O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 841

N.º 61

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890

Presidencia do exmo sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios — os exmos. srs.

Conde d’Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — A requerimento do sr. Lencastre é dispensado o regimento para entrar em discussão o parecer n.° 85. É lido e approvado sem discussão. — Por proposta da presidencia resolve a camara lançar na acta um voto de agradecimento ao digno par sr. Henriques Secco pela offerta do seu livro Memorias do tempo passado e presente. — A requerimento do sr. Francisco Maria da Cunha é dispensado o regimento para entrai em discussão o parecer n.° 84, que é lido e approvado sem discussão.

Ordem do dia: discussão do parecer n.° 71, sobre o projecto do caminho de ferro de Mossamedes. — Usam da palavra os srs. Bandeira Coelho e Luiz do Lencastre (relator) — O sr. Alves de Sá apresenta um parecer.— Continuando a discussão, usam da palavra Os srs. Vaz Preto, ministro da instrucção publica, Franzini, Luiz de Lencastre, Barros Gomes e ministro da instrucção publica. — O br. visconde da Silva Carvalho apresenta um parecer. — Continuando a discussão, usa da palavra o sr. Thomás Ribeiro. — O sr. Sá Carneiro usa da palavra, lembrando que é hoje o anniversario de um dia memorando para a causa liberal.

Ás duas horas e vinte minutos da tarde, achando-se presentes 19 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente. Não houve correspondencia.

O sr. Luiz de Lencastre: — Requeiro a v. exa. que queira ter a bondade de consultar a camara sobre se permitte que entro desde já em discussão o parecer n.° 85 sobre o projecto de lei n.° 37, que tem por fim conservar e reorganisar a real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães.

Este projecto já foi approvado pela camara dos srs, deputados e é de tão manifesta justiça, que certamente não soffrerá a menor impugnarão por parte d’esta camara.

O sr. Presidente: — O digno par o sr. Luiz de Lencastre requer a dispensa do regimento para poder entrar immediatamente em discussão o projecto de lei n.° 37 a que se refere o parecer n.° 85.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto de lei.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 83

Senhores. — A vossa commissão dos negocios ecclesiasticos, tendo examinado o projecto de lei n.° 37, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim conservar e reorganisar a insigne e real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães, e a crear e organisar, annexo á mesma collegiada, um instituto de instrucção publica e gratuita, é de parecer que o mesmo projecto deve ser approvado para subir á sancção real.

Sá] «s das commissões, em 9 de agosto de 1890. = Mexia Salema = J. da Cunha Pimentel = Luiz de Lencastre = Jeronymo Pereira da Silva Baima de Bastos = João D. Alves de Sá = Firmino J. Lopes = Luiz de Bivar = Tem voto dos srs: Neves Carneiro == Moraes Carvalho, relator.

PARECER N.° 85-A

A vossa commissão de fazenda, ouvida sobre este projecto, nada tem a oppor-lhe, visto que não envolve encargo algum para o thesouro.

Sala das sessões, 9 de agosto de 1890. = Marçal Pacheco = Moraes Carvalho = Visconde da Azarujinha = Francisco Costa = Antonio de Sousa Pinto Magalhães — Antonio José Teixeira = Tem voto do digno par: Gomes Lages.

Projecto de lei n.° 37

Artigo 1.° É o governo auctorisado:

a) A conservar e reorganisar pelos meios competentes, a insigne e real collegiada de Nossa Senhora da Oliveira, da cidade de Guimarães, com todos os seus haveres e rendimentos, fixando o respectivo quadro capitular, impondo-lhe a obrigação de ensino publico e gratuito, e regulando a fórma do seu provimento;

b) A crear e organisar, annexo á mesma collegiada, um instituto de instrucção publica e gratuita, onde se estudem as disciplinas, que constituem os preparatorios para o curso theologico, e quaesquer outras, que entender de maior conveniencia e mais em harmonia com as necessidades da localidade.

Art. 2.° Ficam a cargo dos rendimentos da collegiada, e bem assim do rendimento accumulado, e em cofre, pertencente á cadeira do D. Prior:

1.° Todas as despezas da fabrica e culto da igreja collegiada e parochial de Nossa Senhora da Oliveira, incluindo os legados de missas e demais encargos pios, que oneram os bens do D. Prior, e os restantes pertencentes á collegiada;

2.° Todas as despezas com a installação do instituto, nas quaes se incluem obras e reparações a fazer na residencia do D. Prior, nos outros edificios da collegiada, ou em outro qualquer do estado, que lhe seja concedido, para as aulas, accommodação dos alumnos, e pessoal interno;

3.° Todas as despezas de pessoal, material, livros, expediente e sustentação dos alumnos gratuitos;

4.° Todas as despezas, aqui não mencionadas nem previstas, mas que tenham de fazer-se e que, directa ou indirectamente, se relacionem com a collegiada ou com o instituto annexo, por fórma que, em caso nenhum, resulte, ou possa resultar, para o thesouro publico, o mais leve encargo.

§ unico. Se houver remanescente, ou da importancia em cofre pertencente á cadeira do D. Prior, ou do actual e futuro rendimento da collegiada, depois de satisfeitas todas as despezas do installação, e de prefixadas as da conservação da collegiada e sustentação do instituto, reverterá para o fundo da dotação do culto e clero.

Art 3.° Fica, n’esta parte, revogado o decreto com força de lei de 1 de dezembro de 18G9 e mais legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 7 de agosto de 1890. = Antonio de Azevedo Castello Branco, vice-presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão tanto na generalidade como na especialidade.

66

Página 842

842 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O sr. Presidente: — O sr. dr. Henriques Secco, digno membro d’esta camara, remetteu para a secretaria um livro, escripto por s. exa., intitulado Memorias do tempo passado e presente.

É este o segundo volume que o digno par offerece á camara para a sua bibliotheca.

Creio que interpreto os sentimentos da camara propondo que se lance na acta da sessão de hoje um voto de agradecimento ao sr. Henriques Secco pela sua delicada offerta. (Apoiados.)

Os dignos pares que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Francisco Maria da Cunha: — Pedi a palavra para requerer a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte a dispensa do regimento para entrar immediatamente em discussão a parecer n.° 84 sobre o projecto de lei n.° 36.

O sr. Presidente: — O digno par o sr. Francisco Maria da Cunha requer a dispensa do regimento para entrar já em discussão o projecto de lei n.° 36.

Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto de lei n.° 36.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.º 84

Senhores.— A vossa commissão de guerra examinou com a devida attenção o projecto de lei n.° 36, vindo da camara dos senhores deputados, em que se determina que se conte, unicamente para o effeito da reforma, a antiguidade do posto de coronel de 25 de fevereiro de 1885, ao tenente coronel de infanteria, commandante da guarda municipal do Porto, Antonio Marciano Ribeiro da Fonseca.

Pelas informações do ministerio da guerra, que serviram de base ao projecto, prova-se que Antonio Marciano Ribeiro da Fonseca era primeiro sargento do extincto segundo regimento de artilheria, quando foi despachado segundo tenente para o batalhão de artilheria de Angola, por decreto de 10 de março de 1862. Sendo n’essa epocha o accesso dos officiaes inferiores de artilheria regulado pelo quadro dos ajudantes das praças de guerra, a circumstancia de ter servido com distincção, durante dezenove annos, em diversas provincias ultramarinas, que está igualmente provada não deve collocar este official em condições mais desfavoraveis do que aquellas em que se encontraria, se não tivesse ido prestar serviço n’aquellas regiões, serviço para o qual voluntariamente se offereceu, quando foi convidado pelo governo.

Pelas rasões expostas entende a vossa commissão que este projecto de lei deve merecer a vossa approvação para subir á sancção real.

Sala das sessões da commissão de guerra da camara dos dignos pares do reino, em 8 de agosto de 1890. = D. Luiz da Camara Leme = Visconde de Paço de Arcos = Cypriano Jardim = José Baptista de Andrade = Marino João Franzini = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Conde d’Avila.

Projecto de lei n.° 36

Artigo 1.° E contado, para o effeito da reforma, ao tenente coronel de infanteria Antonio Marciano Ribeiro da Fonseca, a antiguidade do posto de coronel de 2õ de fevereiro de 1885.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 7 de agosto de 1890. = Antonio de Azevedo Castelo Branco, vice-presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está era discussão na sua generalidade e especialidade porque contem um só artigo.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra vae votar-se.

Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 36 na sua generalidade e especialidade, queiram ter a bondade de se levantar.

Foi approvado.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.° 22, relativo ao caminho de ferro de Mossamedes

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 71 sobre o projecto de lei n.° 22.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 71

Senhores. — As vossas commissões reunidas de fazenda e do ultramar, tomaram conhecimento da mensagem vinda da camara dos senhores deputados, com a approvação do projecto sob o n.° 22, o qual recaiu na proposta do governo sob o n.° 147-0.

Depois de attento exame, demorado estudo e conveniente discussão, as vossas commissões dão o seu assentimento ao projecto.

Considerações de ordem politica e de ordem economica inspiraram o governo auctor da proposta, considerações de ordem politica e de ordem economica levaram a camara da senhores deputados a converter em projecto de lei a referida proposta, projecto de lei hoje por aquella assembléa approvado e sujeito á vossa esclarecida opinião.

Considerações do ordem publica, ordem politica e ordem economica, estão as commissões n’esse convencimento, moverão a camara dos dignos pares.

O desenvolvimento das provincias ultramarinas depende era grande parte dos melhoramentos materiaes.

Estes hão de lá, como no reino, produzir os seus effeitos naturaes.

O commercio ha de desenvolver-se em larga escala, os rendimentos publicos hão de augmentar progressivamente, a população ha de augmentar em numero e qualidade, e a propriedade hoje falta de segurança ha de augmentar de valor e de producção.

Tudo isto esperara as commissões advirá do caminho de ferro projectado.

Perante os modernos principios o grangeio das naturaes riquezas é mais uma questão de interesse geral dos povos do que do interesse peculiar de cada povo e não deve Portugal deixar de respeitar este bom principio e carregar perante a Europa e o mundo com o labéu de incuria por falta de grangeio das naturaes riquezas em que abundam as suas provincias ultramarinas.

Portugal que não poucos sacrificios tem feito era prol dos interesses moraes das suas provincias ultramarinas, que lhes deu foros de liberdade que outras não possuem, que nos limites das suas forças e dos seus haveres não tem desacompanhado os movimentos da civilisação, não quer de certo que outros o accusem de incuria e desleixo.

Portugal sabe que a civilisação impõe deveres e sabe cumpril-os. Podem todas as nossas provincias do ultramar, todas as povoações d’essas provincias, ter esse convencimento e essa certeza. A mão benefica e paternal da metropole, ha de estender-se sobre ellas todas, e nos limites das forças dos seus haveres levar-lhes o bem que lhes deseja. Tudo isto, governo, parlamento e o paiz o sentem, o promettem e o fazem. Não é preferencia dada a certas e determinadas localidades em prejuizo de outras, este projecto.

É a necessidade fatal que se impõe, é o momento historico que chegou, que seria uma falta senão um crime de

Página 843

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890 843

lesa patriotismo adiar e proscratinar. Ha momentos na vida dos individuos como na vida das nações era que é necessario jogar tudo por tudo. Esse momento chegou, e o governo cortando por todas as considerações de economia que se tinha imposto, por todo o desejo de não augmentar despezas, apresentou a proposta, e a camara dos senhores deputados comprehendendo o governo e inspirando-se de sentimentos patrioticos, auxiliou-o nos seus intuitos, que são nobres, elevados e justos.

As vossas commissões teem diante de si, em vista da proposta do governo e do parecer das illustres commissões do ultramar e de fazenda da camara dos senhores deputados, que vos offerecem como parte justificativa d’este parecer, a questão posta nos termos seguintes.

É necessario consolidar o nosso dominio africano e defendei o contra estranhas cobiças. Para o consolidar é preciso colonisal-o, e para a colonisação não ha outra zona efficaz como a do plan’alto da Cheia.

Ali se creará o viveiro da raça emprehendedora e resistente que ha de alastrar-se pelos sertões insalubres mas de entranhas de oiro.

Dali sairá não a raça exploradora que passa, mas a que se fixa e enraiza.

Se não se faz, o caminho de ferro que se projecta, annullara-se fatalmente as colonias do plan’alto da Cheia, e a corrente dos emigrantes madeirenses volverá para o cemiterio de Demerara.

As vossas commissões não querem o peso d’esta responsabilidade. Seria um desastre não de um districto, mas de um imperio, a confissão de impotencia de um povo e a vergonha de uma nação.

Não o quererá de certo a camara dos dignos pares.»

Por estas considerações, reconhecendo a necessidade da construcção do caminho de ferro projectado, as vossas commissões são de parecer que será bom acto de administração a approvação do referido projecto de lei.

Sala das sessões das commissões, 30 de julho de 1890. = José Vicente Barbosa du Bocage = Augusto Cesar Cau da Costa = Visconde da Azarujinha = Francisco Costa = Antonio José Teixeira = José Baptista de Andrade = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Visconde de Soares Franco = Thomás Ribeiro (com declarações) = Conde de Arriaga = Visconde de Paço de Arcos = Tem voto do digno par: José Antonio Gomes Lages = Luiz de Lencastre, relator.

