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SESSÃO DE 20 DE AGOSTO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Conde de Fonte Nova

(Assistiam os srs. presidente do conselho e ministro do reino, e ministro da marinha.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo se verificado a presença de 19 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual se não fez reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da marinha e ultramar, remettendo copia do officio do governador de S. Thomé e Principe, satisfazendo o requerimento do digno par marquez de Sá, em que pedia ser informado ácerca da execução do decreto de 22 de fevereiro ultimo, que aboliu o estado de escravidão.

Para a secretaria.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a proceder á cobrança dos impostos e de mais rendimentos publicos relativos ao exercicio de 1869-1870, bem como a reorganisar os quadros e os serviços publicos.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre o ficarem sujeitos a pagar ao estado um imposto igual ao imposto denominado «direitos de mercê» os empregados das duas camaras legislativas que forem nomeados da data de hoje em diante.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser o governo auctorisado a isentar de direitos na alfandega de Lisboa os materiaes necessarias para a construcção do caminho de ferro mixto com um só carril, do qual é emprezario o duque de Saldanha.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre o modo de fazer inscrever na matriz predial os predios que d'ella estejam sonegados ou omissos, e sujeitando a disposições comminatorias aquelles que dentro de determinado praso não tenham sido inscriptos.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser extensiva a desamortisação, decretada nas cartas de lei de 4 de abril de 1861 e de 22 de junho de 1866, a diversos bens e direitos immobiliarios, e aos terrenos baldios dos municipios e parochias.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser applicavel aos vencimentos dos empregados de corporações administrativas e de estabelecimentos não subsidiados pelo estado a deducção determinada no decreto de 26 de janeiro de 1869, deixando elles de ficar sujeitos á matriz industrial.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser auctorisada a despeza do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça no anno economico de 1866-1867, em conformidade com a conta junta.

A commissão de fazenda.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre serem modificadas e ampliadas certas disposições do decreto de 2 de outubro de 1867 e o artigo 135.° e seus §§ do codigo do credito predial (no que toca ás funcções do encarregado do registo predial) no julgado de Bissau.

Á commissão de legislação.

O sr. Presidente: - A camara acaba de conhecer que ha n'este momento um grande numero de projectos de lei vindos da outra casa do parlamento, por consequencia é do meu dever recommendar ás commissões, que sem demora se reunam para prepararem os seus competentes pareceres com a possivel promptidão, por isso que está quasi a chegar o ultimo dia da presente sessão.

Eu senti muito, não posso deixar de o dizer, que hontem não chegasse a haver numero para se poder abrir a sessão! Na verdade, é muito de estranhar que havendo 116 pares do reino, seja muitas vezes custoso reunir o numero indispensavel para se abrir a sessão, quando esse numero já está reduzido a 19! Certamente que todos aquelles que não têem um impedimento legitimo e que nunca fazem ao menos uma participação em que se desculpem, são merecedores de grave censura, por isso mesmo que esta corporação, sendo a principal e mais elevada, deve dar o exemplo a todos os funccionarios, instigando-os á actividade e zêlo pelo serviço que a cada um cumpre prestar (apoiados).

O sr. Marquez de Vallada: - A camara sabe que eu tenho chamado a sua attenção e a attenção do governo, em differentes sessões legislativas, relativamente á reforma das cadeias. Existe já uma lei, mas infelizmente essa lei não tem sido executada, tanto que os juizes quando lavram as sentenças deixam muitas vezes, por assim dizer, um vacuo. Diz-se que passarão a uma prisão cellular, ou então que cumpram tantos annos de degredo, ou que continuem presos do mesmo modo. Eu sempre insisti na opinião de que deviamos começar por construir um edificio proprio e estabelecer as chamadas colonias agricolas, não exactamente como as que planeou o general Vandenbrik, mas aproveitar dos paizes mais esclarecidos o que ha de bom a este respeito, fundado na theoria e na experiencia, adoptando e seguindo o que fosse compativel, porque, como diz muito bem Montesquieu: «As leis devem estar em harmonia com os povos que vivem debaixo do seu imperio». A mim consta-me que o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça conta apresentar um trabalho sobre este importante assumpto; eu alguma cousa tenho tambem já feito n'esse mesmo sentido, porque tenho-me entregado a um estudo profundo sobre essa materia-direito penal. É meu ardente e constante desejo que possamos levar, a effeito alguma cousa que mostre o verdadeiro progresso da humanidade.

Assim eu desejava pedir que houvesse uma combinação entre o sr. ministro da justiça e o sr. ministro da marinha e ultramar, cavalheiro de conhecimentos muito vastos, não só sobre a historia, mas em differentes ramos de administração e de sciencias; desejava pois, digo, que s. exas. se combinassem para que nas nossas provincias de alem mar se podessem inaugurar as colonias agricolas; estando eu todavia bem certo de que esse plano deve fazer parte de outro mais vasto, e em que julgo está empenhado o mesmo sr. ministro da marinha, que é, por assim dizer, o apresentar um plano completo de regeneração das provincias e possessões do ultramar, para o que tambem é necessario que procuremos ter marinha (apoiados). É incomprehensivel para mim, que possa haver o que se chama ultramar sem ter o que se chama verdadeiramente marinha (O sr. Visconde de Soares Franco: - apoiado, apoiado). Eu não posso já seguir essa nobre carreira, não posso vir a ser official de marinha, mas nem pois isso deixo de considerar muito essa corporação, e interessar-me por ella, porque fazendo-o assim mostro que me interesso pelo bem do meu paiz (apoiados).

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Eu quizera que todos os homens publicos se lembrassem de que a nossa historia, as nossas aspirações, as nossas necessidades, devem-nos levar a reorganisar verdadeiramente debaixo de um plano bem concebido, a nossa marinha, para por meio e com auxilio d'ella fazermos prosperar as nossas provincias ultramarinas; e que para isso pensassem um pouco na construcção de embarcações, porque a nossa marinha acha-se hoje em miseravel estado.

Eu desejo pedir aos srs. ministros da justiça e da marinha, que nos seus ocios parlamentares tratem de fazer um bem combinado plano, de maneira que na proxima sessão nos possamos occupar d'este objecto, porque nós não devemos tratar só de emprestimos. Faço portanto este pedido aos srs. ministros, que julgo o hão de tomar em consideração, não pela minha pessoa, que pouco vale, mas pelo assumpto; e ainda que a minha pessoa pouco valha, eu espero mostrar que o estudo que tenho feito vale alguma cousa, e para isto hei de passar em revista os differentes systemas, a cujo estudo me tenho dado com affinco e ardor. Estou certo que o sr. ministro da justiça não será menos solicito, porque é estudioso, e tem-se occupado d'este assumpto como homem profundo no ramo da sciencia criminal, e então ha de querer levar a cabo alguma cousa.

Já que fallei em reforma de prisões, vou tambem dirigir um pedido aos srs. ministros presentes, pedido este que, em nome dos principios de humanidade, espero será attendido. Durante o ministerio passado houve algumas perseguições politicas. O sr. general Luiz Maldonado, que espero em breve ver entrar nos conselhos da corôa, foi deportado, dando-se-lhe um governo, como se fazia no tempo do absolutismo, em que se deportava para a India, dando-lhes um commando ás pessoas que não queriam aqui. Existem alguns militares presos, que foram perseguidos por politica, e creio que me é licito, já que não peço nada para mim, lembrar aos srs. ministros a necessidade de se conceder uma amnystia a esses individuos. Estou certo que s. exas. não se offendem com esta minha lembrança, porque não hão de ser tão susceptiveis que não queiram que um par do reino lhes lembre um acto de humanidade.

