sua Ordem do dia, os Pareceres (n.ºs 63, e 63 A) sobre o Projecto (n.° 35) da Camara dos Srs. Deputados, ácêrca da authorisação ao Governo,para providenciar sobre o Ultramar.
Era mais de quatro horas.
N.º 59. Sessão de 18 de Abril. 1843
(PRESIDIU O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)
TENDO dado uma hora depois do meio dia foi aberta a Sessãó: estiveram presentes 34 Dignos Pares - Os Srs. Duque de Palmella; Marquezes de Abrantes, de Fronteira, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria; Condes de Bomfim, do Farrobo, de Lavradio, de Paraty, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real; Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, e de Sobral; Barão de Ferreira; Barreio Ferraz, Miranda, Osorio, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Geraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, e Polycarpo José Machado.- Tambem fo-presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, da Justiça, e da Marinha.
Lida a Acta da Sessão precedente, ficou approvada.
O SR. SECRETARIO MACHADO: - O Sr. Conde Lumiares participou, que por motivo de molestia não podia comparecer hoje.
O SR. VISCONDE DE SEMODÃES: - O Digno Par Conde de Santa Maria encarregou-me de fazer presente á Camara, que não podia concorrer á Sessão por estar, molesto.
Mencionou-se um Officio da Camara dos Srs. Deputados participando haver ella adoptado as emendas, que esta Camara lhe propozera ao Projecto de Lei, que lhe enviára, sobre a admissão de livros publicados em Paizes estrangeiros em lingua portugueza, cujos auctores, ou traductores sejam, portuguezes.
A Camara ficou inteirada daquellas participações, e deste officio.
Foi lida a ultima redacção dos authographos dos Decretos das Côrtes Geraes, sendo um relativo ao Projecto de proteger a agricultura, e commercio dos vinhos do Douro; e o outro relativo ao
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Projecto, que faz extensivas aos filhos dos individuos, que serviram a usurpação, &c., as disposições do § unico da Carta de Lei de 17 de Novembro de 1841, que estabeleceu a classe de Aspirantes a Officiaes. - Foi approvada a redacção.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - A Deputação que ha de apresentar á Real Sancção aquelles Decretos, será composta, além do Presidente, e do Sr. Vice-Secretario Marquez de Loulé, dos Dignos Pares, Barreto Ferraz, Miranda, Saldanha Castro, Osorio, e Gambôa e Liz. - Pedir-se-ha dia e hora, pelo Ministerio do Reino, em que a mesma Deputação deva apresentar-se.
O SR. VISCONDE DE SÁ DE BANDEIRA: - Vou mandar para a Mesa uma lembrança, que não é de muita importancia. Ha já alguns annos, vendeu-se a Cêrca desta Casa, no que na minha opinião se commetteu um erro; porque, um Palacio destes deve ter sempre um jardim. Eu li ha pouco n'uma folha publica, que o proprietario actual annuncia a venda desta Cérca: parecia me que a Camara devia fazer a acquisição della para um passeio, mandando plantar arvores: vou mandar para a Meza esta
Proposta.
Achando-se annunciada a venda do terreno adjacente ao Palacio das Côrtes, pelo particular que a possne; e sendo conveniente que este Palacio tenha um terreno annexo, em que se possa passear; peço á Mesa, que tome as medidas necessarias, para que se faça a acquisiçao da parte do mesmo terreno, que se julgue necessario para tal objecto. Sala da Camara dos Pares 18 de Abril de 7813.- Sá da Bandeira.
E proseguiu - A Mesa fará o uso que quizer desta lembrança, recordando eu á Camara, que muitas das Casas Legislativas estrangeiras tem adjuncto jardins pertencentes ás mesmas. (O Sr. Vice-Presidente- Digo ao Digno Par, que a Camara por si só mão tem fundos.) A Mesa póde intender-se a este respeito com a Camara dos Srs. Deputados, e tambem com o Governo: isto é unicamente uma lembrança.
Agora peço licença a V. Exa. para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro da Marinha, que está presente.
Ha perto de um mez (creio eu) o Sr. Visconde de Fonte Arcada pediu, e esta Camara approvou o requerimento, para que pelo Ministerio da Marinha e Ultramar, fosse remettido á Camara a Synopse das medidas legislativas tomadas pelos Governadores Geraes das Provincias Ultramarinas: este peditorio tinha por objecto adquirir eu esses papeis, quando se tractasse da authorisação, que o Governo pede de legislar para o Ultramar: como ainda não vieram, perguntarei agora ao Sr. Ministro se terá muita demora a sua remessa.
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Responderei ao Diguo Par, que eu até já me persuadia, que tivessem sido entregues. Eu mandei-os coordenar; mas se não estão promptos, não podem ter demora, alguma: com tudo tomarei nota para ficar ao meu cuidado, que estando coordenados, sejão remettidos.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - Perguntarei á Camara se e admittida a Proposta do Digno Par Visconde de Sá, ou se fica para segunda leitura.
Resolveo-se que ficasse para segunda-leitura.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu sinto que não esteja presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, porque desejava annunciar a S. Exa. a intenção, que tenho de fazer-lhe uma interpellação; mas como está presente o Sr. Ministro da Marinha, rogarei a S. Exa. que lhe faça constar o objecto, sobre o qual eu o quero interpellar.
O Diario do Governo annunciou officialmenle, que estavão interrompidas as negociações entre Portugal, e a Gram-Bertanha; e eu desejava saber, se esta interrupção annulla as disposições do Art.º 7.° do Tractado de 3 de Julho do anno passado; porque considero de necessidade fixar o Paiz sobre estas relações; isto é, se se hade, ou não celebrar uma Convenção, em consequencia das disposições daquelle Art.°
Sobre outra materia desejo eu interpellar tambem a S. Exa., e é em consequencia de uma carta, tambem publicada no Diario do Governo, escrita de Pernambuco ao Governo Civil -- Esta carta e de muita importancia, porque nella se annuncia a existencia de um trafico de escravos brancos; quero dizer, subditos Portugaezes, que estão sujeitos a ser agarrados, ou por violencia, ou seducções, e levados para o Brazil, onde são vendidos, e açoutados como eram, antiga e desgraçadamente, os escravos Africanos; É notavel que hoje se estejam fazendo esforços, que eu apoiarei com todas as minhas forças, para acabar com o trafico dos Africanos; e que o anno passado se celebrasse um Tractado para conseguir este fim; e hoje estejamos consentindo, que nas Ilhas dos Açôres, para nós o unico ponto de salvação, se pratique um acto tão atroz; e talvez que muitos daquelles mesmos individuos, que derramaram o seu sangue em defeza do Throno Constitucional, e da Rainha, estejam hoje cortando canna d'assucar no Brazil, e levando açoutes! Por consequencia eu desejarei, que o Sr. Ministro me informe, o que ha a este respeito, e igualmente quaes foram as medidas, que o Governo empregou, para obstar a este trafico, e quaes foram as reclamações que dirigio ao Governo do Brazil, exigindo não só a entrega dos desgraçados Portuguezes reduzidos á miseria, e a deshonra, mas a reparação desta; porque, como diz aquella carta, algumas raparigas foram vendidas para d'ellas se usar infamemente; isto é, se já se pedio uma reparação por este motivo, porque a honra não; se póde indennisar póde indemnisar-se a Fazenda, mas não a honra; e por consequencia parece, que e da honra desta Camara, e da Nação, levantar a voz a favor destes Portuguezes opprimidos, e defender constantemente, quanto fôr possivel, os seus direitos.
Peço encarecidamente ao Sr. Ministro da Marinha, que está presente, que communique esta minha tenção de interpellar, ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e que S. Exa. diga qual e o dia, em que póde vir a esta Camara, porque ambas estas materias não, admittem demora.
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Eu ouvi o Digno Par, e me encarrego de prevenir o meu Collega, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros sobre os dois pontos, que acabam de ser tractados por S. Exa. Agora em quanto ao modo de designar o dia, não sei qual é o estylo da Camara; mas parecia-me, que era, melhor officiar. (O Sr. Vice-Presidente - O costume é officiar a Mesa, mas como
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V. EXA. está presente...) Sempre accrescentarei mais duas palavras: - Que quanto a isto de escravatura branca, o Governio tem tomado aquellas medidas indirectas, que póde tomar, e são compativeis com a liberdade dos cidadãos, que teem vontade livre de ir para onde quizerem; e em quanto aos passaportes serem igualmente providenciado. Meios indirectos, é o unico remedio, e do que se poderá dar algumas provas a esta Camara, em tempo competente.
O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: --- O Digno Par, que fallou primeiro, exigio a presença, do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros para lhe pedir esclarecimentos: sobre isto direi duas palavras, e o que, em medidas legislativas de alta importancia como esta, todos os Ministros devem estar autborisados a dar quaesquer esclarecimentos, que se tornem necessarios; e porque isto são materias que se tractam em Conselho de Ministros, todos devem estar habilitados a responder ás perguntas, que sobre ellas se fizerem, sob pena de serem arguidos: isto não é só relativo ao Sr. Ministro da Marinha; não lhe dirijo censura nenhuma; porque póde ter outros motivos para não responder.
Agora direi tambem alguma cousa, relativamente ao trafico dos escravos brancos, e sobre isto chamarei a attenção do Sr. Ministro da Marinha, porque por este Ministerio, no tempo do Sr. Campelo, expediu-se uma Portaria a este respeito; e a pesar, de que parte das disposiçcões d'esta Portaria, ou Decreto, não estavão nas attribuições do Governo, mas como em geral, eram uteis para evitar a emigração dos brancos para o Brazil; não se fallou sobre a illegalidade de algumas das disposições, porque a experiencia tem mostrado que medidas propostas a esse respeito ao Corpo Legislativo ha muito tempo, tem ficado nas Commissões: uma medida proposta por mim quando Ministro em 1837, e que teve algum andamento, e em 1838, até hoje ainda não foi discutida! Eu já fiz novamente menção d'isto nesta Camara; está encarregada a uma Commissão, e esta hade dar o seu parecer sobre ella; mas agora fallo unicamente para pedir ao Sr. Ministro da Marinha queira dizer a rzão, porque se não executa a Portaria, ou Decreto, do Sr. Campelo. Dir-me-ha que é, porque se tem observado que havia grande difficuldade na sua execução; e porque razão se hão de deixar sahir os moços da Ilha da Madeira, e Açôres, que não estão dispensados do recrutamento? Ha muita cousa, que não depende de medidas legislativas, e está nas attribuições do Governo, o qual as póde pôr em pratica. Desejo saber, porque razão se não executa a Portadia do Sr. Campelo; e se o motivo pelo qual se não executam aquellas disposições, é por culpa dos Governadores Geraes; porque motivo não são elles punidos, ou demittidos, pois um Governador Geral, em sabendo que este será o resultado de não executar as ordens do Governo, terá cuidado de o fazer.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - Quando apparecem materias d'esta natureza, é costume avisar o Governo.
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - O Digno Par acaba de dizer, que eu devia estar habilitado para responder a estas interpellações; mas S. Exa. ha de concordar, em que é costume prevenir o Governo sobre objectos desta natureza. Só me resta responder á sua ultima pergunta - da razão porque os Governadores Geraes não cumprem os seus deveres: - Ao Governo não consta, que elles não tenham cumprido.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu não fiz, pergunta nenhuma: preveni unicamente o Sr. Ministro da Marinha para fazer saber ao seu Collega, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, as minhas intenções. Agora peço a V. Exa. a palavra para logo depois, que se entre na Ordem do dia.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - Sim Sr., terá a palavra.
