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N.º 60 Sessão de 19 de Abril. 1843.

(PRESIDIU O SR. CONDE DE VILLA REAL, DEPOIS O SR. DUQUE DE PALMELLA E ULTIMAMENTE O SR. CONDE VILLA REAL.)

FOI aberta a Sessão tres quartos depois do meio dia: estiveram presentes 36 Dignos Pares - os Srs. Duque de Palmella; Marquez de Fronteira, das Minas, de Niza; de Ponte Lima, e o de Santa Iria; Condes do Farrobo, de Lavradio, de Linhares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real; Visconde de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, e de Villarinho de S. Romão; Barrões de Ferreira, e de Villa Pouca; Barreto Ferraz, Miranda , Osorio, Ribafria, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Marguiochi, Serpa Machado, e Polycarpo José Machado. - Tambem foram presentes os Srs. Ministros dos Negocios Reino,da Justiça, e da Marinha.

Lida a a Acta da Sessão antecedente, foi approvada.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu desejava que algum dos Dignos Pares, que esteja presente, e seja Membro da Commissão d'Administração publica, me informe do estado, bm que está a Lei a respeito das estradas, a qual ha muito tempo foi remettida áquella Commissão. Eu fui chamado a ella para dar alguns esclarecimentos, em consequencia de ter pertencido á Commissão externa, que se nomeára para traclar desta materia; mas não me considerei como continuando a fazer parte da Commissão : desejo pois, que algum dos seus Membros me dêem informações a este respeito.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Eu só posso dizer, que ainda não houve tempo para fazer uma segunda conferencia na Commissão, por que á primeira assistiu S. Exa.: a razão disto e por ter havido dias santos, e tambem por nós termos dias certos para haver trabalhos de Commissões: eis a razão, por que esse negocio tem estado parado.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Está sobre o Mesa um requerimento: do Digno Par, o Sr. Visconde da Serra do Pilar, que tem referencia a este objecto de Commissões o qual poderá tractar-se agora, porque cabe bem neste logar.

Teve por tanto segunda leitura a Proposta do Sr. Visconde da Serra do Pilar (apresentado em Sessão de 11 do conrrente.) sobre horas para os Sessões, e Commissões (V. pag. 264 cul. 2.ª)

O SR. VISCONDE DA SERRA DO PILAR: - Eu não tenho nada que dizer para sustentar a minha Proposta; por que creio, que a Camara reconhecerá que é coousa muito util para que approvada ella, possa haver trabalhos das Commissões nessas horas, que eu nella indico, e findo esse prazo poder-se principiar os trabalhos da Camara.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Eu não me opponho a isto, por que sempre estou aqui ao meio dia: entretanto parece-me, que, não conseguiremos o podermos reunir-nos a essa hora, como a experiencia tem mostrado, por que alguns Dignos Pares vem de grandes distancias além que, eu tambem reparo, em que o espaço de hora e meia, que se indica na Proposta, é muito curto para em reunão de Commissão se discutirem materias; nesse espaço de tempo nada se fará, e por isso intendo, eu ser muito melhor destinar um dia certo.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Nós temos a Sessão tão adiantada; que se destinarmos um dia para Commissões, não teremos então tempo bastante para discutir as materias dentro da Camara: poderemos, porêm, remediar este inconveniente, destinando outra hora, que poderá ser, por exemplo, de manhan mais cedo, ou de tarde, sem furtarmos tempo aos negocios publicos, dos quaes alguns ha já, de que podemos occupar-nos aqui.

Posta á votação a Proposta, foi rejeitada.

Passou-se á Ordem do dia, o proseguimento da discussão dos Pareceres:(N.os 63, e 63 A} relativos ao Projecto de Lei (N.° 35) da Camara dos Srs. Deputados, authorisando o Governo a providenciar legislativamente para o Ultramar, &c. cuja discussão, na generalidade,, na antecedente Sessão ficára suspensa. (V. pag. 294 col. 2.ª)

Tomou a palavra, que já da antecedente Sessão tivera

0 SR. CONDE DE LAVRADIO: - Parece-me, que não podemos entrar agora na discussão da Ordem do dia, por que vejo não estar presente nenhum dos Membros da maioria da Commissão: V. Exa. está regendo os trabalhos; o Sr. Duque de Palmella, e o Sr. Conde de Linhares, não estão presentes; e tambem sinto que não esteja presente o Sr. Ministro dos Negocios Reino, por que queria responder ao que S. Exa. disse.

O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Supposto não esteja presente o Sr. Ministro do Reino, eu terei muito prazer em ouvir o que S. Exa. disser em resposta ao meu Collega: entretanto eu espero, que elle comparecerá.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Os Dignos Pares, e os dous Ministros da Corôa, que teem fallado depois de mim, não combateram os argumentos, de que eu me servi para sustentar o Parecer da minoria da Commissão, sobre a inconstitucionalidade do Projecto: todos os argumentos de direito ficaram em pé, e ainda vigoraram mais, por isso que os illustres Oradores, que pretenderam combater o Parecer da Commissão, nada disseram a respeito de direito: isto, Sr. Presidente, foi para mim uma prava, de que SS. Exa. estavam convencidos, de que o Projecto, considerado debaixo daquelle ponto de vista, não era possivei defender-se. Como, porêm, eu divaguei, e sahi por isso talvez da fortaleza, em que me tinha, estabelecido (fortaleza mais que inexpugnavel), SS. Exas. ahi dirigiram o seu combate; mas, torno a repetir, nenhuma resposta se deu aos meus argumentos de direito; isto é, que o Projecto de Lei em dicussão, era opposta ao Art.° 2.º e 13.° da Carta Constitucional, Art.ºos que não podem ser reformados, segundo o que se acha disposto no Art.° 144.°, se não pela fórma determinada nos Art.os 140.º, 141.º, 142.°, e 143.º da mesma Carta Constitucional. Repito, pois,

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que não é possivel admittirmos este Projecto, sem infracção da Carta, e ainda estão em pé os argumentos, que eu produzi, para o prova e seria por isso inteiramente inutil, o tractar hoje de novo esta materia, por que está dito tudo, e por conseguinte abandona-la-hei, passando a responder aos Dignos Pares, que fallaram depois de mim.

S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha e do Ultramar, foi o primeiro Orador, que fez allusões ao meu discurso: disse S. Exa. que não tem passado nas Côrtes como Lei, nenhuma das medidas apresentadas pelo Governo para melhoramento das Provincias Ultramarinas; responderei a isto declarando, por honra, desta Camara, que apezar de eu ser Membro da Commissão do Ultramar, nunca lá vi outro Projecto, além deste, que o Governo apresentasse para o melhoramento das Provincias Ultramarinas, ainda que eu não concorde, em que elle seja para melhoramento dellas, mas sim para submetter aquellas Provincias ao Governo absoluto.. Está por tanto visto, que este foi o primeiro objecto, que aella se submetteu, com o qual a Commissão só se demorou o tempo necessario para o fazer immediatamente; e por isso me parece, que foi immerecida a accusação, que S. Exa. fez a esta Camara; e supposto esta accusação seja feita tambem aos Corpos Legislativos passados, elles que se defendam. O que eu não podia, era deixar de defender esta Camara, onde além dessa, não appareceu de certo ainda outra cousa a tal respeito.

Disse S. Exa., que era uma garantia immensa para os Povos do Ultramar, serem tomadas quaesquer medidas em Conselho de Estado. Sr. Presidente, esta faculdade, que se quer conceder, não e só concedida ao Sr. Ministro do Ultramar, é a todo o Ministerio; e eu observarei, que respeito muito o Conselho de Estado; mas pelo que tenho ouvido dizer aos Srs. Ministros da Corôa, o parecer do Conselho de Estado, e nada, é a mesma couza; por que, já se nos disse, que o Conselho de Estado em certas medidas tinha votado contra, mas apezar disso o Governo foi andando por diante; e como já se decediu, que os pareceres do Conselho de Estado hão de ficar sempre em segredo, nunca elles se saberão. Sr. Presidente, do que eu digo, só apresento certezas, e não supposições; e tanto, que eu paderia referir agora até as proprias palavras, que SS. Exas. os Srs. Ministros, a esse respeito produziram nesta Camara.

Outro argumento trouxe o Sr. Ministro da Marinha, e foi, que já em outra occasião tinham sido concedidas authorisações iguaes a esta: confesso, Sr. Presidente, que os precedentes serão muito bons; mas quando forem contra direito não prestam para nada. Já alguns Dignos Pares, e eu, mostrámos que elles eram contra a Carta; e se ha pessoas que queiram commetter essa violação, eu não o quero fazer; e era melhor que S. Exa. tivesse guardado este argumento, por que taes precedentes são contra lei, e é por isso conveniente, que se evite a sua repetição. Annunciou-nos S. Exa., que o Governo tinha vastos trabalhos para as Provincias do Ultramar, mas que não tinha tido tempo de os coordenar de modo, que podessem ser apresentados ás Côrtes, nem estas tambem tem tempo para os discutir. Eu confesso que não posso imaginar, que trabalhos são esses, que nem ao menos as bases delles nos podem ser indicadas agora, eu já disse, e torno a repetir é, que se o Governo tivesse um systema de medidas para as Colonias, devia apresentar-nos as suas bases, e depois disso, é que tinha logar pedir-nos a authorisação, á qual eu lhe concederia, se assim o intendesse; - das o que eu não pnsso e dar um voto de confiança, por que o voto de confiança é sempre limitado, quanto á materia, e quanto ao tempo: apresentem-se-nos, pois, essas bases, e sobre ellas é que deve recair o voto de confiança; por que, isto que se nos apresenta agora, é ás cegas, e portanto inadmissivel.

S. Exa. defendeu com muito calor os Governadores do Ultramar: eu já declarei, e torno a fazelo agora, que a minha intenção não foi offender os Governadores do Ultramar passados, nem tambem os presentes por que até declarei, que entre elles havia pessoas de quem eu era amigo, como por exemplo o Governador de Angola: conheço este Governador, primeiro que S. Exa. o conhecesse, e da probidade de S. Exa. espero eu, que esta simples declaração, que faço de ser amigo desse Governador, não será motivo, para que elle seja demittido. Fui eu, Sr. Presidente, quem apresentou essa pessoa ao Sr. D. Pedro, e lhe pedi, que lançasse mão dei le, por que era digno de aproveitar-se pela sua conhecida capacidade, e provada honra; e tanto, que a primeira incumbencia, que se lhe deu na emigração, foi por intervenção minha, e que, e força confessar, que a desempenhou muito bem. Direi prêm, que até agora, as escolhas que se teern feito para taes Governos (salvas as excepções), não têem sido feitas debaixo de regras certas; por que, não se tem hido buscar, nem a probidade, nem o merito, nem a sciencia; e tanto isto é assim, que um Digno Par, que está proximo de mim, apresentará logo um documento, que prova o que acabo de dizer, e ver-se-ha por elle, que taes são alguns desses Governadores. Por esta occasião lembrarei, que D. João de Castro, quando estava para morrer,, escrevia a ElRei D. Manoel, dizendo-lhe: "Quanto ás couzas da India, ellas fallarão por si, e " por mim, e agora não direi nada a tal respeito. " Semelhantemente direi eu, Sr. Presidente, que as Provincias Ultramarinas mostrarão qual é o seu desgraçado estado, e mostrarão tambem quem são os taes Governadores, e o que elles fazem. Peço perdão ao Sr. Ministro da Marinha desta catellinaria, dando a S. Exa. a certesa, de que eu por modo algum quero offender o seu caracter como homem publico; mas disse isto, por que me foi necessario responder ao que S. Exa. tinha dito.

Agora vou responder ao Sr. Duque de Palmella, e sinto que S. Exa. não esteja presente; mas peço aos Dignos Pares, que costumam tomar nota do que eu digo, que informem S. Exa., do que eu disser a seu respeito, quando elle entrar na Camara.

Disse S. Exa., que a maioria da Commissão não tinha feito outra couza, se não seguir o parecer da minoria a respeito da conveniencia, ou necessidade de mandar ás Provincias Ultramarinas Commissarios de intelligencia, e probidade, para se informarem daquelles Estados. Observarei a S. Exa. que elle não intendeu bem o que eu disse: - Eu respeito muito a maioria da Commissão, e os seus talentos, e sei bem que ella não precisava vir aprender com a minoria: esta idéa foi de todos os Membros da Commissão: não sei qual foi o primeiro, que a ennunciou; mas o certo é, que quando ella apareceu, logo disseram todos - nós assim o pen-

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samos tambem. S. Exa. disse, que com pezar me tinha ouvido proclamar a doutrina da resistencia legal, e que a proclamação neste logar de uma tal doutrina, poderia causar grandes desordens: a isto responderei ao Sr. Duque de Palmella, e tambem ao Sr. Ministro do Reino. Preciso, porêm, para me defender desta arguição, que eu diga o que intendo seja resistencia legal, e o modo como. Sr. Presidente, a resistencia legal é um direito; e até um dever de todo o Cidadão, e longe de ser um principio anarchico, e antes um principio, de ordem. Eu intendo que a resistencia legal consiste: no direito, que eu tenho de resistir a qualquer determinação das Authoridades, que não fôr conforme ás Leis existentes: é assim que eu intendo a resistencia legal. Mas, como hei de eu fazer esta resistencia? - Será provocando á desordem? - Não. Eu contarei dous factos á Camara, em que tomei parte. Quando em 1836, por effeito de uma revolução, foi rasgada a Carta Constitucional, eu, e um Digno Par meu Collega, apenas tivemos disto noticia, fômos os primeiros a fazer um protesto contra a revolução, que acabava de ter logar, protesto que logo foi assignado por todos os Dignos Pares; mas não fômos fazêlo para as praças.