Se o ministerio passado era bom, porque o derribámos? Para que nos reunimos na Junqueira, eu com dois dos srs. ministros actuaes? Para que fomos pedir a demissão d'aquelle ministerio e tivemos tanto trabalho se era justo o que elle fazia? Eu, pela minha parte, ainda estou nas mesmas idéas em que estava então, e estou certo que se não me perseguiram foi porque não poderam.

Eu faço agora este pedido, porque entendo que é um dever o ser leal para com todos. E se o sr. Maldonado, como é publico e notorio, vier fazer parte do ministerio, tambem não é justo que aquelles militares, que se acham presos, continuem a soffrer por meras suspeitas.

Espero portanto, e estou certo, que os srs. ministros não hão de invocar em vão a clemencia do augusto chefe da casa de Bragança, o qual, segundo os impulsos do seu coração e as praticas dos seus antepassados, seja assás clemente, perdoando, se ha que perdoar, aquelles que gemem.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Ministro da Marinha (Rebello da Silva): - Sr. presidente, em resposta ao meu nobre amigo o digno par, o sr. marquez de Vallada, tenho a declarar que em relação á importante questão colonial que s. exa. tem estudado attentamente, eu tenho idéas fixas sobre ella; occupo-me d'este negocio com toda a attenção, e hei de fazer todos os esforços que poder para chegar a uma solução satisfatoria, para o que, quando precise, não deixarei de pedir o auxilio a s. exa.

Quanto á observação do digno par ácerca da opposição energica á situação passada, eu acompanhei o digno par n'essa opposição, e entendi que devia representar com o povo contra a lei eleitoral. Não me arrependo de ter procedido assim, porque cumpri o meu dever defendendo os principios liberaes, e por isso não retiro nem uma palavra, nem um acto dos que pratiquei n'essa occasião, o que me honro de ter praticado.

Em referencia aos militares a que o digno par alludiu, devo dizer que o governo não tem idéas de intolerancia e de perseguição, mas n'este negocio não póde fazer nada, porque o que digno par deseja só póde ser feito por outro poder, que é o poder moderador.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, eu sei que pertence ao poder moderador o perdão, mas sei tambem o que os principios indicam e as praticas constitucionaes ensinam, e é que os actos do poder moderador são praticados em vista dos conselhos dos ministros. A irresponsabilidade do chefe do estado deve estar, por assim dizer, equilibrada com a responsabilidade dos ministros. De outro modo seria impossivel discutir e tratar de certas questões. Eu não fiz senão pedir aos srs. ministros que aconselhassem o poder moderador a praticar um acto de clemencia; se os srs. ministros o quizerem aconselhar, aconselhem; se não quizerem, não o fazem; a nós fica-nos sempre o campo livre para nos conhecermos uns aos outros, para meditar seriamente sobre a sorte dos partidos e sobre o estado do nosso paiz, e julgar a politica ministerial.

O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): - É para mandar para a mesa tres pareceres da commissão de fazenda, sobre os projectos de lei vindos da outra camara, relativamente ao augmento das contribuições predial e industrial, e auctori-sando o governo a cobrar os impostos e a applica-los ás despezas do estado. Pedia a v. exa. que, attendendo á difficuldade que ha em se reunir o numero legal de dignos pares para se abrir a sessão, e a terem-se já votado as leis, que são base das que dizem respeito ao augmento de 20 por cento na contribuição predial e de 50 por cento na industrial, propozesse á camara a dispensa do regimento para entrarem já em discussão estes dois projectos, pois tratam de materia muito conhecida.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, estes projectos são importantissimos. Os pares do reino têem todos muito que fazer com os negocios de que estão tratando para se occuparem simultaneamente d'estes negocios emquanto se discutem na outra camara. Sabe-se, em geral é verdade, o que ali se passa; mas isso não nos dispensa de tomarmos o devido conhecimento dos projectos de lei que vem para esta camara, e muito mais quando se trata de medidas tão graves como estas para que se acaba de pedir a dispensa do regimento.

Não sei qual será a votação da camara, mas levantei-me unicamente para declarar que voto contra a urgencia com que se pretende tratar este projecto, que versa sobre um assumpto muito grave.

O sr. Presidente: - O digno par, o sr. Vaz Preto, pede que seja dispensado o regimento para se entrar já na discussão dos projectos relativos ao augmento das contribuições industrial e predial?

O sr. Vaz Preto: - Sim, senhor.

O sr. Presidente: - Então vou consultar a camara sobre o requerimento do sr. Vaz Preto, mas antes d'isso desejo saber se algum digno par quer fazer uso da palavra sobre a materia do requerimento, que é importante...

O sr. Vaz Preto: - Mas os requerimentos não têem discussão, votam-se.

O sr. Marquez de Vallada: - Eu desejo ser informado sobre que versa o requerimento do sr. Vaz Preto.

O sr. Presidente: - O sr. Vaz Preto mandou para a mesa tres pareceres da commissão de fazenda, sendo um sobre o augmento da contribuição industrial, outro sobre o augmento da contribuição predial e o ultimo sobre a lei de meios.

O sr. Vaz Preto: - Eu só peço a dispensa do regimento para os dois primeiros.

O sr. Presidente: - O digno par pede que se dispense o regimento para estes dois projectos entrarem immediatamente em discussão, isto é, pede a dispensa da publicação

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e do tempo que deve mediar entre a distribuição e a discussão, e não sei se tambem quer que esta discussão preceda a que estava dada para a ordem dia?

O sr. Vaz Preto: - Está claro, porque os projectos não só são urgentes, mas são necessarios para a governação publica.

O sr. Presidente: - A camara ouviu o requerimento feito pelo digno par, ouviu as observações que eu julguei dever fazer, porque caíria sobre mim uma grande responsabilidade se não chamasse a sua attenção sobre esta materia; por consequencia, vou consulta-la sobre se approva o requerimento do digno par o sr. Vaz Preto.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

Leu-se na mesa o parecer e o projecto relativos ao augmento da contribuição industrial.

Parecer n.° 36

Pelo projecto de lei n.° 24, vindo da camara dos senhores deputados, é proposto o augmento de 50 por cento nas taxas de contribuição industrial em relação ao anno de 1869.

A vossa commissão de fazenda, ponderando as circumstancias do thesouro publico, e a necessidade de repartir por todas as classes de contribuintes os encargos reclamados por aquellas circumstancias, e considerando que o augmento proposto é exclusivamente relativo ao corrente anno; é de parecer que o projecto seja approvado por esta camara para subir á sancção real.

Sala da commissão, 16 de agosto de 1869. = Conde da Ponte = José Augusto Braamcamp = Felix Pereira da Magalhães = Visconde de Algés = Manuel Vaz Preto Geraldes.