Passou-se á Ordem do dia, a discussão dos Pareceres (n.ºs 63, e 63 A, o primeiro da maioria, e o segundo da minoria, ambos da Secção da Marinha e Ultramar, sobre o Projecto (n.° 35) da Camara dos Srs. Deputados, authorisando o Governo, para, na ausencia das Côrtes, decretar as providencias convenientes ás Provincias Ultramarinas (V. pag. 219 col. L.ª)
O SR. CONDE DE LAVRADIO: -- Sr. Presidente, ainda que o Parecer da minoria da Commissão me pareça, assàs claro, e fundado sobre principios, que sim podem ser sophismados, porque tudo neste mundo o pôde ser, mas que me parece não podem ser destruidos; julgo que devo, na qualidade de collaborador, e signatariodo mesmo Parecer, juntar algumas observações ao que já se acha consignado nesse Parecer. Farei a analyse do Projecto, assim como a do Pareeer da maioria da Commissão, com cuja conclusão eu me não pude combinar com os meus Collegas da maioria. Este Projecto, no meu modo de ver, é opposto ao espirito, e letra da Carta Constitucional. Comecemos pelo Art.° 1.°; mas observarei, que ainda qnando este Projecto não fosse opposto á Carta Constitucional, estou intimamente convencido, de que nenhum resultado proficuo se tiraria deile para Provincias Ultramarinas, a quem parece que nós queremos dar remedio - Se o Art.° 1.° deste Projecto importa, sem duvida nenhuma, a delegação ao Ministerio do Poder Legislativo relativamente ás ProvinciasUltramarinas, o Art.º 2.°, que ainda é mais notavel, importa a subdelegação deste poder, que nós não podemos delegar, e dá faculdade ao Governo de subdelegar este poder nos Governadores Geraes das Provincias Ultramarinas. E eis-aqui está, senão me engano, a traducção destes dous Art.ºs; e é claro que se elles, sendo como são verdadeiramente á sua essencia, forem admittidos, as Provincias Ultramarinas voltam outra vez para o poder absoluto, e no meu modo de ver ainda mais tyranico, e oppressivo, do que era o poder absoluto, que as regia. quando toda a Monarchia estava debaixo do jugo desse poder. Agora vejamos se nós temos a faculdade, e o poder, para collocar as Provincias Ultramarinas nesta situação. A Carta Constitucional da Monarchia, no Art.° 2.°, pôz estas Provincias a par, e as igualou as do continente da Europa: portanto, não está na nossa faculdade alteral-o. Se a acaso quizermos observar o Art.° 2.º. da Carta Constitucional, veremos que não está na nossa faculdade priva-las de todos os direitos, de que gosam ás Provincias do Reino, e Ilhas adjacentes; mas vejamos se isto, que se nos pede agora para as Provincias Ultramarinas, nós podemos conceder para as Provincias de Portugal; e se podemos então convém que nós o possamos conceder ás ProvinciaS Ultramarinas. O Art.º 13.° da Carta Consti-
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Tucionaç declara, de uja maneira a não soffrer interpretação algumna, a quem compete o Poder Legislativo (leu) Bem: e que se nos pede aqui? É que nós partamentos o Poder Legislativo, e o deleguemos nas pessoas dos Srs. Ministros da corôa. E podemos nós fazer isso sem uma manifesta violação deste Art.º 13.º?. Mas diz-se, que, já foi approvado na Camara dos Srs. Deputados; é uma refórma que se vai fazer a este Art.º, mas podemos nós fazer esta refórma?... Vejamos, porque eu quero convencer-me. Diz o Art.ª 144.º da Carta (leu:) está portanto claro, que nós não podemos reformar aquelle Art.ª 13.ª sem uma manifesta violação, doq ue prescreve o Art.º 144.º - Nós estamos vendo se havemos de entregar as Possessões Ultramarinas nas mãos dos Srs. Ministros: isto é uma cousa grave, e eu estou defendendo os direitos daquelas Provincias, e portanto pediria, que me não interrompessem. (*) (O Sr. Marques de Fronteira: - eu posso fallar.) Póde conversar, e fallar, mas não é neste logar, e sim fóra desta Camara, em consequencia do que, peço a V. Exa., que como Presidente, mantenha a ordem, porque quando não deixarei de fallar: o Digno Par tem direito como qualquer outro de usar da palavra, mas não de interromper o Orador, que falla, assim como os Srs. Ministros tambem não teem direito de o coadjuvarem, porque não estão aqui para perturbar a ordem. (O Sr. Marques de Fronteira: - Eu estava perguntando se vinha o Sr. Presidente do Concelho, e não abri mais a bocca, fallando até muito de vagar.) Eu estava perguntando se o Art.º 13.ª se podia reformar, e sustentava que não, sem que a Carta fosse violada; porque, nem nós, nem o Governo, e nem mesmo todos estes Corpos reunidos o podem fazer; mas supponhamos que se podia reformar; nunca o podia ser senão pelo modo prescripto no Art.º 144.º, que determina elle sómente poderá ser reformado segundo o expresso nos Art.ºs 140.º; 141.º, 142.º. e 143.º da Carta logo está claro, que este Art.º senão póde alterar sem uma offensa nas Leis existentes, e na Lei Fundamental.
Agora farei algumas observações na hypotese de se poder adoptar este Projecto. - Eu convenho em que as Provincias Ultramarinas carecem de Leis especiaes, por que vejo estarem n'um estado de desorganização, assim como o seu systema administrativo está desorganisado; mas tambem convenho, em que nós não temos os conhecimentos necessarios, isto é, que as Côrtes não tem conhecimentos precisos para poderem legislar, e fazerem esta Lei: além do que, duvido muitissimo, de que os Srs. Ministros estejam no caso de supprir, o que as Camaras não podem fazer, por quanto as pessoas, que até agora têem informado o Governo, são homens sem a capacidade necessaria para dar estas informações: uns sem capacidade, e outros sem moralidade.
Mas suppunhamos, que os Srs. Ministros têem todos os elementos necessarios para formarem um systema, que possa regular todas as Provincias Ultramarinas: então se tem já esse bem, ou essa base por que a não apresentam? A authorisação que se péde, ainda que fosse feita pelo Ministerio da minha maior confirnça, não lha delegaria, e muito principalmente neste, que a não tem. Entretanto digo, que, apresentem SS. Exas. um systema para regularisaçãó das Colonias, que eu lhe darei o meu voto de confiança, como aquelle que dei para a construcção da Valla da Azambuja; mas nunca lhes concederei uma delegação do Podér Legislativo. -Confesso que não faria opposição nenhuma ao principio dessa base; e se fosse approvado, poderia depois o Governo ficar com a faculdade de usar deste direito, que désse o Corpo Legislativo; mas que farão os Srs. Ministros depois desta authorisação? - Couza nenhuma: hão de dizer ás auctoridades, que fôrem para essas Provincias, - façam lá o que lhes parecer. - Espero ouvir logo o Sr. Ministro da Marinha, que confirmará esta verdade, por que estou persuadido, de que SS. Exas não podem apresentar meio algum para remediar este mal, que soffrem aquellas Provincias.
Mas se eu considero perigoso o oonceder-se ao Governo o Podêr Legislativo muito mais perigoso considero a subdelegação, que se pede para os Governadores de Ultramar: esta concessão é inaudita, e faz estremecer. - Eu não quero offender nenhuma das pessoas, que actualmente governam as Provincias Ultramarinas, nem as que já as governaram; por que, entre ellas ha algumas, que eu muito respeito; mas como é notorio o modo pelo qual se faz a escolha dos Governadores daquellas Provincias, não serei tachado de imprudente, se fizer uma observação a este respeito. Até certo tempo, ás pessoas que serviam no Paço, e que depois se anojavam, desse serviço, dava-se-lhes um dote casando-as com um Governador de Ultramar; e houve um que nem lêr soube, e outro que já depois de não podêr vender mais nada, pegou no carrasco, e vendeu-o (Riso.); e a escolha que se, faz hoje é mais limitada? - Vai-se buscar um homem, que não tenha conhecimentos nenhuns, e até sem moral alguma; tiram-se para estes logares homens de duas clases, uns protegidos pelas pessoas dos Srs. Ministros, ou por que lhes tenham prestado serviços, principalmente nas eleições, ou por algum outro, que tenham prestado aos seus amigos, e protectores; por que, SS. Exas. Não vivem sem protectores: tambem influeem taes nomeações se quer-se afastar alguem da Metropole, dando-se-lhe a isca de um posto, honras, e a faculdade de opprimir os desgraçados habitantes das Provincias Ultramarinas. Eis aqui a cathegoria donde sahem as pessoas nomeadas para Governadores daquellas Provincias: os unicos requesitos são: amor, e temor: - portanto, ao homem) que é meu amigo faço-lhe aquelle serviço; ao que temo, tambem lho faço, mas por um sentimento opposto. É a esta gente, pois, que nós havemos, de conceder o podêr de opprimir aquelles habitantes, já ha tantos seculos opprimidos por uma tyrannia praticada por esses Governadores, que lá lhes são enviados, não capazes, como deviam ser, mas homens que vão fazer casa, que nunca tiveram, ou restabelecer a que perderam, e recuperar a sua fortuna arruinada portanto, nós não podemos adoptar este Projecto sem uma grande offensa feita áquelles povos.
Agora peço, que haja um momento de prudencia, e nos lembremos das consequencias que podia ter: não está muito longe de nós, o que aconteceu nos Estados Unidos: ao que deveu aquelle Paiz a sua independencia? A uma imprudencia similhante a esta. Veja-se a primeira conversação do célebre Francklin com Lord Grey: começou por um caso similhante, por um abuso do governo inglez, que quiz usar do
(*) O Sr. Marquez de Fronteira estava fallando em voz mais alta com o Sr. Ministro da Marinha
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Podêr Legislativo; e qual seria de nós, o que criminasse os habitantes das Provincias de Ultramar por resistirem á authorisação, que fôra dada contra a Lei Fundamental do Estado? Digo-lhes deste logar, que façam todos os esforços para obstarem a uma Lei desta natureza. Não se me venha dizer, que isto são doutrinas revolucionarias, por que eu nunca fui revolucionario, nem o sou; mas sou amigo da resistencia legal; e o motivo por que a liberdade não lança raizes em Portugal, nem talvez as lançará, e pela falta de resistencia legal; por que eu sempre que podér hei de usar della: e por consequencia, sobre esta materia não direi mais nada.
Mas não posso deixar de me dirigir aos meus collegas da Commissão. Eu na verdade respeito muito os Dignos Pares, que compõem a sua maioria; mas sendo SS. Exas. tão instruidos, e tão logicos, não sei como estabeleceram o principio que se acha exarado no Parecer da Commissão: SS. Exas. convêm exactamente, em que o Governo está em uma perfeita ignorancia, e que não sabe os trabalhos, que ha de fazer; convêm mais a maioria da Commissão, em que é necessario mandar-se Commissarios para examinar o verdadeiro estado daquellas Provincias, e depois trazerem noticias ao Governo; que estes Commissarios sejam homens capacissimos pelo seu saber, e capacidade, e havendo depois um Conselho, onde se discutam essas medidas, com seriedade; mas se SS. Exas. por uma parte dizem, que estão de accôrdo, em que o Governo está n'uma perfeita ignorancia a respeito do estado das Provincias de Ultramar, como o estão as Côrtes; por outra parte dizem, que se deve adoptar este Projecto. Ha uma couza muito notavel, e vem a ser - o profundo silencio que SS. Exas. guardam sobre a inconstitucionalidade da medida: passaram por ella, (como se costuma dizer) como gato fpor brasas. A inconstitucionalidade do Projecto é impossivel defender-se; mas approvalo é possivel, é por consequencia acabar com as nossas Provincias Ultramarinas.