O outro facto foi, que quando os Marechaes Duque da Terceira, e Marquez de-Saldanha, se aproximaram aos muros da Capital para destruir, o que então aqui existia (confesso que os meus votos eram pela empreza dos Marechaes), havia pelas das de Lisboa uma força para impedir, que elles entrassem, e varios officiaes, que commandavam uma força que estava proxima á casa da minha habitação, vieram dizer-me, que julgaram muito conveniente, que a tropa viesse alojar-se na minha casa; mas eu respondi-lhes, que elles poderiam achar isso muito conveniente, porêm que eu o achava muito inconveniente, e que se pozessem no meio da rua, na certeza de que só por meio da força lá entrariam; e que eu hia mandar chamar um tabellião para fazer um auto do que se passasse, e fechar as portas de minha casa. Sabe V. Exa. o que aconteceu? Foram-se dirigir a outros visinhos meus, os quaes vieram tomar conselho comigo: disse-lhes o que eu tinha feito, e todos deram a mesma resposta. A consequencia foi, que nem um só soldado lá entrou.

Eis aqui, pois, um proveito da resistencia legal (Vozes - De que regimento eram)? Da guarda nacional. (Riso - Vozes - Por isso elles não entraram). Eram pessoas dóceis, que não sei quem eram; mas se o soubesse, havia de mostrar-lhes o meu reconhecimento, por terem attendido aos direitos constitucionaes, que eu tinha; e por serem da guarda nacional, não se segue que não fossem soldados, eram até Cidadãos estabelecidos, e probos, que eu respeito, e não acho ser isso motivo de riso.

Agora não ficará sem resposta a arguição do Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que foi mais forte; porque disse S. Exa. que - proclamar a resistencia legal a um acto passado nas duas Camaras, e que tinha recebido a Sancção Real, era uma verdadeira rebellião: - é verdade; mas quando se tracta de violar a Lei fundamental do Estado, não admitto a doutrina, e esta subsiste em toda a sua força. - Pergunto se por acaso (isto é por hypothese), se se apresentassem aqui os Ministros, e dissessem - está revogada a Carta Constitucional da Monarchia Por

1843 - ABRIL.

tugueza - as duas Camaras annuiram a isto, e recebeu similhante Lei a sancção Real; os Cidadãos Portuguezes não tinham direito de resistir a similhante acto? - Seguramente; e se e permittido isto para o todo, porque não o ha de ser para as partes, e elementos essenciaes? - Applico isto ao caso. Estes Art.os que se atacam, são Art.os essenciaes, e daquelles que permittem ao Cidadão fazer uso da resistencia legal, que não é anarchia; e sinto que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino não esteja presente, senão havia de ser mais extenso, e não pareça ataque ad hominem; mas digo que sinto S. Exa. não esteja presente, porque eu havia de ir mais longe.

O Sr. Duque de Palmella inculcou a pretençao de defender, que existia, segundo os principios da nossa Constituição, a omnipotencia parlamentar: é verdade que estas reflexões não eram dirigidas ao que eu disse, mas sim ao nobre Par, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, o qual tinham sustentado que - nós não tinhamos omnipotencia parlamentar. - Sr. Exa. andou de roda, e disse muita cousa, mas não provou que a tinhamos; porque nós porventura podemos sair dos limites da Carta Constitucional? - A omnipotencia parlamentar existe, quando sem dependencia de tempo se póde derogar qualquer Lei. - O Parlamento Inglez, com o Rei, tem uma verdadeira omnipotencia; porque não ha Constituição nenhuma, que imponha limites ao Poder Legislativo, e a nossa impôem-nos: talvez sejam melhores os principios do Governo Inglez, e isso não pertence discutir-se aqui, mas nas escolas, e pelo modo traçado na Carta: aqui havemos de sujeitar-nos ao direito constituido, e se tractassemos de reformar a Carta, a minha opinião seria essa; mas nós não temos a omnipotencia parlamentar, é querer sustentar principios contrarios á doutrina da Carta.

A opposição (disse S. Exa.) quer que o Governo continue a obrar contra a Carta, mas que não o confesse. - Oh! Sr. Presidente, estão se aqui todos os dias a fazer accusações á opposição; mas nesta não vejo fundamento nenhum; porque ella diz "não "concedo isto, porque e contra tal, e tal Art.° da "Carta" mas com argumentos que os Dignos Pares adversos á doutrina do Parecer da minoria, não ousam destruir: diz-se - "a opposição quer que o " Governo continue a obrar contra a Carta, e o não "confesse!" (Isto é quasi um disparate.) " Mas nem "o Governo, nem os Governadores do Ultramar, "querem usar desta Lei, senão quando houver casos " urgentes " - isto é um axioma: quando houver necessidade, elle tomará as medidas que forem necessarias, e dará conta dellas, e se a não houver, dará tambem conta: portanto não vamos nós juntar o nosso peso a estas medidas, porque elles hão de faze-lo quando quizerem, e se nos authorisamos, carregaremos com o odio. Não vamos tomar um peso, com que não podemos, e não vamos ferir a Lei fundamental do Estado.

Disse rnais o Digno Par, o Sr. Duque de Palmella (e sinto que S. Exa. não esteja presente): e pelo estado de ignorancia em que o Governo está, que elle precisa desta authoriação: de certo que esta authorisação é uma especie de Espirito Santo, e quando nós o authorisarmos a violar a Constituição, desceu - ipso, facto - o Espirito Santo sobre a cabeça dos Srs. Ministros, e ficam sabios; porque, segundo nos informou o Sr. Ministro, ainda não sabe o que de-

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ve fazer: o tempo é proprio, é vai-se aproximando o Pentecoste: eu não acredito ma capacitem-se o rapazes, de que compram um segredo, que se vende nas Festas de S. Antonio pelas ruas, que é um cartucho de papel cheio de terra.

Agora vou entrar no caminho, que occupo, o da verdade: - a minoria da Commissão (estas foram expressões do Sr.-Ministro dos Negocios do Reino.) admittindo a existencia dos Decratos de 7 de Dezembro de 1836, e 17 de Janeiro de 1837, concede mais do que se lhe pede n'este Projecto. - Eu devo confessar, que nesta arguição ha alguma sombra de veracidade; e devo confessar (e pedi, licença ao meu nobre amigo que está ao pé de mim, (*) e não o faria sem consultar, a S. Exa.), este Parecer é trabalho de dois Membros da Commissão; mas sobre este objecto é trabalho de um só. Estes Decretos, segundo o meu modo de pensar, já não são Leis do Estado: não quero fallar mais nisto, por que o meu Collega se defenderá melhor do que eu, e os Decretos de 36, e 37, tambem não reconheço eu. Disse mais o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que se tinha dito aqui pela occasião da discussão do bill de indemnidade "se acaso as medidas tomadas pelo Governo tivessem sido precedidas de um "voto de confiança, ellas seriam admittidas. " Eu fui um dos que disse, e ainda digo agora, que algumas medidas que o Governo tomou, e das quaes hoje está puro, e limpinho, e póde ir para o Ceo, porque está absolvido d'este pecado; algumas d'estas medidas achava justas e convenientes, e só não approvava o modo como se tomaram; e adoptava-as se o Ministerio viesse dizer - quero fazer reformas na Repartição tal e tal, e mostrasse os Relatorios feitos por homens muito respeitaveis; e se o meu exame não podesse ter logar, dava-lhe portando o meu voto de confiança,
aconselhando-lhe - não offendam direitos adquiridos, e não tirem o pão a quem o tenha. - Comtudo, sempre faço um protesto, de que isto não era para todas; por que, algumas dentre ellas havia, que não prestavam para nada; e se se discutissem, eu havia-me levantar contra ellas ainda mais, do que tenho feito contra este Projacto de Lei.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino insistio com a sua arguição á opposição, dizendo, que rara era a medida apresentada, que não tivesse logo uma opposição contra ella: eu desejo que, guando S. Exa. fizesse estas asserções não as apresentasse de uma maneira menos exacta, e fosse mais generoso para com uma opposição tão pequena, que se póde metter em uma das mãos; por quanto, olhando eu em roda de mim, não vejo quasi ninguem, e considero-me como só; mas as medidas justas não teem tido opposição. Que opposição se fez, quando o Governo veio apresentar um Projpcto para se conceder um emprestimo aos Lavradores do Riba-Tejo, que tinham soffrido em consequencia da cheia? Todos da opposição disseram, Amen, e se alguem fallou, foi só para mostrar que o approvava. Que opposição houve á auctorisaçào para a construcção da Valla d'Azambuja? Em logar de a atacar defenderam-na: por tanto, em quanto se apresentarem Projectos como este, contra a Carta Constitucional, evidentemente demonstrado, eu hei de me oppôr

(*) O Sr. Sá da Bandeira.

sempre a elles, por isso que quero defender a Lei Fundamental do Estado.

Antes de me assentar pedirei ao Sr. Ministro da Marinha me queira explicar uma cousa, e vem a ser, se este Projecto limiat sómente ás Provincias de Africa occidental, e oriental, ou se se esntende ás Ilhas de Cabo-Verde Açores, e Madeira. (O Sr. Ministro da Marinha: - Não tem nada com as dos Açores, e Madeira.) Se não tem nada com os Açores lá chegará: já tem com Cabo-Verde; e visto a navegação rapida dos vapores, ir de cada vez a mais, é facil que de Cabo-Verde se passe á Madeira, e d'esta a Sagres, sitio d'onde sahiram os nossos primeiros descobridores, e depois attravessar o extensivo terreno do Algarve, porque passará a serra á maravilha; e em breve o Reino estará debaixo do governo absoluto dos Srs. Ministros: parece-me, com tudo, que o não levam á vante; por que no meio do caminho da viagem da Madeira para o Algarve, hão de naufragar: por consequencia, peço aos Srs. Ministros, que pensem mais circumstanciadamente: sobre o seu systema; porque, quando SS. Exa. me apresentarem; um verdadeiramente constitucional, e que possa fazer a fortuna do Paiz, eu hei de ser o primeiro em o apoiar: a mim não me importa, que seja este, ou aquelle, porquanto já tenho dito, que não quero occupar as cadeiras do Ministerio, nem para mim, nem para afilhado nenhum, visto que ha alguns que não querem para si, mas para os seus afilhados.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Pedi a palavra, primeiramente para fazer algumas observações sobre diversas asserções do nobre Duque de Palmella, como tambem ácerca do que disse o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e o Sr. Ministro do Ultramar.

Ao Sr. Ministro da Marinha pareceu-lhe, que eu o tinha censurado por ter nomeado alguns Empregados para o Ultramar: eu não disse, que os tinha nomeado; mas disse que havia um individuo, que fôra escrivão da Junta de Fazenda d'Angola, e que em 1824 fôra sentenciado por defraudador da Fazenda publica, o qual, apesar da sentença, que em 1834 annullou a primeira, nunca nenhum Ministro o tinha reintegrado, mas que estava hoje empregado novamente no mesmo logar, para o exercicio do qual foi mandado pelo Sr. Ministro de farinha, que está presente.

Agora fallarei no Decreto de 7 de Dezembro de 1836, a que se referio o Sr. Ministro dos Negocios do Reino: neste Decreto ha dous Art.° o 11.º e o 16.º, os quaes tem relação com o Projecto que se discute. O 11.° diz (leu.) É claro que elle dá ao Governo sufficiente authoridade para regularisar. Emquanto ao Art.° 16.º, é claro que esta medida é de uma natureza temporaria: as medidas tomadas por este Decreto, foram para acabar por uma vez com a anarchia, que tinha percorrido todas as Colonias, em consequencia de haver o Governo mandado em 1834 executar nellas, toda a legislação publicada desde a Regencia da Terceira, o que causou tal desordem, que houve revoltas em Cabo Verde, Moçambique, Gôa, e Macáo. Um posterior Decreto determinou (não me recordo a data), que nenhum Governador do Ultramar podesse pôr qualquer Lei, ou Decreto em execução naquellas Provincias, sem ordem expressa enviada pelo Ministro da Marinha, a

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fim de evitar que elles a seu bel-prazer não adoptassem as medidas, que quizessem; durante algum tempo se contiveram, em quanto se lhes incutio o medo de serem punidos; posteriormente, porém, alguns delles leem feito o contrario, e não me consta, que por isso tenham sido mettidos em processo.