Projecto de lei n.° 24

Artigo 1.° As taxas da contribuição industrial são extraordinariamente augmentadas para o anno de 1869 com 50 por cento das respectivas importancias, tanto no continente do reino como nas ilhas adjacentes, constituindo este augmento parte integrante das mesmas taxas.

§ unico. Sobre as verbas d'este augmento não recáe o imposto de 40 por cento para viação.

Art. 2.° Para a repartição do augmento dos 50 por cento observar-se-ha o que se acha estabelecido na lei de 30 de julho de 1860 e respectivas instrucções, quanto á repartição das taxas.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 13 de julho de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão, mas parece-me que seria conveniente que se d'esse um quarto de hora para os dignos pares poderem tomar conhecimento do projecto...

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, na verdade eu não conheço a esphera em que vivo, e os ares ambientes que me circundam; todavia, sejam elles. quaes forem, em desempenho da minha obrigação, como membro d'esta camara, devo expor a minha opinião sobre os objectos, que se apresentam á discussão, com toda a liberdade.

Eu costumo encarar as cousas independentemente das pessoas, e avalio-as conforme a minha fraquissima intelligencia e do mesmo modo me expresso n'esta camara; posso entender as cousas mal, nada mais facil, mas estou convencido que as entendo como ellas são.

Ha cousas tão claras, tão evidentes que não podem deixar de chamar a attenção, e esta de que se trata é uma d'ellas.

Eu não posso entrar na discussão d'este projecto, como a camara acaba de resolver, porque não o tenho presente, mas posso dizer algumas palavras com relação á situação em que nos achâmos.

Sr. presidente, eu vi que na sessão de 9 do corrente, quando se tratava de uma questão importantissima n'esta casa, o sr. Rebello da Silva, actualmente ministro da marinha, mandou para a mesa uma moção de ordem do seguinte teor:

«A camara, acatando a prerogativa da corôa, emitte o voto de que na governação do estado sejam mantidos sempre os principios da monarchia representativa e fielmente respeitada a autonomia do paiz, não se adiando a actual sessão, nem encerrando o parlamento sem que seja discutido e approvado o orçamento do estado e as medidas necessarias para se obter o equilibrio indispensavel entre a receita e a despeza publica, e depois das promessas não cumpridas do ministerio, passa á ordem do dia.»

Note v. exa. que isto foi o que a camara votou ainda ha poucos dias, foi um voto da camara que fez caír aquelle ministerio, a que succedeu o presente.

Perguntarei eu agora o que votou a camara n'aquella occasião? Não mostrou assim a camara que não confiava que o ministerio transacto discutisse o orçamento do estado e as medidas necessarias para obter o equilibrio indispensavel entre a receita e a despeza? Como é que o ministerio actual cumpre agora o que então entendia que era necessario e indispensavel que o ministerio passado fizesse? Onde está agora em discussão esse orçamento? Onde pára elle? Se não se discute n'esta occasião é porque o sr. Anselmo Braamcamp, ministro da fazenda, disse na outra camara que em presença das actuaes circumstancias não era possivel tratar agora d'esta questão. Ora isto não póde ser assim; hoje censura-se um governo porque se receia que deixe de cumprir aquillo a que se tinha compromettido, e no outro dia aquelles que o censuraram sobem ao poder e fazem o mesmo!

O que disse o sr. marquez de Vallada, por occasião de sustentar uma moção em que mostrava a confiança que tinha no governo? Disse o seguinte:

«Sr. presidente, que foi o que votámos ultimamente n'uma moção do sr. Rebello da Silva, par do reino, e hoje ministro da marinha? Votámos que as côrtes não se fechariam sem o orçamento e as medidas financeiras serem discutidas; foi isto o que sempre pedimos, e é o que ainda hoje pedimos ».

E o sr. ministro da fazenda diz que o orçamento não se. póde discutir n'esta sessão!!

Ora, sr. presidente, á vista d'isto, o que se ha de fazer? Eu não sei. O que é preciso é ter uma grande paciencia para soffrer estas contradicções. (O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra.)

O melhor é fechar o parlamento para irmos para casa, ao menos tiram-nos o trabalho de cá vir; e eu declaro que tenho muito em aqui vir, mas não posso deixar de o fazer, porque é esse o meu dever tendo uma cadeira n'esta casa.

Em presença de todos estes factos, que poderei eu mais dizer! Sobre o projecto em discussão diria alguma cousa se tivesse tido tempo para o examinar, se elle tivesse sido tratado como devia ser, indo a imprimir, e seguindo todos os tramites legaes; mas assim, nem mesmo li os seus artigos. (O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra como relator, por parte da commissão de fazenda.)

Se assim não tivesse acontecido, ainda alguma cousa diria, porque o assumpto é realmente importante; mas era necessario que ao menos eu tivesse tido tempo para ler o parecer da commissão. No entanto perguntarei, por exemplo, como é que reconhecendo-se que é uma necessidade urgente igualar a distribuição dos impostos é regular as matrizes que estão muito desiguaes, como é que se estabelece uma percentagem de imposto certa que vae ainda augmentar muito mais essa desigualdade? E ainda mais diria de certo sobre o projecto; mas pela maneira por que vae ser discutido é impossivel tratar-se como devia ser tratada esta questão importante. Comtudo uma cousa não posso eu dei-

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xar de perguntar ao sr. ministro da fazenda, desejando muito que aqui estivesse para me responder; e sinto muito que não esteja presente, porque tinha vontade de ouvir a sua resposta.

Desejava que me dissesse o sr. ministro como se hão de fazer as matrizes. Antigamente havia um modo de as reformar...

O sr. Vaz Preto: - Trata-se da contribuição industrial, não é da predial.

O Orador: - Diz o sr. Vaz Preto que se não trata da contribuição predial, mas da industrial. Mas não se deve admirar que eu trate de uma questão differente da que está em discussão, porque leram-se os dois projectos, e não percebi qual foi o primeiro que entrou em discussão.

Finalmente, trate-se da contribuição industrial ou da predial, militam em geral para ambas as mesmas rasões. Eu fallo agora sobre as matrizes; fica já dito o que teria a dizer sobre ellas quando se tratasse do outro projecto.

Por uma disposição da lei sobre matrizes do sr. conde de Samodães, todas as informações sobre o rendimento collectavel de nada valem, porque quaesquer que sejam ainda as mais legaes, as auctoridades fiscaes podem despreza-las e substituir aquellas informações pelo seu juizo particular sem dar rasão d'isso.

Por este modo não se devem fazer as matrizes, porque são feitas pelas auctoridades fiscaes sem responsabilidade alguma, e augmentando-se a percentagem ainda se faz muito mais pesado o augmento da contribuição que se pretende impor agora.

Dos partidos politicos póde-se dizer o que se dizia dos Bourbons, que nem esqueceram nem aprenderam.

Quanto ao presente é preciso que nos lembremos que o systema seguido por muitos annos levou o paiz ao estado em que se acha, e que não é só augmentando os impostos que havemos de saír d'elle.