Projecto de lei n.° 22

Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar, precedendo concurso, a construcção e exploração de uma linha ferrea economica com largura até 1 metro, no districto de Mossamedes, comprehendida entre a villa de Mossamedes e o alto da serra da Chella, segundo as seguintes bases:

l.ª Os concorrentes só poderão ser individuos ou emprezas portuguezes.

2.ª A empreza ou companhia, que se formar para a construcção e exploração do caminho de ferro, será constituida com capitães subscriptos em Portugal, devendo a maioria dos seus directores ser sempre portuguezes, e a sede da dita empreza ou companhia em Lisboa ou Porto.

3.ª O representante da companhia em Mossamedes deverá ser portuguez, e bem assim a maioria dos seus empregados e operarios.

4.ª A conclusão total da linha deverá verificar-se até quatro annos depois de inaugurados os trabalhos; esta inauguração deverá verificar-se até quatro mezes depois de approvados pelo governo os projectos definitivos da secção comprehendida entre Mossamedes e a base da Chella. Os projectos definitivos d’esta secção deverão ser presentes ao governo até seis mezes depois da data do contrato definitivo, ficando o governo auctorisado a marcar nos contratos a penalidade, pela falta de cumprimento, por parte dos concessionarios, do que n’esta base se dispõe.

5.ª O governo concederá uma garantia de juro, não superior a 6 por cento sobre o capital do 2.550:000$000 réis, correspondente ao custo de 17:000$000 réis por kilometro, e á extensão de 150 kilometros, comprehendidos entre a villa de Mossamedes e a base da serra da Chella; este encargo, qualquer que seja o desenvolvimento do traçado nesta parte da linha, não poderá exceder em nenhum caso 153:000$000 réis annuaes.

§ unico. Se a largura da via, adoptada pelo governo, for menor do que 1 metro, far-se-ha no custo kilometrico, base da licitação, a diminuição correspondente e proporcional a essa largura.

6.ª O governo concederá para a parte da linha comprehendida entre a base da Chella e o planalto uma garantia de juro não excedente a G por cento do custo orçamental do projecto; este encargo, qualquer que seja o custo e o desenvolvimento do traçado, não poderá exceder 47:000$000 réis annuaes em nenhum caso.

7.ª O governo, alem do disposto nas duas bases antecedentes, não concederá nenhuma outra subvenção pecuniaria, ficando a exploração a cargo da empreza ou companhia que tomar o caminho de ferro.

8.ª A garantia de juros só começará a pagar-se quando for aberta á exploração a primeira parte da linha, cuja extensão não seja inferior a 50 kilometros, e depois por cada ulterior secção não inferior a 20 kilometros.

9.ª O governo concederá:

a) Todos os terrenos do estado, que deverem ser occupados pela linha ferrea e edificios respectivos;

b) O direito, durante o praso da concessão, de cortar nas florestas do estado, madeiras para serem empregadas na construcção e exploração da linha, subordinado, porém, tal direito á licença da competente auctoridade administrativa e aos regulamentos existentes ou que vierem a ser promulgados;

c) A importação livre de direitos do material fixo e circulante necessario para a construcção da linha, segundo os projectos approvados pelo governo.

10.ª Ao governo pertencerá a approvação dos traçados definitivos e variantes propostas, durante a construcção, assim como dos projectos de estacões e mais dependencias da linha.

ll.ª Ao governo competirá a fixação das tarifas e suas alterações assim de passageiros, como de mercadorias.

12.ª A concessão da linha será feita por noventa e nove annos, findos os quaes reverterá para o estado com todo o material fixo e circulante e todas as dependencias.

13.ª Quando o rendimento liquido do caminho de ferro exceder 8 por cento, metade do excesso será destinado a indemnisar o governo das quantias que houver despendido em virtude das garantias, addicionadas com o juro de 4 por cento.

14.ª O governo fará todos os regulamentos necessarios, não só para a fiscalisação da construcção e exploração do caminho de ferro, como tambem para a fiscalisação das contas, e praticará todos os mais actos que sejam precisos para se liquidar annualmente a garantia de juro, que for devida.

15.:i A empreza ou companhia, que construir ou explorar o caminho de ferro, não poderá fazer contrato algum, que importe alienação de direitos ou concessões, sem previa auctorisação do governo. Qualquer contrato a que falte esta clausula considerar-se-ha de nenhum effeito juridico.

16.ª Quando não tenha havido concorrentes em dois concursos successivos, abertos com intervallo de trinta dias, que satisfaçam ás condições exigidas nas bases l.ª, 2.ª e 3.ª e demais constantes do programma, é o governo auctorisado a proceder por administração á construcção da linha, podendo adjudicar a mesma construcção por empreitadas geraes ou parciaes não inferiores a 50 kilometros, realisando previamente as operações financeiras para isso necessarias, e de fórma que os encargos áquellas respecti-

Página 844

844 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

vos, era juro o amortisação, não possam exceder a réis 200.000$000 annuaes.

17.ª O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d’esta auctorisação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 28 de julho de 1890. = Pedro Augusto de Carvalho, deputado presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Julio Antonio Lima de Alvura, deputado vice-secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na sua generalidade.

O sr. Bandeira Coelho: — Sr. presidente, entro na discussão deste projecto sem nenhum intuito de politica partidaria. Approvo e applaudo o pensamento que o inspirou; mas combato e rejeito a fórma por que elle foi elaborado.

Sr. presidente, não me parece que as condições economicas estejam n’este projecto attendidas como deviam estar; mas sobretudo as condições technicas é que não podem ser acceitas conforme a base a que o projecto se refere, nem ainda as condições financeiras são de fórma ai guina acceitaveis.

Escusado é que eu me demore em demonstrar a importancia do caminho de ferro de que se trata.

O relatorio que precede a proposta do governo e o parecer das illustres commissões da camara dos senhores deputados esclarecem por tal fórma o assumpto n’este ponto, que seria da minha parte um proposito pouco modesto pretender reproduzir o que ali está desenvolvido em linguagem clara, amena e erudita.

Sr. presidente, trata-se da construcçãu do caminho de ferro de Mossamedes.

A primeira questão que tu apresento, é qual deve ser o terminus d’este caminho de ferro.

O projecto diz: Caminho de ferro de Mossamedes ao alto da Chella.

O sr. Joaquim José Machado fez os trabalhos do anteprojecto, que serviram da base para a proposta que está em discussão, e chamou-lhe: Caminho de ferro de Mossamedes ao Bihé.

É, porém, este mesmo distincto engenheiro e tambem distincto africanista, que no seu relatorio diz que o Mulo dado no seu trabalho não significa, pela sua parte, a sua responsabilidade pessoal.

Vê-se, portanto, que a opinião do sr. Machado não é de que o caminho de ferro de Mossamedes se dirija ao Bihé; mas fazendo elle os seus estudos até ao alto da Chella, e tratando se agora de construir o caminho até áquelle ponto suscita-se a, questão se este foi bem escolhido, se não havia outro melhor, e se d’ali deve prolongar se depois esta linha para Caconda e para o Bihé, ou inclinando-a para o sul, dirigil-a para o Cubango e alto Zambeze.

Pela minha parte não tenho duvida nenhume em pronunciar-me pela directriz que nos leve, o mais directamente possivel, ao Cubando e alto Zambeze, pois será essa, a meu ver, a principal vantagem do caminho de ferro de Mossamedes, que é a futura ligação das nossas possessões da costa occideutal da Africa com as da costa oriental por meio de communicações faceis e rapidas; e isto se conseguirá logo que o prolongamento d’este caminho de ferro atinja a navegação fluvial do Zambeze.

E ha ainda outra rasão de ordem superior e politica, que e a vizinhança por este lado das possessões da Allemanha, facto este, cuja importando é capital para ser considerado em relação ao caminho de ferro de que se trata, e em vista da politica colonial das grandes nações.

Por isso eu entendo que a ligação directa com Caconda e com o Bihé deve ser resolvida mais tarde por outro caminho de ferro, e por isso eu entendo tambem que a primeira com a resolver é se não ha outra portella na grande cordilheira da Chella, ao sul da portella da Tenderiquita, escolhida pelo engenheiro Machado, e que satisfaça á desejada directriz.

He a memoria me não falha, na obra dos srs. Capello e Ivens, se dá entender a possibilidade de aproveitar outra portella a uns 80 kilometros ao sul da Tenderiquita. E o proprio sr. Joaquim José Machado não mostra grande confiança no reconhecimento que fez ás fendas daquella cordilheira, vendo-se que lhe faltou o tempo para tão arduo trabalho.

E nem admira. O que admira é como áquelle illustre engenheiro em quatro mezes fez o ante-projecto de 180 kilometros de caminho de ferro n’aquellas regiões pouco conhecidas, e algumas até perigosas.

Não ha motivo senão para louvar o seu zelo, a sua intelligencia e o seu patriotismo.

Mas, em todo o caso, elle mesmo e o primeiro a reconhecer que. ha modificações importantes a fazer, que não tem confiança em alguns dos estudos que fez, já porque não teve tempo, já porque a responsabilidade do trabalho era grande, e elle nem sempre o póde fazer conforme desejava.

P r isso eu digo, resumindo, que o terminus, que no projecto que se discute vem já determinado, como devendo ser o do caminho de ferro de Mossamodes ao alto do Chella, não é o terminus que se deveria já adoptar como definitivo, e que só por posteriores estudos devera decidir-se se é áquelle ou não o que definitivamente se deve adoptar. E repito, para mim seria muito mais agradavel que se podesse adoptar a outra portella, indicada na obra dos srs. Capello e Ivens, porque isso traria um grande encurtamento pira o caminho de ferro, não prejudicaria de fórma nenhuma as communicações do alto da Chella, e levar-nos-hia mais directamente ás regiões do Cubango e ao alto Zambeze, que são, ou devem ser, penso eu, os objectivos principaes d’este caminho de ferro, para a ligação da nossa Africa occidental com a oriental.

Mas se isto é assim, não só a portella da Tenderiquita não póde ser considerada como o ponto fixo, ao qual deve ascender o caminho de ferro, mas todos os estudos e trabalhos do sr. Joaquim José Machado, que se comprehendem entre a base da Chella e essa portella, todos esses trabalhos, que aliás não se podem acceitar technicamentc, devem ser postos de parte, e deve-se, primeiro que tudo, procurar e fixar definitivamente a portella que póde fazer decidir sobre a direcção geral da linha entre Mossamedes e a, base da Chella.

A extorsão de Mossamedes á base da Chella é, segundo o ante-projecto, de 150 kilometros. O traçado d’estes 150 kilometros tambem não merece absoluta confiança; dil-o principalmente o sr. Joaquim José Machado na exposição dos teus estudos, aliás importantissimos, e dil-o a junta consultiva de obras publicas na apreciação d’esses estudos fazendo a justiça devida aos recursos, á intelligencia e ao trabalho do sr. Joaquim José Machado.

Vê-se, portanto, que nem as condições economicas, nem as condições technicas deste caminho de ferro estão ainda devidamente estudadas, e que não póde o ante-projecto, de onde foram extrahidos os elementos para esta proposta de lei. servir de fundamento para a approvação da mesma proposta.

Vejâmos agora quaes são as suas bases financeiras.

O sr. Joaquim José Machado, no orçamento do sou ante projecto, que elle dividiu em cinco secções, sendo quatro entre Mossamedes e a base da Chella, e a quinta da base ao alto da serra, calculou o preço medio kilometrico de cada secção, de fórma que tomando a media do preço dos 150 kilometros comprehendidos nas quatro secções entre Mossamedes e a base da Chella, resulta para custo kilometrico d’esses 150 kilometros, additando-lhe os encargos do capital a empregar, proximamente a quantia do 14:000$000 réis por kilometro. E o custo kilometrico da quinta secção, isto é, dos 29 kilometros estudados da

Página 845

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890 845

base ao alto da Chella, orçou-o o mesmo engenheiro em réis 28:000$000 proximamente cada kilometro.

Como é, pois, que o governo, pedindo auctorisação para adjudicar a construcção d’ste caminho, quer conceder uma garantia de juro de 6 por cento sobre o capital correspondente ao custo kilometrico de 17:000$000 réis nos 150 kilometros orçados por largo a l4:000$000 réis?

Onde foi ell elle buscar esta media de 17:000$000 réis para estes 150 kilometros? Naturalmente como na quinta secção o custo kilometrico é de 28:000$000 réis, juntou-a com as outras para ter uma media mais elevada, e depois tornou a separal-a, conservando-lhe o seu custo especial; mas nem assim se explica o preço elevado dos 17:000$000 réis, nem tal artificio se póde admittir. O que é verdade sr. presidente, é que sendo tres a differença de quatorze para dezesete, temos aqui nada menos de 3:000$000 réis multiplicados por 150 kilometros, isto é, 460:000$000 réis a mais numa das bases da licitação para a construcção d’este caminho de ferro.

Mas ainda ha mais.

No ante-projecto do sr. Machado vem determinado que a largura da linha seja de 1 metro, a junta consultiva de obras publicas diz que esta largura era justificada, e agora apprece no projecto que estou discutindo, uma modificação na proposta primitiva, dizendo que a linha ferrea terá a largura até 1 metro.