Quando eu disse que as communicações eram hoje rapidas para todas as partes do Mundo, quiz mostrar, que se tornava menos necessaria a faculdade, que se pretende dar aos Governadores do Ultramar para legislar. - Como eu ta cabem disse, que a communicação da Europa com a India se poderia fazer em menos tempo do que aquelle, que em algumas occasiões se empregaria na discussão de uma Lei as Côrtes; o Sr. Ministro encontrou nisto razão para se dever conceder a authorisação pedida, como se fosse isto um motivo, para que a Camara a approvasse, visto que as medidas trazidas ao Corpo Legislativo levavam muito tempo a discutir. Sé eu tivesse fallado sómente com referencia ás Leis para o Ultramar, teria, talvez, o Sr. Ministro um argumento plausivel; mas eu referi-me ao modo geral de proceder nas Côrtes com muitos dos Projectos de Lei apresentados: por tanto, o seu argumento não póde colher.

Em quanto ás reflexões feitas, tanto pelo nobre Duque, como pelo Sr. Ministro do Reino sobre o principio da resistencia legal; já o meu nobre amigo, que acabou de fallar, a ellas respondeu. A doutrina do Sr. Ministro, de que uma Lei passada, qualquer que ella seja, no Corpo Legislativo, e tendo a Sancção Real, se deve executar, não póde entrar em duvida, uma vez que taes Leis sejam coherentes com a Constituição do Estado; mas admira-me que esta doutrina seja agora apregoada por um Ministerio, de que são Membros, duas das maiores notabilidades revolucionarias, que ha no Paiz, das quaes uma em 1837, outra em 1842, correram o Reino com pendão despregado,e tambor batente, tendo-se revoltado contra a Constituição vigente do Estado. Disposições legislativas revestidas de todas as formula póde haver, que não devam ser obedecidas: tal é o caso que se dá quando existem Parlamentos corrompidos, instrumentos servis do Governo: ternos d'isto muitos exemplos; abra-se a historia de Inglaterra, ahi veremos, os Parlamentos de Henrique 8.°, n'um dos quaes passou um acto, em que se impozeram penas de morte, aos que não acreditassem n'um credo religioso, inventado por aquelle tyranno theologo; veremos o Parlamento de Cromwel, composto de fanaticos que se tornaram rediculos, os quaes só faziam o que lhes mandava aquelle tyranno, e tão despresiveis se tornaram os membros de tal Parlamento, que o proprio Cromwel os expulsou das salas das sessões
chamando-lhes ladrões, borraxões, e adulteros etc.

O nobre Duque fallou na citação, que eu tinha feito relativa aos
Estados-Unidos. Cadauma das antigas Colonias Inglezas, na America do Norte que formam hoje os Estados-Unidos, tinha a sua Carta Constitucional concedida pelo Rei, e algumas destas Cartas eram de tal sorte liberaes, que soffreram pouca alteração, quando aquellas Colonias se declararam independentes. A Carta da Colonia de Rhode-Island, dada por um dos Stuarts, ainda ha pouco tempo era a lei fundamenletal deste Estado: entretanto, a Colonia sublevou-se, quando o Parlamento Britannico quiz arrogar-se o direito de pôr tributos nas ditas Colonias, direito qwe ellas negaram ao Parlamento, com o fundamento de que nelle não havia, representantes das mesmas Colonias: daqui veio a origem de todos os acontecimentos; petições das colonias ao governo, e parlamento; resistencia aos actos legislativos considerados contrarios ás Cartas das Colonias: sublevação; guerra civil; declaração de indepencia a final, depois de muitos desastres, reconheciada pela Metropole.

Em Inglaterra é a Camara dos Communs que virtualmente concentrou em si a omnipotencia parlamentar; porque, é ella que possue a Bolsa da nação, e por isso, desde o tempo de Carlos 2.º que tem adquirido esse grande poder, diante do qual todos se dobram. A omnipotencia parlamentar e tal, que o Rei de Inglaleera, apezar da pompa em que vive, é do respeito que o cerca, póde ser considerado, acertos respeitos com menos authoridade, que o Presidente dos Estados-Unidos. Os Chefes das maiorias parlamentares são os Ministros; e estes não consentem, que junto ao Rei haja outras pessoas senão aquellas, que elles propõem: bem recentes são os exemplos desta naturexa. Em Portugal os Poderes do Estado estão definidos pela Carta; não póde, pois, segundo ella, haver omnipotencia parlamentar; nem é para desejar que em consequencia della um Ministro portuguez possa, como o inglez, obrigar a Rainha a servir-se com taes, ou taes Damas.

Observarei ainda, que, sendo esta proposta contraria a alguns Art.os da Carta, é evidente que não póde ella ser adoptada por esta Camara, a qual, tendo o caracter de conservadora, deve pugnar, porque a Lei fundamental se cumpra á risca. .

O nobre Duque de Palmella, referindo-se hontem, ao que se tinha dito por parte da minoria da Commissão, explicou-se de uma maneira tal, que eu não posso com elle concordar; e por isso eu vou dizer os motivos que teve a minoria da Commissão para dar um parecer contrario á adopção deste Projecto Lerei primeiramente o Parecer de uma Commissão desta Camara, sobre o Projecto do Sr. Conde de Lavradio (.Leu.) Em segundo logar lerei o Parecer da Cornmissão de Legislação, sobre o Projecto apresentado pelo Sr, Geraldes (leu.) Ve-se, por tanto, destes dous Pareceres, que supposto fosse reconhecida pelas Commissões a conveniencia das medidas propostas nos dous Projectos, comtudo ellas propunham á Camara a sua rejeição, pelos considerarem oppostos á Carta Constitucional, e a Camara conformou-se com os Pareceres das suas Commissões. Pelos mesmos motivos, pois, não póde agora a Camara, sem flagrante contradicção, deixar de rejeitar tambem o Projecto em discussão, que no espirito e na letra e evidentemente opposto ás disposições da Carita Constitucional.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Grande parte dos argumentos, a que eu queria responder, já foram respondidos exuberantemente por um Digno Par, que se assinta deste lado, e eu não o poderia fazer melhor, e certamente incommodaria a Camara, se os tornasse a repetir. Todavia, eu não poderei deixar de tocar em alguns dos objectos, em que já se tocou. Eu estou convencido, de que S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha, ha de fazer toda a diligencia possivel, para que os Empregados publicos, que forem nomeados para o Ultramar, façam a sua obrigação, a cumpram os deveres dos seus empre-

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gos: não me admirarei, porêm, que alguns desses Empregados por S. Exa. nomeados, venham depois a ser máos, por que os homens mudam; e S. Exa. póde ter confiança em homens, que até áquelle ponto foram bons, e depois se fizeram máos.

Ouvi, porém, hontem a S. Exa. elogiar o Governador ultimamente nomeado para S. Thomé e Principe. Eu tenho na minha mão o jornal intitulado O Pregoeiro da liberdade o qual transcreve um Bando deste Governador, quando governava Timor e Solor, o qual dá provas contrarias daquillo, que S. Exa. assevera. Este Governador, extinguindo uma Companhia chamada de Bedom, por certas irregularidades que tinha commettido, ou antes arbitrariedades, depois de impôr certas penas, disse no seu Bando o seguinte (leu.) Ora, se este Governador fez isto antes de lhe ir esta authorisação, que se lhe quer conceder, o que não fará elle depois de a ter? Esta pessoa, pois, não era uma daquellas com quem S. Exa. se poderia enganar, por que já tinha sido Governador em outra parte, e eram conhecidos os seus actos; por que foi lá que elle publicou o Bando, que acabei de ler. Elle pois já tinha dado provas da sua incapacidade, e por ellas não podia certamente merecer a confiança do Sr. Ministro dqs Negocios da Marinha e Ultramar.

Tambem hontem, por occasião de se impugnar a concessão, que o Ministerio pretende, se me respondeu, que a concessão não é nova, e que existia, e existe em consequencia de um Decreto de 7 de Dezembro de 1836. Será difficil, Sr. Presidente, determinar quaes são as Leis, que effectivamente estão em sentido contrario á Carta Constitucional, e ao seu espirito. Este trabalho ainda não se fez, desde que a Carta se estabeleceu, e é certamente um dos que muito preciso é, que se faça. Eu vejo, pois, Sr. Presidente, que esse Decreto diz no seu Art.° 5.°. o seguinte (leu.) Ora, isto é uma limitação, que eu não vejo no 2.º Art.° do Projecto em discussão, por que o Ministerio fica com o direito de legislar, e o direito com que elle fica, póde transmittido aos seus Delegados sem restricção alguma, e os Governadores ficam com as mãos soltas, sem haver cousa nenhuma, que as possa prender, e nem ao menos a divisão dos outros Poderes, que e uma das maiores garantias que tem a Nação Portugueza. Não me parece, pois, Sr. Presidente, que fosse bem trazida a disposição desse Decreto para seapplicar ás circumstancias actuaes. Além do que, o Decreto no Art.° 6.º tambem estabelece um Conselho de Governo, designando tambem quaes são as pessoas, que o devem compôr; e esse Conselho póde ser composto, ou pelo Ministerio, ou pelos Governadores, dando-se por esta fórma muito menos garantias aos Povos do bom governo, como elles tanto carecem.

Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Marinha, ao mesmo tempo que hontem disse, que o Governo, por não estar ao facto dos negocios do Ultramar, é que precisava desta authorisaçao; accrescentou, que nos relatorios das authoridades daquellas Colonias, se encontrão cousas muito boas sobre as providencias a dar. Mas eu perguntarei a S. Exa. não seria mais facil tirar desses relatorios, essas taes cousas que elle diz, que são convenientes, e reduzindo-as a Projecto de Lei, trazêlos aqui, do que vir pedir esta aulhorisação sem dizer para que e, e sem nos darem bases algumas? Certamente. Fallou-se no Parlamento Inglez; mas o Parlamento Inglez é composto de duas Camaras, e do Rei; o Parlamento Inglez tudo póde fazer; mas eu pergunto - se elle poderia, apezar da sua força dividir o Poder legislativo? Se o Parlamento Inglez poderia fazer cousas contrarias á sua Constituição? E se o fizesse, seria obedecida essa Lei? (O Sr. Duque de Palmella - Póde.) Os Inglezes que respondam a S. Exa., que eu não o farei. Creio, Sr. Presidente, que os sacrificios, que a Nação Portugueza fez ha pouco para adquirir a sua liberdade, ainda nos são mui patentes para consentir, que ella seja glosada por este modo. Sr. Presidente, concluirei respondendo a algumas reflexões, que se tem feito. S. Exa., o Sr. Ministro dos Negocios do Reino disse hontem (e foi então quando pedi a palavra), - todas as Leis que passam pelas Camaras devem ser obedecidas - eu estou convencido, de que S. Exa. não queria se não alludir áquellas Leis, que effectivamente estão nos limites, e attribuições do Corpo Legislativo Portuguez; mas por modo nenhum quererá alludir a quaesquer outras Leis, que não devessem ser adoptadas, qualquer que fosse, por exemplo, como apontou o argumento das Camaras da Inglaterra, se pela Camara, ou por influencia de quem quer que for, se quizer unir o Poder Judiciario ao Administrativo, esta Lei devia ser obedecida!- Podem as Camarás, á vista da Carta Constitucional, estabelecer esta Lei, e esperar que ella seja obedecida?! - Só se a Nação Portugueza morresse, por que aliás havia necessariamente haver uma reacção, que se opposesse a que assim se prostergas-se a Lei fundamental.

Tambem S. Exa. disse, que era pernicioso expôr-se nas Camaras a doutrina de resistencia legal. Sr. Presidente, não está, nem existe nas pessoas zelosas dos principios de liberdade de qualquer das Camaras a idéa, de que ella perigasse, expondo-se estes principios nas Camaras; e por que, longe de serem perigosos, ao contrario fazem desenvolver o espirito da Nação; e se em uma epocha em tudo funesta, em 1828, se tivessem mais idéas desta resistencia legal, que se quer hoje impugnar como perniciosa, não teria a Nação Portugueza passado pelas phases, que todos os dias temos lamentado. - Sr. Presidente, nada mais tenho a dizer, se não que concluo rejeitando o Projecto, porquanto e opposto a um dos Art.os que formam a base da Carta Constitucional.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - O Sr. Visconde de Sá da Bandeira pediu a palavra para fazer uma pergunta ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, se am Camara se não oppõe a que se interrompa a discussão. (Apoiados.)