Sr. presidente, o que sei é que pelo caminho em que vamos, o parlamento não póde ter aquella acção moral que deve ter sobre o paiz, torna-se isso impossivel, e o systema constitucional não existe. Eu estou prompto com as minhas fracas forças, e a minha fraquissima intelligencia, a apoiar qualquer governo que se apresente á frente dos negocios publicos, e que queira por uma vez entrar na regular administração do paiz, e não pergunto quem o compõe, porque nos ministros esqueço os amigos. Amigo era eu dos srs. duque da Terceira e conde de Villa Real, e d'este ultimo até parente muito proximo, comtudo fiz-lhes opposição, e s. exas. não podem estranhar o meu modo de proceder, que é coherente com os meus principios.

Eu não posso dizer mais nada a respeito d'estes projectos, senão que os rejeito ambos por não virem acompanhados de medidas que diminuam a despeza publica.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejo socegar o espirito do meu nobre amigo o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, que me parece demasiadamente susceptivel n'este ponto.

Se s. exa. tivesse avaliado bem qual era a natureza d'este projecto, s. exa. não mostraria a sua indignação como mostrou.

Note o digno par que a base d'este projecto já foi votada n'esta casa, e s. exa. não a impugnou, quer dizer que s. exa. aceitou a base sem a ter combatido, quando era essa a occasião de apresentar as suas objecções. O sr. ministro da fazenda já declarou ser isto uma especie de contribuição de guerra para as circumstancias actuaes (O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Contribuição de guerra, apoiado.), porque o governo não podia apresentar uma nova substituição a este projecto, tendo entrado ha tão pouco tempo na gerencia dos negocios publicos, e estando a terminar a actual sessão legislativa, e então já o digno par vê que este projecto é puramente provisorio, e que nas circumstancias em que se acha o paiz o governo não podia deixar de lançar mão d'elle.

Mas o que é certo é que o sr. visconde de Fonte Arcada, que não combateu a base, levantou se agora para combater um augmento que as circumstancias exigem!

Sr. presidente, quando se tratou aqui d'aquelle projecto, eu disse e declarei que não podia deixar de o votar, apesar de conhecer que era desigual; mas como a materia de que se tratava era relativa a impostos, reconhecia que a sua iniciativa pertencia á outra casa do parlamento, e como já tinha obtido a sancção d'aquella casa, aqui não competia senão mostrar que ao governo pertencia, logo que podesse, examinar essa contribuição para lhe fazer as alterações que julgasse convenientes.

Mas não posso deixar de considerar que a iniciativa competia á camara dos senhores deputados, e n'este caso, respeitando essa iniciativa, limitei-me a mostrar os inconvenientes que tinha essa base; mas nas actuaes circumstancias aquelle projecto não podia deixar de ser approvado, e por isso pedia aos srs. ministros que para a sessão seguinte tratassem de rever essas contribuições todas, de modo que sejam repartidas com igualdade e se possam receber os impostos com menos violencia.

Sr. presidente, tambem n'esta occasião declaro á camara, que tendo sido escrupuloso sobre o espaço de tempo que se devia dar aos dignos pares para estudarem os projectos que devem ser discutidos, comtudo peço hoje que estes dois projectos entrem immediatamente em discussão por duas rasões. A primeira, porque os dignos pares que tinham votado pela base d'estes projectos não apresentaram então as suas reflexões, e por consequencia não havia difficuldade nenhuma em serem discutidos e votados immediatamente.

De mais a mais, porque está prorogada a sessão das camaras até ao proximo dia 25 do corrente mez, e não devemos querer deixar recaír sobre nós a responsabilidade de não se approvarem estes projectos na presente sessão.

Por consequencia aqui está a rasão por que pedi immediatamente a discussão d'estes dois projectos, por isso mesmo que esses projectos tinham necessidade de ser sanccionados por esta camara, e não fiz o mesmo pedido com relação á lei de meios, porque não se davam aquelles motivos, embora seja urgente discutir já esse projecto.

Notou o sr. visconde de Fonte Arcada, que está hoje em contradicção o sr. ministro da marinha com a proposta que apresentou, como par do reino, e que foi approvada por esta camara! Eu respondo ao digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, que o sr. Rebello da Silva, actual ministro da marinha, confirma e sustenta ainda as mesmas idéas que tinha então. S. exa. deseja, e o governo tambem, que o orçamento e medidas tributarias sejam discutidos n'esta sessão, e a prova de que está n'estas idéas e deseja resolver a questão financeira é que apresentou estes projectos, que são tributarios. Por consequencia já s. exa. vê que o governo está de accordo n'este ponto, e que se houver tempo ha de discutir se o orçamento; mas quem diz ao digno par que os srs. deputados não se retiram, e que a outra camara não poderá funccionar por falta de numero? Se o governo não podér impedir que aconteça este facto, então como se ha de discutir o orçamento n'este caso? Por consequencia, da parte do governo não ha falta de vontade para tratar d'este assumpto, e o sr. ministro da marinha sustenta a sua proposta, em que todos estamos tambem de accordo (apoiados).

Aqui tem o digno par quaes são as rasões por que pedi que se discutissem immediatamente os dois projectos relativos ao augmento da contribuição industrial e predial.

Creio que s. exa. póde ficar satisfeito com estas explicações, mas se quizer mais algumas eu as darei.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, eu preciso defender-me, não direi da accusação, mas de algumas palavras que me dirigiu o sr. visconde de Fonte Arcada, parecendo que notava incoherencia no meu modo de proceder. Eu creio que as palavras a que o digno par se refe-

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riu foram por mim pronunciadas aqui em uma das sessões muito recentes.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Na sessão de 14 de agosto.

O Orador: - Exactamente; foram pronunciadas em uma sessão muito recente, e parece-me que não era natural, nem os meus precedentes auctorisam a suppor que eu mudasse tão facilmente de opinião.

Tenho principios fixos, costumo sempre sustenta-los e defende-los, e não sei transigir com elles; por isso careço de dar uma explicação ao sr. visconde de Fonte Arcada.

Eu estou nas mesmas idéas, e sustento as mesmas verdades que sustentei na sessão a que o digno par se referiu; entendo que o sr. Rebello da Silva, com a moção que apresentou e que concorreu, alem das eminentes qualidades que em s. exa. concorrem para o levar ao ministerio; entendo, repito, que com essa moção prestou um grande serviço á liberdade e aos bons principios; por consequencia adhiro completamente a ella, e, antes de s. exa. a apresentar, eu tive idéa de apresentar uma moção no mesmo sentido, mas como o proprio sr. Rebello da Silva me disse que a apresentava, entendi que seria muito mais bem sustentada por s. exa. Portanto estou nas mesmas idéas; entendo que o orçamento deve ser uma verdade, e que deve ser discutido pelo parlamento, como se estabelecia na moção do sr. Rebello da Silva, approvada por esta camara, e continuo a ser de opinião, e desejo-o muito, que o orçamento se discuta...

O sr. Vaz Preto: - Todos nós queremos que o orçamento se discuta, mas a questão é se se poderá discutir.

O Orador: - Essa é que é a questão, os srs. deputados vão saíndo de Lisboa, dentro em pouco talvez a outra camara não tenha numero para poder funccionar, e dando-se esse facto a camara dos pares não póde conservar-se aberta. O culpado, n'este caso, será, não o actual governo, mas o ministerio transacto, que nós combatemos por não ter feito discutir o orçamento no tempo conveniente. Como póde pois o digno par tornar-me a mim, que não estive no ministerio, responsavel pelo desleixo da administração passada, e comparar as minhas palavras, em que exprimia um sentimento, com o facto actual que se nos impõe forçosamente, e que nem eu nem a antiga opposição preparámos. Ainda hoje queremos a discussão do orçamento, e creio poder interpretar a opinião dos srs. ministros que se acham presentes (o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da marinha) assegurando que s. exas. querem tambem que se discuta o orçamento (O sr. Ministro da Marinha: - Apoiado).