Admitte se, por consequencia, que possa ser menor de 1 metro, mas embora nas disposições do projecto se diga que se for menor do que 1 metro, far-se-ha no custo kilometrico, base da licitação, a diminuição correspondente e proporcional a essa largura, o que isto prova é que não ha uma base financeira fixa para se proceder á licitação, que ainda se não sabe nem qual deve ser a direcção geral do traçado, e nem ao menos a largura da via.

Aproveita-se uma base de custo kilometrico muito superior ao que foi orçado, e admitte-se uma diminuição de largura no caminho estabelecendo uma diminuição de preço proporcional a essa largura, sem attender a que esse preço não é só funcção de largura, e que é preciso para o determinar, um orçamento minucioso, e até ás vezes uma rectificação do projecto mas, dir-se-ha, esta linha é urgente e é preciso continual-a desde já. Tudo isso é para se fazer depois, estudos, rectificações, etc.

Pois eu digo o contrario. Pela fórma porque está elaborada esta proposta de lei, é que haverá uma grande demora em principiar a construcção d’aste caminho de ferro.

Só da parte entre Mossamedes e a base da Chella, 150 kilometros, exige o governo á companhia a quem for adjudicado o caminho de ferro que apresente os projectos definitivos dentro de seis mezes.

Mas, como estes estudos só podem começar depois da adjudicação, e como até então podem decorrer cinco mezes (prasos e intervallo para concurso, etc.) e o governo terá de demorar os projectos o tempo sufficiente para poderem ser apreciados e approvados, e o concessionario tem quatro mezes depois da approvação dos seus projectos para a inauguração dos trabalhos, vê-se que, para começar esses trabalhos, podem decorrer 18 mezes, se as cousas se passarem como aqui estão previstas.

Mas supponhâmos que não ha companhia que se apresente a licitar para obter a adjudicação.

O que succederá?

No fim dos cinco mezes necessarios para os dois concursos, que devem ser intercalados com o intervallo de um mez, o governo, sendo de ambas as vezes deserta a praça, fica, pela base 16.ª auctorisado a construir o caminho de ferro por administração.

Mas para isso, é preciso mandar proceder aos estudos.

Ora, como esta hypothese está prevista, porque é que se não manda desde já proceder a esses estudos?

Sr. presidente, note v, exa. que eu estou collocado n’este terreno.

Não só reconheço a necessidade da contrucção da linha, mas tambem a urgencia d’essa construcção; entendo, porém, que não é por este processo que isto se obtem, mas pela forma que vou indicar.

Se o governo tivesse mandado proceder aos novos estudos, e devia tel-o feito concordando com o parecer da junta consultiva de obras publicas, o qual tem a data dos fins do anno passado, podia já estar concluido o projecto definitivo de toda a linha, pelo menos, entre Mossamedes e a base da Chella.

Mas ainda agora na altura em que estamos, é este o melhor meio, e o mais rapido para se obter o fim que temos em vista.

Mande-se immediatamente proceder aos novos estudos: encarregue-se o competente engenheiro, ou engenheiros, de fixar primeiro que tudo o ponto definitivo da passagem na serra da Chella; e, determinando este ponto, ficará a elle subordidada a direcção geral do traçado a partir de Mossamedes. Resolvida assim a questão da directriz, divida-se a extensão em secções como fez o sr. Machado; faz-se logo o projecto definitivo da primeira destas secções em que é natural que se aproveitem, todos ou quasi todos os trabalhos do mesmo sr. Machado, e, approvado este projecto, dá-se logo principio á construcção do caminho de ferro n’esta secção, ao passo que se vão completando successivamente os estudos definitivos das outras secções, para tambem irem sendo approvados, e construidas as secções da linha a que elles se referirem, sempre por conta do estado.

Sr. presidente, o que eu não posso de fórma alguma auctorisar, é a adjudicação da construcção desta linha a uma companhia, embora se estabeleça que a ernpreza será portugueza, que os capitães serão subscriptos em Portugal, devendo a maioria dos directores ser portuguezes, e portuguez o representante da companhia em Mossamedes.

Tudo isto não passa de uma ficção; e para o provar, não é preciso mais do que appellar para o conhecimento que todos nó t temos do que nos tem succedido com outras companhias, tambem com capitães subscriptos em Portugal, de com a maioria dos directores portuguezes. Tudo isto se tem illudido.

Portanto, estas disposições de forma alguma garantem o paiz das complicações e desastres, que já temos tido com outras companhias, e que podem repetir-se com a companhia que tomar conta d’este caminho de ferro.

Mas, se não posso approvar a adjudicação d’este caminho a uma companhia, ainda menos approvo as modificações introduzidas na base 16.ª pela camara dos senhores deputados, admittindo as taes grandes empreitadas, nunca inferiores a 50 kilometros, com a complicação das operações financeiras que para isso sejam necessarias. Eu tenho um tal receio d’esse systema de empreitadas de mais de 800:000$000 ou de 1.000:000$000 réis, nas condições principalmente em que se acha este caminho de ferro, que na alternativa de optar por um dos dois systemas quasi sou tentado a preferir a sua adjudicação a uma companhia, mesmo com os encargos da primitiva proposta.

Mas eu rejeito ambas as soluções; a unica que admitto, e que advogo, é a de construir este caminho por conta do estado, pelo systema das pequenas empreitadas, ou tarefas.

Receio fatigar a attenção da camara, sei que a minha palavra não possue dotes que possam interessar os dignos pares, e por isso vou resumir o que tenho dito, e ainda poderia dizer, unicamente para explicar e justificar o meu voto.

Com profunda magua voto contra o projecto, porque as condições economicas não me satisfazem, e porque a solução n’elle indicada não é a mais consentanea com os verdadeiros interesses publicos.

Com relação ás condições technicas, embora reconheça a muita competencia e o muito zêlo de quem elaborou o

Página 846

846 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

anterior projecto d’este caminho de ferro, louvo-me no parecer da junta consultiva das obras publicas, que votou contra a adopção do mesmo ante-projecto.

No tocante ás bases financeiras, nem acceito o custo kilometrico estipulado, nem a adjudicação a uma companhia, nem a construcção pelo systema das grandes empreitadas.

É necessario olhar para tudo isto. É preciso proceder aos estudos definitivos, tratando primeiro de fixar qual o ponto da Chella que deve ser escolhido para terminus da linha, determinando, em relação a esse ponto, a direcção geral do traçado, desde Mossamedes até á base da Chella, e começando em seguida pelo projecto definitivo da primeira secção, a fim de se dar principio aos trabalhos de construcção que em todo o caso devem ser feitos por conta do estado, seguindo o systema usado aqui no continente, isto é, por pequenas empreitadas ou tareias.

Quero d’esta fórma o caminho de ferro de Mossamedes, porque sei qual é a importancia capital deste caminho no actual momento em que tão a peito tomámos tudo que se refere ás nossas questões internacionaes, relativamente ás colonias, e sei que o fim principal que se deve ter em vista desde já é fazer desapparecer a demora e difficuldade que ha em vencer a distancia que separa a villa de Mossamedes do plan’alto da Chella, para facilitar as relações entre os dois pontos.

São taes as condições de fecundidade e salubridade do planalto da Chella, onde parece que ha uma região quasi paradisiaca, que tirada a distancia e guardadas as devidas proporções, ella póde considerar-se relativamente a Mossamedes, como o castello da Pena d’aquella Cintra Africana!

Portanto vê-se a urgencia e vantagem que ha em auxiliar a colonisação d’essa região, facilitando o transporte de mercadorias e reduzindo a onze horas os quatro dias que actualmente são necessarios para transpor a distancia que que separa o alto da Chella da villa de Mossamedes.

Entendo, pois, que se presta um grande serviço ao paiz, ás colonias e aos emigrantes, construindo este caminho de ferro, e procedendo a esse melhoramento da fórma que menos sacrificios acarrete ao thesouro.

Mas não é, infelizmente, nos termos deste projecto que tal caminho se deve construir, nem que eu lhe dou o meu voto.

A fórma por que o governo entendeu resolver este problema pelo lado financeiro, é de tal modo inadmissivel, principalmente no que respeita ao calculo do custo kilometrico dos 150 kilometros, no meio que o governo propõe de entregar esta construcção a uma companhia e a algumas das modificações feitas pelas commissões da camara dos senhores deputados á proposta do governo, que o sr. relator do parecer das commissões d’esta casa, cavalheiro por cuja honestidade de caracter eu professo a maxima consideração, quando chegou ao ponto de ter do alludir ao processo financeiro, só achou para justificar o projecto nesta parte a seguinte rasão: «Ha momentos na vida dos individuos como na vida das nações em que é necessario jogar tudo por tudo. Esse momento chegou, etc.»

Chegámos, pois, sr. presidente, segundo diz o sr. relator e approvaram as commissões d’esta casa, ao momento em que é necessario jogar tudo por tudo.

Isto é quasi que um reclame a dizer que está posta a banca, venham os pontos levar o monte á gloria.

Ora eu quero a construcçao do caminho de ferro de Mossamedes, mas voto contra o plano dos jogadores.

Tenho dito.

O sr. Luiz de Lencastre: — Sr. presidente, cabe-me a honra de relatar este projecto; cabe-mo esta honra por indicação do sr. presidente da commissão do ultramar. Acceitei.

Sinto-me bem aqui n’esta questão, e sinto-me bem aqui porque penso hoje como pensara era 1875 quando pela primeira vez eu tive a honra de levantar a voz no parlamento do meu paiz.

Eu disse então que as questões ultramarinas não eram questões politicas, questões de bandos, de partidos, mas sim que eram questões de administração, questões do paiz, que quer estivesse no poder o sr. Fontes Pereira de Mello, chefe do meu partido, quer o sr. duque de Loulé ou qualquer outro cavalheiro que ao soberano aprouvesse chamar aos seus conselhos, eu estaria sempre a seu lado nas questões; ultramarinas.

Penso ainda hoje, sr. presidente, como pensava em 1875 quando tive a honra de relatar na camara dos senhores deputados a proposta que acabou com a escravidão dos negros de Africa.

Essa medida foi da iniciativa do honrado e chorado marquez de Sá da Bandeira, d’esse homem, d’esse liberal convicto e pertinaz que durante quarenta annos, desde 1836 a 1875, propugnou por que a escravidão dos negros fosse banida, e a liberdade fosse uma realidade.

Teve a felicidade de secundal-o com a sua iniciativa intelligente, e por varias vezes audaz, um homem d’estado distincto, João de Andrade Corvo, que fez votar nas duas camaras e converter era lei o pensamento d’aquelle honrado velho, reliquia veneranda, e venerada do estado maior de D. Pedro IV.

E assim foi promulgada a lei de 29 de abril de 1875.

Teve esse consolo e essa gloria João de Andrade Corvo, orgulho do meu partido, honra e gloria deste paiz, tão assetiado em vida, mas tão chorado na morte por todos que sabiam o que elle valia, e na verdade valia muito..

Penso ainda hoje, como pensava quando relatei na camara dos senhores deputados em 1875 uma das mais importantes propostas que em beneficio das possessões ultramarinas têem sido apresentadas ao parlamento.

Esta proposta era da iniciativa de Corvo e tendia a fazer obras publicas em grande escala, e com o despendio de grossas sommas nas provincias de Angola, Moçambique, á. Thomé e Principe e Cabo Verde, proposta que foi acceite com applauso geral, e convertida em loi.

Penso ainda hoje, como pensava quando relatei e sustentei a proposta da iniciativa do meu velho amigo o sr. Thomás Ribeiro, em 1877, para a creação da provincia da Guiné, que foi votada nas duas camaras e convertida era lei.

Sr. presidente, sinto-me sempre bem n’estas questões, e hoje ainda mais porque vejo que nesta camara todos estão de accordo em que é de uma grande conveniencia o projecto que se discute. O digno par que primeiro tomou a palavra fallou de tal forma que não tenho senão a agradecer a s. exa. as expressões amaveis e delicadas que se serviu dirigir me, palavras proprias da sua fina educação e dignas do seu caracter elevado e nobre.

Sr. presidente, no parecer que se discute está manifestado o pensamento da commissão, e por isso tambem o meu.

Jogar tudo e por tudo, diz o parecer, e eu entendo que ha momentos em que tanto os individuos como as nações teem obrigação de assim procederem.

N’este momento mais que em nenhum é preciso usarmos de reserva, e esta reserva é tanto mais necessaria agora, porque olhos estranhos estão sobre nós. Não explico por tal motivo como desejava a phrase do meu relatorio, filha do meu pensar intimo e de portuguez.

Eu quizera que tanto o parlamento como a imprensa do meu paiz fossem reservadas em certas occasiões, porque a reserva muitas vezes é necessaria não só aos individuos, mas tambem ao parlamento e á imprensa.

Sr. presidente, todos se lembram de que n’aquella fatal guerra de 1870 em França, quando Mac-Mahon, seguindo O plano do ministro da guerra, se resolveu a soccorrer Bazaine, que um jornal francez publicou esse plano. D’aqui resultou que o conde de Moltke teve conhecimento dos mo-

Página 847

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890 847

vimentos do exercito francez, produzindo a derrota de Sédan.

