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SESSÃO DE 21 DE AGOSTO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Conde de Fonte Nova

(Assistiam os srs. presidente do conselho e ministro da fazenda.)

Depois das duas horas da tarde, tendo se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual se não fez reclamação.

O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a

Correspondencia

Um officio do ministerio do reino, remettendo, para serem distribuidos pelos dignos pares, cincoenta exemplares das consultas das juntas geraes dos districtos administrativos do reino e ilhas adjacentes, relativas ao anno de 1868.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a fixação do contingente de recrutas para a armada no corrente anno de 1869 e sua distribuição.

Á commissão de marinha.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser auctorisada a camara municipal de Villa Nova de Ourem a contrahir um emprestimo, para applicar a sua importancia á construcção dos paços do concelho.

Á commissão de administração publica.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a prorogação do praso estabelecido para a creação e emissão de inscripções destinadas para penhor dos supprimentos e emprestimos de que trata a lei de 28 de maio do corrente anno de 1869.

Á commissão de fazenda.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre diversas disposições relativas ás licenças mencionadas na classe 4.ª da tabella n.° 3, annexa ao regulamento approvado por decreto de 4 de setembro de 1867.

Á commissão de fazenda.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre a suspensão do decreto de 31 de dezembro de 1868, que reformou a instrucção publica.

Á commissão de instrucção publica.

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo, para ser presente á camara dos dignos pares, a proposição sobre a contribuição de registo.

Á commissão de fazenda.

O sr. Conde d'Avila: - Sr. presidente, pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que por falta de saude não compareci a algumas sessões d'esta camara, e que talvez pela mesma rasão tenha ainda de faltar a outras.

Agora aproveito a occasião para declarar a v. exa. que, como membro da commissão de fazenda, adhiro inteiramente aos pareceres que a mesma commissão mandou para a mesa durante a minha ausencia, e com especialidade adhiro ao parecer sobre o projecto que da outra casa do parlamento veiu a esta camara, e que tem por fim alargar o principio da desamortisação, projecto que eu entendo ser da maior conveniencia discutir-se ainda n'esta sessão legislativa, e que de certo muito contribuirá para o bom resultado das nossas operações financeiras, fortalecendo o nosso credito, concorrendo para aplanar as difficuldades com que lutâmos (apoiados), alem das grandes vantagens que d'elle hão de resultar para o paiz, e para as corporações a que pertencem os bens, que se vão desamortisar.

Peço portanto a v. exa. que, apesar do meu nome se não achar exarado no parecer sobre o respectivo projecto, em virtude da minha ausencia da camara, quando os outros membros o assignaram, se tome a minha assignatura como se ali estivesse. E isto que digo com relação a este parecer, digo-o tambem com respeito aos outros que foram já apresentados pela commissão de fazenda.

O sr. D. Antonio José de Mello: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que nas alterações propostas pela commissão de guerra ao projecto n.° 35, que já foi distribuido, acha-se um erro que é preciso rectificar. Na parte onde se diz = aquelles officiaes do exercito que estiveram em commissão no mesmo ministerio = deve dizer-se = aquelles officiaes do exercito que fizeram parte do extincto quadro de engenheria civil =. Agora aproveito a occasião para observar a v. exa. que, tendo-se feito esta emenda e uma alteração no projecto que veiu da camara dos senhores deputados, tem necessariamente de voltar o mesmo projecto áquella camara, quando as alterações sejam aqui approvadas, e por isso requeiro que o projecto entre em discussão desde já.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Visconde de Soares Franco: - Sr. presidente, a commissão de marinha não póde funccionar nem dar convenientemente o seu parecer sobre os differentes projectos que lhe estão affectos, porque lhe faltam dois dos seus membros; e n'este caso requeiro que sejam aggregados mais dois dignos pares á mesma commissão, para d'este modo poder funccionar.