E tanto assim é, que o apoiado de um dos srs. ministros o acaba de confirmar.

Os parlamentos, sr. presidente, inventaram-se para discutir e para se apreciarem os actos da vida publica de cada um, porque esses actos são do dominio de todos, e por isso entendi que devia dar uma explicação sobre o meu modo de proceder, declarando que as minhas idéas são as mesmas que tinha quando combati ao lado do sr. Rebello da Silva.

Emquanto aos impostos, eu pela minha parte julgo-os necessarios, mas é preciso que se entenda que nem toda a receita ha de saír do imposto, que é necessario que se façam economias, mas economias justas e rasoaveis, e não da natureza d'aquellas que fez o ministerio passado.

É necessario tambem que todos nos lembremos de que ha uma certa ordem de impostos, dos quaes se não colhe resultado algum, e que são meramente em prejuizo do povo, sem beneficio nenhum para o estado, como, por exemplo, imposto sobre creados, porque a maior parte da gente despede os que tem, e são mais uns poucos de homens obrigados a ser vadios, e que, andando por ahi, podem vir a ser um grande perigo para a sociedade.

Eu já disse que estou prompto a votar os augmentos dos impostos, mas disse tambem que me havia de insurgir contra os que eram anti-economicos, porque esses contrariam as regras da publica administração; e n'esta minha opinião fui apoiado por alguns cavalheiros.

Por consequencia voto este imposto, porque o julgo necessario; e se elle recáe sobre uma base desigual, os ministros actuaes, que entraram ha pouco, não são os culpados. Se porém elles depois commetterem faltas, então lhes tomaremos contas. Por emquanto a responsabilidade não é sua. Elles tomaram sobre seus hombros a ardua tarefa de cortar o mal que existe. Têem de ser medicos d'esta grave enfermidade, e de lhe applicarem os medicamentos necessarios.

Assim eu, votando este projecto, estou nas mesmas idéas e nos mesmos principios em que já estava, de pugnar pela igualdade do imposto, como tenho feito sempre; voto por isso muito desassombradamente. E peço ao meu nobre amigo, e ainda meu parente, o sr. visconde de Fonte Arcada, que se me lançou a excommunhão, m'a levante (O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu não lancei excommunhão ao digno par.), porque as excommunhões tambem se levantam. E eu que desejo estar no bom conceito do digno par, alem de desejar merecer sempre o conceito publico, quiz dar-lhe esta satisfação, porque pretendo que me conserve sempre a sua estima.

Voto muito conscienciosamente todos estes projectos de impostos, e se porventura tivermos tempo de discutir o orçamento, discutamo-lo.

Não faço mais considerações sobre a questão tributaria, para não tomar mais tempo á camara; mas para janeiro hei de tratar largamente da reforma das matrizes e do cadastro. Por emquanto entendo que devo ficar por aqui, e não fazer mais largas considerações.

Voto este projecto por necessidade, esperando que os srs. ministros não se descuidem dos seus deveres para reformarem o estado da fazenda publica, realisando as economias devidas, estabelecendo o grande principio da igualdade, que é uma das bases dos povos livres, e que o imposto seja pago religiosamente por todos, arrecadado com todo o cuidado, e distribuido equitativamente, o que tem sido sempre as minhas idéas.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu direi agora muito poucas palavras.

Diz o digno par, relator da commissão, que as bases d'este projecto são as mesmas do outro que eu approvei, e que fixava a contribuição sobre que se pretende lançar esta percentagem, e que se eu acho agora irregularidade na ap-provação d'este projecto, tambem a devia ter achado na approvação do outro: é verdade; mas é necessario que o digno par se lembre que, quando se tratava do outro projecto, se dizia que se havia de discutir o orçamento e que se haviam de fazer as economias necessarias, e quem póde deixar de dizer que, se se fizessem, este augmento não seria necessario? Portanto não se segue que haja contradicção em approvar o outro projecto, que é a base sobre que este assenta, e em não approvar agora o augmento do imposto; sobretudo quando o governo declara que o orçamento se não discutirá, não pelo motivo de o governo não ter desejos de que elle se discuta, mas sim porque os srs. deputados se vão embora. Acho isto notavel! Pois um governo que entrou no poder em virtude de uma votação quasi unanime de ambas as camaras contra o transacto; um governo que tem uma grande maioria nas duas camaras, não tem força para fazer com que os srs. deputados se demorem mais alguns dias para que se possa discutir o orçamento, que o governo, antes de subir ao poder, achava que era indispensavel que se discutisse? Eu não entendo isto.

Eu, sr. presidente, fiz estas observações, porque entendo que se não deve augmentar o imposto sem se ver quaes as economias que se podem fazer, o que se poderia ver pela discussão do orçamento, o que se não faz, porque, segundo diz o governo, os srs. deputados vão fugindo.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejava remover todos os escrupulos que o projecto em discussão levantou

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440 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

no animo do meu nobre amigo o sr. visconde de Fonte Arcada, a quem eu respeito muito, e a quem desejava ter a meu lado defendendo o governo; mas desgraçadamente os ministerios são todos organisados de tal maneira que sempre têem seus defeitos, e nunca chegam ao optimismo; de maneira que jamais merecem o voto de s. exa.

(Interrupção do sr. Visconde de Fonte Arcada, que não se percebeu.)

Eu respeito muito o voto e o caracter do digno par, e desejaria estar sempre de accordo com s. exa.; mas diz; o digno par que não sabe quaes as economias que se poderão fazer, e que não sabe mesmo se seria necessario o augmento d'esta contribuição.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu disse que esperava que se discutisse o orçamento, e que, se se fizessem economias, talvez não fosse preciso lançar aquella percentagem.

O Orador: - Supponha s. exa. que os empregados publicos deixavam de receber os seus vencimentos: pois ainda assim acredite que não se resolvia a questão financeira. E note s. exa. quaes seriam as consequencias de não se resolver quanto antes essa importantissima questão que tanto cuidado nos dá. Como póde pois alguem imaginar, por um momento sequer, que seja possivel deixar de augmentar o imposto em geral, e que seja possivel deixar de dar meios ao governo para que elle possa acudir ás despezas e necessidades do serviço da nação (apoiados). Se o digno par se queixar só do mal repartido do imposto; se clamar por uma reforma muito seria a esse respeito, eu concordo, e quero estar a seu lado pugnando no mesmo sentido (apoiados}.