Mas, sr. presidente, deixando isto eu devo dizer que o pensamento da commissão está no que diz o relatorio, jogar tudo e por tudo, porque infelizmente para nós as circunstancias são estas: ou cuidâmos do que é nosso ou o perdemos.

Sr. presidente, o projecto foi atacado pelo digno par e meu amigo, que encetou o debate por não estar sufficientemente estudado, e ainda pelo systema financeiro d’elle.

Mas eu direi ao meu amigo o sr. Bandeira Coelho que este traçado foi estudado, e foi estudado por um homem muito competente e de cuja competencia e capacidade me dispenso de fazer o elogio, porque estou convencido de que s. exa. é o primeiro a reconhecel-a.

Aqui estão os estudos feitos por aquelle distincto engenheiro, são os estudos que sempre se costumam fazer para caminhos de ferro, e s. exa. que tambem é um engenheiro muito distincto, sabe muito bem que são estes os estudos que sempre se fazem, e servem de base a propostas apresentadas.

Sr. presidente, s. exa. tratou tambem da ligação d’este caminho de ferro, e a isso respondo com o que diz o sr. Machado, que não se sabe ainda qual seja essa ligação, ou a sequencia que deva ter este caminho de ferro da Chella para diante.

É provavel que vá para o oriente, mas ha tambem opiniões em contrario. Mas qualquer que seja a sequencia do caminho projectado, este é necessario e inadiavel.

Os motivos d’este projecto, ou os fundamentos principaes por que esto caminho de ferro está projectado, e não só projectado pelo actual governo, como tambem pelo governo de que fazia parte o sr. conselheiro Barros Gomes, é porque esta é uma d’aquellas questões que se impõem a todos os governos, a todos os homens publicos, a colonisação da nossa Africa, e a este proposito eu vou ler á camara o seguinte. (Leu),

Como v. exa., sr. presidente, e a camara sabem, ha pontos nas nossas possessões onde os europeus se não podem acclimar, o que não succede no plan’alto da Chella onde vivem perfeitamente os colonos europeus, e com umas certas commodidades relativas.

Luctam, porém, com uma grave difficuldade para darem saída aos seus productos, é a falta de transportes, o é para obviar a este mal, que se projecta a construcção deste caminho de ferro. Sem a construcção do caminho numerosos colonos que já ali estão abandonarão aquelles Jogares, o isto será um desastre, lamentavel em todos os tempos, mas fatal no momento actual. Tal desastre seria um golpe fatal dado á colonisação europêa n’aquellas paragens, tão essencial, tão necessaria para a segurança do nosso dominio e do nosso direito de soberania. Seria uma prova do nosso abandono, uma confissão de incuria que eu não quero para o meu paiz.

Não é só da vida dos colonos que se trata; acima d’ella ha mais alguma cousa. Nós temos terrenos que nos estão sendo cobiçados, e talvez amanhã contestados, e para que não o sejam, é necessario occupal-os, civilisal-os, aproveital-os, e para isso hão de servir os colonos que lá estão, e os que se hão de seguir; ha de ser nosso elemento de força a população portuguesa que ali estiver fixada e enraizada; ha de ser elemento de força, e póde ser e é de crer que seja no futuro, elemento de riqueza territorial e commercial.

O sr. Bandeira Coelho desejava mais que o caminho de ferro fosse construido pelo estado, porque isso nos livraria de certas dificuldades. Esse era o meu desejo; estou convencido de que era tambem o desejo do governo e de toda a camara.

Como s. exa. sabe, ha tres typos reconhecidos de construcção de caminhos de ferro: a administração por conta do estado, a subvenção kilometrica e a garantia de juro. Eu estou convencido que o governo teria vontade de construir por sua conta; mas todos sabem tambem que neste ponto ha a attender á parte financeira; e circumstancias ha em que1 não convem distrahir capitães de outras emprezas que podem sor muito uteis.

Eu não entendo muito de questões financeiras, mas tenho ouvido repetir aqui que o estado da nossa fazenda publica não é bom; e portanto nós não podemos ir compromettel-o com mais uma operação, que seria de certo importante, mas que iria aggravar esse estado.

Disse o digno par que o caminho de ferro não estava estudado; já mostrei que o estava. Já respondi igualmente ao ponto relativo a ser a construcção por conta do estado. Quanto ao custo do caminho de ferro, devo dizer que tenho diante do mim uma consulta da junta consultiva de obras publicas, de 26 de dezembro de 1881; esta junta consultiva composta de homens tão competentes, tão intelligentes e tão sabedores dos negocios de engenheria como dos caminhos de ferro em Africa, como eram os seguintes srs.:

(Leu.)

Por esta consulta, como eu já disse e repito, muito bem elaborada por cavalheiros tão competentes, vê se que o custo do caminho do ferro projectado está bem calculado, não só por o distincto engenheiro, o sr. Machado, hoje governador geral de Moçambique, mas pelo governo, na proposta apresentada ao parlamento. N’esta consulta, que não é dada sobre o caminho projectado, mas sobre outro já votado, o caminho de ferro de Ambaca, a junta diz o que sabe, por estudo, por experiencia, por observação, o custo dos caminhos de ferro em Africa, e é por isso que eu cito a consulta, e eu d’ella faço uso, quando vejo pôr em duvida o calculo da proposta.

Mas, como já disse, quem ler os estudos feitos pelo sr. Machado verá que alguns kilometros tem maior difficuldade do que os calculados para o geral do caminho de ferro até á Chella, e o calculo geral do custo do caminho está estudado, bem feito e justificado.

Por isso as commissões o acceitaram e aconselham a camara a que vote o projecto.

Creio ter respondido ás duvidas apresentadas pelo sr. Bandeira Coelho, que não combateu o projecto, já pela sua muita illustração, já porque outros cavalheiros, que estão á frente do seu partido, como o sr. Barros Gomes e outros, se comprometteram a fazer este caminho de ferro, que, repito, é urgente, necessario e inadiavel.

A este proposito permitta-me a camara que eu faça um appello não só ao parlamento mas ao paiz.

Sr. presidente, esta minha phrase de tudo e por tudo está ali e não está de balde.

Eu queria que o parlamento, o governo e o paiz, estudassem de vez esta questão colonial.

Nós temos por costume olhar para as difficuldades só quando ellas apparecem; depois é que custam caras, quando turnos de as resolver.

Sr. presidente, nós somos mal julgados, as mais das vezes calumniados, não só por cubiçosos do que é nosso, e por invejosos, e até por indifferentes que ignoram o que somos, o que valemos, o que temos feito.

Ha dias eu vi com indignação que num parlamento estrangeiro se accusava Portugal de consentir escravatura em possessões suas.

Contra este facto eu protesto energicamente d’este logar que tenho n’esta casa.

Desde 1836 até 1875 sempre os poderes publicos do meu paiz fizeram guerra de exterminio á escravatura, e a lei de 29 de abril de 1875 acabou com a escravatura nos dominios portuguezes.

Em 1842 Portugal assignou com a nação, em cujo parlamento se fez a accusação a que me refiro, e contra a qual protesto, um tratado para a repressão legal da escravatu-

Página 848

848 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

rã, e Portugal cumpriu nobremente, dignamente, honradamente aquillo a que no tratado se tinha obrigado.

Portugal é uma nação pequena, das honrada, póde não ser rico, mas é digno, quando em qualquer documento está o seu nome, póde estar-se tranquillo, porque o contrato está seguro e ha de ser religiosamente cumprido.

Sempre assim foi e espero em Deus assim ha de ser sempre.

E da fórma por que foi cumprido o contrato de 1842 podem dar testemunho os annaes do nosso cominando geral da armada, e póde attestal-o porque o viu, o presenciou, o praticou, o honrado almirante, honra da armada portugueza e distincto ornamento d’esta casa, o sr. José Baptista de Andrade.

N’este ponto, como em outros, como em muitos, temos o direito de levantar a cabeça e defrontarmo-nos com outros.

Ha tempos li uma carta escripta por um cavalheiro, o sr. Barros Gomes, que não pertence ao meu partido, mas o qual eu respeito.

Era dirigida á sociedade de geographia. Com a pouca auctoridade que tenho, mas com um coração verdadeiramente portuguez, declaro que me satisfez esse documento.

Para mim, sr. presidente, as questões relativas ao nosso dominio colonial, não são nem as considero politicas. Faço justiça a todos. Não ha ministro, seja de que partido for, que a esse respeito não deseje acertar. Se o não consegue é por que as circumstancias obstam a esse desejo.

Nós temos colonias importantes onde já tivemos um grande imperio. Então sabiamos administral-as. Mudámos de systema. Foi mau.

Ainda hoje penso que para civilisar a Africa é necessaria a espada que conquista, mas nso é menos necessaria a religião. Se ao soldado se diz: Vae servir a patria, que precisa da tua vida, o soldado marcha a occupar o seu posto e a cumprir o seu dever, e morre.

Se do sacerdote se reclama que vá levar o consolo da religião aonde seja conveniente, embora lhe advirtam que vae soffrer, o sacerdote não olha ao perigo e segue para o martyrio.

O clero regular, e justiça lhe faço, presta serviços relevantes nas nossas possessões, mas, é preciso que se diga, não basta. Para que ellas prosperem e se civilisem, convem estabelecer no ultramar as ordens religiosas.

Preso-me de ser liberal. Talvez estas theorias sejam combatidas por muita gente; mas não me importa assumir a responsabilidade da minha opinião, todas as vezes que eu me convença de que exprime a verdade.

Parece-me que a camara dos pares, essencialmente conservadora, e que tem por obrigação respeitar uns certos principios, não me censurará pela fórma por que fallo neste momento, haja muito embora outros que pelas suas convicções ou pelos seus interesses combatam as minhas idéas.

Nós tivemos já outra norma de proceder em relação ao ultramar. O nosso primeiro pensamento, nas navegações que fizemos, foi implantar lá o christianismo. Depois vieram os mercadores; mas primeiramente a espada ia n’uma das mãos e a cruz na outra.

Ainda hoje ha na India dois tumulos perante os quaes se inclinam todos, um é o de S. Francisco Xavier, outro o de Affonso de Albuquerque. Perante o primeiro ajoelham as christandades da India e erguem as suas fervorosas orações; perante o segundo passam com respeito os povos e vão pedir justiça, quando se sentem aggravados nos seus direitos.

Nós temos ainda um grande imperio colonial, que precisa ser administrado por forma differente da que está sendo.

Aquelle heroe das nossas pugnas pela liberdade, aquelle homem que só por si teve a gloria de conseguir a abolição da escravidão em todos os nossos dominios ultramarinos, levou talvez muito longe os seus principios sobre a administração do ultramar. Quiz dar-lhes todos os foros do liberdade, e administral-os todos, de indole e costumes diversos, por uma fórma uniforme. Tenho para mim que não póde ser, que não deve ser.

Eu ouvi ha dias na camara dos senhores deputados, e posso referir-me a isso porque não é de fórma desagradavel, eu ouvi a um cavalheiro sentir, não digo censurar, mas sentir que tivessem sido extinctas todas as instituições que nós tinhamos, em voz de as melhorarmos e que podiam ser applicadas em Portugal e com muita mais rasão podiam ser applicadas no ultramar.

Sr. presidente, todos os tempos, todos os regimens teem as suas instituições proprias.

Nós, sr. presidente, tinhamos algumas organisações, que não digo que fossem um modelo, mas tinhamos bons tribunaes de justiça, tinhamos bons tribunaes de fazenda, tinhamos bons regimens e tudo isso desappareceu de repente.

Nus tinhamos uma administração no ultramar que não direi que fosse perfeita, mas que era uma administração acommodada aos costumes e usos d’aquelles povos.

Veiu o anno de 1834 e n’esse anno acabámos com tudo, ficando ali a lucta entre a lei velha e a lei nova. Não se sabia se haviam de applicar a legislação anterior ou a legislação moderna. Aquelles povos ficaram n’esta lucta.

Veiu a dictadura de 1836 e deu-se ás provincias ultramarinas uma organisação, mas uma organisação incompleta, e assim viveram aquellas provincias até 1855.

O sr. marquez de Sá da Bandeira, querendo prover de remedio a estas irregularidades por um decreto de 1855, deu uma nova organisação ás provincias ultramarinas.

Lin escriptor francez, tratando dos nossos systemas de administração já disse o seguinte.

(Leu.)

O sr. marquez de Sá da Bandeira entendeu que as nossas provincias ultramarinas deviam ser administradas por governadores, e n’este sentido se publicou um decreto era 1856.

N’este decreto ha uma disposição que é do acto addicional.

Os governadores podem tomar quaesquer medidas que sejam urgentes com o voto consultivo do conselho da provincia.

Este acto addicional é tambem applicado a Portugal.

Mas, sr, presidente, o governo tem posto de parte o parlamento, porque na secretaria da marinha é que se legisla para o ultramar, e é ahi que se fazem os orçamentos.

Este systema de administrar o ultramar não convem.

Querendo Portugal administrar no Terreiro do Paço, na secretaria da marinha, os negocios ultramarinos, é preciso que o respectivo ministro tenha ao pé de si, ao menos quem desses negocios perceba o sufficiente, para que, por falta de conhecimentos se não pratiquem actos pouco convenientes ou deixem de tomar-se medidas uteis.