Como nós temos de combater com o Ministerio, e com um exercito ministerial, peço que me seja licito fallar o numero de vezes, que julgar, necessario para defender o Projecto; por quanto, nós somos: dous, e sendo o meu illustre Collega mais capaz de o defender, do que eu, com tudo ás vezes não ouve bem, e póde-lhe escapar alguma couza, a que eu desejarei responder.
O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, o Digno Par estranhou, que sendo os Membros da Commissão tão logicos, depois de estabelecerem as suas bases tirassem aquella conclusão: tambem direi que S. Exa. sendo tão logico, depois das opiniões que tem manifestado nesta Camara, e da marcha que tem seguido, queira que se tire uma conclusão a respeito das suas intenções, que elle não quer que se tire: isto emquanto ao que disse sobre, a logica. O Digno Par disse tambem, e admitiu, que não ha aqui conhecimentos sufficientes do Ultramar, que convinha em que não havia conhecimentos especiaes, e que as Provincias Ultramarinas careciam desses meios para serem governadas. Ora depois de ter feito esta declaração, ha de convir, em que ha muitas occasiões em que se exigem providencias immediatas, e que é indispensavel, quando se quizer o bem daquellas Provincias, authorisar o Governo, na ausencia das Camaras, para tomar estas providencias. S. Exa. omittiu, muito de proposito, a menção desta clausula da ausencia das Camaras, que fixa o tempo em que o Governo poderá tomar as providencias, que forem necessarias para remediar os malles daquellas Provincias; e por isso querendo o bem dellas, e sabendo que as Côrtes devem examinar o uso, que se fizer desta Lei, visto que o Governo e obrigado a dar-lhe disso conta; acho muito melhor que assina se determine por uma Lei anterior, do que repetir-se o que já se praticou, e se mostra pelo mesmo Decreto que o Digno Par citou. Posto que tivesse havido uma revolução nessa occasião, os principios constitucionaes, a este respeito, são os mesmos em todas as constituições; e tambem então se devia ter reconhecido a necessidade, em que se falla agora de consultar os Representantes destas Provincias: por tanto, estes Decretos, com que se argumenta o Parecer da Commissão, que não versa sómente sobre o Projecto, mas tambem sobre o Parecer da maioria; esses Decretos, que elle citou, são uma prova do abuso flagrante, que se fez do poder Ministerial. Prefiro, e muito, que o Governo use de uma authoridade, que lhe seja concedida por Lei, do que deixar ao seu alvedrio a faculdade de tomar sobre si, não só a responsabilidade de qualquer medida, que se tenha de adoptar em qualquer cazo urgente, por que essa a term mesmo passando esta Lei; mas a responsabilidade de não tomar as medidas necassarias.
Sr. Presidente, eu não pretendo entrar, em uma longa resposta a todo o discurso do Digno Par, que acabou de fallar, e só tracto de dizer o motivo, por que assignei este Parecer, e por que julgo necessario que esta Lei passe: por isso tambem deixarei de fazer observações sobre muitas partes do Parecer da minoria, que eu considero muito, contradictorio: e nada concludente. O que tenho dito, para não cançar mais a Camara, parece-me que é sufficiente para se conhecer, que se não passar esta Lei, as Provincias Ultramarinas, sempre hão de ficar esperando providencias, por não haver authorisação para se tomarem na ausencia das Camaras, como diz o Projecta; por que de facto é necessario, que o Governo esteja munido desta authoridade para esse tempo.
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Sr. Presidente, não sei se poderei seguir, em todas as suas partes, o quanto e necessario para responder ás diversas observações sobre a inconstitucionabilidade do Projecto, apresentadas pelo Digno Par, que primeiro encetou a discussão. Principiarei, Sr. Presidente, por dizer, que me consolo e regosijo de duas cousas: primeiro, de ter a honra de levantar a minha voz nesta Casa, onde estão assentados, tantos Dignos Pares, que tem tido o encargo do Ministerio em diversas Repartições; e especialmente, por que nesta Camara tem assento muitos, Dignos Pares, com quem eu me honro muito de ter servido no Ministerio da Marinha, cuja experiencia, pratica, amor do Paiz, e conhecimento da necessidade das couzas publicas, e nomeadamente das do Ultramar, cujos negocios dirigiram, não póde deixar de lhes ter levado a convicção, de que este Projecto e eminentemente necessario.
Sr. Presidente, tendo a honra de occupar o logar, que hoje exerço, convenci-me, por um mais aturado, e meudo exame dos negocios relativos ao Ultramar, os quaes antes não eram da minha competencia nem estudo, se não em um, ou outro caso
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isolado, na qualidade que occupava de Contador Geral de Marinha; convenci-me, repita, que os negocios ultramarinos estavam na necessidade de acudir-lhe quanto antes com providencias, attento o estado de incerteza, e anarchia, a que vão chegando quasi todos os seus ramos de Administração Publica, e abandono (pôde ser que involuntario), com que tem sido tractados negocios da mais alta transcendencia, successivamenle reclamados, do que tem resultado a perda do prestigio, e força, de que Portugal tem necessidade, e póde desinvolver para á prosperidade dos Povos d'Alem-mar. A segunda couza, de que me alegrei, Sr. Presidente, foi a de escutar o Sr. Conde de Lavradio, no seu discurso, apezar da opposição que faz ao Projecto, confessar, e reconhecer, que em virtude da especialidade da administração, e rapidez de providencias, que demandam as nossas Possessões Ultramarinas, era necessario dar uma tal, ou qual faculdade ao Governo para acudir em circumstancias, que não póde negar-se serem muitas vezes excepcionaes; mas S. Exa. repugna á concessão de uma; similhante medida, por ser opposta á Carta Constitucional, e por que se priva os Povos do Ultramar do beneficio, e protecção, que se lhes deve dar como a todos os seus irmãos do Continente. - Sr. Presidente, a falta de similhante medida, e de prover por muitos annos em cousas de necessidade, é que faz privar os Povos do Ultramar dos effeiios da Carta; e eu temo, que, se não se tomarem medidas desta ordem, e os homens que occuparem este logar, deixarem de accudir, cuidar, e dar prompta, e successiva solução aos variados negocios, com o conhecimento das cousas publicas em cada Provincia, e por meio dos Governadores, a quem Sua Magestade confia a importante missão de reger superiormente aquelles Povos, e deixando tudo em uma especie, de incerteza, por longo e indeterminado tempo; temo, digo, que terá em resultado acontecimentos, que a Carta não quer, e pelos effeitos dos quaes a Carta será um flagello, em logar de um beneficio, como ella deve ser, por que, eu não sei que seja beneficio para os Povos do Ultramar, o dizer-lhe - aqui está a Carta, e não dar as providencias, que possam ir conduzindo a que esses Povos experimentem, que estão debaixo de um regimen de couzas, e não de palavras, e verdadeiramente constitucional, e não de symmetrica.
O Governo, Sr. Presidente, não quer levar com esta medida o poder absoluto áquellas Piovincias: o Governo quer satisfazer ás immensas representaçôes, e instancias feitas pelos homens, que tem sido encarregados dos Governos, e de quem o Governo tem a consciencia, do que desejam o regimen constitucional, como nós o desejamos. O Digno Par, que está junto a mim, o Sr. Visconde de Sá, sabe muito bem, que occupando-se com o zelo que todos lhe reconhecemos nas couzas do Ultramar, trouxe como Ministro daquella Repartição multas propostas ás Camaras, as quaes, por abundancia de negocios de outra ordem, e apezar do zêlo, vontade, e decisão do Digno Par, nunca teve o gosto de ver um só discutida. - Se o Digno Par se contenta de as ver classificadas nas parteleiras das Secretarias das Camaras, muito bem; mas ao Digno Par de certo, que o magoaria ver a indefinida procrastinação de negocios tão importantes, que por ahi andam, dos quaes hão me lembro de ter visto um só deciddo ha oito annos; e quando o Digno Par quiz conseguir alguma cousa das variadas medidas, que lhe fazem honra; foi preciso, que se prevalecesse da Dictadura de 1836, e ahl teve mar largo para navegar.
Reconheceu, pois, a Dictadura, que havia necessidade de providencias de alta ordem, e multiplicadas: bem haja ella se fez bom uso dessa situação; mas o facto prova a meu favor; e logo veio outra prova maior, e foi, que as Côrtes Constituintes, muito zelosas como eram das prerogativas do Podêr Legislativo, consignaram a pezar disso o preceito na Constituição de 1838, de doutrinas muito aproximadas ás que se consignam n'este Projecto.
Disse-se que - este Projecto tende a uma delegação de legislar permanentemente: não é assim, porque a delegação é muito temporaria, e na primeira reunião de Côrtes, se as medidas que o Governo adoptar (se alguma adoptar, porque só pede esta authorisação para os casos de urgencia) se julgarem inconvenientes, e abusivas, está na faculdade das Camaras, ou de qualquer Digno Par, ou Deputado, fazer propostas para cassar este poder, se o Governo abusar delle. Esta delegação da faculdade de legislar, que causou tanto horror ao Digno Par, que se explica facilmente pelos precedentes, e pela necessidade, tantas vezes repetida, e usada, sob a denominação de voto deconfiança, e tecida de cores proprias da opposição, que desempenha aqui o seu logar como entende; mas na realidade, não existe base para esses horrores, porque a faculdade, de que se tracta, e inferior á que consentia a Constituição de 1838, de que fallei, attendendo a que o Ministro do Ultramar não fica authorisado a legislar, sem o concurso do Conselho, de Ministros, e do Conselho d'Estado, que deve ser ouvido em taes casos: não se negue que isto mesmo seja garantia valiosa.
A opposição ao Art.º 2.° do Projecto (leu) não valia a pena de fazer-se porque esta determinação, Sr. Presidente, até um certo ponto, parecia escusado de vir no Projecto; porque quando um Governador do Ultramar tiver um caso occorrente, que comporte a ruina do Estado, ha de tomar estas medidas (Apoiados.)
Mas, Sr. Presidente, o que este Projecto vem fazer, e dar um remedio, é regularisar aquillo, que se está praticando sem authoridade; e o Governo a apoiado na propria Carta, e nos precedentes, e n, Lei da necessidade, e em desempenho das suas obrigações, vem sollicitar uma authorisação indispensavel. Este voto de confiança, nem é novo, nem é absoluto: e definido, restricto, e limitado a certos casos, e modificado pelo concurso do Conselho d'Estado, e conhecimento de todos os Ministros, a fim de regularisar o que se está fazendo sem essa authorisação, e não continuarem os Governadores, e os proprios Ministros d'Estado, na situação violenta de tomarem responsabilidades quando adoptam, como se tem feito, uma, ou outra medida sem authorisação, o que seguramenie tem feito, impellidos de circumstancias muito extraordinarias. O Governo, vem pois sollicitar esta authorisação fundado nos precedentes, é pratica dos paizes estrangeiros; e depois do que levo dito não se dirá, Sr. Presidente, que não ha fundamento para, o que se tem dito, de que o Gover-
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no quer levar o dominio absoluto ás Provincias Ultramarinas? Se o Governo quizesse faze-lo, não vinha aqui pedir essa authorisação; e o progreiso do estado, com que vão caminhando as cousas do Ultramar, é que póde conduzir a esse estado de desesperação, a que se diz o Governo levará os Povos do Ultramar pelo abuso de poder; e não será abuso, o nenhum uso que até agora se tem feito, a favor daquellas Provincias, em tantas medidas dalli reclamadas? - Sr. Presidente, quando no Ultramar virem, que o Governo toma estas medidas com authorisação das Camaras, espero em Deos, que não ha de ter logar á resistencia, que o Digno Par proclamou da sua cadeira, que deviam fazer os Povos ás Leis, que promulgasse o Governo: isto parece-me ser o mais inconveniente; e se alguma cousa ha a temer para à quietação, e felicidade dos Povos, são vozes tão inconveniente e injustamente lançadas com o fim de tirar força ao Governo, quando elle tracta de reconhecer pôr este pedido a authoridade das Camaras, e pratica uma formula eminentemente, constitucional.