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Desejo saber se S. Exa. recebeu uma communicação, que pedi á Mesa lhe fizesse, para quando viesse a esta Camara, se me podia informar se o Ministerio está desembaraçado para mandar fazer o trabalho da estrada de Lisboa ao Porto, visto que para ella ha um contracto approvado por uma Lei: desejo saber o que ha a este respeito, ou se o, Sr. Ministro dos Negocios do Reino tenciona apresentar ás Camaras alguma Proposta sobre este objecto.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS DO REINO: - Para poder responder com mais segurança ao Digno Par, mandei collogir varios papeis na Secretaria, e ámanhan darei a resposta a S. Exa.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Como se inter-

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rompeu a discussão, desejo fazer uma pergunta ao Sr. Minissro da Maririha sobre se já foi informado o seu Collega da interpellação, que lhe queria fazer. (O Sr. Presidente passa a occupar a Presidencia.) O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Eu já fui encarregado de communicar ao meu Collega o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, o desejo de S. Exa.; e; como não estive hontem com elle,
escrevi-lhe esta manhan sobre os dois pontos, em que o queria interpellar, e parece-me haver dito o Digno Par, que queria se designasse o dia para isso....

O SR. PRESIDENTE: - Continua a discussão da Ordem do dia, e tem a palavra o Sr. Ministro da Marinha.

O SR. MINISTRO DA MARINHA: - Sr. Presidentes tornei a pedir a palavra, não para desenvolvimento da questão, a qual me parece está sufficientemente elucidada pelos Oradores, que de uma, e outra parte tem tomado a palavra; e por mais que se queira dizer na questão principal, que o Projecto que o Governo apresentou é atacante á Carta Constitucional, que a distroe, é opposto ás suas disposições, por que e a delegação dada ao Governo de um poder, que não reside nas Côrtes; é ir muito longe, e dár uma maior importancia, e querer caracterisar o Projecto do Governo, mais do que elle é; por que, elle em summa limita-se a isto - auctorisar o Governo para, na ausencia das Côrtes, em Conselho de Ministros, e ouvido o Conselho d'Estado, decretar provisoriamente as medidas, que em caso de urgencia possam ser necessarios para bem das Provincias Ultramarinas. - Pergunto: se isto é uma delegação absoluta do Poder Legislativo, e se o Governo fica revestido da auctoridade de legislar? - Tem a limitação de ser provisoria, e de ser marcada, e nenhum Ministro do Ultramar póde tomar uma medida isolada, sem consultar os seus Collegas, que em doutrina parlamentar todos os Ministros são responsaveis.

A qnestão principal tem sido desenvolvida por todos os Membros da Camara; e para não fazer repetições, limitar-me-ei a dar esclarecimentos sobre algumas das observações feitas pelos Dignos Pares, que tem fallado. - Sr. Presidente, eu não accusei esta Camara, nem a outra sobre a não promulgação das Leis; o que fiz foi pronunciar um facto, que ninguem póde negar, e vem a ser - que muitas medidas de grave importancia, reconhecidas por todos os Ministros da Repartição que occupo, tem sido apresentadas nas differentes Legislaturas; e disse hontem, e repito hoje - quaes tem sido as que tem saido das Camaras? e isto que digo não é uma hyperbole: podia, se não receasse cançar a Camara, ler uma longa lista das medidas, que desde 1838 e 39 tem sido apresentadas pelo Ministerio da Marinha ás Camaras, e não tem sido discutidas, assim como os Projectos do Digno Par, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, repetidos pelos seus successo-res, pedindo ás Camaras que se tracte d'estas medidas, não tem sido possivel terem-se tractado.- Isto não é accusar as Camaras, é mostrar que negocios de outra transcendencia tem sido necessario tractar em primeiro logar; e circumstancias extraordinarias do Paiz tem procrastinado estas medidas; isto não é accusar as Camaras, é dizer um facto e fundamentar sobre elle a necessidade do Projecto, que apresenta a garantia do Conselho de Ministros, e

1843 - ABRIL.

do Conselho d'Estado: elle não é, como o Digno Par, disse - poder o Ministro da Marinha tomar uma medida qualquer, e muito grave - poderá elle assim proceder, sendo obrigado a consultar todos os seus Collegas, e ter uma conferencia sobre estas medidas, tomando outras differentemente? - É verdadeiramente uma garantia; e o Conselho d'Estado, ainda que se diga que o Governo não é obrigado a seguir a sua opinião, com tudo é obrigado a ouvi-lo, quando aliás não eslando ali essa condicção, não havia de ouvi-lo; e tambem não posso deixar de dizer, que isto é uma garantia.

O Digno Par disse, que não quer seguir os precedentes viciosos; por que, se outras vezes se tem concedido, é um vicio; mas deste precedente não se abusa; até certo ponto posso combinar com o Digno Par, e digo que e da conveniencia do Poder Legislativo conceder esta authorisação; é melhor que o Governo a venha pedir com a Carta na mão, do que chegue o momento da urgencia, o Governo tome providencias, e os Governadores Geraes as estão tomando; e é melhor haver, uma providencia legal, para que elles possam legislar, do que deixar correr as couzas, por que em meia duzia de annos será difficil melhorar o estado das nossas Provindas Ultramarinas em todos os ramos da Administração Publica.

Disse mais o Digno Par - o Ministro tem varios trabalhos, não os apresenta, e desejo vêr a vastidão destes trabalhos - ninguem poderá ignorar, quando considere a vastidão das nossas Provincias Ultramarinas, que todos os negocios que estão pendentes são vastissimos, e isto não é dizer, que os trabalhos estão promptos, e que podiam ser confeccionados de uma maneira prompta, e efficaz; por que é preciso que possam estar examinados por pessoas intendidas, e então depois de authorisado o Governo, e de ouvir pessoas conspicuas, o poderá fazer; mas se deixar em abandono as Provincias, depois de ouvir as reclamações dos Governadores pedindo providencias, de certo este estado não ha de felicitar os Povos, e elles hão de gemer, e gritar mais do que pela fórma, pela qual se quer dizer, que lhe queremos tirar a garantia da Carta Constitucional: e para sustenta-las, que o Governo vem principalmente pedir este voto de confiança á Camara. (Apoiados.)

O Digno Par fez-me no seu discurso uma grave injustiça, e ao mesmo tempo fez-me uma honra, e elevou-me a uma altura, que eu não podia esperar. Fez-me uma grave injustiça quando pensou, que o Governador, a que alludiu, por ser seu amigo, essa qualidade, ou circumstancia seria para mim, como Membro do Governo, talvez uma especie para poder demittir o tal Governador: o Digno Par fez-me uma grave injustiça, por que a minha regra, a respeito dos homens, e empregados, e simplesmente o cumprimento das obrigações das suas funcções, não tenho outra face por onde os possa olhar, e não são paixões mesquinhas, que me farão tomar uma medida menos decente, ou menos regular contra qualquer homem; mas tambem o Digno Par me exaltou, e levou ás nuvens, dizendo que neste Projecto tinha uma meditação de absolutismo, que tanto se pensa, que o Governo quer levar ás Provincias Ultramarinas. O Digno Par vê neste Projecto, reconhecidamente regular para um Paiz que tem obrigação de curar dos interesses das Possessões Ultramarinas, a base de um vastissimo plano de conspiração contra

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a liberdade: é realmente fazer dar grande vulto aos meus planos; nunca me persuadi, de que valia tanto conceito ao Digno Par. O Projecto é hoje para as Provincias Ultramarinas mais remotas; chega a Cabo Verde; transplanta-se para os Açores, e Madeira, e finalmente estende-se ao Reino; e adeos liberdade. O Digno Par imaginou, ou inventou, que, uma Proposta apresentada com urgencia para acudir ás Provindas do Ultramar, era fazer a delegação do Poder Legislativo, hoje para as Provincias Ultramarinas, ámanhan para os Açores, e depois para o Reino. Ora peço ao Digno Par, que me faça, mais justiça, e ás intenções do Projecto, e peço tambem aos Dignos Pares (e dos quaes espero ter pleno apoio), que tem occupado a Repartição, que com tanta insufficiencia hoje occupo, digam se este Projecto é indispensavel para administrar as nossas Possessões, e tirar dellas algum proveito.

O nobre Par, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, tornou outra vez á questão dos Governadores Geraes, e da culpabilidade que encontra na sua nomeação. Já concedeu S. Exa., que não sou culpado em todas, mas que o sou em algumas que tenho feito. Repitirei tambem á Camara quaes são os meus principios: nesta questão de Empregados Publicos, não supponho conveniente, em quanto não ha uma prova, ou motivos fortissimos, para um Ministro, que entra hoje para uma Repartição, estar a fazer demissões: é o que outros tem feito, resultando maior mal ao Paiz do que se pensa; disto é que vem esta mudança contínua de Empregados, e Funccionarios Publicos; e de desfazerem uns Ministros, o que outros tem feito, ha motivado graves males. Eu assentei que devia ser muito cauteloso a este respeito; mas tambem assentei, que aquelles que estavam, em quanto não houvessem provas plenas de que eram defraudadores, os havia de conservar; mas se chegassem, provados a meu conhecimento, factos criminosos desses Governadores, ou Authoridades, eu daria ao Digno Par tambem provas, de que o hei de fazer, e sou capaz de o cumprir.

Em quanto ao Art.° 11.° do Decreto de 17 de Janeiro de 1837, disse o Digno Par. que - nelle tinha o Governo sufficiente authoridade para regularisar. Já nesta parte do Parecer da maioria, esta se dividio, por quanto o Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, não o entende assim, e retira esta opinião que se dá ao Decreto, a que se allude, e diz que - o considera contra a Certa; e com a maior vivacidade por vir o Governo pedir esta authorisação.

Sr. Presidente, sobre a questão dos Governadores, pedirei ao Sr. Visconde de Fonte Arcada queira, ter a bondade de lêr a data desse annuncio. (O Sr. Visconde de Fonte Arcada: - É de 10 de Setembro de 1842.) Digo o pregão, porque em 10 de Setembro não era Governador de Timor e Solor esse homem, de que se falla: entretanto pouco importa a data, tracta-se de um Periodico, ou de uma publicação feita fóra do Paiz, em que se dá conta de um acto respeitavel a um Funccionario nomeado por mim. - Declaro, Sr. Presidente, que se o Governo se visse obrigado a ter uma statistica, do que se diz fóra, e dentro do Paiz para a escolha dos Empregados, grande trabalho seria este, principalmente para mim, porque me não dou ao trabalho de lêr muitos Periodicos; não porque lhe não tenha amor; porém pela falta de tempo, que para isso tenho: entretanto devo dizer ao Digno Par, que quando nomeei aquelle Empregado, tinha delle a melhor informação, tanto do seu caracter, como da sua capacidade, o qual já havia sido Governador de Timor, e Solor, e servindo no Ultramar, não havia no Ministerio da Marinha uma unica queixa official a seu respeito; e isto, para mim Ministro da Marinha, eram circumstancias sufficientes para poder ser nomeado para aquelle emprego; e as arguições desse Periodico, talvez possam, até certo ponto, ser destruidas, se este Empregado fosse ouvido; porque talvez se podesse desafrontar das increpações, que se lhe fazem não só nesse Periodico, como nesta Camara. Mas torno ao meu principio: tive informações necessarias, em virtude das quaes devia nomear aquelle Empregado, e estou até hoje nas mesmas intenções a seu respeito e em quanto me não persuadir do contrario, lá estará, e reputo, um grandissimo erro, que por pequenas cousas, e não provadas accusações, se tire o emprego a um homem para se ir dar a outro, donde sempre resulta damno ao Paiz: por tanto digo, que todo o Funccionario do Ultramar, que tiver dado (e já não digo apuradissima), uma rasoavel conta, que corresponda á opinião que delle se faça; o Governo, e a Nação, deve fazer a deligencia para que elle não seja mudado. Tenho respondido ás allusões feitas pelos Dignos Pares, que me precederam.