O sr. Presidente: - A camara ouviu o requerimento do digno par o sr. visconde de Soares Franco; mas tomo a liberdade de lembrar que seria conveniente que a propria commissão indigitasse os dois dignos pares para a completar (apoiados).

Vou portanto consultar a camara sobre se entende que a propria commissão indigite os dignos pares que lhe hão de ser addidos.

Assim foi resolvido.

O sr. Marquez de Fronteira: - Sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara se permitte que entre já em discussão o projecto de lei n.° 35, por isso que, tendo-se feito n'elle uma emenda, carece de ir á camara dos senhores deputados; e é necessario aproveitar o pouco tempo de que podemos dispor; e tanto mais quando se trata de um objecto da maior justiça.

O sr. Presidente: - A camara já resolveu que esse projecto entrasse hoje mesmo em discussão.

O sr. Larcher: - Eu devo observar a v. exa. que o requerimento do digno par, o sr. marquez de Fronteira, é para que desde já se discuta o projecto. Se para isto é necessario requerer-se a urgencia, eu a requeiro.

O sr. Conde de Linhares: - Disse que sentia não ver sentado na sua cadeira o sr. ministro da marinha, n'esta occasião em que tem de se referir a uma medida tomada por s. exa., relativamente ao pagamento das ferias do arsenal da marinha, porque desejaria chamar a attenção de s. exa. sobre um assumpto que considero de grande importancia.

Vendo comtudo presentes dois membros do gabinete, e o sr. presidente do conselho, nenhuma duvida tem em entrar na questão, certo como está que as suas reflexões chegarão ao conhecimento do sr. ministro da marinha.

Ultimamente, e durante vinte semanas, tinha sido ordenado pelo ex-ministro, o sr. Latino Coelho, que as ferias

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fossem pagas pelas differentes direcções do arsenal; esta medida tinha por fim que se verificassem exactamente quaesquer verbas que não fossem pagas a operarios, ou que fossem satisfeitas por uma direcção a individuos que trabalhassem em uma outra.

O principio estabelecido pelo novo regulamento era que, sendo indispensavel para a boa escripturação e fiscalisação do estabelecimento conhecer a despeza feita com a mão de obra em cada direcção de futuro, se expurgasse a feria de quaesquer verbas que não fossem para pagar o trabalho dos operarios.

Continuou o orador, pedindo a attenção da camara para este objecto, que é muito importante nas circumstancias actuaes do nosso thesouro, por se referir a uma verba avultada, e que não é menor de 100:000$000 réis annuaes pagos unicamente pela feria do arsenal da marinha.

Disse que pouco importava que a mencionada feria fosse satisfeita na pagadoria ou nas direcções do arsenal, que mesmo julgava ver mais regular o primeiro methodo, mas que pelo contrario considerava objecto da maior importancia o principio adoptado na nova reforma do arsenal de se não pagar pela feria senão aos operarios, tornando os proprios directores responsaveis por qualquer verba satisfeita a individuos que não pertençam á sua direcção; para este fim é claro que, embora sejam satisfeitas as ferias na pagadoria, só o devem ser pelas folhas rubricadas pelas differentes direcções. Sobre este assumpto é que desejava chamar a attenção do sr. ministro e mesmo convida lo a declarar se tencionava ou não n'essa parte conservar os principios e as idéas da nova reforma. Como de certo estas palavras chegarão ao conhecimento de s. exa., julga assim o orador realisar o seu proposito melhor do que se o procurasse particularmente na secretaria para lhe fazer estas observações.