Emquanto ao orçamento, todos estamos de accordo. Mas quem póde vencer o que se torna já impossivel, e quando a outra camara difficilmente reune numero com que possa funccionar? E de que provém isto? Provém d'aquella medida que tomou o governo transacto, na qual se determinou que os deputados não tivessem subsidio algum depois dos tres mezes; e como ha muitos que não têem meios para que possam fazer o sacrificio de se demorar aqui fóra das suas casas, e separados das suas familias, succede que se vão retirando; outros, como acontece entre nós, têem diversos motivos; póde acontecer ser-lhes indispensavel mesmo attender á sua saude com certos tratamentos proprios da estação que finda e da que começa (apoiados); por consequencia se as circumstancias todas que se têem dado nos trouxeram a este ponto, que admira que não possa agora ser discutido o orçamento, como ha muito tempo se pedia? Eu creio finalmente que o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, se ha de dar por satisfeito até certo ponto; e para não pedir de novo a palavra, mando para a mesa estes pareceres de commissão, pedindo que juntamente com o que já está sobre a mesa, que é relativo ao projecto de lei de meios, seja tudo mandado imprimir com urgencia, para ser distribuido pelas casas dos dignos pares, a fim de serem dados para ordem do dia de segunda feira (apoiados).

(O orador não reviu os seus discursos.)

O sr. Presidente: - Os pareceres hão de ser lidos na mesa, e todas as concessões ou dispensas de formulas regimentaes é necessario que a camara, por uma votação sua, as auctorise; as formalidades não são inuteis; eu quero sempre constatar bem a regularidade com que se proceda, salvar a minha responsabilidade, e procurar desempenhar-me do meu dever em seguir as prescripções regimentaes. Convido pois o digno par, o sr. Vaz Preto, a mandar para a mesa o seu requerimento na devida fórma.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Eu vou lendo entretanto os pareceres para aproveitarmos tempo (apoiados).

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, desejando mostrar quanto sou docil, e que desejo mesmo satisfazer ás indicações de v. exa., comquanto tenha estado convencido de que não era de absoluta necessidade o escrever o requerimento,
e pedir dispensa do regimento, porque entretanto correm os tres dias, conforme se tem contado n'outras occasiões, pois se trata de pedir a discussão para segunda feira, quando ámanhã podem ficar impressos e distribuidos os pareceres, todavia, desejando, como disse, ser docil e satisfazer ás indicações de v. exa. vou mandar para a mesa o seguinte (leu).

Requerimento

Requeiro que os projectos de lei que mandei para a mesa sejam impressos e distribuidos pelas casas dos dignos pares, e que seja dispensado o regimento, dando-se para ordem do dia de segunda feira. = Vaz Preto.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Vou pôr á votação o requerimento que se acaba de ler.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Agora vou pôr á votação o projecto n.° 24, na sua generalidade, se ninguem pede a palavra.

(Pausa.)

Posto a votos, foi approvado.

Seguiu-se a especialidade, e foi approvado sem discussão.

O sr. Marquez de Vallada (sobre a ordem): - Vou mandar para a mesa um projecto de lei (leu).

Sr. presidente, eu peço a urgencia d'este projecto, porque é necessario ter em attenção os altos funccionarios que estão carregados de serviços, como acontece com os srs. Guardado, Arrobas e outros.

O projecto refere-se a uma questão simples, que já foi resolvida na outra camara, mas que o foi de modo que não produzia o effeito devido, e por isso peço que seja remettido com urgencia á commissão respectiva este projecto de lei.

O sr. Presidente: - O projecto que o digno par acaba de enviar para a mesa ha de ser remettido á commissão competente, que é a de legislação, e depois de vir acompanhado do respectivo parecer, ha de ser submettido á discussão da camara.

O sr. Marquez de Vallada: - A rasão por que pedi a urgencia foi para ir já para a commissão, dispensando-se a segunda leitura.

Consultada a camara, resolveu que o projecto fosse remettido com urgencia á commissão de legislação.

O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto relativo ao augmento da contribuição predial.

Parecer n.° 37

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 43, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim augmentar extraordinariamente, no corrente anno de 1869, a contribuição predial.

O augmento proposto é de 20 por cento para o continente, e de 10 por cento para as ilhas adjacentes.

Disposições especiaes regulam a importancia da contribuição, que terão de pagar os predios comprehendidos na matriz relativa ao anno de 1868.

É o governo auctorisado extraordinariamente a proceder á revisão das matrizes.

Considerando que os motivos em que se fundou esta camara, para votar o augmento extraordinario das outras contribuições directas, são os mesmos que justificam o augmento do imposto predial no corrente anno;

Considerando que são muito proficuas as disposições complementares d'este projecto de lei, tanto no que toca á imposição dos predios não comprehendidos na matriz relativa ao anno de 1868, como a respeito da tão necessaria e geralmente reclamada revisão das matrizes:

A commissão é de parecer que o projecto de lei n.° 43 seja approvado por esta camara para subir á sancção real.

Sala da commissão, 19 de agosto de 1869. = Felix Pereira de Magalhães = Conde da Ponte = José Augusto Braamcamp = Manuel Vaz Preto Geraldes.

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Projecto de lei n.° 43

Artigo l.° A contribuição predial no continente do reino é extraordinariamente augmentada, no anno de 1869, com 20 por cento da importancia da contribuição predial ordinaria do mesmo anno.

§ 1.° Nas ilhas adjacentes o imposto predial, de que trata este artigo, será augmentado em 10 por cento.

§ 2.° Sobre as verbas d'esta contribuição extraordinaria não recáe o imposto de 40 por cento para viação.

Art. 2.° Esta contribuição extraordinaria é repartida por districtos, concelhos ou bairros, parochias e contribuintes, na proporção dos respectivos contingentes ordinarios.

Art. 3.° Na repartição da contribuição predial ordinaria e extraordinaria do anno de 1869 não entram os predios novamente edificados ou arroteados, que tenham sido inscriptos na matriz desde a repartição relativa ao anno de 1868.

§ unico. A estes predios é lançada extraordinariamente no anno de 1869 uma contribuição especial, que se avaliará para cada um d'elles, applicando ao seu rendimento collectavel a percentagem que servir no anno de 1869, na parochia onde for situado para a repartição da contribuição predial com seus addicionaes, e incluindo o estabelecido nos artigos 1.° e 2.° d'esta lei.

Art. 4.° É o governo extraordinariamente auctorisado a proceder, pelos meios que julgar convenientes, a uma revisão das matrizes da contribuição predial para o anno de 1869, com o fim de fazer inscrever n'estas os predios até hoje omissos ou sonegados.

Art. 5.° Aos predios até hoje omissos em parte ou no todo e aos sonegados é lançada extraordinariamente no anno de 1869 uma contribuição especial, que será calculada segundo as regras do artigo 3.°

Art. 6.° O governo fará o regulamento necessario para a execução da presente lei.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 18 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão, tanto na generalidade como na especialidade.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Agora vae passar-se á eleição de um vogal effectivo e de um supplente para a junta do credito publico.

Esta eleição, segundo é expresso na lei, deve ser para cada um uma votação separada.

O sr. Mello e Carvalho: - Eu propunha que se fizesse simultaneamente esta eleição, empregando-se para este fim as duas urnas.

O sr. Presidente: - A lei é clara, e eu não posso consentir que seja alterada. A lei determina o seguinte (leu).

Entretanto, se o digno par insta pela sua proposta, mande-a por escripto para a mesa.

O sr. Mello e Carvalho: - Desisto, porque isso levar-nos ía mais tempo a discutir do que o que se ha de gastar talvez com a eleição.

O sr. Presidente: - Vae-se proceder á eleição do vogal effectivo.