Ora, Sr. Presidente, uma das difficuldades que o DignO Par apresentou é, que duvida muito, de que o Governo possa estar informado, e possa tee recebido informações de pessoas aptas, e competentemente habilitadas para tomar similhantes medidas: - Sr. Presidente, o Governo, não digo que esteja completa e perfeitamente habilitado; fallo diante dos Ministros com quem tive a lhonra de servir os quaes conhecem como os negocios do Ultramar tem caminhado e caminham; esses Dignos Pares, que foram Ministros da Marinha, sabem muito bem, que de tempos a tempos os Governadores Geraes, ouvindo os Conselhos locaes, tem proposto medidas, a que é necessario prover, e algumas de natureza tal, a que é necessario e serria indispensavel, e um grrande desserviço, não prover de prompto; e ngar-se-ha, que alguns dessees assunptos não virão de tal fórma, desenvolvidos, que o Governo se julgue habilitados resolve-los? Eis porque se quer a authorisação. Nesta hypothese contentar-se-hia o Governo em fazer um Prbjecto, como quer a minoria, para entregar nas Camaras, no momento em que se agitam graves questões nacionaes, que não se podem muitas vezes deferir? Ora o Digno Par, o Sr. Visconde de Sá, o que me está escutando, que me diga - qual foi a proposta, das muitas que apresentou, que tenha tido discussão? Só a da venda dos Bens Nacionaes: esta principiou, parou, e sabe Deus quando terminara; e qual foi o resultado? Que os Bens começaram a vender-se ha pouco tempo sem a devida legalidade; e não eram melhor uma authorisação regular, do que usar-se deste meio em assumpto tão grave?
Ora, Sr. Presidente, os Governadores lá vão continuando a tomar medidas, proque as circumstancias extraordinarias podem mas, do que quantas palavras, e discursos se possam proferir. Desde o Governador Geral da India, d. Manoel de Portugal, Barão de Candal, Lopes Lima, e Conde das Antas, todos tem feito reformas, e innovações, e todos estão fazendo planos, e apresentando-os ao Governo; e o que se segue daqui é, que estão na espectativa, de que estes Projectos, sendo apresentados ao Governo com conhecimento de causa, devem ser approvados, mas pela maior parte, sendo do dominio legislativo, o que acontece é, que por ahi andam ou o Governo muda de pessoas, e todas essas medidas ficam debaixo de uma execução illegal, e incompleta. - Mas o Governo não se acha habilitado Sr. Presidente, ou o Governo o está em muita cousa como acabo de dizer, ou não o está sufficientemente em negocios mais graves, e transcendentes: nesse caso faz-se, o que ordinariamente e indispensavel: ouvem-se os homens competentes.
O Governo entendeu, que não se devia descuidar em negocios, dos qnaes depende a prosperidade reciproca de Portugal, e suas Possessões; e dará disso uma prova, manifestando á Camara, o que e talvez já sabido de todos - da maneira como se tem preparado para estes trabalhos. Não havendo um Corpo consultivo especial, como seria esse Conselho Ultramarino, de que se falla, creou Commissões permanentes. Nomeou uma Commissão encarregada da organisação; que diz respeito ás Alfandegas; outra que tracta dos Negocios Ecclesiasticos; e finalmente uma outra encarregada de conhecer sobre o Administrativo, tanto Judicial, como Financeiro, e para apresentar ás Côrtes uma base; mas terá o Governo a esperança, de que aquelles trabalhos, aliás tão grandes, e vastos, lhe passem nas Camaras, cuja brevidade a urgencia dos negocios do Ultramar tanto exige?
Dizem alguns Dignos Pares, que se espere pela reforma da Carta: custa-me a acreditar, que se diga, que negocios, cuja natureza requer a maior promptidão, que se esperem annos para os considerar: todos poderiam discorrer assim, menos os homens, que teem tido á sua gerencia, e administração, os negocios das Colonias. Por esta theoria o Governo dirá a esses Povos: "vós nccessitaes de providencias rapidas, e successivas em negocios, de que depende a vossa felicidade; a vossa segurança, "o garante da vossa propriedade etc.; porém os homens, que se dizem vossos protectores contra as invasões do Governo, dizem que esperais mais uns poucos de annos. Sr. Presidente, a guerra que se faz ao Governo não deve ser com sacrificios desta ordem; e discorrendo desta maneira, e que se póde caminhar pare o absolutismo, e tolher todo o beneficio da Carta, e não com o pretexto de respeito á Carta, fazer dessa Carta um objecto inutil para os Povos Ultramarinos: pois que é exactamente em virtude dessa Carta, que nós vimos pedir esta authorisação ás Camaras.
A escolha dos Governadores, é a parte menos propria para aqui se discutir agora; e felizmente o vicio dessn escolha, foi-se buscar a uma época muito remota, e o Digno Par confessour, que não era do nosso tempo o que disse de certos actos, e do caracter de certas authoridades: não sei se taes demonstrações, muitas vezes havidas de informações exaggeradas, tem maior proveito em serem aqui apresentadas sem as provas: nisto muito tenho a dizer; mas confessarei, que é grande difficuldade para os homens do Governo a escola de individuos. - Não são muito abundantes as capacidades, e muitos ha que não querem, nem podem, nem os instresses convidam: discorro assim em geral; mas de nenhuma maneira quero dizer, que, os homens nomeados merecem as graves censuras, que o Digno Par lhes quiz lançar. Sr. Presidente, todos os Governadores Geraes, que occupam os seus logares no Ultramar, são homens benemeritos: o Governador Geral de Ango
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la não merece o conceito, que se podia tirar do discurso do Sr. Visconde de Sá; o pobre General, que está á testa dos negocios da India, é um Digno Par, e Membro deita Casa, parece-me (Vozes: - Pertence, pertence); pois esse digno Governador tem dado, recentemente; o testemunho mais flagrante de querer beneficiar os Povos, para onde foi nomeado. Elle tem apresentado muitas medidas, entre as quaes o Governo não pôde duvidar, de que ha algumas, que são boas, e uteis, e para aproveitar; mas o Governo não está authorisado para as poder adoptar: ainda está recente a discussão do Bill de indemnidade e dessa discussão tiro eu argumento para dizer, que fecharndo-se as Côrtes, todas essas medidas, feitas pelo digno Governador, ficavam paradas, se o Governo se não attrevesse a ultrapassar as suas faculdades, e para que não aconteça, e para aproveitar os trabalhos deste General, e de muitos outros Governadores, e Authoridades, e que o Governo sustenta a necessidade de medida, que, por muito que se diga, é muito constitucional. O Governo tem a consciencia de que munido de informações, e propostas desenvolvidas por pessoas habeis, e sobre o local onde se requerem, poderá adoptar determinações taes, que quando vier dar conta as Camaras, prove que não adoptou medidas menos proprias e pouco pensadas: pelo contrario, elle ha de mostrar, que foratn adoptadas depois de um miudo e reflectido exame.
Sr. Presidente, recapitulando, direi, que o conhecimento consciencioso da absoluta necessidade do Governo ser authorisado, para em casos determinados occorrer com medidas legislativas, que aquelles povos estão ha tanto tempo a pedir; e que fez com que apresentasse este Projecto, pedindo está authorisação, cuja conta dentro de um pequeno periodo de tempo dará á Camara. O Governo não póde agora apresentar um trabalho perfeito; por que, qualquer Proposta involveria multiplicados negocios, que versam sobre muitas Provincias, por quanto a legislação que póde ser proveitosa para uma póde não aproveitar para outra; além do que o Governo não tem tempo para apresentar agora esses trabalhos; mas devo observar, que concessões iguaes a esta, tem passado já nas Camaras. Não, se pense que isto e uma hyperbole, e o conhecimento do que tem passado nas Sessões anteriores.
Em quanto á delegação dada aos Governadores direi, que, não se lhes dá uma delegação absoluta: para legislar, mas sim para casos restrictos: ora, da faculdade que se lhes vai dar pelo Art.º já elles tem usado em consequencia da força das cousas; e para salvar a sua rresponsabilidade, e por que o Governo não tem podido sanccionar esses actos, nem negalos impelido pelo conhecimento exacto do estado de cousas, tão sérias, e graves, e para me não cahir tambem a responsabilidade; julguei dever apresentar este Projecto, confiando na pratica passada; e outra vez appello para a consciencia, e conheicmento pratico dos Dignos Pares, que têem occupado o logar, que eu hoje tão insufficientemente occupada, e S. Exas. Conhecerão bem estas difficuldades. Entretanto, oito annos se tem passado, e o Governo tem recebido Relatorios annualmente das diversas Provincias Ultramarinas, dos quaes se póde aproveitar muita cousa; e não duvido mandar homens, com conhecimento daquellas localidades, a examinar o seu verdadeiro estado; mas isso demanda tempo, e em quanto não chega esse tempo, e por que não conhecemos tudo, não devemos deixar desde já de nos occuparmos com factos, e não com palavras, da sorte daquellas Provincias, aliás, tudo ali caminhará de mal para peior.
Sr. Presidente, tenho feito quanto posso a este respeito, dentro das minhas faculdades, que em frente de tantas necessidades são poucas, e insufficientes; e os Dignos Pares, que tem regido este Ministerio confessarão as muitas difficuldades, em que se tem achado, para acudirem aos multiplicados, e graves negocios do Ultramar.
Tenho dado providencias para estabelecer, Estações navaes tão fortes, como o permittem os poucos meios; tem havido uma necessaria conmunicação pela regularidade dos Correios maritimos; e o commercio algum signal de alento tem tido: convêm animalo, e não deixarr que esmoreça de novo.
Onde a tranquilidade publica o tem exigido, tenho dado as mais promptas providencias; e por acontecimentos extraordinarios, sahiram Embarcações de Guerra para Maçáo, Montevideo, e Brazil. Sobre a Costa de Guiné igualmente me vi obrigado, a enviar outros Vasos de Guerra. Muito ha a fazer, nem eu estremeço, por que estou convencido, de que a Camara na sua sabedoria, apreciando o que se póde chamar esforços de opposição auxiliará o Governo nas suas justas intenções, e desejos: d'outra fórma tambem difficilmente se lhe pôde exigir a responsabilidade.
Muitas outras providencias se tem dado, e se vão dando; e eu discorroc differentemente do Digno Par a respeito dos Governadores, e certas authoridades, pois que apezar de alguns não serem de nomeação do meu tempo, nem esses, nem os nomeados por mim, tem deixado de, por um só acto, merecer muita confiança do Governo, e de lhe ter dado provas do zelo, e actividade, com que elles curam do interesse, e bem estar dos povos, que lhes foram confiados.
Parece-me que se disse tambem, que o Governo queria Governadores, unicamente para protectores de eleições, creio eu: todas estas asserções, indicam, que os Dignos Pares adversarios ao Projecto, tem o pensamento em fins muito diversos, ao que aspira o Governo, quando pede esta authorisacão; e para o provar bastará dizer concluindo, que similhantes authorisações, a Administração que as pede, é geralmente para legar a outros homens, que devem occupar estes logares, attenta a curta vida dos Ministros; e quanto a eleições feitas pelos Patronos do Governo, hasta vêr, que quasi todos os Deputados nomeados pelo Ultramar, são mais companheiros do Digno Par, que assim se expressou, do que do Governo.