Em quanto á inconstitucionalidade da medida, que devia merecer mais peso, se atacasse a Carta Constitucional, disse-se - que a Carta Constitucional não permitte votos de confiança: entretanto, tem-se provado que estes votos foram dados em outras occasiões, já nessa época de 1834, já na de 1835; e votos similhantes, verdade e que tinham sido dados para casos restrictos: por exemplo, em 1834 houve um para o Governo proteger todas, as Emprezas de utilidade publica; e em 1835 deu-se outro voto ao Governo sobre o ensino publico; porém neste Projecto pede-se só um voto provisorio, por um espaço de Sessão a Sessão, a fim de que o Governo possa acudir de piompto, como é indispensavel, com as medidas que as nossas Colonias exigirem, para que não cáiam de todo, dando depois conta ás Côrtes: praticando assim, sustenta-se a Carta; acede-se ao serviço; e do contrario, é que virá o perigo dessa Carta, que já tem sido destruida por muitos, que com igual calor aparentavam sustenta-la.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - O Periodico que eu citei, como V. Exa. agora verá, não dá aquelle acontecimento, como noticia, mas transcreve o proprio Bando do Empregado: portanto note-se bem, que isto é muito differente.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Pedi a palavra para dar uma explicação ao Sr. Ministro da Marinha ácêrca de uma expressão, de que me servi, sem com ella querer de maneira alguma atacar a pessoa de S. Exa. quando disse que - aquelle individuo era amigo, e esperava que isso lhe não fizesse mal - isto são expressões, que escapam a quem está nestes logares: parece-me ter respondido a S. Exa. (para mim pessoa muitissimo respeitavel) dizendo, que não tive a menor intenção de o atacar.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Se eu tivesse tido a honra de ser Membro da maioria da Commissão, que assignou este Parecer, não tomaria a palavra; por que, em quanto a mim, a discussão já vai longa, e enfadonha; mas como todos os Dignos Pares que

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assignaram o Parecer da minoria tomaram a palavra nesta questão, não poderia eu deixar de o fazer tambem, ainda que procurarei ser o mais conciso possivel, Observarei, porêm, que par responder aos dous Dignos Pares da minoria da Commissão, seria preciso occupar-me dos argumentos de cadaum separadamente, visto que apesar de SS. Exas. assignarem o Parecer da minoria, um abandona certos postos inteiramente, e o outro sustenta-os; e mostram-se tão diivergentes nos principios em que se fundam, que seria necessario examinálos separadamente, visto que o Sr. Conde de Lavradio se pronuncia em opposição ás asserções que foram apresentadas pelo Sr. Visconde de Sá; e não concordava tambem no que, disse o Sr. Visconde, chamando ao nobre Duque da Terceira, uma notabilidade revolucionaria. Sinto muito não ver aqui presente este meu nobre amigo, para poder responder-lhe. Pela minha parte só repetireri, com referencia a essa expressão de S. Exa., o que sempre tenho dito, e é, que tendo até motivos pessoaes para lamentar o resultado daquelles acontecimentos, pelas tristes consequencias que tiveram para pessoa que me toca muito de parto, prrefiro muito que essa pessoa soffresse, combatendo no campo em que esteve, do que se tivesse estado no opposto. (Apoiados.) É possivel, que o Sr. Visconde de Sá na publicação deste Decreto, a que se refere, cedesse áquelle poder occulto, que se organisou por aquelle tempo, tendo sido proclamada a sua existencia por um Ministro daquelle tempo, visto que este Ministro disse, que nem para o acto da humanidade, que S. Exa. desejou praticar com as victimas da tyrannia, que gemiam a bordo dos pontões, tinha liberdade, por que lhe foi preciso recorrer a meios indirectos. Eu estava fóra do Reino naquelle tempo: mas ouvi esta declaração da boca do mesmo Ministro, quando voltei a Portugal. Persuado-me tambem, de que o Sr. Conde de Lavradio não apoiará a opinião, que o Sr. Visconde de Sá emittiu sobre o Sr. Duque da Terceira, por que S. Exa. desejou muito do certo, que a sua tentativa tivesse um favoravel resultado. (O Sr. Conde de Lavradio - É verdade.}. Noto porêm ainda outros principios de divergencia entre os Dignos Pares, por que nem sempre o Sr. Visconde de Fonte Arcada esteve em harmonia com o Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, a cuja conducta, como Ministro, julgo que fez bastante opposição em 1826, quando o Sr. Conde estava no Ministerio. A vista destas divergencias entre os Dignos Pares, vêr-me-hia embaraçado se quizesse examinar os motivos, por que combinam na sua opinião hoje.

Não me cançarei com isso deixando ao publico avaliar os fundamentos, com que cadaum tem combatido este Projecto.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Parece-me que S. Exa. satisfaria a si, e á Camara, se combatesse os argumentos que eu apresentei; por que, toda a vez que S. Exa. me poder provar, que o Projecto não é [...] o Art° 13.º da Carta, eu nada mais direi.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Estimei, muito que o Digno Par me interrompesse; mas não tinha razão, porque não fui eu quem abrio o exemplo de fallar neste objecto: restringir-me-hei a dizer poucas palavras. Foi o Digno Par, que está agora ao pé de mim (*) o que trouxe á discussão os

(*) O Sr. Visconde da Sá da Bandeira.

acontecimentos de 1837; e eu, como Membro Camara, e da Commissão, tinha direito de lhe responder. Tome o Digno Par para si o que lhe pertence, por que não é a primeira vez, que eu [...] sobre isto, em bôa harmonia, e amisade, lhe tenho dito o meu modo de pensar, que eu não encubro. Em quanto ás desintelligencias dos Dignos Pares em outros objectos, não tracto de os conciliar. Depois de ouvir todos os discursos do Digno Par, que encetou hoje a discussão, o argumemto em que mais se firmou, é ser este Projecto contra a Carta; e era aquelle que merecia consideração; se fosse fundado; mas não creio que o seja. Ao Corpo Legislativo compete fazer, Leis com a Sancção de Sua Magestade; e nós agora estamos fazendo uma Lei, pela qual concedemos poderem-se tomar providencias na ausencia das Côrtes, por que estando abertas irão tem o Governo essa authoridade, e qualquer Digno Par, ou Sr. Deputado, póde fazer uma proposta afim de se alterar esta Lei, e de se fazer uma nova, se o julgar necessario: por tanto, eu não considero que esta seja contra o Art.º citado pela Digno Par, antes pelo contrario me parece, que se mostra mais respeito, e obediencia á Carta, do que mostrou aos principios Constitucionaes o Digno Par, que está ao pé de mim, quando publicou o seu Decreto, que não só tracta expressamente da força armada, mas até estabeleço uma legislação nova. Neste Projecto, porêm, só se concede uma certa auctorisação no Governo em circumstancias urgentes. Limitar-me-hei a estas observações, que julgo evidentes.

Como um Digno Par respondeo hoje a uma asserção do Sr. Duque de Palmella, dando a intender, que a maioria da Commissão não seguia as idéas da minoria; eu devo dizer, que essa idéa, a que allude, não era nova para mim. Haverá trez annos, estando eu no Ministerio, se occuparam os meus Collegas, e eu, da nomeação de taes Commissarios: vê-se pois, que esta idêa não foi suscitada pela minoria da Commissão. O Sr. Duque de Palmella disse aqui, e é a exacta verdade, que era preciso considerar, e avaliar quaes eram as razões, que, tanto pezo tem para a conservação da Ordem, e da legalidade, a fim de se poder provar as necessidades publicas, e não dar logar, a que se supponha, que se promove a desobediencia á Carta, ao Governo, e ás Leis. Eu observarei ainda, que não é exacta a asserção do Sr. Visconde de Sá, da omnipotencia da Camara dos Communs em Inglaterra; por que, não é omnipotente; e se houvesse um Inglez, o qual dissesse, que a Camara dos Communs era omnipotente, passava em Inglaterra, por um revolucionario. Concluo, pois, dizendo como disse o Digno Par, que encetou hoje a discussão - que visto os argumentos apresentados contra o que disse hontem o Sr. Duque de Palmella, não destruirem nada, do que S. Exa. disse, não é necessario repetilos hoje.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Eu pedi a palavra para dar uma explicação. Em quanto ao Decreto de 7 de Dezembro de 1837, que no seu Art.° 11.° authorisa o Governo a tomar medidas regulamentares, ennunciou-se pela seguinte fórma (leu). Eu já disse o que tinha a produzir a este redspeito e não cançarei a Camara em o repetir agora.

O meu desejo é acabar com a anarchia, que ha no Ultramar; e observarei, que a intelligencia dada pelo

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Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio ao Art.º d'este Decreto, é aquella mesma que eu lhe dou; e creio que esta intelligencia é a exacta, pois que estando publicada a Constituição de 1838, e depois a Carta Constitucional, regendo ellas, entrou-se em um systema normal, e então os regulamentos, que teem a fazer-se, são os que deve fazer qualquer Governo em geral. Em quanto ao que disse o Digno Par relativamente ao nobre Marechal, que está á testa do Governo, ninguem tem por elle maior respeito do que eu; e quando eu disse, que elle era uma notabilidade revolucionaria, longe de mim o querer injuria-lo, ao contrario quiz elogia-lo S. Exa., comtudo, não deixa de ser revolucionario, porque em 1837 se alevantou contra a ordem de cousas, que então havia, contra a representação nacional, e contra o Governo; e se para S. Exa. é tida essa acção como honrosa, não será injuria o dizer-se que foi revolucionario, antes será um elogio.

Repitirei tambem, que em Inglaterra é a Camara dos Communs, que realmente possue a omnipotencia parlamentar, por isso que tem a Bolça da nação; por isso que tem o direito de retirar os meios ao Governo: todos quantos teem lido a historia de Inglaterra sabem, que isto é exacto.

Disse um Digno Par, que nós davamos uma prova de respeito á Lei, fazendo esta que actualmente discutimos; porém o Digno Par considera-a como uma Lei organica, quando em verdade e ser ella uma Lei que altera muitos Art.os da Carta; e por isso, para ella se fazer legalmente, devia passar pelos tramites que a mesma Carta determina. Se o Ministerio quiser alterar o modo de legislar para o Ultramar, eu estarei por isso, porque tenho como exacto, o que disse S. Exa., o Sr. Ministro da Marinha, e tanto, que quando dirigi esse Ministerio, apresentei só de uma vez sete propostas, e para que ellas passassem com mais facilidade, as redigia só em um Artigo; mas apesar disso não o consegui, tendo mostrado a experiencia, que as Camaras se occupam muitas vezes mais de pressa dos negocios, que dizem respeito a uma Parochia, do que daquillo que diz respeito ás Provincias Ultramarinas.

Concluo, pois, dizendo, que voto contra a Proposta de Lei, porque não cabe nas faculdades das Côrtes alterar a Carta Constitucional, senão pelo modo que ella prescreve.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Pedi a palavra para uma explicação, e com o fim de dizer, que é verdade que eu alludi ao anno de 1828, mas sem referencia no que disse, ao Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, porque já tinha sahido do Ministerio: eu alludi pois á chegada de D. Miguel, querendo dizer, que se então se empregassem certos meios de resistencia, não teria a Nação chegado ao estado a que chegou.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu pensei que tinha apresentado as minhas idéas com muita clareza, a respeito da resistencia legal mas pelo que ouvi dizer ao Digno Par, o Sr. Conde de Villa Real vejo, que ellas não foram bem entendidas, apesar de eu ter apresentado não só a theoria, mas tambem dons factos para o provar. Eu já disse, e agora novamente o repito, que a resistencia legal era permittida; mas defendo eu esta doutrina? - Não; e o que eu tenho em vista é defender um principio de ordem, e não apresentar um principio anarchico. A resistencia legal, pois, como eu a considero, e o direito todo o Cidadão tem de desobedecer a qual determinação, que não fôr em virtude de uma Lei; e o modo como elle ha de fazer essa resistencia, já eu mostrei, isto é, não cumprindo essa determinação senão eom constrangimento; e para, o demonstrar, trouxe eudous exemplos do que já fiz, hei de continuar a fazer, e já ultimamente fiz, porque lançaram a um predio meu pela decima, uma quantia muito grande, que não estava em relação nenhuma com o que o predio valle: eu não a quiz pagar, e hei de resistir a isso empregando os possiveis meios. Eu pois não dou aresistencia legal, a interpretação que hontem lhe deu o Sr. Duque de Palmella; mas ainda concederei, que o Sr. Duque de Palmella podesse fallar assim; mas o Sr. Ministro do Reino, admira-me, que me chame revolucionario eu, porém, assevero a S. Exa. que nunca fui, nem hei de ser revolucionario.

O Digno Par, o Sr. Conde de Villa Real, começou por dizer, que os Membros da minoria da Commissão não se tinham entendido entre si, e a prova disso era o termos sido discordes, e que por isso não sabia o que havia de responder-nos: eu satisfaço a S. Exa. dizendo, que de sobejo teem já dito os Membros da Commissão, para provar a razão porque confeccionaram o seu Parecer em separado.

Passou depois S. Exa. a combater o que, eu disse, quando insisti, (e agora o torno a fazer), no principio de que o Projecto em discussão era opposto á Carta Constitucional; e creio que este ponto de Direito foi por mim demonstrado por tal fórma, que um Digno Par, o qual pertence ao Corpo da Universidade, disse que eu o tinha feito muito bem, e demonstrado claramente. Eu não ouvi ao Digno Par, o Sr. Conde de Villa Real, dizer nada que destruisse um só argumento dos muitos, que eu apresentei, nem tambem vi ainda, que nenhum Orador destruisse os argumentos de Direito, que eu apresentei, e o mesmo Digno Par, a quem eu me refiro, disse que era verdade determinaro Art.° 13 °, que o Poder legislativo compete s Côrtes com a sancção do Rei, e que então longe de ser este Projecto contrario á Carta, era uma prova de obediencia a ella. - Eu fiquei admirado, Sr. Presidente, de tal ouvir, porque o Art.° diz isto (leu), o que corresponde a delegar o Poder legislativo no executivo. Ora aqui está o unico argumento pata combater os meus principios de Direito, que até agora se apresentou nesta questão. Diz S. Exa. que ella já vai longa, eu digo que não; porque, a questão mais importante não se apresentou ainda: eu disse, e torno a repetir que - é uma violencia manifesla da Carta Constitucional - e depois de convertida em Lei, hei de dizer - é uma violação da Carta, não feita por um individuo, mas pelas duas Camaras com a Sancção do Rei: - isto é uma verdade.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Eu não vou responder a todas as observações do Digno Par, porque sahindo, como elle fez da questão principal, nunca seria possivel chegarão fim de discussão alguma; mas realmente, tendo-me S. Exa. interrompido por julgar, que eu sahi fóra da materia, o Digno Par não póde deixar de reconher, pelo Direito que arroga a si de apresentar os seus argumentos como bem lhe parece, que não póde impedir os outros de fazer outro tanto. (O Sr. Cande de Lavradio: - Apoia-

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do.) Não me parece proprio, que o Digno Par se aproveitasse da occasião de desculpar-se de argumentos, que outros fizeram. Mas dando esse exemplo digo, que não deve objectar, a que os outros façam uso da Lei, que quer para si.