Feita a chamada, verificou se terem entrado na urna 21 listas.

O sr. Presidente: - Convido os dignos pares Larcher e Vaz Preto para servirem de escrutinadores.

Procedeu se ao escrutinio, e reconheceu se ter sido eleito o sr. José Augusto da Gama com 19 votos.

Os srs. José Maria Marques e José Augusto Braamcamp tiveram um voto cada um.

O sr. Presidente: - Acaba de saír eleito para vogal effectivo da junta do credito publico o sr. José Augusto da Gama com 19 votos. Vae-se proceder agora á eleição de um supplente.

Feita a chamada, entraram na urna 19 listas, e verificou-se ter sido eleito o sr. José Maria Marques com 18 votos.

Teve um 1 voto o sr. José da Costa Sousa Pinto Bastos.

O sr. Presidente: - Saíu eleito supplente o sr. José Maria Marques com 18 votos.

O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem v. exa. a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, ainda agora propuz que o projecto de que tomei a iniciativa fosse remettido á commissão de legislação, mas depois pensei melhor, e parece me que a mais propria é a de marinha, peço por consequencia que seja antes remettido a esta ultima.

O sr. Presidente: - Não vejo inconveniente em satisfazer o desejo do digno par.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Parece-me que o projecto do digno par deve ser remettido ás commissões de fazenda, legislação e marinha.

O sr. Presidente: - A commissão de marinha póde ouvir as outras duas.

O sr. Marquez de Vallada: - Devo lembrar que a commissão de legislação, segundo creio, tem apenas dois ou tres membros, porque o sr. Ferrão está em Paris, o sr. Moraes Carvalho está doente, e o sr. Menezes Pitta foi para o Minho, e assim arrisca-se o negocio a ficar sem resolução.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Tambem a commissão de marinha tem só tres membros.

O sr. Presidente: - A camara não póde querer privar o digno par da sua iniciativa, e então não havendo membros na commissão de legislação, não vejo inconveniente em que o projecto vá á commissão de marinha, e póde consultar depois quem quizer.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Parecer n.° 30

Senhores. - Á commissão de administração publica foi presente o projecto de lei, vindo da outra camara, sob n.° 23, para auctorisar a camara municipal de Fafe a contrahir o emprestimo de 3:600$000 réis, sendo destinados 2:000$000 réis para conclusão das obras da cadeia, réis 1:200$000 para a obra do matadouro, 397$980 réis para melhorar os lavadouros publicos e fontes, e para exploração de aguas. O juro será de 7 por cento, e garantido pela verba de 350$000 réis, producto de 12 réis em cada kilogramma de carne vendida para consumo.

Dos documentos juntos vê se que são de grande conveniencia as obras que se propõe fazer a camara de Fafe, e que as garantias do emprestimo são regulares.

A vossa commissão é de parecer que o projecto seja approvado.

Sala da commissão, em 16 de agosto de 1869. = Vicente Ferrer Neto Paiva = José Augusto Braamcamp = Roque Joaquim Fernandes Thomás = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.

Projecto de lei n.° 23

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Fafe a levantar por emprestimo a quantia de 3:600$000 réis, a juro que não excederá a 7 por cento ao anno.

Art. 2.° O emprestimo será exclusivamente applicado á conclusão do edificio da cadeia, á construcção de um matadouro e ao melhoramento de duas fontes e lavadouro publico.

Art. 3.° O emprestimo será levantado por series, precedendo licença do governo, a qual sómente será concedida á proporção que as sommas a levantar forem necessarias para o pagamento das despezas com as obras, e provada a existencia dos meios precisos para o juro e amortisação do emprestimo.

Art. 4.° O emprestimo poderá ser contratado com quaesquer bancos ou sociedades de credito, por concurso publico ou por acções, como melhor parecer ao governo, ouvido o conselho de districto.

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Art. 5.° Se o emprestimo for levantado por acções, a amortisação far-se-ha por sorteio publico no dia 31 de dezembro de cada anno; se for contratado por annuidades, as prestações semestraes serão pagas nos prasos mencionados, e se for contratado por diverso modo, far-se-ha a amortisação segundo for accordado entre a camara e os mutuantes.

Art. 6.° As obras a que é destinado o emprestimo poderão ser feitas por administração ou por arrematação em hasta publica, no todo ou em parte, como parecer conveniente ao governador civil em conselho de districto.

Art. 7.° Ao pagamento do juro e amortisação do emprestimo será applicada a quantia de 350$000 réis annualmente, que a camara para este fim inserirá sempre no seu orçamento, e sem a qual não poderá elle ser approvado.

§ 1.° A verba de que trata este artigo será deduzida do imposto de 12 réis em kilogramma de carne vendida para consumo do concelho, imposto que fica servindo de garantia especial do emprestimo.

§ 2.° A dotação do emprestimo formará um capitulo especial no orçamento.

Art. 8.° Os vereadores e quaesquer outros funccionarios que effectuarem, auxiliarem ou approvarem o desvio das quantias mutuadas, ou da que serve de garantia ao emprestimo para qualquer applicação diversa da que lhe é prescripta por esta lei, incorrerão nas penas do artigo 54.° da lei de 26 de agosto de 1848.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 13 de julho de 1869. = Diogo Antonio Palmeira Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Tenho difficuldade em approvar estes projectos que auctorisam as camaras municipaes a contrahir emprestimos; e como não quero protrahir esta discussão, direi unicamente duas palavras sobre o modo como encaro este assumpto.

Ha muito tempo que considero um conselho municipal electivo, como a verdadeira e indispensavel garantia para que as camaras municipaes preencham os seus fins com menos sacrificios dos povos; os conselhos municipaes actuaes, na minha opinião, não preenchem o seu fim, porque são tirados á sorte d'entre os maiores contribuintes, que muitas vezes exigem melhoramentos de que a totalidade dos habitantes do conselho não tiram utilidade, e quando se lançam impostos para o pagamento dos emprestimos que é necessario contrahir para custear as obras, estes impostos vão quasi todos recaír sobre o povo, augmentando-lhe as contribuições indirectas; quando o conselho municipal fosse electivo não havia de acontecer assim. Isto é a causa de se multiplicarem os impostos indirectos, com grave prejuizo do povo, como já aqui tenho mostrado muitas vezes.

E agora que se deve tratar da descentralisação administrativa, seguindo-se a opinião do sr. ministro da marinha, parece inconvenientissimo estar a permittir que as camaras municipaes vão contrahir emprestimos sem saber as bases da descentralisação que se pretende estabelecer.

Diz-se n'este projecto que o emprestimo vae ser pago por 12 réis lançados sobre a venda da carne em detalhe; é sempre o mesmo principio de lançar impostos sobre os generos de primeira necessidade.

Ha annos apresentou-se aqui um projecto, que rejeitei, para auctorisar a camara municipal da ilha da Madeira, para contrahir um emprestimo de 40:000$000 réis, para construir os paços do concelho, etc. Estou convencido que estes 40:000$000 réis não chegavam; felizmente, não houve quem tomasse o emprestimo; mas a camara arranjou uns 12:000$000 réis, ou não sei quantos contos, com que principiou a obra, e lá estão apenas umas paredes, segundo me consta, que pouco se elevam do chão. Se lá houvesse um conselho municipal electivo, as cousas haviam de ter tomado outro caminho.