O SR. GIRALDES: - Pouco, ou nada poderei ajuntar ao Parecer da minoria da Commissão, elle tocou todos os pontos: todavia, tenho que dar o meu voto, e em objectos desta natureza, não deixarei de o motivar.
O Ministerio não vem pedir, no presente Projecto, um remedio especial para as Provincias do Ultramar, mas o direito de legislar; isto não é um novo de confiança, é a cessão de um direito, de que nós não podemos dispôr: não se póde negar, a não se negar a luz do dia, que um tal pedido é contra a Carta, uma manifesta violação da Lei. Mas, ouvi dizer, - "o Art.º da Carta tem excepções, e estas tem-se dado no nosso Paiz frequentes vezes" - assim
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será, porêm do seu abuso tem vindo a nossa ruina: é mania, que tem atacado a todos, o persuadirem-se de que um Paiz se salva com leis! Se assim fosse, quem estaria mais salvo do que nós? Quem mais feliz? Com effeito, ha facilidade em se salvar a Nação desta maneira; muitas vezes não ha mais incommodo, do que fazer a encommenda da lei: o que custa, o que tem verdadeiro merecimento, e uma administração justa, e energica fazer uma boa escolha de Empregados, manter uma exacta, e facil fiscalisação: vencidas estas difficuldadcs, talvez o Ministerio não nos venha aqui dizer - "que tem carencia de leis" - Mas ia dizendo, que o Art.º tem excepções, uma unica, a que se dá em todos os Art.ºs constitucionaes da Carta, é nesse caso extremo, quando tem logar, essa lei do salus populi; isto é quando a ruina da Patria é certa. Vejamos se este principio, este axioma, tem applicação ao presente caso.
Nas Provincias de Ultramar dá-se essa lei da urgencia? O Sr. Ministro da Martnha nos acaba de affiançar, que corre risco a segurança publica; que a anarchia era, geral (suas expressões): accreditando por um pouco se o risco e imminente, onde estão essas providencias, que lhe deviam levar um prompto remedio? Porque nos não vem antes a partecipar o que tem feito para evitar um tal perigo? Se não é imminente, por que não nos apresenta esse plano de organisação geral, que tanto deseja a maioria da Commissão, e que tanto nos era necessario, para termos uma base, para termos algum conhecimento, do que nos pedem, e do que concedemos? Mas tudo está em embrião; a Commissão reconhece, que o Ministerio não tem as informações necessarias; e o Sr. Ministro da Marinha nos deu a intender, que tudo depende de Commissões nomeadas: finalmente, não ha sé não um desejo do Ministerio em fazer bem áquellas Provincias. Em desejos desta natureza todos nós abundâmos.
Sejamos sinceros: os males que ha lá, são com pequenas differenças os que por cá temos, e que provêm do nosso estado geral de corrupçao; mal administrados; faltos de tudo com um deficit enorme; o remedio consiste mais em uma boa execução, do que em factura de novas leis. Mas o Ministerio, que encontra mais facilidade neste meio, e está convencido, de que nós temos impossibilidade para legislar, como aqui se tem dito, e o Sr. Ministro o acaba de confirmar, asseverando, que em quatro annos nem uma só Proposta de Lei, se apresentou nas Camaras; responderei, que em quatro annos que se tem passado, não tornou igualmente o Governo a iniciativa em nenhuma Proposta de Lei relativa a este objecto, pque vem agora fazer para nos alliviar desta nossa obrigação, e cheio de um amor civico, quer para si todo o trabalho: a isto dá o modesto nome de voto de confiança, e ainda mesmo que o fosse, elle e sempre restricto, limitado, e dado só com conhecimento do que se dá. - O argumento de que se serve o Sr. Ministro da Marinha, para fundar o seu pedido, é bem fraco; por que, diz no seu relatorio - " nas outras nações que tem colonias dá-se ao "Ministerio o direito de legislar em casos extraordirios" - logo tambem o quero. Mas onde estão esses casos extraordinarios? Onde esas colonias? A familia Portugueza é toda uma; todos temos os mesmos direitos; todas as Provincias tem, na outra Camara, os seus Representantes; é para representarem as suas necessidades que os Deputados do Ultramar cá vieram; e se conhecem essas necessidades; se elles nunca viram essas Provincias; se são superfluos como se quer dar a intender; então faça-se ao menos essa economia em os mandar embora.
Concluirei com o dilemma seguinte - existem ou não as circumstancias extraordinarias? No primeiro caso, já deveria o Ministerio ter acudido, a essas Provincias, e apresentado aqui as suas medidas para receberem nossos agradecimentos, por nos terem salvado aquella parte do territorio Portuguez: se não existem, o Ministerio é altamente culpado por nos vir pedir uma cousa, que é contra a Carta.
Estas duas hypotheses as vejo eu figuradas no Projecto; o Art.° 2.° nos apresenta a hypotese dos casos extraordinarios, isto é (palavras do Art.°) –“ segurança publica, ou damno irreparavel noa inteteresses essenciaes - é só nestes casos, que se pedem tomar as medidas extraordinarias, que o Ministerio requer; para isto não e mister diligenciar alguma; o Ministerio o póde fazer; os Governadores Militares o podem igualmente fazer; e eu já o fiz sendo Administrador Geral retendo na cadêa um Juiz Ordinario, contra a ordem de soltura do Juiz do Direito; violei as Leis; não digo bem, cumpri uma lei mais forte, a da segurança publica; um damno irreparavel assim o exigia, não vim pedir bil de indemnidades nem ao Governo, nem ás Camaras, estava segurissimo do meu proceder; e anhelava, que se levantasse uma voz contra elle, para melhor o patentear. - Desculpe a Camara esta pequena digressão, como desabafo que recebe aquelle, que em a sua vida publica não tem remorsos. Eu dou da minha parte toda a authorisação, que pede o Governo, concebida como está no Art.º 2.°; nego, na o posso conceder a authorisação exigida no Art.° 1.º ainda mesmo que desta medida se tirasse um bem real, o que duvido: neste sentido mandarei para a Mesa, se pelo decurso da discussão o julgar necessario, uma substituição. _
Finalizarei chamando para este Projecto a attenção desses zelosos Guardas da Carta, esses eximios Oradores, que tanto tem combatido os Projectos da minoria da Camara: e aqui que eu desejarei vêr desenvolver esses rigidos principios, esses escrupulos de não offender, nem venialmente a Carta; é hoje pela pratica, que sendo desmentidas as minhas asserções, desvanecidos os meus receios, que eu não terei duvida de confessar a minha injustiça, e pedir desculpados meus juizos.
O SR. VISCONDE BE SÁ DA BANDEIRA: - Já os Dignos Pares, que tem fallado antes de mim, mostraram quanto este Projecto é opposto á Carta Constitucional, e é por isso que eu não posso admittir-lo.
A concessão que pretende o Governo de poderes especiaes para as Provincias Ultramarinas, sómente poderia fazer-se, reformando-se a Carta. Tendo esta sido publicada em 1826, e havendo regido este Paiz mais de quatro annos, temos direito de a reformar, o que se poderia levar a effeito de uma Legislatura para outra se o Governo quizesse proceder, segundo o methodo determinado na Carta, e até esse tempo ha meios de governo o Ultramar basta o Decreto de 7 da Dezembro de 1836,
O qual ao Art. II da faculdade sufficientes; mas o facto é, que se tem effectivamente legislado para
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o Ultramar; o Governador Geral interino do Estado da India Lopes Lima legislou á sua vontade; o General Conde das Antas está legislando; em Cabo-Verde se está tambem legislando; e segundo me informam, o mesmo Decreto de 16 de Janeiro de 1837, que prohibe o embandeiramento de navios estrangeiros em portuguezes, para não facilitar o trafico da escravatura, está sendo violado, pelas authoridades; o Governador Geral tem commettido actos illegaes, nomeando individuos para Presidentes das Camaras Municipaes; e aálem d’isto tem praticado outras tropolias. — Eu não defendo o Sr. Conde das Antas, nem outro algum Governador, que se não mostrar exacto executor da Lei: pelo contrario, digo, que todo o funccionario, que não cumpre a Lei, merece censura.
O Sr. Conde das Antas quando estava para partir para a India, desejou ouvir a minha opinião, sobre os negocios daquelle paiz: em resumo disse-lhe «que no Ultramar, os Governadores geraes não devem metter-se em eleições, por que fazendo-o, tornam-se odiosos ao partido a que se mostraram «adversos, o qual com justiça, ou sem ella, dahi por diante considera sempre o Governador como parcial contra elle; que a outra regra a seguir era a de conformar-se, e obrar segundo as Leis. — As medidas de natureza legislativa, tomadas por este General, devem considerar-se como praticadas com auctorisação do Governo, por que se este o não auctorisasse, immediatamente mandaria cassar taes medidas; álem do que, se o Governo julgava, que ellas eram de utilidade, o que devia fazer era apresentalas ás Côrtes, assim como praticou com uma immensidade de medidas, que elle proprio tomára pelas quaes pedio o chamado — bill de indemnidade. O Governo tractou o Corpo Legislativo com tal despreso, que nem ao menos pedio indemnidade pelas immensas medidas legislativas, tomadas pelas authoridades do Ultramar. De modo, que em uma extensa porção de territorios da Monarchia são lidas como Leis, disposições de recente dala, sem disso ser sabedor o Poder Legislativo. Pedio-se n’esta Camara uma Synopse de taes medidas, o Sr. Ministro da Marinha acabou de dizer, que déra ordem para que se mandasse; mas como ainda não veio, estamos nesta discussão privados d’este meio de nos esclarecermos.