Antes de terminar tem ainda a dizer que, lendo em um jornal da capital que um dos motivos que havia para serem satisfeitas as ferias na pagadoria eram falhas que repetidas vezes tinha havido no pagamento effectuado no arsenal pelos officiaes, pedia licença para mandar para a mesa uma relação verdadeira das ferias pagas durante vinte semanas pela direcção das construcções navaes, pedia ao sr. presidente que esta relação de cuja veracidade respondia, fosse publicada no Diario da camara. Por ella se via que as falhas durante vinte semanas tinham sido apenas de 7$035 réis para uma quantia total de 31:492$813 réis, e como o pessoal da direcção das construcções navaes é proximamente igual á totalidade do pessoal das outras direcções como se vê por exemplo na semana finda em 18 de agosto de 1869, em que as verbas satisfeitas foram as seguintes:

Direcção das construcções navaes.......... 1:709$692
Direcção dos movimentos do Porto.......... 595$310
Direcção das construcções civis........... 321$060
Direcção de policia...................... 110$185
Reformados............................. 168$015

Segue-se que a media das falhas em vinte semanas para a direcção das construcções navaes foi de 351 réis por semana e que as falhas provaveis para todo o anno seriam 18$252 réis, o que representaria para todo o arsenal, guardadas as proporções com as direcções, um deficit de 36$504 réis annuaes, quantia que está longe dos 200$000 réis annuaes que recebe o pagador de marinha para falhas, e que de maneira alguma podia actuar no animo do sr. ministro, para em consequencia de falhas, importando apenas em menos da quarta parte dos mencionados 200$000 réis, mandar effectuar os pagamentos pela pagadoria, porém estava certo que s. exa. apenas teve em vista a regularidade do serviço e o desejo de poupar aos officiaes um encargo que lhes não pertencia, e ao qual unicamente se prestaram por zêlo, e por estarem convencidos da necessidade de se chegar ao verdadeiro conhecimento da verba gasta com o pessoal operario do arsenal.

Por esta occasião mandou para a mesa, como informação, a seguinte

Relação das ferias pagas pela direcção das construcções navaes, desde 24 de março a 11 de agosto do corrente anno
Datas
Importancia total das ferias
Falhas
18 a 24 de março...........................
25 a 31 de março.........................
1 a 7 de abril..............................
8 a 14 de abril...........................
15 a 21 de abril........................
22 a 28 de abril.........................
29 de abril a 5 de maio..
6 a 12 de abril...........................
13 a 19 de abril........................
20 a 26 de abril........................
27 de abril a 2 de junho
3 a 9 de junho..............................
10 a 16 de junho........................
17 a 23 de junho........................
24 a 30 de junho........................
1 a 7 de junho..............................
8 a 14 de junho...........................
15 a 22 de junho........................
29 de julho a 4 de agosto
5 a 11 de agosto........................
1:648$874
1:185$644
1:614$405
1:640$136
1:627$773
1:628$446
1:656$922
1:403$897
1:673$847
1:701$889
1:430$602
1:428$126
1:676$506
1:428$126
1:211$856
1:693$960
1:728$412
1:666$874
1:687$585
1:768$933
Faltaram..................... $375
Idem................................. $500
Idem................................. $080
Sobraram..................... $080
Não houve falha... -$-
Faltaram........................ $400
Idem.................................... $120
Idem.................................... $480
Idem....................................2$660
Idem.....................................$220
Não houve falha... $200
Faltaram........................ $200
Não houve falha... -$-
Faltaram.........................$200
Idem.................................... $480
Idem.................................... $220
Idem.................................... $480
Idem.................................... $540
Idem.................................... $080
Idem.................................... -$-

Resumo

Importancia total das ferias pagas............................................. 31:492$813
Idem das falhas...................................................................................................... 7$035
Media das falhas de vinte semanas................................................ $351
Falhas provaveis durante um anno................................................... 18$252
O sr. Marquez de Sousa Holstein: - Sr. presidente, esta questão é muito importante, ninguem o contesta, mas parece-me que a camara não póde agora occupar-se d'ella, porque envolve uma reforma importante no arsenal da marinha, e sobre o modo como se fazem os pagamentos na pagadoria de marinha e no arsenal, e póde isso levantar uma discussão larguissima da qual proveito nenhum se recolhe (apoiados).