(O Sr. Presidente passa a Presidencia ao Sr. Conde de Villa Real.)

O SR. SERPA MACHADO: - Sr. Presidente, farei por ser breve, e direi poucas palavras. - Eu não fazia tenção de fallar nesta materia, que é grave, e mais grave se torna pela objecção, que alguns Dignos Pares discordantes apresentam, de que esta doutrina e contra a Carta Constitucional; e os que sustentam o contrario, e pretendem votar pelo Projecto em discussão, tem de mostrar, que elle não é opposto á Carta: este o argumento principal que se deve destruir, e -é da dignidade dos que votam, neste Projecto combater.

Eu não digo que os meus raciocinios sejam convincentes: digo que não poderão ser taxados de parologismo, e que menos ainda de capciosos; e chamo em meu auxilio para demonstrar, que este Projecto não é contra a Carta, dous Art.os, que de certo não são entendidos capciosamente. Os Art.º que chamo em meu abono, é o
§ 6.º do Art.° 15.°, e o § 12.° do Art.° 65.º - O § 6.° do Art.° 15.° diz que - pertence ao Poder Legislativo fazer Leis, interpreta-las, suspende-las, e, revoga-las - eu chamo o auxilio do poder de revogar as Leis, e que por este Projecto se não suspendem as Leis geraes de todo o Reino de Portugal, mas sómente nas Provincias Ultramarinas da Asia, e Africa. O Art.° 75.° no § 12.º diz - pertence ao Governo dar regulamentos, e expedir Decretos para a boa execução das Leis. - Temos pois a idéa geral de suspender as Leis, e em virtude desse poder se mostra,, que pertence ao Poder Legislativo fazer Leis, ou
revoga-las; e diz o outro .Art.°, que o Governo deve fazer os Regulamentos para se executarem estas Leis: ora a combinação destes dous Art.os faz ver, que o Projecto de que se tracta, não é contra a Carta, mas sim a seu favor; e tanto, que um Art.° determina, que faça Leis, e o outro que faça Decretos para levar a effeito esta suspensão: por consequencia, não ha razão para considerar este Projecto como contrario, á execução da Lei fundamental do listado. - Que esta doutrina seja falsa, não me convencem os Dignos Pares, que opinam em sentido contrario ao parecer desta Camara, o qual se verifica pelos votos da maioria, e pela maioria da outra Camara, que decidio não ser contrario; e depois a Sancção Real acaba de confirmar este juizo.

Ora á vista da opinião destes dous Corpos collectivos, e do poder Real, os quaes estabelecem esta doutrina, como póde uma fracção da Camara, ou um individuo particular proclamar aos Povos, que isto é contra a Carta, e que se lhe não deve obedecer?! - Quando eu disse ao Digno Par, e meu honrado amigo, o Sr. Conde de Lavradio, que tinha sahido bem, quando tractou da resistencia legal, dissse que se sahio bem, e ainda agora o digo, porque S. Exa. deu-lhe uma intelligencia tão favoravel, e tão branda, que se acaso a resistencia legal fosse, o que disse, e de que apresentou exemplos, eu não iria longe das suas idéas; mas estas opiniões vão mais adiante, do que as discussões academicas; e quando destas cadeiras
diz-se aos Povos em geral que - fa

1843-ABRIL.

çam resistencia ás Leis, a intelligencia era differente, e levava ao Paiz consequencias desgraçadas; e nós que juramos a observancia das Leis, havemos de dizer aos Povos não observeis esta Lei, quando temos obrigação de observa-las?!-É do modo que entendo a resistencia legal, e eu subscreveria ás suas opiniões, fundado nas suas boas intenções, se não houvesse este inconveniente, e por isso que e uma expressão, um pouco elastica, e homens que não tem o solido juizo do Digno Par, podem daqui deduzir na pratica consequencias terriveis: eu diria que se reservasse antes esta doutrina para as escolas; e diria que nos restringissemos, ao que faz o nosso dever; porque, eu lamento quando sahirmos da nossa orbita; mas ao contrario, do que fez o Digno Par, eu recommendaria sempre aos Povos, nos meus discursos, a obediencia ás Leis, e ás Authoridades, (Apoiados.)

Ainda que o Governo e ramos do Poder Legislativo, o queiram, o intendimento não tem coacção; mas considerar quanto ás Leis, que cada um póde ser impunemente arbitro da intelligencia dellas, e estabelecer isto como doutrina; é de inconveniencia.- Eu estabeleço a doutrina opposta e recommendo aos Povos, e Cidadãos, que lucrão muito proveitosamente em ser obedecida a Lei; e recommendaria por meios legaes a resistir só á força tumultuaria; e em quanto não se verificar este facto; não devemos consentir, que individuo nenhum use della. - Parece-me que tenho dito, o que basta sobre este objecto, a materia está esgotada, e só disse estas palavras para manifestar a tenção, que tenho de votar neste Projecto, que não viola a Carta. Eu estou convencido, de que a Carta deve ser respeitada; que não se deve violar; é uma Arca da Alliança, que não quero se offenda; mas o mesmo direito que chamam em seu favor, para se dizer que este Projecto é opposto á Carta Constitucional, reclamo eu para dizer, que o Projecto é conforme á Carta.

O SR. MINISTRO DA JUSTIÇA: - Sr. Presidente, a material está realmente esgotada; e se eu soubesse que um Digno Par tinha pedido a palavra, e pretendia acabar de elucidar a Camara sobre a questão de direito, eu não augmentaria a discussão, que me parece já sobeja, para reduzir a questão ao seu estado de clareza, e verdade: entretanto, como pedi a palavra, em addicionamento ao que acaba de expôr S. Exa. direi muito pouca cousa, e com relação ás asserções do Digno Par, o Sr. Conde, de Lavradio, que intendeu estar a discussão no seu principio, posto que fosse já longa, por que o ponto de Direito não se havia discutido, e esta era a base principal, por que lhe pareceria, que a discussão devia progredir. Direi pouco sobre a materia, e me restringirei ao ponto de Direito (como S. Exa. lhe chama) fazendo breves observações aos topicos, do seu discurso, a que tambem já responderam varios Dignos Pares, e o meu illustre Collega, o Sr. Ministro da Marinha.

Esta materia, Sr. Presidente, é muito vasta - Saber se os Corpos Legislativos tem Direito de delegar os tuas attribuiçôes, ou de conferir votos de confiança ao Poder Executivo, cujo Chefe tambem exerce uma parte do mesmo Poder, pela Sancção que dá ás Leis. Estes votos de confiança foram trasidos á pratica pela necessidade: a experiencia mostrou que havia occasião, em que convinha dalos ao

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Poder Executivo, por que nem sempre as Camaras Legislativas podiam cabalmente discutir todos os objectos, e apresenta-los decididos em tempo opportuno, para produzirem o effeito de prover ás necessidades, cuja satisfação o serviço exigia. - Facil é impugnar, usando de principios geraes muito conhecidos, a doutrina de delegar um direito que pessoalmente se deve exercer; mas, repito, a necessidade de conceder ao Executivo certas auctorisações, introdusio esta pratica dos votos de confiança: assim é, entre outros casos, para fazer uma operação de finanças. Como é que a operação de levantar fundos sobre certas bazes, ou sem baze nenhuma, poderia trazer-se ás Camaras Legislativas, e ahi discutir-se? Sempre que ha falta de meios, e apuros, ainda não vi um só exemplo de trazer ás Camaras as differentes cartas fechadas, contendo as diversas condições propostas pelos concorrentes: e será por que objectos desta natureza se não devam trazer ás Camaras? Não: então pela necessidade do Serviço publico, e que foi acarretada esta pratica de delegar o direito, que as Camaras pessoalmente exercem legislando. Não devo demorar-me mais sobre o principio dos votos de confiança, e limitar-me-hei ao de que se tracta.

Em primeiro logar nego ao Digno Par, que isto seja delegar o direito de legislar, como o Sr. Conde de Lavradio argumentou com o Art.° 13.º da Carta, que diz - O Poder Legislativo compete ás Côrtes com a Sancção do Rei - concluindo S. Exa., que conceder o que se pede neste Projecto seria o mesmo, que rasgar a Carta, por isso que lhe é opposto.

- Direi, que nem o Governo pede nem a Camara lhe dá o poder de legislar. E que é legislar! É fazer Leis. E estas depois de promulgadas, dó que precisam para ser revogadas? De outras Leis, que precisam ser feitas por quem tenha a iniciativa para isso. Mas isto que o Governo pede será para fazer Leis desta qualidade? Certamente não: pelo contrario, pede-se uma authorriação, para, que o Governo no intervallo das Sessões das Camaras, possa adoptar certas medidas, exigidas pela força da necessidade, as quaes não ficam sendo Leis, e tem depois de ser sujeitas ao Corpo, que temo direito de as fazer: ahi ficam para serem revistas, e só depois de approvadas, cuja approvação ha de ir ao Poder Executivo para ter a Sancção, é que fica a Lei perfeita. Ora que faz esta Camara se conceder um tal voto de confiança? Authorisa o Governo para que se, no intervallo das Sessões, houver um caso extraordinario no Ultramar, que venha ao conhecimento do Ministerio elle tome uma medida, que tenha força de Lei, ou que elle possa dizer ao respectivo Governado Geral.

- acuda a esta necessidade, ficando o Governo em todo o caso obrigado a vir dar conta do exercicio, que fez destes poderes discricionarios. Logo, o principio do Digno Par, de que no Projecto se pede o Direito de legislar, não é exacto, porque ahi só se pede o Direito de exercer attribuições, que não estão na esphera do Poder Executivo, com a obrigação de dar conta depois do uso, que dellas tiver feito ao Corpo Legislativo: e uma uvedida provisoria, e intermedia, que ainda não é Lei, e que se torna pela necessidade do momento; porque, se fosse Lei ficava-o sendo permanentemente, e em quanto não houvesse alguem, que nas Camaras pedisse, e estas decidissem, a sua revogação.

Eis-aqui como eu entendo, que ha uma grande differença entre o direito de legislar, ou de fazer Leis, e o direito de tomar providencias momentaneamente, que ficam ainda dependentes da approvação do Corpo Legislativo, para ficarem, ou não, sendo Lei.

Ora isto, Sr. Presidente, é quanto do Direito: agora, em quanto á necessidade da medida, é obvio e mais que obvio, que as circumstancias em que estão as Possessões Ultramarinas reclamam, que exista esta attribuição no Governo; e muito bem disse um Digno Par, e Presidente desta Camara, que tal concessão não era mais, do que legalizar aquillo que de facto havia de acontecer; por que, nenhum Governo, quando chegassem essas circumstancias, quereria tomar sob sua responsabilidade, só por não incorrer no peccado politico, o não adoptar qualquer medida da attribuição do Corpo Legislativo, vendo que della dependia o remedio para o mal, que se apresentasse; mas o Digno Par, que se assenta daquelle lado da Camara (*) disse, que depois de estabelecida a Carta Constitucional, ella regia para toda a parte da Monarchia: é verdade; mas tambem é sabido, que as Possessões Ultramarinas tinham uma Legislação especial, accommodada ás suas circumstancias, e accornmodada ao poder dos Capitães Generaes, o qual cahio com a promulgação da Carta Constitucional; cahio, e não foi ainda possivel estabelecer um systema completo para governar aquellas differentes Provincias. Todos conhecem as grandes difficuldades, em que ellas estão, e é possivel que algum Governo, senão fôr o actual possa conseguir que deixe de permanecer similhante estado de cousas. O syslema velho não o ha, porque cahio com a Carta; e o novo não existe, porque ainda não foi montado: nestas circumstancias, e em vista das representações dirigidas das differentes Provincias, é preciso tomar algumas medidas, que muitas vezes estarão acima da esphera do Poder Executivo; e para o fazer é que se carece, e o Governo veio pedir esta auctorisação.