Já o sr. Fontes pensava assim, e por isso creou, ou por outra, recreou o conselho ultramarino, hoje extincto, e que será conveniente restaurar.

Não digo isto, sr. presidente, porque desconheça o zêlo e intelligencia dos empregados da secretaria de marinha e ultramar.

Entretanto, é obvio insistir na conveniencia de que n’aquelle ministerio exista quem possa estudar as complexas questões ultramarinas, porque por aquelle ministerio correm negocios que aqui no continente são preenchidos por todos os outros ministerios.

Querendo Portugal continuar a administrar as suas provincias ultramarinas como faz hoje por delegação é necessario que junto ao ministerio haja quem resolva de prompto, com conhecimento e com acerto.

D’aqui a necessidade de um corpo consultor, e nenhum

Página 849

SESSÃO BE 11 DE AGOSTO DE 1890 849

se me antolha ainda hoje superior em luzes, em saber e em experiencia ao antigo conselho ultramarino.

É necessario tambem que quem tem de executar tenha aptidão, saber, prudencia e capacidade.

Aqui cabe fallar da escolha dos governadores do ultramar.

Todos sabem que esta escolha está hoje quasi restricta, quasi eufeudada á classe militar.

Sei que a lei abre aquella collocação tanto á classe militar como á classe civil.

Mas, sei tambem que a pratica reage contra a lei, e que a escolha, com uma ou duas excepções, é sempre feita em individuos da classe militar.

Não é intento meu, nem está no meu animo, pleitear preferencias entre as differentes classes da sociedade.

Sei e conheço que em todas as classes ha aptidões a aproveitar e exemplos a apresentar e a seguir; mas sei tambem, e devo dizel-o, que a educação militar não é a mais adaptada á pratica das funcções mais civis do que militares.

Ha exemplos tanto na metropole como no ultramar da competencia de militares para administrar.

Mas o que é necessario é que os poderes publicos se habilitem a poder escolher convenientemente quem convenientemente os possa representar n’aquellas paragens aonde silo necessarios o tino administrativo, o saber diplomatico, o conhecimento dos homens e das cousas.

Para se ter pessoal assim e á altura dos serviços a prestar, é remuneral-o bem e dar-lhe vantagens na estada lá, e na volta ao reino.

Sem boa administração o ultramar não produzirá o que deve produzir.

Sr. presidente, a este proposito eu podia dizer mais, por isso que vivi algum tempo tambem na Africa, mas limito-me apenas a pedir ao governo, ao parlamento, e ao paiz, que estudem de vez esta questão.

Em 1853 nomeou-se uma commissão de inquerito parlamentar.

Essa commissão trabalhou, estudou e inquiriu, e em tres volumes forneceu esclarecimentos importantes e apresentou varios alvitres a diversos ministros, que os seguiram com proveito publico.

Em 1882, sendo ou deputado e pertencendo á maioria fiz uma proposta de inquerito das necessidades das provincias ultramarinas que foi acceita pela camara, e a primeira pessoa que convidei para fazer parte da commissão foi o sr. José Luciano de Castro, que acceitou. Fazia parte da commissão tambem o sr. Marianno de Carvalho, cavalheiro da opposição, porque eu quero que todas as medidas do ultramar tenham não só o cunho do bem, mas o assentimento de todos os partidos, a fim de não acontecer, como na maior parte das vezes succede, que algumas medidas são combatidas por politica, e depois os governos quando chegam ao poder vêem se em grandes difficuldades não sabendo a maneira como pól-as em execução, por que se acham compromettidos com o que disseram antes.

Eu já disse em tempo, que n’este paiz não se sabe ser governo porque se não sabe ser opposição. Não applico o dito á opposição actual que tenho visto proceder nesta questão com cordura e patriotismo. Era uma these era um desejo de que para estas questões ultramarinas não viesse a politica de bando, e é assim que eu, que era e sou partidario, de accordo com o chefe do meu partido, o sr. Fontes que era um espirito elevado e que tão boas lições nos deu, e bons exemplos nos deixou, foi para uma obra que eu reputava de todos, convidar a opposição a cooperar com a maioria, e a prestar-nos o auxilio das suas luzes e do seu saber. E não mo arrependi porque a opposição de então, como o seu chefe actual, veiu á commissão, trabalhou com dedicação, com vontade, e com proveito de todos.

Sr. presidente, disse o que entendia e podia, ácerca da administração ultramarina, e suppondo ter respondido sufficientemente ao digno par, termino as rainhas observações.

Tenho dito.

(O orador foi comprimentado por alguns dignos pares.)

O sr. Alves de Sá: — Por parte da commissão de administração publica mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 33, approvando o contrato feito pela camara municipal de Aveiro para a illuminação a gaz daquella cidade.

Foi a imprimir.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presHent0, o projecto que discutimos é da iniciativa do sr. ministro da marinha, a quem eu tinha de pedir algumas explicações sobre o modo proposto para se levar a effeito este caminho de ferro, e só sobre o modo por que a construcção do caminho de ferro quero-a eu.

Sei que s. exa., que não passa bem de saude, o que eu sinto, está ausente de Lisboa e que, portanto, não gere os negocios da sua pasta. Por consequencia, eu desejava saber qual dos seus collegas está fazendo as suas vezes, porque não sei qual dos membros do governo está habilitado a dar-me as explicações que eu desejo pedir sobre algumas disposições d’este projecto.

Ao principio da discussão assistiu o sr. Antonio de Serpa, mas de repente desappareceu da sala, pendo chamado a toda a pressa para o substituir aqui o sr. Arroyo. Portanto, primeiro que tudo desejo saber se s. exa. me poderá dar as informações que eu tinha a pedir ao sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo):— Sr. presidente, eu tenho a declarar ao digno par o sr. Vaz Preto, que o sr. ministro da marinha rião^ deixou do gerir a sua pasta, pois mesmo nas Cai-las da Rainha dirigo o expediente; quanto a dar quaesquer explicações sobre este projecto, qualquer membro do governo está habilitado a dal-as, portanto eu estou para esse fim ás ordens do digno par; e quanto á rasão por que o sr. presidente do conselho se ausentou da sala, foi ella o ter a sua presença sido reclamada por uma commissão parlamentar.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, eu ouvi com toda a attenção as declarações do sr. ministro da instrucção publica, as quaes estão longe de me satisfazer, porque eu não acho regular que uma pasta tão importante, principalmente n’esta occasião, que de um momento para o outro póde demandar providencias importantes e urgentissimas, esteja sendo gerida das Caldas da Rainha e por um ministro que se acha doente.

S. exa., precisando de tratar da sua saude, fez muito bem em sair de Lisboa, mas durante a sua ausencia devia um outro seu collega ter ficado encarregado de o substituir na gerencia da pasta da marinha.

Entretanto, como o sr. ministro da instrucção publica se declara habilitado a responder-me, eu vou apresentar aã minhas duvidas com relação ao projecto que se discute.

Sr. presidente, eu já n’outra occasião fallei aqui n’este caminho de ferro, pedi até que fosse concedido som concurso aos exploradores Capello e Ivens, e mostrei a grande conveniencia que havia em ser concedido de preferencia áquelles dois nossos distinctos africanistas para se obstar a todas as especulações que, segundo se dizia, já se preparavam.

N’essa occasião mostrei a necessidade d’esse caminho de ferro, e não quero repetir agora o que então disse, mas mostrei que era necessario que se construisse com urgencia, para que a colonia de Huilla e outras que existem no plan’alto da Chella, se podessem desenvolver, transportando para o litoral os seus productos tanto agricolas, como da sua industria de gado.

Sr. presidente, sem caminho de ferro aquelas colonias não podem florescer aproveitando completamente os grandes elementos da prosperidade que encontram n’aquella re-

Página 850

850 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gião, (Apoiados.) nem o paiz aproveitará o valiosissimo elemento que ali tem para facilitar a colonisação africana, tornando de facil accesso aquelle ponto, onde as excepcionaes condições climatericas são as mais favoraveis para aclimação dos colonos europeus.

Por estas considerações ha muito que eu considero urgente esse caminho de ferro; é tarde, mas é tempo ainda; é necessario despertar emfim de um somno, de um esquecimento que profundo e longo de mais tem sido já.

Sr. presidente, para mim é-me indifferente que o caminho de ferro se faça por conta do estado ou por concurso, mas num ou noutro caso o que desejo é que elle seja feito nas condições mais vantajosas para o paiz, quer sob o ponto de vista economico, quer sob o ponto de vista financeiro, e que, se porventura houver de ser feito por concurso, esse concurso seja uma verdade e não uma irrisão, uma verdadeira ficção.

Desejo que o governo fazendo-o por sua conta não o faça por empreitada geral, mas sim por empreitadas pequenas e por tarefas, nas melhores condições para o thesouro e para os interesses coloniaes que elle é destinado a fomentar.

É necessario que o caminho de ferro se faça ou por concurso ou por conta do governo, mas sem clausulas. Sendo feito por concurso é necessario que o programma seja completo e de tão facil interpretação para os concorrentes que se não preste a differentes fórmas de apreciação.

É necessario que os concorrentes possam licitar em situação perfeitamente igual, mas para isso era preciso não haver certas ambiguidades que auctorisem diversidade de interpretação, a qual dê origem a desigualdade nas propostas; e a este respeito desde já tenho a notar o seguinte:

A proposta do governo dizia que o caminho de ferro até á Chella devia ter a largura de 1 metro; por que rasão foram substituidas essas palavras — 1 metro — por estas — até 1 metro?

A camara comprehende bem que conforme a largura do caminho for maior ou menor, assim o custo da sua construcção é tambem maior ou menor, e por consequencia é necessario fazer desapparecer a palavra até, para os concorrentes saberem como hão de licitar.

Sabe v. exa. o que eu concluo d’aquella substituição? Concluo que ainda não ha elementos sequer para se fixar desde já a largura da linha; nada está definitivamente estudado; o projecto vem desacompanhado de informações, e aquellas que leu o sr. relator da commissão são insufficientes e provam o contrario do que s. exa. quiz demonstrar com a sua leitura.

S. exa. apresentou um relatorio ou estudo feito pelo sr. engenheiro Joaquim Machado, estudo, aliás, imperfeito, como o proprio auctor o declara, dizendo que precisa ainda ser verificado e aperfeiçoado.

Tambem s. exa. se referiu ao parecer da junta consultiva de obras publicas; mas leu apenas a parte que lhe convinha e não o periodo onde se diz que, sendo o troço do caminho de ferro até á base da Chella, dependente do ponto que se devesse escolher para subir ao plan’alto, tudo ficava condicional; ora se esse ponto não está fixado, é claro que se não sabe sequer a extensão da linha d’ahi á costa nem se ha de derivar mais para o norte se para o sul; nesta conjunctura não pôde, pois, haver projecto definitivo, não póde haver orçamento, não póde haver bases para concurso.

Já se vê, pois, que s. exa. provou exactamente o contrario do que pretendia.

Emquanto ao calculo de 17 contos para custo kilometrico, eu já ouvi a um dos membros da outra casa do parlamento, engenheiro distincto, declarar que a commissão o acceitára unicamente para não ir de encontro á opinião do governo, mas que a despeza da construcçao d’aquelle caminho de ferro não podia importar em mais de 10 contos por kilometro, porque era toda a distancia de 150 kilometros desde Mossamedes ao sopé da Chella a linha percorrerá uma planicie que não offerece difficuldades nenhumas á construcção e assentamento da linha, a não ser a falta de agua.

Se o governo quizesse um verdadeiro concurso, a primeira, cousa que lhe incumbia era mandar proceder a um estudo rigoroso e definitivo, para saber qual o ponto de ligação do troço que deve partir de Mossamedes para a serra de Chella com o troço de subida para chegar ao planalto.

Depois de elaborado o orçamento correspondente, podia então o governo abrir o concurso, estabelecendo de um modo definitivo a largura da via, marcando a garantia de juro em relação ao custo de cada kilometro, marcando as despezas de exploração segundo um calculo devidamente feito, e ao mesmo tempo não tornando as tarifas só dependentes do governo.

Devia proceder como se tem procedido a respeito de outros caminhos de ferro; assim teriamos verdadeiramente um concurso.

Se o governo agora não o póde mandar abrir, porque não ha estudos concluidos, então chame pessoas competentes, para os fazerem, e construa o caminho de ferro á custa do thesouro por empreitadas parciaes, ou tarefas arrematadas em praça. Por esta fórma afastará do publico a idéa de favoritismo.

Este caminho de ferro queremol-o todos nós, mas queremos tambem que os dinheiros publicos sejam administrados com zêlo e efficacia.

Se o governo entende que não lhe convem o concurso, eu confio no sr. ministro e dou lhe auctorisação para mandar construir a nova linha por conta do estado, sob a condição de se fazer, como já disse, por empreitadas parciaes ou por tarefas arrematadas em praça: aliás teriamos a desvantagem do concurso sem as suas vantagens.

Assim teriamos um caminho de ferro, cuja construcção é urgentissima, sem se desperdiçarem os dinheiros da nação.