Esta Camara, seguindo o Parecer da Commissão de Legislação, ha pouco tempo rejeitou as duas Propostas dos Dignos Pares, o Sr. Conde de Lavradio, e o Sr. Geraldes, e apezar de em ambas ellas reconhecera Commissão, que tinham vantagens, mas pelas considerar, de algum modo, oppostas a certas disposições da Carta. Se se póde ter como louvavel este arbitrio da Camara para conservar intactos todos os Art.° da Carta; será digno de admiração se a Camara fizesse agora o contrario, approvando um Projecto, que vai deitar abaixo todos os principios do Governo Representativo. Esta Camara não se póde conservar no respeito publico, se não sendo uma rigida observadora da Lei, e adquirindo o caracter de uma Camara conservadora; assim cumpre-lhe fazer executar o que prescreve a Carta Constitucional, tanto pelo Podêr Executivo, como pela outra Camara, não consentindo, e menos concorrendo, para a infracção de algum dos seus Art.ºs; se a Camara dos Pares não proceder assim, o respeito ha de perdelo, e ao primeiro sôpro desapparecerá. Não deve esquecer, que esta Camara já teve dous ataques apopleticos: um em 1828, e outro em 1836: se tiver terceiro ataque, talvez que não possa mais resurgir. É esta mais uma circumstancia, que deve fazer com que sejamos rigidos observadores das Instituições Constitucionaes. Vejamos agora qual será o resultado da adopção desta medida. Sendo ella evidentemente inconstitucional, servirá de precedente, para que as Côrtes ordinarias possam alterar á sua vontade a Carta Constitucional; por um tal acto ás Côrtes virão a usurpar a omnipotencia parlamentar Se hoje se approva a medida em discussão; se se commette esta imfracção da Constituição; igual direito terão as Côrtes de a infringir em todos os Art.°s já alterando as attribuições do Podêr Legislativo; já atacando a independencia do Podêr Judicial; já cerceando as prorogativas, que pertencem á Corôa, ou vice-versa. A Camara dos Communs em Inglaterra (por que nella e que virtualmente reside a omnipotencia parlamentar), tem imposto á Corôa taes restricções, que hoje o Rei de Inglaterra tem menos poder, do que o Presidente dos Estados-Unidos. São os Chefes da maioria parlamentar, isto é, são os Ministros, que governam como intendem; a prorogativa da Corôa está-lhes submettida; ainda ha pouco tempo se viu uma lucta entre a prorogativa real, e o podêr ministerial, em que este ficou vencedor, demonstrando-se por mais um exemplo, que a Rainha Reinante de Inglaterra, não póde por si mesma fazer a nomeação das proprias damas, que a hão de servir. Alli tem-se todo o respeito exterior ao Throno; mas a authoridade deste está reduzida a nullidade: convêm que outro tanto não aconteça cá; convêm que cada um dos Poderes do Estado conserve os direitos, que lhe são concedidos pela Carta, Constitucional. A Camara dos Pares deve ser a primeira, a dar o exemplo do respeito á Lei fundamental. Se disserem, afim de que o Projecto seja approvado, que ha muitas Propostas do Governo feitas ás Côrtes, e que não tem tido seguimento; póde responder-se, que o Governo póde formar dellas um Projecto em poucos Art.°s, os quaes contenham sómente as bases da organisação; expedir ao Corpo Legislativo que as approve demorando-se, para isso, no fim da Sessão ordinaria, os dias necessarios para votar essas bases. Se outras Propostas apresentadas anteriormente, morreram nas Commissões, dependeu isso de circumstancias especiaes, que não existem para a Administração actual, que tem por si uma maioria mui numerosa. O Governo, o que quer agora, é uma authorisação especial para legislar para o Ultramar, permanentemente, como lhe concede a redação do Projecto, embora se diga, que é sómente na ausencia das Côrtes, por que esta póde ser de nove mezes; ou das tres quartas partes do anno, em cujo tempo póde fazer quanto lhe agrada sem que precise propôr couza alguma ás Côrtes.
Asseverou-se por parte do Governo, que a authorisação, que elle pede, e exercida pelos governos de outros paizes que tem colonias, cujo exemplo elle quer seguir: farei sobre isto uma observação. Os paizes, que gozam do systema representativo, como a Hollanda, a Hespanha, a França, e a Inglaterra, e que tem colonias, não admittem deputados de nenhuma dellas no corpo legislativo da metropole; e nós temos os seus Representantes na Camara dos De-
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putados, sendo porêm bem para notar, que muitos delles estão privados de ser Membros da Commissão do Ultramar, e de dar a sua opinião, sobre as Leis pertencentes áquelles Paizes que elles representam. O Sr. Ministro da Marinha quiz de algum modo invocar o Decreto de 7 de Dezembro de 1836, para mostrar a legitimidade desta Lei; mas advirta-se, que o Art.º 137.º da Constituição de 1838 não permittia legislar para o Ultramar, e foi por isso que os Ministros daquelle tempo apresentaram ás Côrtes muitas propostas de lei para aquellas Provincias: portanto não houve caso que se possa invocar como precedente.
Quanto á authorisação que pede para os Governadores Geraes, é inutil, por que hoje as communicações são muito faceis; de sorte, que das mais remotas Possessões, podem receber-se communicações em Lisboa, e mandarem-se respostas muitas vezes em menos tempo, do que levará á discutir nas Commissões, e nas duas Camaras uma Proposta de Lei. - Ainda ha pouco se estabeleceu uma carreira de paquetes de Inglaterra para Macau, tocando na Madeira; assim em oito mezes póde ter-se aqui resposta ás cartas mandadas para aquelle Estabelecimento da India, e em quarenta e cinco dias temos noticias: por consequencia, não estamos actualmente no caso do Governo antigo, e é hoje, que justamente haveria menos necessidade de fazer uma concessão destas ao Governo.
Tambem disse, que isto é um voto de confiança ao Governo, o que é equivalente, a dizer-se, que a Camara pôde dar um voto de confiança para destruir a Constituição do Estado, aniquilando, totalmente o principio em que a Carta Constitucional se basea; é isto o que fariamos, confiando ao Governo por uma Lei,- o direito permanente de fazer leis, para ás Provincias; do Ultramar, e por uma concessão que não temos direito a fazer; nós procederiamos annularmo-nos a nós mesmos; fariamos o mesmo que, em Valencia, fizeram os deputados de Hespanha em 1814, que entregaram o podêr absoluto a Fernando 7,ºs, deputados indignos que, conhecidos debaixo do nome de Persas, foram perseguidos depois, que em 1820 se restaurou a constituição de 1812.
Como não temos anthoridade para delegar o Podêr Legislativo, as nossas colonias não tem obrigação de obdecer ás medidas de natureza legislativa, que o Governo viesse a tomar, se o Projecto em discussão fosse approvado; e se ellas possuissem uma força proporcional á que tinham as colonias inglezas, que hoje formam os Estados Unidos, uma medida destas as poderia fazer sublevar contra a Metropole, e teriam direito a fazelo.
O Sr. Ministro da Marinha referiu algumas das nomeações que fizera, e várias das medidas que tem tomado para a administração das provincias Ultramarinas: concordo em que algumas são boas; mas outras não podem deixar de considerar-se más. Passo a exemplos; S. Exa. Não fallou n’um individuo, que nomeou Governador para Cacheu, o qual sendo negociante alli, terá por consequencia muitas vezes interesses em opposição com os do Estado, e em particular dos habitantes, que for governar. Tambem não sei que necessidade houve em se separar o presidio de Cacheu do de Bissau, fazendo Governos separados. Outro exemplo: um individuo foi ha poucos mezes nomeado Governador de Benguela, e este individuo tinha, ha poucos annos, sido prêsa por ter levado carregadores pretos desde, Loanda até o Cassange, fazendo-os caminhar quatrocentas leguas com cargas por sua conta, dando-lhes muitas pancadas, mettendo-os em gargalheiras á que lá chamam libambos, e que havia sido mettido em conselho de guerra por taes procedimentos. É certo que elle foi absolvido pelo conselhos de guerra, mas o Governo póde não o absolver na sua opinião quando os factos são evidentes, e bem que nenhum castigo lhe pôde ser imposto, a moral publica exige, que elle não volte a ser empregado onde possa repetir, o que já fizera. Outro exemplo: um Escrivão da Junta de Angola, foi em 1824 sentenceado em Angola por ladrão: dez annos depois, em 1834, quando todos os criminosos se diziam prêsos politicos, foi em Lisboa annullada aquella sentença: entretanto nunca Ministro algum de Marinha se attreveu a mandalo
para o emprego, de que havia sido expulso, apezar das suas continuas sollicitaçôes, e hoje este; homem está exercendo o mesmo emprego, e foi mandado pelo Sr. Ministro actual. Procedendo com imparcialidade diria, que me parece acertada a nomeação do Sr. Bressone para Governador de Angola; de outros poderia dizer o mesmo: mas não faço extensivo este louvôr a tudo, porque ha muita cousa, que merece censura.
Direi ainda duas palavras a respeito do actual Governador de Benguela, que me haviam esquecido: foi accusado este individuo, quando era Regente do districto de Golongo alto, por ter mandado dar quinhentos açoites em muitos pretos livres; o Governador Geral Vida1 mandei-o responder, o que fez declarando, que sómente havia mandado dar trezentos açoites em cada um; e no seu officio ao Governador Geral accrescentava, em fórma de axioma: - e é este o modo como este Povo quer ser governador – tudo isto é official; e eis-aqui o bello Governador mandado para Benguela.
Não entrarei em mais detalhes sobre esta materia, e terminarei mandando a seguinte Proposta para a Mesa, como questão previa. Ella diz o seguinte:
Proposta.
Antes de progredir a discussão sobre a generalidade do Projecto, peço que; a Camara decida se elle é, ou não opposto á Carta Constitucional — Sá da
Bandeira.
O SR: DUQUE DE PALMELLA: - O Digno Par acaba de fallar longamente sobre a materia, e depois pede, que não continue a discussão, sem se discutir á questão prévia: sobre isto invoco a sua sinceridade.
O sr. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA:- Então altero a minha Proposta, e peço que se ponha á votação antes de outra qualquer cousa.
O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu venho apoiar a Proposta, que acaba de fazer o Sr. Visconde de Sá: é verdade que até agora se tem estado a tractar da generalidade do projecto; e sendo eu um dos primeiros, que fallei sobre ella, não quererei impedir a nenhum Digno par, que fallei, entretanto, a duvida que sobreveio ao meu illustre amigo, o Sr. Visconde de Sá, parece-me que é muito digna de attenção; por que, se se decidir, que este objecto é opposto á Constituição, escusado é entrarmos na discussão da generalidade.
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O SR. DUQUE depalmella: - O Digno Par que fallou ultimamente disse, que a familia Portugueza tem toda os mesmos direitos: esta verdade é innegavel e está consignada na Carta: por tanto não haverá nenhum de nóss, que a possa pôr em duvida. Mas ha outra verdade ainda mais innegavel, posto que na Carta se não consignasse, e é que nem toda a familia Portugueza está nas mesmas circumstancias. A Monarchia Portugueza existe, dissiminada por todo o Orbe, de maneira que o sol nasce, e chega ao seu occaso simultaneamente nos dominios da Rainha, a Senhora D. Maria 2.ª por consequencia não é possivel considerar, que dominios tão dispersos estejam todos em identicas circumstancias, para serem: governados exactamente, pelas mesmas regras. E, para exprimir mais claramente a minha idéa, direi que não é possivel, que do centro commum da Monarchia Portugueza sáiam a tempo as necessarias providencias para Possessões tão longiquas. A Carta apresenta principios geraes; mas não fornece regulamentos, nem medidas especiaes para o Governo daquellas, que eram então colonias, e hoje consideramos! Possessões transatlanticas é evidente, por tanto que ha uma lacuna na Carta; tanto assim, que depois da revolução, que temporariamente a fez desaparecer, a dictadura, e os Ministerios que governaram antes da Constituição de 1838, assim como as Côrtes, que decretaram essa Constituição; providenciaram, e legislaram ácerca das Colonias de maneira differente, do que se fizera durante o regimen da Carta. Authorisaram os Governadores a tomar certas medidas, e, isto já foi feito em virtude da experiencia, que tinha mostrado a impossibilidade de governar cada uma daquellas Provincias, em quanto ao menos, se lhes não tivesse dado a organisação necessaria para ser alli applicavel a Constituição: esta organisação é o que falta, é o desideratum a alcançar; e muito teria eu folgado, que os Srs. Ministros, em logar de apresentarem este Projecto de Lei, estivessem habilitados, para propor um plano completo de organisação Constitucional, fundado na Carta, e exequivel, em relação a cadauma, das Provincias, Ultramarinas; digo para cadauma, por que todas ellas estão em circumstancias diversas. Entrentanto, apezar do seu zêlo, e não obstante quaesquer dados, que possam já existir nas Secretarias d’Estado, convenço-me, de que o Governo não estava, provavelmente no caso de apresentar o plano geral a que alludi; mas é para desejar, que em breve, o haja de fazer, e é mesmo natural, que esse plano se vá successivamente aperfeiçoando. Devemos, porêm, desenganar-nos, de que medidas isoladas não bastam para melhorar a sorte das Provincias ultramarinas, nem a situação dos seus habitantes; e acredito, que o Governo adoptará os arbitrios proprios para se habilitar, com a brevidade possivel, a submetter ao parlamento o systema geral, que cumpre adoptar, e que se tornará em seria attenção, tanta quanta reclama este importantissimo ramo de Administração publica, que até agora, talvez, por menos proximo das vistas dos Legisladores, tem por ventura sido tractado com alguma negligencia; e não só pelos, diversos Governos; mas tambem pelas proprias Camaras. Esse systema não póde apparecer completo, de uma vez: poderá todavia comprehender-se n’um quadro o principal; esboço d’elle; mas os toques que hão de aperfeiçoa-lo, esses só com o tempo, poderão dar-se-lhe em resultado das informações, que se forem recebendo; e creio que para isso muito concorreriam as observações de Commissarios encarregados de visitar as differentes partes da Monarchia, fóra do continente europeu, habilitando-os com os poderes mais amplos que fôr praticavel conceder-lhes, para aplicarem remedio, immediato a alguns males, que careçam d’elle prompto, assim como para exigirem contas das Authoridades publicas, a fim de apresentarem ao Governo relatorios completos sobre este importantissimo assumpto; não se devendo perder, de vista os meios necessarios, para que a bandeira Portugueza possa mostrar-se nas regiões mais longiquas com aquella força, e dignidade, que podem concorrer para a tornar o mais respeitavel.