Mas, disse um Digno Par, que as communicações com as Possessões Ultramarinas, faziam-se hoje com mais rapidez, do que se gastava em discutir qualquer medida no Corpo Legislativo; e então o meu illustre Collega, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino respondeu, que este argumento era contraproducente, e mais justificava a necessidade d'esta authorisação; por quanto, gastando se tanto tempo em discutir nas Camaras uma medida d'esta natureza, via-se justificado o Governo de querer ser authorisado para o que se pedia neste Projecto; accrescentando, que, o argumento do Dignos Par era ainda mais favoravel á concessão, por quanto isto seria só quando a Camara estivesse reunida; mas quando se desse a ausencia do Corpo Legislativo, e sobreviesse qualquer occarrencia no Ultramar, deveria o Governo esperar, que se reunissem as Côrtes, ou convoca-las extraordinariamente!!... .

Mas então lá se abandonariam essas Provincias ao triste estado em que estivessem.

Ora disse tambem o Sr. Conde de Lavradio, que se a necessidade o exigisse, embora os Ministros decretassem as medidas necessarias, das quaes deviam depois dar conta ás Camaras. Este circulo vicioso (permitta-se a expressão) custa a entender; porque,

(*) Apontando para o lado esquerdo.

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se o Governo toam quaesquer medidas, e vem depois pedir um bill de indemnidade, diz-se-lhe - por que não pedio uma auctorisação? e se pede um voto de confiança para promulgar disposições que julga convenientes, responde-se-lhe.- tome as medidas, e venha depois pedir um bill de indemnidade.

S. Exa. alludindo ao expendido pelo Sr. Duque de Palmella disse tambem, que este voto era uma especie de inspiração do Espirito Santo, por quanto o nobre Duque, tractando de defender o Projecto, depois de outras razões accrescentara, que o Governo estava sem conhecimentos ou tinha falta de meios, e de provas, para poder saber as medidas, que devia adoptar para as Provincias Ultramarinas parecendo por tanto ao Sr. Conde de Lavradio, que por se dar ao Governo este voto, elle ficava sabio. Eu não ouvi isto ao nobre Duque de Palmella, e estou intimamente convencido, de que houve algum equivoco da parte do nobre Conde. Se o Sr. Duque de Palmella fallou na ausencia de conhecimentos do Governo para essas medidas, parece-me que accrescentou mais algumas a essas palavras; isto é, que - supposto o Governo não tivesse os conhecicimentos de facto para providenciar já sobre as necessidades das Provincias Ultramarinas, todavia podiam fechar-se as Côrtes; mas sendo possivel sobrevir alguma communicação do Ultramar, donde resultasse o ser necessario tomar qualquer immediata providencia, como o Governo o não podesse legalmente fazer, por não estar authorisado para isso, seria, comtudo, obrigado a acudir á exigencia das circumstancms, vindo depois, pedir um bill de indemnidade; e então era melhor conceder-se-lhe esta auctotisação nos limites do Projecto, do que, ou dar-se esse caso do bill, ou não se adoptar ás vezes uma medida reclamada pelas necessidades publicas.

- Por tanto, não me parece que n'outro sentido fallasse o Sr. Duque de Palmella, nem quizesse dizer, que o Governo estava ás escuras, ou que para tomar essas medidas, elle tenha necessidade de Espirito Santo.

O Sr. Conde de Lavradio pediu uma explicação ao meu Collega, o Sr. Ministro da Marinha, sobre - se estas medidas eram só extensivas ás Provincias Ultramarinas, ou se tambem comprehendiam as Ilhas de Cabo Verde, Madeira e Açores: (quanto ás primeiras, sendo como são, consideradas Provincias Ultramarinas e duro que não podiam deixar de se comprehender). O meu Collega respondeu, que se estendiam ás de Cabo Verde, mas que ás outras não. Julguei eu que o Digno Par ficaria satisfeito com isto; mas não foi assim, e disse estende-se ás de Cabo ferde, de lá irá ás dos Açôres, e destas á Madeira, e da Madeira, pausará o Algarve: portanto ha de estar em breve dentro do Reino todo! Eu supponho que se não podia tirar similhante illação da resposta dada pelo meu Collega, e que uma vez dito, que só se comprehendiam as Ilhas de Cabo Verde, era escusado o dizer mais nada.

S. Exa. fallou em resistencia legal e o Digno Par satisfez completamente no seu discurso de hoje sobre este objecto, e direi, como o Sr. Serpa Machado, que muito me comprazi de ouvir o Sr. Conde de Lavradio, e que abraço a sua doutrina: entretanto, o que o Digno Par expendeu a primeira vez, e o exemplo da meia moeda que tinha de imposição, porêm que lhe faziam pagar tres moedas, e por tanto havia de resistir; essa resistencia, foi individual, e sobre o abuso, que suppoz na execução da Lei: se julgou que tinha direito, fez muito bem em reclamar, por que se aquillo que S. Exa. reclamou não e legal, afinal ha de pagar não só o imposto, mas tambem as custas, que é o castigo daquelle, que vai requerer para não pagar o que realmente deve. Mas ha outra resistencia legal, e em geral, e aquella que se oppôem a uma Lei, que passou nas duas Camaras, e foi sanccionada pelo Rei: essa é uma resistencia mais perigosa; é uma especie de drastico politico, que póde fazer bem, sendo appliçado em pequenas dozes, mas que póde matar, em vez de curar, se fôr tomado em grande quantidade, (Apoiados.) Eu já tive occasião de fallar aqui nisto, e então disse (como agora repito), que a resistencia legal é optima, por que é um correctivo do abuso do Poder; mas que ás vezes torna-se peior o remedio, do que é o proprio mal. Não cançarei mais a Camara em fazer outras considerações a este respeito, por que um Digno Par já tractou muito bem o assumpto, e por que realmente mais proprio de uma academia do que da tribuna.

Tambem o Sr. Conde de Lavradio se mostrou sentido, de que houvesse falta de generosidade para com a opposiçao, tão pequena em numero, nesta Camara, o que sempre o Governo a tachava de forte: parece-me que S. Exa. não tem razão nisto, e que o Governo tracta com a deferencia que deve a esta opposição, por que, com quanto seja pequena eoi numero, e muito forte individualmente: a força não se compõem da parte numerica, mas sim da individual: é pois uma opposiçao não só forte, mas fortissima, e para se saber se o é, haja vista ao que respondeu ao meu Collega, quando este lhe disse, que a medida proposta se limitava ás Ilhas Ultramarinas; do que resulta ser o Ministerio ora accusado para que vem pedir um bill de indemnidade, ora por que pede um voto de confiança para depois se não ver obrigado a psdir o bill de indemnidade, e accusado, finalmente, por que diz que esta authorisação não comprehende a Ilha da Madeira, pois se lhe responde- se não comprehendeu, comprehenderá; e então o Governo não póde deixar de considerar esta opposição bastantemente forte, fortissima mesmo nas suas invenções, sem por isso deixar de ter a devida deferencia para com os Dignos Pares, que a compôem.

Sr. Presidente, eu intendo que a Camara está cançada, e intendo que o ponto de Direito está esclarecido, e mais que esclarecido, assim como a conveniencia de se adoptar, o que a maioria da Commissão concede no seu Parecer, e que por esse modo se, não vai rasgar a Carta. Concluo, observando, quanto á pergunta - se o Governo viesse apresentar um Art.º de Lei em que se dissesse fica revogada a Carta Constitucional, se elle passaria, pois que o pretendido poi este Projecto era o mesmo, que revoga-la, portanto era possivel que passasse - eu digo que essa qualidade de obra não se faz por Art.os de Lei, pois quem quer rasgar a Carta falo nas praças, e não submettendo propostas ao Corpo Legislativo,
(Apoiados.}

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Sinto muito não ouvir o primeiro discurso proferido pelo Sr. Conde de Lavradio; mas ouvi as palavras, que pronunciou depois delle, e confesso, que as ouvi com muito gos-

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to, e desejo sempre ter occasiões de repetir nesta Camara, o que por muitas vezes nella tenho patenteado, e é, que faço plena justiça ás intenções, e qualidades do Digno Par, conheço-o ha muitos annos; por conseguinte, é sempre com pezar meu (e por assim dizer), por força da situação em que estou collocado, que me vejo constrangido a impugnar as suas observações, e a ter com S. Exa. controversias nesta Camara, que ás vezes assumem um caracter de vivacidade, que não devem ter.

Fallou o Digno Par sobre a doutrina do residencia legal; porêm S. Exa. é demasiadamente franco para não confessar, que o que expendeu hoje pausadamente, e depois de devida meditação, não é exactamente o mesmo, que disse hontem: lembrarei as suas palavras. S. Exa. observou, que se esta Lei passasse, elle seria o primeiro a aconselhar aos povos das Provincias Ultramarinas, que lhe não obedecessem. (O Sr. Conde de Lavradio - Que uassem da residencia legal.)

A maneira por que se intende, que os povos podem deixar de cumprir as Leis, é resistindo-lhes abertamente, ou insurreccionando-se contra ellas: por tanto, se a mente de S. Exa. foi, o que eu intendo, declaro que tal doutrina é perigosa, principalmente para se pregar nesta Camara; digo perigosa, porque o Digno Par julga se deve intender. Entretanto, nada mais direi a este respeito, visto que a doutrina foi hoje exposta com claresa, e constifucionalmente por S. Exa. e analysada por outros Dignos Pares: quiz unicamente prevenir algum máo effeito, do que se expendeu hontem, o que me parece haver obtido, até pela propria confissão do Digno Par, quando me interrompeu.

Ha cousas sobre as quaes convem discorrer nas Camaras, sómente quando a absoluta necessidade o pede; por que e de recear o abuso, que se póde fazer fóra do parlamento, muitas vezes pela falsa interpretação dada ás palavras dos Oradores; e antes de concluir, apresentarei á Camara uma prova de facto dos fundamentos deste receio.

Respondendo á objecção principal feita ao Projecto, de que se não apresentou um unico argumento, de que se não deu uma unica razão, para provar que não é contrario á Carta; direi, que me parece ter hontem suscitado o principal argumento, que póde trazer-se para este caso; o qual consiste em mostrar, que a Carta não se póde actualmente observar, pelo que pertence ás Provincias Ultramarinas. Escuso desenvolver as razões, em que me firmo para sustentar, que as disposições da Carta, fóra do continente Europeu, não podem ter applicação completa em nossos Dominios Ultramarinos, sem a organisação de um systema, para o qual nem o Governo, nem as Camaras possuem ainda os elementos necessarios. É portanto obvia a indispensavel urgencia de medidas provisorias para o Governo dessas possessões; e tanto isto é assim, que todos os Ministerios, desde a promulgação da Carta, assim como o que actualmente existe, e os que lhe succederem, em quanto não se levar a effeilo o plano geral de organisação, a que me refiro, hão de forçosamente tornar sobre si a responsabilidade de adoptar medidas discricionarias, segundo as reclamações, e os interesses dos povos dessas longiquas regiões. Não ha, pois, precisão de demonstrar, que o Projecto não é contrario á Carta, por que isso seria impossivel;

A Carta estabelece a divisãodos Poderes; a Carta determina que só se façam Leis nas duas Camaras e com a Sancção do Soberano; o Projecto, porêm, é uma excepção dessa disposição, mas uma excepção que já existiu, que existe, e que ha de existir sempre: consegnintemente, votando-se agora isto mesmo, usa-se da franqueza de não querer fallar de um modo, e obrar de outro.

Agora, que convêm sahir deste estado provisorio, e o solicito, e a idea consignada, tanto no Parecer da maioria, como no da minoria da Commissão.

Creio que não haverá ninguem nesta Camara, que consultando a sua consciencia, e fallando com franqueza, não confesse que se está dando a esta discussão uma importancia maior, do que na realidade tem: poderá em theoria ter a maior transcendencia; mas na pratica, é forçoso dizer, que se está tractan-do quasi de cousa nenhuma. Ninguem desconhece isto por certo, querendo ser sincero, e todos devem tambem reconhecer, que a medida provisoria em questão, não é transcendente, nem o póde ser para Portugal; nem é (como se tem figurado) o primeiro passo de um projecto recondito, e funesto para as liberdades publicas. O Projecto reduz-se, a sobre-estar legalmente, na applicação ás Provindas Ultramarinas do systema estabelecido pela Carta de uma maneira geral, e que na pratica não é, por ora, immediatamente applicavel a toda a Monarchia. Esta asserção e susceptivel de grande desenvolvimento; mas não julgo que seja necessario dar-lhe neste momento

Pelo que ouvi ao Sr. Ministro da Justiça colligi, que o Sr. Conde de Lavradio, no discurso que hoje fez, e que não tive a felicidade de ouvir, havia mencionado, e presumido uma incoherencia da minha parte, por ter dito hontem, que a falta de conhecimento de factos, que ainda existe, para que se possa legislar compelentemente ácêrca do Ultramar, era o motivo que obrigava a
votar-se este Projecto; e parece-me, que, S. Exa. disse, que se o Governo, e as Camaras estavam nessa ignorancia, era um acto contradictorio poder legislar para aquellas Provincias. Esta ignorancia não existe como imagina o Digno Par. Espero que a Camara me concederá uma liberdade, mas em causa propria, da qual eu ainda aqui me não servi, apezar de que se usa em outros paizes. O meu pedido reduz-se a mostrar á Camara, como são intendidas as palavras, e como ás vezes se interpretam fóra daqui: - e disto faço eu uma applicação para o caso da resistencia legal, perguntando ao Sr. Conde de lavradio, se, pessoas que intendem o que nesta Camara se expende como S. Exa. vae ouvir, podem, ou não por seus desvios fazer abuso de doutrinas, cuja applicação seja susceptivel de maiores inconvenientes.