É necessario que esse melhoramento se realise para satisfazer ás colonias e ás necessidades da metropole, mas não para se locupletar seja quem for.

Por consequencia, ou concurso claro e que se não preste a duvidosas interpretações, ou faça-o o governo; dou-lhe para isso o meu voto de confiança, mas será sua a responsabilidade.

Sr. presidente, já v. exa. vê que eu sou coherente neste ponto com a minha opinião.

Eu entendi e aconselhei o governo a que, prescindindo do concurso, concedesse a construcçao d’aquelle caminho de ferro aos exploradores Capello o Ivens, que conhecem melhor do que quaesquer outros individuos as necessidades e interesses d’aquellas colonias e as particularidades d’aquella região.

Eu queria, que a este respeito se tratasse directamente com aquelles distinctos exploradores, independentemente de qualquer concurso; mas se o governo prefere fazel-o pui concurso ou por conta propria, eu, em nome da manifesta vantagem e urgencia da obra, digo, pois faça-se por qualquer dos dois processos, comtanto que, na hypothese de o fazer o governo, o faça nas melhores condições economicas e financeiras; e na hypothese do concurso, este se realise pela fórma mais legal e mais correcta. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arrojo): — Via com satisfação que o digno par que acabára de fallar adhere em principio á idéa que o governo consignou na proposta que apresentou ao parlamento e que igualmente se contém no projecto em discussão, e com satisfação via tambem que s. exa. reconhecia ser de grande conveniencia e urgente necessidade o ligar o porto de Mossamedes com o plan’alto de Chella, afim de que os productos agricolas das promettedoras colonias ali existentes possam ser transportados em boas condições e de que áquella impor-

Página 851

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890 851

tante região não faltasse por mais tempo o poderoso ele mento de prosperidade e desenvolvimento a que tem incontestavel direito e que emfim vae ter.

Entende que a questão do caminho de ferro de Mossa medes é uma das questões que se impõe com duplicado motivos.

Não são só rasões de ordem politica e economica que aconselham a construcção d’aquelle caminho de ferro, é tambem a necessidade de prevenir a colonia madeirense contra uma crise cada vez mais accentuada e que provem da sua emigração para outros pontos onde os colono daquella origem difficilmente resistem á influencia dos climas, como por exemplo: para Demerara.

A este proposito fez o orador varias considerações referindo-se a estudos e observações que tivera occasião d verificar quando gerira a pasta da marinha, concluindo que a emigração para aquella nossa possessão não se podia fazer em boas condições, emquanto não houvesse meio de transporte faceis.

O digno par a quem estava respondendo, não atacára verdadeiramente as disposições do projecto.

S. exa. sustentara duas idéas que apparentemente pare ciara contradizer-se, mas que no fundo se conciliavam.

S. exa. na primeira parte das suas considerações, pare cera querer sustentar a conveniencia de que a construcção do caminho de ferro fosse por conta do estado, e na segunda parte ...

O sr. Vaz Preto: — Ou s. exa. não percebeu bem o que eu disse, ou eu me expliquei mal.

Eu disse que não era contrario ao concurso quando feito em boas condições; a não ser assim, que preferia que o caminho de ferro fosse construido por conta do estado, por empreitadas parciaes.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Continuando, disse que a idéa do governo está consignada no artigo 1.° do projecto.

O governo preferia, era primeiro logar, que o caminho de ferro fosse construido por uma empreza portugueza com capitães portuguezes e nas condições, emfim, que constavam do projecto.

No caso, porém, de não haver concorrente ao concurso, então procede-se á construcção directa do caminho de ferro em harmonia com o que estabelece a base 16.ª

O digno par, o sr. Vaz Preto, apresentara algumas du vidas ou receios de que o concurso fosse aberto por fórma que não fosse igual para todos os concorrentes, dando qualquer ambiguidade na redacção nas suas bases occasião a diversidade de interpretação, desigualdade para os concorrentes e mais tarde pretexto a quaesquer suspeitas.

Póde asseverar ao digno par, e com isto não dá novidade, que a intenção do governo é proceder, para esta adjudicação como é a praxe para todos os concursos, por forma tal, que as condições sejam iguaes e claras para todos, e guardar e salvaguardar, inteira e absolutamente, o direito da igualdade, para não se poder levantar a mais leve duvida que auctorise qualquer suspeita.

O sr. Vaz Preto: — Eu não lancei suspeitas sobre ninguem. As minhas duvidas reduzem-se aos seguintes pontos:

l.ª Sobre a largura da linha, por causa da palavra até introduzida pela commissão.

2.ª Sobre a falta de base por concurso ou para se proceder á obra por conta do estado por não haver projecto nem estudos definitivos.

3.ª Sobre os calculos que fizeram para as despezas de construcção.

4.ª Sobre tarifas.

É sobre isto que eu desejo o projecto bem claro.

O Orador (continuando): — Ainda comprehendia as duvidas do digno par e os seus receios sobre a igualdade ou moralidade do concurso, se o governo tivesse publicado o programma, em que houvesse alguma palavra ou phrase, ambigua que podesse dar origem a diversidade de interpretações e por isso desigualdade de condições para os concorrentes; mas os receios do digno par fundara-se nas palavras, até um metro.

Fez o orador a apreciação das duvidas apresentadas tratando de mostrar que ellas eram infandadas, tanto mais, que ainda quando houvesse alguma cousa de apparentemente indefinido em tal base, esse indefinido de facto não se dava pela grande facilidade que haveria para qualquer engenheiro de caminho de ferro em estabelecer a proporção de quaesquer propostas desiguaes entre si com relação á largura da linha, proporção que uma vez estabelecida, tornaria a comparação tão simples como se ellas nessa parte fossem verdadeiramente identicas.

Emquanto á questão das tarifas, sustentou a vantagem de se deixar ao governo uma certa latitude e citou varios exemplos do inconveniente de assim se não ter procedido sempre, citando entre outros o caminho de ferro de Lourenço Marques.

Concluiu referindo se mais uma vez ao concurso e asseverando que o governo procederá com a maxima cautela e por fórma a mais absolutamente correcta.

(O discurso do sr. ministro será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, logo que s. exa. devolva as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Franzini: — Sr. presidente, é geralmente reconhecida, e ninguem contesta a conveniencia de se ligar o pla’alto do interior da Africa com o litoral, e só assim se poderão aproveitar aquelles terrenos que são susceptiveis de colonisação pelas raças europeas, pela natural bondade do seu clima, onde a par das culturas tropicaes crescera vigorosas muitas especies vegetaes do meio dia da Europa.

Eu approvo portanto a idéa fundamental do projecto de lei em discussão, mas divirjo do modo como se quer chegar a esse resultado.

Ha muitos meios de se conseguir a construcção d’este caminho de ferro; convem ser cautelosa a escolha.

Está pendente a resolução fiscal da desgraçada questão de Lourenço Marques, que tantos dissabores tem acarretado ao paiz e ha de acarretar mais, e ainda em cima é possivel que tenhamos de pagar por elevadissimo preço aquillo que não valerá uma fracção diminuitissima do que nos obrigara a pagar.

Este exemplo parece-me que deve acautelar o governo.

O artigo 1.° diz o seguinte:

(Leu.)

Esta condição de obrigar os capitães a serem subscriptos era Portugal, nada importa nem offerece garantia alguma.

Os capitães hão de ser estrangeiros, se lhes convier o negocio, embora a maioria dos directores da empreza ou companhia que se formar deva ser composta de portuguezes.

Os capitães é que dominara na administração das companhias, e mais tarde hão de vir as difficuldades que todos nós sabemos.

Este projecto, sr. presidente, receio muito que seja o embryão de uma nova Delagoa Bay nas terras de Mossamedes.

Como a camara sabe formou-se uma companhia para a construcção e exploração do caminho de ferro de Lourenço Marques.

Os directores desta companhia portugueza, que eram portuguezes, desappareceram, volatilisaram se em um dado momento, apparecendo então os inglezes, que formaram uma nova companhia, a celebre Delagoa Bay.

Este exemplo devia servir para sermos mais cautelosos, nas infelizmente foi esquecido e posto de parte.

Repito, a companhia que se organisou para a construção do caminho de ferro de Lourenço Marques era portugueza.

Página 852

852 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Appareceu depois uma outra companhia ingleza que vem agora com relamações apoiadas pelo governo inglez, que fomos forçados a attender, não obstante a companhia primitiva ser portugueza e sujeita ás nossas leis.

A lei diz que todas e quaesquer reclamações da companhia serão levadas aos tribunaes portuguezes e não exige para ellas arbitragem internacional.

Portanto, as reclamações da companhia deviam ser resolvidas pelos tribunaes portuguezes.

O systema, pois, adoptado n’este projecto para a construcção do caminho de ferro de Mossamedes é perigoso, e por isso não posso dar o meu voto.

Como o direito da força é o que domina, quem não póde responder pela voz de numerosos canhões ás exigencias da Inglaterra, deve ser em extremo cauteloso.

Tendo, pois, em vista os perigos que nos ameaçam nas relações com as potencias que ambicionam os territorios portuguezes da Africa, porque é que o governo não prefere que este caminho seja feito por conta do estado?... Pois nós já chegamos á situação de não poder contrahir um emprestimo para mandar construir um caminho do ferro?!...

Escrupulos de pedir auctorisação para isso não os póde ter o governo. Era chegarem-lhe tarde!

Acaso não importam os decretos da dictadura, a querer o governo executal-os, auctorisações para levantar sommas consideraveis, immensas?! Portanto, que escrupulo podia ter o governo em pedir ao parlamento a auctorisação para mandar fazer estudos definitivos e os orçamentos correspondentes ao plano que se adoptasse para a construcção, e para levantar as sommas necessarias para a construcção da linha e a exploral-a por conta do estado?

Tão abalado está o credito financeiro, que o governo não possa ter confiança no exito do um emprestimo, destinado a occorrer a uma necessidade de todos tão reconhecida? Não póde ser. O aproveitamento das nossas possessões africanas é tão reclamado por todos os portuguezes, como indispensavel para o prestigio e prosperidade da nação, que um emprestimo emittido para este fim encontraria, sem duvida, subscriptores nacionaes.

Pelo systema que o projecto estabelece hão de vir por força capitães inglezes, e as consequentes difficuldades para o paiz.

Outra duvida tenho em dar a minha approvação a este projecto de lei, a qual provem de estar desacompanhado de esclarecimentos os mais indispensaveis.

Não traz o parecer da junta consultiva de obras publicas.

Uma VOZ: — Foi desfavoravel.

O Orador: — Então, peior!

Temos tambem a considerar a falta de estudos completos; principalmente sobre o modo de ligar a base da serra da Chella com o plan’alto; não ha indicação nenhuma, o que póde influir muito no custo e, portanto, na garantia de juro.

Não está justificado este calculo do custo de 17:000$000 réis por kilometro nestes 100 kilometros de Mossamedes até á base da serra.

Nenhum orçamento ha feito.

Ora, tudo isto tem influencia sobre o alcance economico e financeiro do projecto.

Portanto, não está bem estudado e apresenta-se aqui completamente desacompanhado de esclarecimentos.

Nem se conhece nem quaes os encargos que da construcção hão de resultar para o thesouro.

Note-se que eu applaudo a idéa do projecto; mas em vista da sua contextura, voto contra elle.

O sr. Luiz de Lencastre (relator): — Sr. presidente, eu, respondendo ao meu amigo o sr. Bandeira Coelho, já dei as rasões por que se apresenta assim o projecto, e que são as mesmas que vou dar ao sr. Franzini.

S, exa. combateu a fórma por que se pretende construir a linha. O meu desejo, o da commissão, e o do governo, por certo seria que o caminho de ferro fosso construido por conta do estado, mas circumstancias se dão que o não permittem.

S. exa. sabe, porque1 é muito illustrado, que ha tres typos diversos de fórma de construcção de linhas ferreas: por conta do estado, por subvenção kilometrica, por garantia de juro.

Per certo que o primeiro seria o mais agradavel ao governo e a todos nós; no emtanto, repito, circumstancias ha que o não permittem.

Alludiu o digno par á repetição de difficuldades suscitadas com a companhia de Lourenço Marques.

É um ponto attendivel. mas estou convencido de que, desde que o governo, e não só este, mas os que se lhe seguirem obrigue a companhia a cumprir arisca o contrato, estou convencido, repito, de que tudo ha de ír bem, estando assas garantidos os nossos interesses.

Por consequencia, parece-me que n’esta parte respondi a s. exa., tendo-lho dito qual a idéa da commissão e do governo..

Disse tambem s. exa. que a linha não está bem estudada.

Como ha pouco eu disse, e nisto respondo eu ao meu antigo amigo e parente o sr. Vaz Preto, os estudos foram feitos por duas vezes; em 1887 e em 1888; e mostra-se bem do parecer do distincto engenheiro o sr. Machado, hoje governador geral de Moçambique.

O meu amigo o sr. Vaz Preto accusou-me de eu ter lido uma parte do parecer da junta consultiva de obras publicas, aquella que me era favoravel, e não ler outra do mesmo documento que estava em harmonia com as idéas de s. exa.