Esta; idéa, e a, de centralisar em Lisboa, como, capital, e formar aqui um estabelecimento conservador do systema adoptado pelo Governo, para tornar menos, dependente, de mudanças; frequentes no pessoal do Executivo, a sorte do Ultramar; no meu conceito são duas condições, sem as quaes seria difficil, que por uma vez se podesse legislar; confiadamente, e com pleno conhecimento de causa, acabando com as queixas justificadas, dos que soffrem e com os remorsos, ou pezares daquelles, que podem applicar o remedio a esses soffrimentos. Esta medida já tem sido proposta mais de uma vez; mas não repetirei agora, o que em differentes occasiões se tem lembrado a similhante respeito, e passarei a referir-me ao Parecer da maioria da Commissão.
Permitta-me o Digno Par, que primeiro fallou na materia, observar-lhe eu que, fazendo, menção do Parecer da maioria da Commissão, usou de termos com que podia fazer accreditar (não direi que fosse essa a sua intenção), que nós, os Membros dessa maioria, adoptâmos as mesmas idéas da minoria, mas, não nos atrevemos a lançalas no Parecer, que assignámosi... O facto não é esse. A minoria da Commissão julgou, porêm, desempenhar a sua missão, criticando a maioria... (O Sr. Conde de Lavradio: — Peço a palavra.) Diga isto sem paixão, e só para consignar uma verdade, que poderia parecer o contrario das expressões, que ouvi nesta Sessão.
E agora, se me quizesse encarregar tambem de retribuiria minoria na mesma moeda, analysando o seu Parecer começaria; por estabelecer, que me não parece talvez muito conforme á pratica parlamentar, o ter trazido novamente a esta Camara questões, que já foram decididas por ella, inculcando, como ouvimos, em termos muito claros, e, pronunciados, certas, propostas como uteis, e proprias a remover grandes males, e inconvenientes; e isto não obstante haverem sido rejeitadas, pura, e simplesmente por um escrupulo de consciencia, em attenção a não serem compativeis com a Carta. Pela minha parte declaro, pelo que respeita aos dous Projectos, de que se fez menção, que os reputo, tão defeituosos em si mesmo que, sem nenhuma necessidade de os reprovar por consideração á Carta, eu os teria impugnado por entender, que não attingiam as seus fins, e que longe de proporcionarem vantagens, poderiam dar logar a serios inconvenientes.
Pelo que toca ao Digno Par, que assignou o Parecer da minoria, direi, que não deixa de surprehender-me, que S. Exa. se opponha actualmente a este
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Projecto de Lei, considerando que foi debaixo da sua Presidencia no Ministerio, que se promulgou um Decreto com poderes mais amplos, do que se pedem nesta proposta. Refiro-me ao Decreto de 7 de Dezembro de 1836, no qual, entre outras, se lê a seguinte disposição: «Art.° 16.º O Governador Geral em Conselho, ao qual poderá reunir quaesquer Cidadãs probos e intelligentes, fará examinar a Legislação moderna, e mandará pôr em pratica a parte, ou o todo de qualquer Lei, ou Decreto, que for exequivel, dando immdiatamente parte motivada do Governo, das medidas que adoptar sobre cada uma em particular.” Eu julguei conveniente este Decreto, reconhecendo a necessidade das medidas, que nelle se comprehendem; mas creio que alguma contradicção ha, em querer rejeitar depois o Projecto em discussão. A simples leitura daquelle Decreto mostra, que as suas disposições são, em grande, parte, analogas ás deste Projecto. Se, pois, taes providencias foram já reputadas necessarias, não sei como agora se podem encarar diversamente! É verdade que dizem alguns Dignos Pares (entre elles o que encetou o debate, e que ouvi com satisfação), que não era necessaria nova Legislação, justamente porque já existiam as providencias publicadas em 1836. Responderei que, ou a medida que se propõe e opposta á Carta Constitucional, ou não: se lhe não é opposta, ficam em pleno vigor todas as razões, que se apresentaram para a sua adopção; se pelo contrario lhe e opposta, neste caso o Decreto de 1836 caducou com o restabelecimento da mesma Carta, por isso que vae de encontro a esse Codigo fundamental. (Apoiados.) Por tanto, o argumento não colhe; é plenamente contraproducente; e subsiste a contradicção, pelo menos, de um dos Dignos Pares, signatario do Parecer da minoria.
Sr. Presidente, o Projecto de que tractamos é, julgo. eu, um bom thema para declamações parlamentares; mas em definitivo, a questão reduz-se a pouca cousa: se isto fôr determinado por uma Lei ha de existir na pratica, porque tem existido, e existirá, em quanto não houver uma organisação sufficiente, um systema completo, para a administração das Provincias Ultramarinas: por tanto, pouco importa para a pratica, que seja concedido, ou não nas Camaras Legislativas; porque o Governo ha de continuar a proceder do mesmo modo, e por uma razão muito obvia — porque não póde deixar de ser assim: a unica differença será que, se as Camaras votarem este Projecto de Lei, tomarão sobre si uma parte, que lhes compete, da responsabilidade, que aliás, com muita injustiça, querem, fazer pezar exclusivamente sobre o Poder Executivo na Metropole, e sobre os seus Agentes no Ultramar.
Ouvi, com muito pezar meu, proclamar aqui a doutrina da resistencia legal; e digo com muito pezar, porque sendo ella, quando bem fundada, indispensavel, e um direito sagrado, a que não póde objectar-se; tambem me parece fôra de duvida, que nem todos estão habilitados, ou por suas faculdades intellectuaes, ou por seus conhecimentos, a julgar direitamente da necessidade, da opportunidades e da possibilidade da resistencia legal; e por tanto essa doutrina, apresentada assim vagamente nas Camaras Legislativas, transcripta, e commentada, como provavelmente o ha de ser, em jornaes que em alguns casos servem só ás paixões, ou aos interesses, de differentes partidos; póde interpretar-se fatalmente, apresentando-se como desculpa para quaesquer desordens, que venham a perturbar a paz publica, e a trazer desgraças ao Paiz. Sei que isto não está certamente na intenção de pessoa alguma, das que tem assento nesta Camara, não está mesmo na de qualquer individuo dotado de bom senso, ou que tenha sentimentos elevados; mas póde ser resultado de involuntarias imprudencias, e por conseguinte não convêm, sem muitissima precaução (ao menos sem as indispensaveis reservas), fazer uso nesta Casa de similhantes proposições.
A revolução de 1776, que trouxe comsigo a separação das Colonias, que hoje formam os Estados Unidos da America; e um facto historico, de que todos conhecem as causas: a principal dimanou certamente da natureza das cousas: era um filho adulto, que não podia ficar por muito tempo sob o dominio do patrio poder, o qual, para sacudir o jugo paterno, aproveitou a primeira occasião, que as cir-cumstancias lhe facultaram. Um imposto sobre o cha, (talvez exigido extra constitucionalmente) nas Provincias da America Ingleza, foi o que deu origem áquella reacção; mus então mesmo não se tomou por pretexto uma theoria abstracta, nem a violação de qualquer preceito constitucional foi a causa essencial da revolução Americana. É pois de esperar, por todas as razões, e principalmente porque falta o primeiro requisito, de que fiz menção, que esse exemplo não tenha applicação, pelo menos proxima, ás Possessões da Monarchia Portugueza.
Farei menção da outra doutrina, expendida pelo Digno Par, meu amigo (e de cuja amizade muito me prezo), que sé senta adiante de mim, doutrina que tambem figura no parecer da minoria da Commissão, e vem a sei, a distincção que estabeleceu entre á omnipotencia parlamentar da Inglaterra, e os poderes limitados das Camaras Portuguesas. Muito haveria que dizer a este respeito: não nego, que a Carta Constitucional, Lei fundamental do Estado, impõe certos limites, que não e dado ao parlamenter Portuguez ultrapassar de modo algum; mas esta prescripção tem naturalmente um termo; isto é, os mesmos principios podem ser alterados, segundo os tramites marcados no Art.° l40.º e seguintes da mesma Carta; e essas alterações, sendo feitas constitucionalmente, constituem uma especie de omnipencia parlamentar, omnipotencia util, indispensavel até, para reformar as disposições, que a experiencia mostrar, que são defeituosas. — O Digno Par accrescentou porém (e ha de convir em que a sua asserção é, pelo menos, inexacta), que na Gram-Bretanha, a omnipotencia parlamentar existia na Camara dos Communs: se S. Exa. dissesse, que ella tem uma grande influencia nos negocios publicos, proferia uma verdade innegavel; mas o mesmo acontece em outros paizes constitucionaes, com a differença, de que essa omnipotencia é exercida em maior, ou menor gráo, por cada uma das suas respectivas Camaras, quando é certo que a de Inglaterra tem uma influencia decisiva, posto que rigorosamente lhe não seja attribuida pela Constituição. O Digno Par sabe tambem como eu, que nenhuma decisão da camara dos Communs tem Validade, sem a approvação da Camara dos Lords, e a sancção do Poder Real; e então esse argumento não vale, porque nós não devemos fazer valer factos, ou abusos, e sim
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apresentar doutrinas legaes. Sobretudo não julgo bem, fundada a lamentação; do Digno Par sobre a sorte, a que se vê reduzida a Rainha constitucional da Gram-Bretanha: creio que em nenhum Paiz (constitucional, ou não constitucional), é mais respeitosa a Realeza, ou que ella exerça mais amplamente a sua justa, e salutar influencia, do que entre os Ingleses; e oxalá que, assim como se seguiu o exemplo da Gram-Bretanha ha formação do nosso Governo constitucional, o sigamos tambem (como espero) no respeito, na consideração, é no amor, que a Nação Ingleza consagra aos seus Monarchas!
Voltando á questão, direi, que a Lei que se propõem, poderia não ser necessaria, por que de facto é Governo havia de ser obrigado a exercer, pouco mais, ou menos, a faculdade que pede; mas elle intende, que manifesta a devida deferencia para com O Corpo Legislativo, solicitando esta authorisação; Creio, pois, que as Camaras praticariam um acto de inutil resistencia se lha negassem; e digo inutil, por que o Executivo está obrigado a usar della, e mais ainda, por que desse modo manifestariamos um espirito de opposição, sem fundamento.
O que a oposição pretende neste assumpto, traduzido em linguagem chan, quer dizer —- que o Governo continue, a obrar contra a Carta Constitucional, mas que não o confesse: o Governo, porêm, julga que, em quanto não fôrem organisadas as Provincias Ultramarinas, não pôde deixar de se afastar, no regimen colonial, dos limites que a Carta impõem, e quer confessálo. Ora por isto não o censuro eu, nem creio que a Camara terá razão para desapprovar similhante procedimento.