Tenho na mão um jornal (*), que ha pouco me facilitou um Digno Par, que se senta junto a mim, no qual se lê o seguinte: - " O Sr. Duque, de Palmella fez a apotheose da ignorancia; e não me admira por que adovognva em causa propria." É certamente este um estylo acre, e urbano. (Riso.) Lerei mais:- A opposição notára, que se quizesse authorisar para legislar a um Ministerio, que confessava não saber, que medidas devia propor para o Ultramar; e o Sr. Duque encontrou nesta falta de

(*) A Revolução de Septembro n.° 713, de 19 de Abril.

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conhecimentos do Governo, um motivo mais para se lhe encarregar o uso do Poder Legislativo." Eis aqui está, pois, um argumento que serve para o que eu queria demonstrar, (O Sr. Conde de Lavradio - Mas isso não póde ter referencia a mim.) É necessario que o nobre Conde creia, que não me dirijo a S. Exa. e custa-me reconhecer, que nunca posso proferir uma só palavra, que o Digno Par não julgue logo se refere a elle! Continuarei a ler - " Na verdade, se esta doutrina não é seguida hoje, em nenhum paiz da Europa, nem por isso se póde dizer, que é inteiramente desusada entre nós. As insignificancias estiveram, e estão em moda. No passado já vimos um maadrião enviado a um Congresso de Vienna, onde se encarregou de não dizer uma palavra a respeito de Olivença, e de outros interesses, que alli deviam ser advogados." Agora o Digno Par poderá dizer se intende, que eu não tractei sempre com zelo dos interesses da Corôa de Portugal, segundo os recursos da minha posição. (O Sr. Conde deLavradio - Sim Senhor, eu mesmo tive na minha mão provas, e documentos officiaes pelos quaes sei o modo, por que S. Exa. pugnou sempre em favor dos interesses do Paiz, com o maior zelo e empenho. Ácêrca da reclamação de Olivença, sei que depois de a fazer a primeira vez, e sem fructo, a tentou uma segunda em 1826, e ainda uma terceira, aproveitando a occasião que lhe pareceu opportuna para concluir este negocio, o que são factos sabidos e notorios.) O meu fim unico era destruir, o que está aqui escripto, e para o fazer não é mister de recorrer á linguagem do Art.°, que nem é a minha, nem é tambem a melhor; e é necessario que falleçam boas razões para se usar de expressões tão polidas, e decentes. ( Riso.)

Deixando este incidente observarei, que o que hontem disse, repitirei agora, e é que esta Lei, é uma Lei provisoria, a qual não seria necessaria, se o Governo estivesse já (de posse dos elementos, e dados, que supponho indispensaveis para tractar do systema de organisação do Ultramar. Se todos elles existissem, não se poderia então propor uma Lei provisoria para esse fim. É neste sentido, que a Camara (pelo menos a maioria) intendeu o Projecto, é não por que reconhecesse, que o Governo, ou as Camaras estão em perfeita ignorancia ácêrca do Ultramar. Daqui se segue, que o Publico é enganado voluntaria, e acintemente por aquelles, que guiados por espirito de partido lhe querem dar conta das Sessões do Parlamento. Não classificarei esta especie de opposição, nem farei sobre ella as observações, que me occorrem, por que só tive em vista confirmar, o que expendi na Sessão anterior, e explicar melhor o sentido das minhas idéas.

Foi julgada inadmissivel a Proposta do Sr. Visconde de Sá da Bandeira sobre a questão previa, (V. pag. 290 col. 2.ª)

A pedido do Sr. Conde de Linhares julgou-se a sufficiencia da discussão.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Fallou o Sr. Ministro da Corôa, e depois o Sr. Duque de Palmella, que considero quasi como Ministro da Corôa...

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu não posso deixar de observar, que os Pares inscriptos, eram os Srs. Conde de Lavradio, e Visconde de Sá; mas antes tinham fallado, e não podia dar-lhe a palavra, sem consultar a Camara; mas agora depois da materia

1843-ABRIL.

discutida, parece-me que a regularidade dos trabalhos da Camara pede, que se vote primeiro sobre a generalidade do Projecto, e depois se darão as explicações. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu no principio desta discussão tive a honra de submetter á Camara uma materia, que me pareceu digna de attenção - que nós eramos dous a combater contra muitos - eu fallei formalmente duas vezes, o mais não valeu a pena, foram pequenas explicações; o Sr. Visconde de Sá da Bandeira fallou tambem duas vezes; e nós somos considerados Relatores da minoria da Commissão, e portanto a estes sempre foi dado um Direito, que se tem levado muito longe para fallar as vezes, que julgarem conveniente; e tendo nós fallado só duas, parece-me que não abusamos da bondade da Camara. - Esta materia é muito importante, tracta-se de discutir um Projecto contra a Lei fundamental do Estado; a primeira vez que se tractou da materia, que encetei, de Direito, foi o Digno Par o Sr. Serpa Machado, e o Sr. Ministro da Justiça: por tanto, parece-me que era conveniente fazer algumas observações a este respeito; mas a Camara está cançada, e eu tambem.

Foi approvado na generalidade.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu peço votação nominal.

Não se concedeu.

Entrou em discussão o

Art. 1.° O Governo é authorisado para, na ausencia das Côrtes, e em Conselho de Ministros, tendo ouvido o Conselho de Estado, decretar provisoriamente as providencias que a urgencia, ou bem das Provincias Ultramarinas exigirem.

Foi approvado sem discussão.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu já sei que o Projecto ha de ser todo approvado; mas eu tenho uma Substituição a fazer, e não cheguei a ouvir a leitura do 1.° Art.° (Uma Voz: - Deu a hora.) Eu até já estava fechando a minha gaveta, por que intendi que a Camara resolvia, que a discussão sobre os Art.os ficava para ámanhan: - isto não sei que me parece, uma Lei sobre materia tão grave, faze-la quasi brincando. ..

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu, estando presidindo nesta Mesa, confesso que não posso admittir a palavra - brincando-( Apoiados.)- O Digno Par e que me parece que estava brincando, quando disse - que a materia estava discutida - Eu ouvi o Digno Par dizer isto, quando outro do outro lado disse - o Projecto está todo discutido - e a minha obrigação é regular os trabalhos da Camara. (Apoiados.)

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu quando fiz a reflexão - que o Projecto estava discutido - foi sentado, não foi levantado, porque não linha pedido a palavra a V. Exa.; e parece-me, que tudo o que se diga sem o Presidente ter concedido a palavra, não é fficial: - portanto, seria uma observação que fiz em voz mais alta, e convenho em que não devia ter fallado alto.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Creio que todos os Membros desta Camara devem concordar, em que uma discussão de dous dias sobre a generalidade, corresponde á dos Art.os (Apoiados.) - Acho justo que por esta occasião se dê faculdade aos Pares para fallar, e especialmente ao Sr. Conde de Lavradio, que queria fallar sobre a especialidade, e sei só,

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que, estando a Sessão para ser levantada, póde attribuir a si mesmo não ter tido a palavra, pois todos ouviram dizer-lhe - já se discutia - ou cousa similhante: era verdade, e todos concordaram nisso, e então continuou a Sessão na idéa, de que não haveria mais discussão do Art.°, e quando muito daria logar a observações sobre elle, e a dizer alguma cousa da parte dos que não disseram, quanto queriam, na generalidade; e parece-me que as Substituições, que havia de fazer ao Art.° não haviam de ser senão transtornando á Lei toda, e então uma vez que e ella está discutida toda na sua generalidade, é inutil - Entretanto, o Digno Par estava no seu Direito de apresenta-las, e V. Exa. tambem está no seu Direito continuar a discussão, ou reserva-la -para ámanhan.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - O Digno Par annuciou que queria fazer algumas Substituições: direi que está a hora adiantada, e só darei para Ordem do dia de ámanhã a continuação da discussão da especialidade. (Apoiados.) Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e meia.

N.º 61. Sessão de 20 de Abril. 1843.

(PRESIDIU O SR. DUQUE DE PALMELLA - E ULTIMAMENTE O SR. PATRIARCHA ELEITO)

TRES quartos depois do meio dia foi aberta a Sessão: estiveram presentes 38 Dignos Pares - os Srs. Duque de Palmella, Patriarcha Eleito, Duque da Terceira; Marquezes de Fronteira, das Minas, de Ponte de Lima, e de Santa Iria; Condes de Bomfim, da Cunha, de Lavradio, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real; Viscondes de Ponte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, de Sobrai, e de Villarinho de S. Romão; Barão de Ferreira; Barreto Ferraz, Osorio, Ribafria, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanba, Geraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem esteve presente o Sr. Ministro da Marinha.

Foi lida a Acta da Sessão precedente, e ficou approvada.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.º Um Officio da Presidencia da Camara doe Srs. Deputados, acompanhando uma Mensagem da mesma Camara, que incluia um Projecto de Lei sobre ser o Governo auihorisado a restituir á effectividade do seu posto, o Capitão addido á 8.ª Companhia de Veteranos da Extremadura, Hypolito Casiano de Paiva. - Passou á Secção de Guerra.

2.º Outro dito da dita, acompanhando outra dita, que incluia um Projecto de Lei sobre ser prorogado por mais um anno o disposto no Art.° 3.º da Carta de Lei de 16 Novembro de 1841. - Enviou-se á Secção de Fazenda.

3.º Outro dito da dita, acompanhando outra dita, que incluia um Projecto de Lei sobre o modo de effectuar a venda dos Bens Nacionaes que ainda existem na Fazenda. - Remetteu-se á mesma Secção.

O SR. SILVA CARVALHO: - Sr. Presidente, esses Projectos, que tractam sobre materia de Fazenda são de alguma importancia: então pedia a V. Exa., que os mandasse imprimir, e distribuir, e depois quando a Commissão desse o Parecer, juntava-se-lhes parece-me que os Dignos Pares devem ter anticipadamente conhecimento delles, para estudarem a materia em sua casa, e votarem com conhecimento de causa. - Portanto pedia, que se fizesse isto, não só a estes, mas tambem, a outros: a despeza sempre se ha de fazer, e é uma pratica que já se tem seguido. (O Sr. Secretario Machado - A despeza então vae augmentar muito.) - Não Senhor. (O Sr. Secretario - Imprimem-se duas vezes.. .) Não Senhor, é uma só, imprime-se primeiro o Projecto, e depois o Parecer da Commissão.

Assim se decidiu.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - É para mandar para a Mesa a seguinte declaração de voto, que está ássignada por mim, e tambem pelo Sr. Visconde de Sá da Bandeira, Sr. Geraldes, e Sr. Visconde de Fonte Arcada.

Declaração {de voto.)

Declaro, que votei contra o Projecto de Lei, que hontem foi approvado por esta Camara, por ser opposto ás bases da Carta Constitucionai. Camara dos Pares 20 de Abril de 1843. - Conde de Lavradio, Sá da Bandeira. - João José Vaz Preto Geraldes. - Visconde de Fonte Arcada.

O SR. PRESIDENTE: - Eu peço licença ao Digno Par, em desempenho da minha obrigação, para dizer-lhe, que é contra uma disposição desta Camara motivar esses votos.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Parece-me, que já alguns votos motivados (talvez ou esteja enganado) de outros Dignos Pares tinham sido mandados lançar na Acta. Ora, a Camara tomou uma resolução, creio que definitiva, e parece-me qne no seu novo Regimento, estabelecendo - que os votos motivados seriam lançados na Acta. - Lembra-me, que por esta occasião tinha proposto, que se fizesse o mesmo que se pratica na Camara dos Lords em Inglaterra - protestar contra as resoluções tomadas pela Camara, e lançar-se isto na Acta.

O SR. PRESIDENTE: - Eu não tenho pela minha parte objecção nenhuma, a que se motivem os votos: concordo em que o novo Projecto de Regimento, que ainda não rege, admitte os votos motivados; mas o anterior não os admittia, e a pratica seguida nesta Camara, é não admitti-los. (Apoiados.) - Disse o Digno Par que existiam alguns: não sei, póde ser que esteja enganado, e escapasse isto; mas que fosse da parte da Mesa, em quanto não apresentar exemplos, não creio.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Um Digno Par, que está adiante de mim, acaba de dizer-me que ha pouco tempo mandou para a Mesa um voto motivado. O Sr. Conde de Rio Maior fez uma declara-

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