Devo dizer que a consulta que mencionei, não é relativa a este projecto; foi dada pela junta, quando o governo a consultou a respeito do caminho de ferro de Ambaca; então disse ella quanto custava em Africa a construcção de cada kilometro de qualquer linha ferrea, affirmando que o maximo desse custo seriam 16:000$000 ou 17:000$000 réis, se a mesma linha tivesse 1 metro de largura. Foi a isto que fiz referencia.

Ainda ha outro ponto sobre que devo responder. Notou s. exa. que no projecto se dissesse a largura até 1 metro», quando na proposta do governo se dizia «largura de 1 metro».

S. exa. sabe que os governos teem muitas vezes de modificar as suas propostas para obtemperarem ao parecer das commissões; mas a modificação de que se trata, não é essencial, e estou convencido de que o respectivo ministro, quando se abrir o concurso, exigirá nas condições d’elle que a largura do caminho de ferro seja de 1 metro, porque effectivamente este systema tem dado muito bons resultados, não só na Europa, mas na America.

O governo póde mandar construir o caminho de 1 metro de largura, fica com essa auctorisação, e creio usará della que é harmonica com a sua proposta.

Limito aqui as minhas considerações, e voltarei ao debate sendo necessario.

O sr. Barros Gomes: — Acabava de ouvir o illustre relator sr. Luiz de Lencastre dizer que o projecto estava estudado; e s. exa. apontava então para o numero da Revista de obras publicas e minas, onde se encontra um ante-projecto do sr. engenheiro Machado, a cujo zêlo, intelligencia e pleno conhecimento das cousas de Africa o orador folga de prestar homenagem mais uma vez. N’esse documento, porem, elle proprio a cada instante está dizendo que o seu trabalho carece de correcção e póde ser alterado fundamentalmente, porque é difficil, em assumptos d’esta ordem, chegar a uma solução definitiva perfeitamente satisfactoria.

Portanto, a justiça que fazia áquelle distincto engenheiro, actual governador de Moçambique, não podia ser exa-

Página 853

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890 803

gerada ao ponto de chamar completo áquelle trabalho que o proprio auctor declara que o não está, e de dizer que temos projectos, quando não ha senão um ante-projecto.

Não combate a construcção do caminho de ferro de Mossamedes. Já instou por que fosse discutido. Bastava esta circumstancia para que não se podesse attribuir-lhe o prurido de fazer opposição.

Nem a elle nem aos seus amigos devia o sr. relator dizer que prescindissem de fazel-a. Não lhe parece que s. exa. escolhesse o momento mais opportuno para lhes dirigir similhante conselho. Não póde ter havido opposição mais cordata, mais dentro da ordem, mais respeitadora de todas as conveniencias, do que é a que tem tido a actual situação politica.

Tem o maior desejo de que se satisfaça aos votos da colonia de Mossamedes, e n’um discurso da corôa proferido pelo soberano, quando elle, orador, tinha a honra de estar com os meus collegas na administração dos negocios publicos, foi annunciada a apresentação de uma proposta de lei para se construir um caminho de ferro n’aquella colonia; apessar de tudo isto não se julga inhibido de acompanhar os dignos pares que têem levantado algumas duvidas sobre o projecto.

Em que é indispensavel a construcção do caminho de ferro de Mossamedes todos estão de accordo.

Não ha muitos dias manifestou o orador esta sua opinião, em harmonia com o digno par o sr. Thomás Ribeiro, quando se asseverou que este era realmente o primeiro projecto de defeza nacional que o governo apresentava.

Effectivamente, não lhe parece que seja no momento actual, quando o governo lucta com difficuldades, e difficuldades serias que se devo estar a contratar a compra de armamentos, como ha pouco lhe constou, quando todos estão certos de que ninguem pensa em vir atacar Lisboa, nem pensa nem pensou. Quando o governo lucta com difficuldades de toda a ordem, todos os recursos de que possamos dispor devem ser applicados em mostrar á Europa e ao mundo, que estamos seria e sinceramente resolvidos a empenhar todos os nossos esforços para levar ás nossas colonias todos os beneficios da civilisação.

Ahi é que está a defeza nacional, e por isso acompanha o governo no pensamento do projecto, assim como o acompanho na idéa de auxiliar a navegação para a nossa Africa, mas não pela forma por que o governo pensa em fazel-o.

O empenho do governo progressista era realisar este melhoramento; foi o sr. Henrique de Macedo quem mandou o sr. Machado fazer os estudos, que deram em resultado este ante-projecto, promettendo-se solemnemente do alto do throno no discurso da corôa áquelles povos que seriam attendidos nas suas justas aspirações.

Mais tarde, quando chegaram aqui os trabalhos do sr. Machado, foi esse distincto engenheiro o mesmo que pediu que se não tomasse qualquer resolução sem que primeiro elle fosso á Suissa, onde se tem aperfeiçoado o systema de caminhos de ferro em regiões montanhosas, a fim de estudar as modernas modificações ali adoptadas, que poderiam convir ao traçado da linha de subida para a Chella.

Estão todos de accordo quanto á conveniencia e necessidade do caminho de ferro. N’esta questão não póde haver nenhum partido que pense de outra fórma, não póde haver partidos adversos.

Esta não é uma questão politica, é uma questão onde está em jogo a dignidade do paiz, o interesse da patria, o nosso futuro e o melhor das nossas antigas glorias.

O dever de todos é não deixar perder o que ainda resta ao paiz dos seus vastos dominios africanos.

Na questão de que se trata, pois, está ali o governo portuguez, não está um partido adversario; está o governo de Portugal, áquelle que tem de manter bem alto a bandeira portugueza.

faz opposicão ao projecto; a camara vê que no fundo estão elle e os seus correligionarios de accordo com o governo, o que desejava era que a fórma por que o governo intenta realisar o seu pensamento fosse outra.

Como a base do projecto é o relatorio do sr. Machado, outra não póde ser a base da discussão, e por isso tinha de ler e apreciar o mesmo relatorio.

Fez a leitura de differentes trechos do relatorio que foi apreciando com detido exame, concluindo que o proprio auctor é o primeiro a não dar como sufficientes, como definitivos os seus estudos, indicando claramente a necessidade de novos estudos, que dariam, na sua opinião, uma solução mais pratica e mais vantajosa, indicando a possibilidade de variantes para evitar rampas violentas e frequencia de curvas.

O sr. Ressano Garcia, que era ministro da marinha, quando El-Rei proferiu do alto do throno a promessa solemne de que o caminho de ferro seria construido, tinha, e teve sempre, duvidas em adoptar áquelle trabalho para base de uma proposta de lei; alem da sua opinião technica, que não é de menor peso, fundava-se s. exa. principalmente na consulta da corporação technica, que elle tinha obrigação de ouvir, e que o devia alliviar na responsabilidade da adopção final do projecto.

O sr. Vaz Preto, assim como outros dignos pares, tinham alludido a essa consulta, e por isso permittisse-lhe a camara que a lesse pois tinha ali copia d’ella.

(Leu e commentou o relatorio da janta consultiva.)

Todos sabem que a uma grande parte dos membros da junta consultiva fui confiada a direcção da construcção das linhas principaes do paiz, o que quer dizer que á sua alta competencia não falta tambem a auctoridade da experiencia; pois todos esses illustres technicos concordam em reconhecer a necessidade de novos estudos.

Lê os nomes dos signatarios da consulta. O governo devia resumir-se a pedir auctorisação ao parlamento para proceder a todos os trabalhos para um projecto definitivo.

Não está averiguado qual o traçado que melhor venceria as difficuldades de contrucção. O que vê é que neste projecto, como ácerca de outros negocios relativos ás nossas provincias ultramarinas, revela-se no governo uma accentuada fluctuação de idéas e uma tibieza, que se aggravam com a circumstancia da ausencia do sr. ministro da marinha, cuja saude faz votos para que não perigue, pois s. exa. é um homem de merito, que estima e respeita.

Entretanto custa a comprehender que, podendo s. exa. conservar, como conserva, a gerencia da pasta da marinha, delegue nos teus collegas, que têem tantos assumptos importantes em que cuidar, a defeza de um projecto desta ordem.

A sua ausencia não se comprehende muito bem no momento em que se discute uma proposta d’esta importancia, e na occasião em que se vae resolver uma questão da sua pasta do importante valor de 500:000$000 réis.

Ainda mais patente se torna a tibieza do governo n’estas questões, quando se aprecia toda a importancia das modificações que a commissão da camara dos senhores deputados fez na proposta inicial do governo, e que os srs. ministros acceitaram; o que aliás não censura, pois não gosta o orador de ver nenhuma das casas do parlamento reduzida a simples chancella do governo.

Notou o limite de 53:000$000 réis, posto pela commissão á garantia de juro até 6 por cento ao capital da construcção dos primeiros 150 kilometros, modificação que profundamente alterava a proposta do governo.

O facto de para o calculo ou garantia de juro se dar como fixo o numero de kilometros a construir, mostrava que o projecto era considerado definitivo, o que mais uma vez lamentava em nome da facilidade e maior conveniencia do traçado e dos interesses do thesouro.

Observa que com este projecto se dá o contrario do que succedeu com o monopolio do tabaco.

No monopolio do tabaco a commissão entendeu que de-

Página 854

804 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

via dar mais vantagens do que havia no projecto do governo, e aqui succede o contrario; a commissão limita as garantias. É que no monopolio queria-se assegurar o monopolia. E aqui? Aqui parece que se quer afastar a hypothese da construcção por conta do estado.

Se o governo quer o concurso diga-o francamente, não finja apenas que o quer, não esteja com duvidas nem com tibiezas que não têem justificação.

Se o governo quer evitar a intervenção de capitães estrangeiros, n’esse caso afaste claramente a idéa do concurso e construa o caminho de ferro por sua conta.

Desejaria que o sr. ministro ou o sr. relator da commissão lhe dissesse o que é que o governo quer.

Se não quer o concurso, abandone essa idéa e peça uma auctorisação para construir a linha ferrea logo que tenha os estudos definitivos e que esteja habilitado a dizer que encontrou uma resolução que se lhe afigura a melhor e a mais economica.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo). — Ouviu com a attenção propria da alta consideração que merece o digno par, as observações feitas por s. exa.

Parece-lhe que póde dividil-as em duas partes distinctas; tratando s. exa. n’uma parte do seu discurso da questão technica do projecto, e na outra do seu regimen financeiro.

De accordo em principio com o pensamento fundamental do projecto, as duvidas do digno par recaíam exclusivamente sobre detalhes da fórma que o governo adoptára para realisar o seu pensamento. Lera s. exa. e analysára o relatorio do sr. Machado e o parecer da junta consultiva para ahi encontrar os fundamentos dos seua reparos.

Com relação á fórma a adoptar não lhe parece obscuro no projecto o pensamento do governo.

O governo deseja abrir o concurso e para essa hypothese acautela com toda a sorte de garantias os interesses do estado, mas prevendo a possibilidade de a praça ficar deserta e não desistindo, como não podia desistir, do seu intuito de levar áquella nossa importante possessão, um tão valioso melhoramento, previne-se com a auctorisação precisa para poder construir a linha por conta do estado nas condições que reputa menos onerosas para o thesouro.

Tendo visto que ao digno par é mais sympathica esta ultima hypothese, nota uma certa contradicção entre esse facto e alguns dos reparos que s. exa. fez ás modificações introduzidas no projecto pela commissão da camara dos senhores deputados, e á facilidade com que o governo as acceitou.

Quanto aos reparos de s. exa., fundados na falta de estudos definitivos, não lhe parece que elles tenham grande importancia, tanta que por isso valesse a pena adiar a realisação de um melhoramento cujo valor todos reconhecem, isto na parte relativa ao primeiro troço da linha desde Mossamedes á base da Chella, e é só nessa parte que a proposta considera o projecto definitivo. Teriam rasão de ser se a proposta apresentasse desde já qualquer plano fixo em relação á parte comprehendida entre a base da Chella e o planalto, mas se a. exa. ler a base 6.ª ahi verá que assim não é, como se deprehende d’estas palavras que ali se lêem: «este encargo qualquer que seja o custo e o desenvolvimento do traçado não poderá exceder, etc.»

No final do relatorio do sr. ministro da marinha tambem s. exa. vê indicado que o projecto do sr. Machado é considerado mais que sufficiente para mostrar a facilidade da construcçao da linha desde Mossamedes á base da Chella, mas que a partir d’ahi para o plan’alto se reconhece haver difficuldades que não poderão ser vencidas por um caminho de ferro ordinario. «Mas seja qual for o systema que se adopte», diz o mesmo relatorio, já vê o digno par que ha cie definitivo por emquanto com relação a parte. Os reparos, pois, de s. exa., recáem apenas sobre a primeira parte da linha, e, parece-lhe, repete, que elles não são de uma importancia superior aos interesses de toda a ordem pelos quaes a rapida realisação d’este melhoramento se impõe como uma necessidade inadiavel.

Refere-se ainda á ausencia do sr. ministro da marinha, que justifica pela necessidade que s. exa. tinha de cuidar da sua saude e conclue declarando-se prompto a responder a quaesquer duvidas apresentadas.

(O discurso do sr. ministro será publicado na integra, logo que s. exa. o devolva.)

O sr. Visconde da Silva Carvalho: — Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha e ultramar, que auctorisa o governo a, contratar a navegação para a Africa.