Ora estes casos que todos os annos, por assim dizer, estão a acontecer, é que é preciso prevenir, e por isso é que eu entendo que se não devem dar auctorisações ás camaras municipaes para contrahir emprestimos, sem que haja uma reforma radical na administração publica, e que não póde ser feita senão por meio da descentralisação, estabelecendo-se um conselho municipal electivo como base da administração municipal.

O sr. J. A. Braamcamp: - Sr. presidente, eu não sou relator d'este projecto, como se vê pela ordem das assignaturas dos membros da commissão no parecer que se discute; como porém não está presente quem o relatou, permittam-me v. exa. e a camara, que eu, como membro da commissão que examinou o referido projecto, dê algumas explicações ao digno par que acaba de fallar.

Em primeiro logar, s. exa. apresentou considerações geraes em relação á organisação dos conselhos municipaes, e á importante questão da descentralisação; e como estas considerações, permitta-me o digno par que lhe diga, não cabem na discussão d'este projecto, não tenho que responder a ellas.

Agora quanto ao que s. exa. disse, e que tem immediata relação com a questão de que nos occupâmos; isto é, qual seja a proveniencia dos rendimentos para satisfazer aos encargos do emprestimo de que trata este projecto, devo declarar que esses rendimentos provém de impostos já existentes; não se vae aggravar a situação dos povos do concelho...

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - E esses impostos não são precisos para outra cousa?

O Orador: - Eu não sou vereador d'esta camara municipal; e digo por uma vez que a suprema tutela que o parlamento exerce sobre os corpos municipaes não é para entrar no exame minucioso da fórma por que elles se administram. É convicção minha profunda de que estes projectos vem ao parlamento para se ver se em qualquer ponto contrariam os interesses geraes do estado; e esta doutrina está em harmonia com os principios da descentralisação, que s. exa. defende com toda a rasão; mas não applica no presente caso.

Direi a s. exa. que os impostos a que se soccorre a camara municipal, para fazer frente aos encargos do emprestimo são já existentes. A camara aprecia as circumstancias locaes e as forças da contribuição, e harmonisa o projecto das obras em conformidade do conhecimento que tem e da convivencia em que está com aquelles habitantes.

Estas obras são necessarias, e a importancia do emprestimo, apenas de 3:600$000 réis, não deve assustar.

Destina-se o producto do emprestimo, em primeiro logar á conclusão das obras da cadeia, o que é uma obrigação imposta pela lei, porque ás camaras incumbe attender ao alojamento dos presos; por consequencia é uma despeza obrigatoria; em segundo logar, é applicada a somma de 1:200$000 réis para a obra do matadouro, creio que tambem não é nenhum objecto de luxo; por ultimo, 397$980 réis para melhorar os lavadouros publicos e fontes, e para a exploração de aguas; tambem me parece que são objectos indispensaveis do serviço municipal. Todas as outras disposições do projecto em referencia a garantias e á devida fiscalisação correspondem ás clausulas necessarias que se encontram geralmente nas leis d'esta natureza. Por consequencia aceite o digno par as explicações que lhe dirijo com todo o respeito que tributo á sua pessoa, mas convença-se de que os interesses d'aquelle concelho reclamam a adopção do projecto, e persuada-se tambem de que eu partilho e procuro applicar a doutrina da descentralisação, a respeito da qual todos proclamam as mesmas convicções.

Tenho a dizer a s. exa. que os orçamentos das camaras municipaes não são leis permanentes, que variam de anno para anno os rendimentos de impostos, e que podem ter n'um anno applicação para uma despeza muito diversa da que tem para o anno seguinte.

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Vozes: - Votos, votos.

Posto a votos, foi approvado o projecto na sua generalidade, e passando-se á especialidade foi approvado sem discussão.

(Entraram, os srs. ministros das obras publicas e da justiça.)

O sr. Presidente: - Passa-se ao

Parecer n.° 32

Senhores. - Ás commissões de administração publica e de obras publicas foi presente o projecto de lei n.° 14, vindo da camara dos senhores deputados, para ser auctorisada a camara municipal de Villa Viçosa a contrahir um emprestimo até á quantia de 3:000$000 réis, designado para differentes obras municipaes.

No processo sobre que recaíu a approvação da camara dos senhores deputados apparecem preenchidas todas as prescripções legaes preliminares, determinadas em negocios analogos e similhantes, e portanto a commissão é de parecer que seja approvado por esta camara o mencionado projecto de lei.

Sala da commissão, em 16 de agosto de 1869. = José Augusto Braamcamp = Jayme Larcher = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Roque Joaquim Fernandes Thomás = Conde da Ponte.

Projecto de lei n.° 14

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Villa Viçosa a levantar, por emprestimo, a quantia de 3:000$000 réis, a juro que não exceda a 6 1/2 por cento ao anno.

Art. 2.° O emprestimo será exclusivamente applicado á reconstrucção das calçadas da villa, ao melhoramento de algumas das suas fontes e ás reparações necessarias no edificio do extincto convento de S. Paulo, para que possa ali ser collocada a escola de instrucção primaria.

Art. 3.° O emprestimo será levantado por series, precedendo licença do governo, a qual sómente será concedida, á proporção que as sommas a levantar forem necessarias para o pagamento das despezas com as obras, e provada a existencia dos meios precisos para o juro e amortisação do emprestimo.

Art. 4.° O emprestimo poderá ser contratado com quaesquer bancos ou sociedades de credito, por concurso publico, ou por acções, como melhor parecer ao governo, ouvido o conselho de districto.

Art. 5.° Se o emprestimo for levantado por acções, a amortisação far-se-ha por sorteio publico no dia 31 de dezembro de cada anno; se for por diverso modo, far-se-ha a amortisação segundo for accordado entre a camara e os mutuantes, e se for contratado por annuidades, as prestações semestraes serão pagas nos prasos convencionados.

Art. 6.° As obras a que é destinado o emprestimo poderão ser feitas por administração, ou por arrematação em hasta publica, no todo ou em parte, como parecer conveniente ao governador civil em conselho de districto.

Art. 7.° Ao pagamento do juro e amortisação do emprestimo será applicada a quantia de 300$000 réis annuaes, que a camara para este fim inserirá sempre no seu orçamento até final pagamento, e sem a qual não poderá ser approvado o mesmo orçamento.

Art. 8.° Os vereadores, e quaesquer outros funccionarios que effectuarem, auxiliarem ou approvarem o desvio das quantias mutuadas, ou da que serve de garantia ao emprestimo, para qualquer applicação diversa da que lhes é prescripta por esta lei, incorrerão nas penas do artigo 54.° da de 26 de agosto de 1848.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 25 de junho de l869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado na generalidade e especialidade sem discussão.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã será apresentação de pareceres de commissões, e a recepção dos que vierem da outra casa.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e tres quartos da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 20 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro, Duque de Loulé, Marquezes, de Fronteira, de Vallada; Condes, de Fonte Nova, de Fornos, da Ponte, de Rio Maior; Viscondes, de Fonte Arcada, de Soares Franco; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Larcher, Moraes Pessanha, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Fernandes Thomás, Ferrer.

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