Observou um Digno Par (o Sr. Geraldes), que um Paiz não se salvava com Leis: e verdadeira esta asserção, especialmente se se applica a um Paiz em circumstancias de apuro; mas é justamente por que não parece possivel, com a observancia restricta, é religiosa das Leis, providenciar para as Provincias Ultramarinas, que se torna necessario conceder ao Governo esta authorisação, a qual todavia e limitada pela sua propria natureza: primo, por que as Camaras estão authorisadas para lh’a retirarem, se intenderem que assim convêm; secundo, por nos cumprir collocar, quanto antes o Governo em situação de não precizar desta medida; quero dizer, por que as Camaras devem estabelecer regras certas; e adoptaveis ao governo das Provincias do Ultramar; finalmente, por que não é possivel, antes que termine a Sessão Legislativa, deixar de fazer outras concessões (se desgraçadamente ainda não existir a organisação a que alludo), que regulem até que venha o novo Parlamento. - Apresento estas considerações, que se podem ter em vista para de algum modo diminuir os escrupulos, que se manifestaram na questão, que nos occupa.
Gastou-se, muito tempo em lamentar a má escolha de Governadores do Ultramar: não sei se se deve admittir o facto (sobretudo em relação aos que servem actualmente), por que reputo todos bons em quanto não se mostrar o contrario: todavia, se tem havido pouca cautela na escolha desses; funccionarios, é um erro, que menos se póde justificar no regimen constitucional do que no absoluto; é que, pelo que se diz ao occorrido no tempo do absolutismo tambem offerece bastante exaggeração. Em geral creio, que a escolha dos Governadores recahiu
sobre pessoas circumspectas, e bem intencionadas; mas nem sempre, talvez, dotadas de todas as faculdades intellectuaes, necessarias para desempenharem cabalmente assuas funcções. Isto que digo não importa certamente o querer, que se abuse de authorisações, que estão subjeitas á interpretação do intendimento, nem deixar de annuir á apresentação de uma Lei de qualificações (que não sei que exista), para à escolha dos Governadores do Ultramar, afim de se exigirem delles certas garantias. Muito conveniente seria, que assim se fizesse: entretanto, não haverá remedio senão deixar essa escolha sob a responsabilidade do Ministerio, pois que aconselhar a selecção de individiduos bons é inutil, e superfluo, pois que esse é o dever do Governo, cumprindo o qual merecerá elogio, assim como severa censura no caso contrario; e em algum caso poderá mesmo merecer accusação. Intendo, pois, que as considerações especiaes sobre o merito particular de cada funccionario, só por si não podem ser fundamento bastante para determinar a adopção, ou a rejeição de uma Lei geral. (Apoiados.).
O Sr. Conde de Lavradio, considerando que o Governo laborava em ignorancia a respeito da situação das Provincias Ultramarinas, estranhou, que, apezar dessa ignorancia, se quizesse conceder-lhe as faculdades, de que tracta o Projecto. S. Exa. disse bem - que existe ignorancia a tal respeito; mas não é apezar dessa ignorancia, mas por causa della, que se pretende conferir esta authorisação discricionaria ao Ministerio: o argumento do Digno Par colhe contra. Se o Governo estivesse já ao facto de todas as circumstancias relativos ao Ultramar, não carecia desta Lei, e teria apresentado um systema completo para a organisação dessas Provincias.
Finalmente terminarei (por que intendo inutil ser mais extenso) com uma observação ácêrca do Art.°s do Projecto de Lei, que authorisa o Governo a conceder aos Governadores do Ultramar certas faculdades, em casos de urgencia, ou de absoluta necessidade. Disse que em taes casos sempre os Governadores podiam, e deviam assumir faculdades, que lhes não competem no estado normal, sob sua immediata; responsabilidade; mas eu observarei, que adoptando-se o Art.º, á sua responsabilidade fica subsistindo, por que hoje se previne o maior numero de eventualidades; e é evidente, que quando os Governadores do Ultramar adoptassem medidas dictatoriaes provisorias, sem justificarem a sua urgencia, e necessidade: incorreriam na mesma culpa, em que incorrerão pelo Projecto em discussão. Portanto, se a authorisação, de que se tracta não e absolutamente necessaria, para que de facto a possam exercer, é pelo menos conveniente, para pôr estas medidas em harmonia entre as Authoridades superiores, e as delegadas por ellas.
O SR . MINISTRO DOSS NEGOCIOS DO REINO: — Sr. Presidente, como o Sr. Duque de Palmella acaba de tractar este negocio, e o Projecto, com tanto conhecimento de causa, e tanta eloquencia, eu de certo me não atrevo a fallar nelle por muito tempo, e seria até mais prudente desistir da palavra: entretanto, servir-me-hei della para notar aos Dignos Pares, que fazem opposição a este Projecto, que elles negam ao Governo menos daquillo, que lhe queriam conceder; porque, se notarem o Parecer da maioria da Commissão, hão de observar que elle diz o seguinte(leu; Quer dizer, que a maioria da Commissão
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concede ao Governo o poder legislar em todos os ramos de Administração Publica; em todoss elles; que possa organisar a força militar; que possa organisar o Administrativo; e tudo o que diz respeito ás Municipalidades; mais ainda, o Poder Judicial nas Provincias Ultramarinas; mas o que vem pedir o Governo? Elle não pede tanto, vem pedie o ser authorisado a adoptar medidas quando a urgencia mostrar que é necessario, tomalas; isto é, exactamente menos do que a Commissão quer que o Governo tenha poder para adoptar; mas as razões por que o Governo vem pedir, isto, já foram apresentadas pelo nobre Duque de Palmella, e eu accrescentarei - que pelos proprios principios da maioria da Commissão, este Decreto não se póde julgar subsistindo, por quanto nada póde obrigar, sem ter força de Lei, nem póde ter força de Lei, o que esta em opposição com a Carta: logo, a doutrina deste Projecto não póde ser admittida, por isso que está em opposição com a Carta; e com estes fundamentos, é que o Sr. Conde de Lavradio se oppõem ao Governo, que pede uma authorisação para terem força de Lei aquelles actos por elle adoptados, ou em seu nome, pelas Authoridades, quando o bem do Estado assim o exigir. Mas este Projecto ainda vem revestido de cautelas, que poderiam satisfazer aos Membros da minoria da Commissão, por que diz-se nelle, que as medidas não possam ser adoptadas pelo Governo, sem ter sido ouvido o Conselho de Ministros; e permitta-se-me dizer, que quando se tractou do bill de indemnidade, disse que, se o Governo tivesse pedido authorisação para adoptar aquellas medidas, nenhuma duvida haveria nissio, e estariam dispostos a adoptalas, uma vez que fossem tomadas em consequencia dessa authorisação do Corpo Legislativo; mas agora vem-se pedir esta, authorisação, por que o bem do Estado o pede, e oppõem-se a isto: parece-me que ha uma manifesta contradicção, de que se não póde duvidar.
Mas, disse o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, hoje não se tornam necessarias estas authorisações que se concedem ao Governo, por que presentemente as viagens ás Provincias Ultramarinas fazem-se em pouco tempo, e são muito faceis as communicações; e mais tempo se gasta em se discutirem as medidas no Corpo Legislativo, do que em se expedirem ordens pelo Governo: este argumento é contra-producente; pois se S. Exa. reconhece essa demora na discussão das medidas, que se houverem de expedir para aquellas Provincias, não póde deixar de convir, em que o Governo póde mais depressa acudir aos males daquellas Possessões Ultramarinas, do que o Corpo Legislativo. Ora, ha comtudo ainda a notar á Camara, que, em consequencia desta facilidade de communicações, ellas podem chegar em occasião, que as Côrtes não estejam reunidas, e ser indispensavel adoptar medidas de prompto. - O Sr. Duque de Palmella disse uma verdade - que, nós não temos senão a sanccionar como direito aquelle, que é de facto" porque, qual seria o Governo, que se se visse obrigado a adoptar algumas medidas para o bem daquele Paiz, e que o não fizesse? Por força o havia de fazer; mas o Governo quer fazer isto com authorisação, por que não quer ir contra a Carta Constitucional; além do que, similhante authorisações já se têem concedido nas Camaras, e por tanto não se podem julgar anti-constitucionaes as medidas, que se tomarem em consequencia desta authorisação; mas o que é perigoso, summamente perigoso, é a doutrina que por esta occasião um Digno Par, do lado esquerdo, sustentou: chamou-lhe resistencia legal applicavel a este caso, e sustentou-a. S. Exa. disse, que d'aqui pregava áquelles Povos, para que elles tivessrem conhecimento disso: se se désse a liberdade a cada individuo de dizer, que uma Lei era anti-constitucional, para lhe não obedecer; poderia acontecer que qualquer individuo se opposesse ao Poder da Sancção do Rei, e ao do Corpo Legislativo.
Sr. Presidente, a opposição em quasi todas as medidas, que o Governo apresenta, diz que são oppostas á Carta Constitucional; e rara é a medida que elle propõem, que ella não diga ser contraria á Carta - Ora se d'esta doutrina os Povos deduzirem argumentos, direi que a maior parte das Leis não terão execução: a doutrina da resistencia legal é santa, e justa; mas é necessarui marchar com muita cautela; é necessario que não se faça abuso d'ella nas Camaras Legislativas, por que dahi é que deve ir o exemplo da obediencia ás Leis: e nunca dizer aqui, que se deve desobedecer ás Leis, depois de passadas nas Camaras Legislativas, e terem a Sancção do Rei. - Nós podemos ter uma duvida na intelligencia da Carta; mas dpeois de votada, ficará no arbitrio de um Par, ou Cidadão dizer - eu tinha direito de resistir?! Esta doutrina é insustentavel, e grande mal podia vir ao Paiz, d'ella ser sustentada (Apoiados.)
Sr. Presidente, concluo como principiei: a questão foi muito extensamente tractada pelo Digno Par, o Sr. Duque de Palmella, e eu depois de ter pedido a palavra entendi, que devia dizer o que acabo de referir, para declrar como Membro do Governo, que esta medida não é inconstitucional, e é necessario mesmo que ella se adopte.
O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Sr. Presidente, eu devo fazer uma declaração, a respeito do que se disse ácêrca dos Empregados do Ultramar. Quanto áquelles, que forºao por mim nomeados, mui positivamente declaro, não ter motivo sufficiente, para que me desmereção daquelle conceito, que preponderou na nomeaçã, que d'elles fiz. Quanto, porêm, áquellas nomeações, a que alludio o digno Par Visconde de Sá, bem sabe elle, que nellas eu não tive parte, e se as conservo e por não ter provas, de que sejam indignas do Serviço.
O SR. CONDE DE LIVRADIO: - A hora, creio que está muito adiantada, e a Camara desculpará se eu fôr mais extenso, por que tenho que responder... (Vozes: - Já deu a hora)
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Falle.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - Creio que a Camara está disposta mais a fechar a Sessão (Apoiados.) eu vou propôr á Camara a questão prévia, e isso póde decidir-se já, por que é muito simples.
O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Parece-me que era melhor prorogar a Sessão por mais uma hora.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - Não posso senão pôr á votação a determinação da Camara: - Os SRs. Que approvam se prorogue a Sessão, queiram levantar-se.
Não se approvou.
O SR. VICE-PRESIDENTE: - Não está concedido, por consequencia continua ámanhan a discussão da mesma questão, dando a palavra o Sr. Conde de Livraddio - Está fechada a Sessão.
Eram mais de quatro horas.