O sr. Presidente: — Vae a imprimir e será distribuido por casa dos dignos pares.

O sr. Thomás Ribeiro: — Começa entristecido a expor o que pensa e o que sente a respeito do projecto que se discute, dos intuitos que n’elle vê e das causas que o motivaram.

Começa triste, não porque desconfie da boa vontade do governo actual ou do governo que primeiro iniciou este caminho de ferro, ou de todos que se lhe seguirem, porque na consciencia dos homens publicos ha de estar sempre o dever indiscutivel de acudir pelos nossos interesses ultramarinos, e já.

Mas vê como se interessa ou desinteressa o paiz, o parlamento e a camara dos dignos pares por estas questões de altissima importancia, como são as que se discute n’este momento, e a que está para entrar em discussão, e contra a qual protesta e ha de combater com todas as suas forças, e emfim pelas medidas capitães que podem ser apresentadas pelo governo, ou partir da iniciativa particular, e é isso que o entristece.

O paiz, se lhe perguntarem onde é o Bihé, nem sabe onde, está a Africa; o paiz não sabe nada, não sabe senão queixar-se dos poderes publicos, dos governos e do parlamento; mas não sabe tomar o seu logar n’esta direcção, em que é o primeiro interessado e o primeiro influente.

Se perguntarem á maior parte dos homens de Portugal onde se encontra o Bihé, apontam para o Chiado, porque nós restringimos a nossa nacionalidade sómente ao continente de Portugal; o continente de Portugal restringe-se ainda á cidade de Lisboa, e Lisboa ao pasmatorio do Chiado e quando muito nas noites de inverno ainda aos camarotes e frisas de S. Carlos; tudo quanto seja fora disto, não se comprehende o que seja n’este beatifico paiz que se chama Portugal.

Ouviu o digno par o sr. Bandeira Coelho, cuja competencia ninguem lho póde negar; ouviu o sr. Barros Gomes que por diversas vezes tem sido ministro da marinha e ministro dos estrangeiros.

Ouviu-os com a attenção com que se pude e deve ouvir uma voz auctorisada; ouviu os e comprehendeu perfeitamente que o desejo de s. exas. se casava absolutamente com o seu, e o mesmo diria das considerações apresentadas pelo digno par sr. Vaz Preto.

Não se considera competente para tratar dos negocios da engenheria, mas aqui não ha só a attender ás questões technicas, ha tambem e ha principalmente as condições economicas e as condições financeiras, e outras de maior alcance.

Põe de parte todas as opiniões esclarecidissimas da junta consultiva de obras publicas, respeitando-as, comtudo, muito.

As idéas que a este respeito deseja apresentar são diversas d’aquellas que apresentaram os oradores que o precederam.

Tem talvez diante de si horisontes mais escuros do que os dignos pares que o antecederam no uso da palavra; entra na discussão dominado de apprehensões mais tristes.

No seu entender nós estamos num momento politico que

Página 855

SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1890 806

póde ser extremo; ha mesmo motivos singulares que o levam a conceber essa possibilidade.

Se lhe disserem que o nosso estado não é de tal fórma grave que nós possamos deixar de ser o que somos em breves momentos, quer acreditar isso, porque ha eventualidades que ninguem pude prever, ha rasões de estado que podem predominar aqui e fóra d’aqui, e que possam ser o nosso salvaterio, mas póde tambem acontecer que se de qualquer eventualidade que possa levar-nos a uma situação desesperada.

Ao contrario do que acontecia aos nossos maiores, que quando olhavam de Sagres para os mares do sul encontravam diante de si vastos oceanos escuros, negros, elle, orador, vê alvejar, lampejar, lá n’essas longinquas regiões do continente que ainda hoje se chama continente negro, a luz de uma esperança que póde ser salvadora para nós e talvez a unica salvadora.

Os tempos mudaram, e o que eram então oceanos escuros são hoje mais illuminados por uma consoladora esperança de que, oxalá, ninguem venha a fazer uma illusão.

É por isso que a este chamam o primeiro projecto de defeza nacional.

Referindo-se ao sr. marquez das Minas, diz que tem ao seu lado um cavalheiro que regressou da Africa, que deixou lá um excellente nome, que excellente nome trouxe para este paiz, que bem serviu Portugal nas commissões de que foi encarregado e que na hora em que lhe foi preciso dizer aos homens, que têem por lá mais patriotismo, ao serio, do que nós temos cá no continente, que era preciso trabalhar em favor da patria, achou em torno de si quem podesse ajudar com verdadeiro enthusiasmo.

Aquelle digno par poderá dizer melhor do que elle, orador, o que são essas terras para onde queremos abrir caminho.

Não duvida de que s. exa., pelo muito que sabe dali, diga que aquellas terras não produzem côco nem banana, que não têem marfim, que não têem os productos dos tropicos que são ricos n’estas produções; imo duvida de que diga que ali se vive de cereaes, de pomares, e de todos os productos da Europa.

O orador não conhece aquellas terras, ruão póde pois dizer á camara se a canna do assuear póde ali produzir auspiciosamente, se póde ali prosperar o café; o seu interesse é mais elevado.

O que procura na Africa não são os generos commerciaes dos tropicos, é o berço para um genero humano que possa estender-se, tomar posse, conquistal-a de novo, civilisal-a e regular os seus destinos visto que o indigena, a raça negra que a occupa, e que é sua verdadeira senhora, não pôde, não sabe, não ha de ír nunca mais adiante do que foi até hoje, nos seus progressos.

Da Europa inteira ninguem tem mais direito e dever de se ir estabelecer ali do que nús.

Considera-se no Egypto dos pharaós e pede ao governo que nos leve Chanaau, que nos tire do estado em que nos encontramos de verdadeira escravidão, que nos leve á terra da promissão que suppõe estar ali. Nem ao menos ha um mappa geographico d’aquellas terras, apenas alguns traços lançados por estranhos ou pelos exploradores, nada mais.

Isto mesmo se deprehende do projecto do sr. Machado, não deixando, connudo, o orador de se associar aos louvores que têem sido consagrados ao seu saber e capacidade; é certo, porém, não só saber ainda se haverá outro ponto mais conveniente para começar a linha do subida para o plan’alto, e n’estas circumstancias, parte do principio que não ha tal projecto nem mesmo ante-projecto.

Para elle o que ha é Mossamedes, e, a disfancia relativamente pequena, uma grande serra, onde, pelas condições excepcionaes n’aquelles paizes, a raça europêa poderá facilmente reproduzir-se e acclimatar-se, para depois passar a outras regiões.

Pede, pois, que se adopte este ponto como ponto de partida para a nossa colonisação definitiva nas possessões africanas, para que os nossos emigrantes se não vejam, uma vez chegados áquelles inhospistos climas, reduzidos a irem em terras que não são portuguezas procurar meios para viverem.

Ali poderemos levar os nossos filhos na firme certeza de que o clima os não mata, e que seus filhos e netos se hão de reproduzir e prosperar n’aquellas nossas terras, e de que a raça se não extinguira na terceira ou quarta geração como succede nos prazos da corôa e como succede na India, onde, segundo a opinião de pessoas que têem estudado estes assumptos, a nossa raça branca depois da quarta geração, para se não extinguir, carece do cruzamento com a raça indiana.

Fez o orador largas considerações referindo-se a outros pontos d’onde poderia partir o caminho de ferro de colonisação, como Loanda, Benguella e outros, mostrando que nenhum reunia as condições de Mossamedes.

Lourenço Marques e Inhambane não podiam servir para a experincia, porque, sendo pontos muito pantanosos, as suas condições de clima não são favoraveis á existencia da raça europêa; portanto, o que se não póde encontrar em latitude procure-se na altitude.

Para elle, orador, a questão do caminho de ferro não é uma questão simplesmente commercial ou economica, é principalmente uma questão de colonisação definitiva das nossas terras de Africa; o que procura no planalto da Chella não é o desenvolvimento de um grande centro commercial ou industrial; será isto um sonho seu, mas de sonhos e phantasias tem vivido a melhor porção da sua vida, por isso deixem-lhe continuar este que é bello e grande; o que ali procura é o berço de uma raça que reconquiste para a civilização e para o progresso aquellas terras portuguezas, onde se encontram alguns raros pontos como Caconda, de que Capello e Ivens dizem ser um verdadeiro paraizo, que tem já uma grande população e que poderia vir a ser em pouco tempo a capital de uma circumscripção importante.

Lamenta a falta do sr. ministro da marinha, comquanto s. exa. esteja excellentemente representado pelo sr. ministro da instrucção publica, a cujos talentos folga de prestar homenagem; mas como poderia s. exa. ou qualquer dos seus collegas, que não seja o ministro da pasta, acceitar qualquer proposta de emenda que tendesse a melhorar o projecto?

Fez ainda largas considerações a respeito de colonisação, indicando as condições essenciaes em que ella deve ser promovida para poder ser efficaz. Exemplificou com a emigração do norte para o Canadá que para ali vae definitivamente e para ficar, depois de venderem esses emigrantes quanto possuem na terra natal que abandonam para sempre.

Assim colonisámos nós a Madeira e o Brazil.

Hoje porém já não ha homens para isso. Por vezes chega a convencer-se de que já não ha quem se enthusiasme com a obra gloriosa do nosso grande epico e com as narrativas dos commettimentos do infante D. Henrique e dos nossos gloriosos navegadores, que só pela honra da patria se arrojavam por mares nunca d’antes navegados. Hoje os que em Portugal se resolvem a emigrar, os que para isso não teem duvida em abandonar o casal que herdaram, é para se dirigirem para terras estrangeiras.

Não é para fundar uma segunda patria como os inglezes fizeram nos Estados Unidos e no Canadá, e como nós fizemos na Madeira e no Brazil. Ás vezes chega a perguntar a si mesmo se terá sido um bem o alargamento do ensino primario.

Alludiu a conversações que tivera sobre estes assumptos com Camillo Castello Branco, cujo nome não pronuncia sem o maior sentimento de magua e de saudade, e cuja perda fora irreparavel para as letras patrias; observava lhe então

Página 856

856 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

o grande escriptor. «Nota que a emigração enorme do nosso paiz é na sua quasi totalidade de individuos que não sabem ler!»

Parece que depois se envergonham de tirar o lenço que pozeram ao pescoço para irem á escola, e se envergonham de trabalhar na lucta pela vida.

Tratando das causas mais geraes da emigração entre nós, referiu-se ao credito agricola e á necessidade de se remodelar o nosso regimen emphyteutico.

Como faltassem cinco minutos para a hora de terminar a sessão e como estivesse inscripto um digno par para antes de se encerrar a sessão, pediu á presidencia que lhe reservasse a palavra para a seguinte sessão.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, logo que s. exa. restitua as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: — Eu reservo a palavra a v. exa.

O sr. Sá Carneiro: — Pedia licença á camara para lembrar que passava hoje o anniversario do memoravel dia 11 de agosto de 1829, quando uma esquadra mandada por D. Miguel e onde íam 3:000 homens, appareceu no cabo da Praia da Victoria, na ilha Terceira. Esta expedição fura ali com o fim de esmagar os malhados, como os miguelistas chamavam aos liberaes, mas felizmente os miguelistas ficaram vencidos.

N’essa batalha distinguiu se o batalhão de voluntarios da Rainha, em que havia uma companhia quasi toda composta de homens de Vizeu e suas immediações. Se o orador tivesse a eloquencia do digno par o sr. Thomás Ribeiro, descreveria os prodigios de valor que se praticaram então e de certo haviam do marejar-se os olhos de todos quantos o ouvissem.

N’aquelle dia crê que tambem foi um dos combatentes o sr. D. Carlos de Mascarenhas, para elle, orador, de saudosissiraa memoria, e sogro do sr. secretario, conde d’Avila.

Foi a victoria da Villa da Praia que sustenta a idéa de ir para a Terceira organisar a expedição liberal. O anniversario de tão brilhante faito passa já desapercebido, e comtudo n’esse dia foi que para este paiz despontou a liberdade de que ainda gosâmos comquanto a vão successivamente resumindo como succedeu já com a liberdade de imprensa, e com a liberdade de reunião.

Não queria tomar tempo á camara, e esperava que ella não levaria a mal a um velho soldado o seu desejo de que este anniversario não passasse sem que no seio da representação nacional uma voz se levantasse a memorar com respeito a gloriosa data.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.}

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã é, na primeira parte, a eleição de dois vogaes da commissão administradora do fundo da defeza nacional; e na segunda parte, a continuação da de hoje, mais o parecer n.° 83.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 11 de agosto de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, das Minas, da Praia e do Monforte; Condes, d’Avila, do Bomfim, de Carnide, da Folgosa, de Gouveia; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Castro e Solla, de Ferreira do Alemtejo, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho, de Soares Franco; Barão de Almeida Santos; Sousa e Silva, Antonio José Teixeira, Serpa Pi-raentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Bernardino Machado, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Barros Gomes, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Alves de Sá, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Rosa Araujo, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Salema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz Bivar, Luiz do Lencastre, Rebello da Silva, Pessoa de Amorim, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Polycarpo Anjos, Thomás Ribeiro.

O redactor = Fernando Caldeira.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×