Portanto pedi a palavra a v. exa., sobre a ordem, para propor que se remettessem ao sr. ministro da marinha os papeis que o sr. conde de Linhares acabou de ler, para que s. exa. os tome na consideração que merecerem. Estão sobre a mesa muitos projectos de interesse publico, dos quaes a camara se deve occupar hoje pela sua urgencia.

A minha proposta é que esta questão, que o digno par levantou, seja adiada até estar presente o sr. ministro da marinha (apoiados).

O sr. Visconde de Soares Franco: - Como foi adiada esta questão, até estar presente o sr. ministro da marinha, eu cedo da palavra com tanto que me fique reservada para quando s. exa. estiver presente, se se tratar d'ella.

Agora peço licença para mandar para a mesa um parecer n.° 46 da commissão de marinha e ultramar sobre o projecto n.° 52. Como tem de ser lido na mesa, ali o lerei (apoiados}.

O sr. Conde de Fonte Nova: - Acha-se sobre a mesa o parecer n.° 42, relativo ao projecto de lei para uma concessão ao nobre marechal duque de Saldanha, e requeiro que, visto este negocio ser muito simples, dispensando-se o regimento, entrasse em discussão hoje mesmo, se a camara conviesse n'isto.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Peço a palavra.

Foi approvada a urgencia.

Leu se na mesa o parecer n.º 46.

O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra para um requerimento sobre este parecer.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Marquez de Vallada: - A camara já tem conhecimento d'este projecto de lei a respeito do qual a commissão de marinha acaba de apresentar o seu perecer. Eu propunha que depois de discutido o projecto de que o sr. mar-

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quez de Fronteira pediu a urgencia, e os outros que se determinou entrassem hoje em discussão, se dispensasse tambem o regimento para este projecto entrar immediatamente em discussão.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Algés (sobre a ordem): - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre a materia do projecto de lei n.° 50, que foi approvado pela camara dos senhores deputados, e do qual vou fazer a leitura, porque tenho tenção de fazer um requerimento pedindo a v. exa. que consulte a camara se dispensa o regimento para que este projecto entre tambem desde já em discussão (leu).

Como disse, peço a v. exa. que consulte a camara se dispensa o regimento a respeito d'este projecto para entrar em discussão logo depois dos que já estão designados para serem discutidos e votados na sessão de hoje (apoiados).

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Tinha pedido a palavra antes da ordem do dia para declarar a v. exa. e á camara que me não foi possivel comparecer á sessão de hontem, porque, se tivesse podido comparecer, tinha votado a favor do augmento extraordinario das duas contribuições, predial e industrial. E faço esta declaração, porque desejo sempre tomar toda a responsabilidade em negocios publicos como estes.

Tambem declaro a v. exa. que não podendo, pela minha intelligencia limitada, acompanhar a camara na pressa com que está trabalhando, não poderei comparecer nos poucos dias que ainda restam de sessão, porque não posso votar sem ter tempo para estudar as questões.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu quero dar uma explicação á camara no mesmo sentido do sr. marquez de Sabugosa. Eu tenho-me pronunciado sempre em todas as sessões contra o modo irregular como se tratam aqui muitos negocios de grave importancia, porque este systema não serve senão para desacreditar esta camara e o governo representativo.

Portanto não me é possivel votar os projectos que se apresentam á discussão sem ter conhecimento d'elles, e n'estas circumstancias declaro a v. exa. e á camara que voto contra todos estes projectos que se trazem aqui por esta maneira, porque não os posso avaliar, e como devo fazer um juizo sobre os negocios que se apresentam n'esta camara, e assim não o posso fazer por não ter tempo para os estudar nem ler. Agora peço licença para lembrar a v. exa. que já pedi a palavra para quando se tratar do parecer n.° 42.

O sr. F. P. de Magalhães: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre um projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, eu peço a v. exa. que seja tambem dispensado o regimento com relação a este projecto, para ser discutido depois d'aquelles para que foi pedida a urgencia e concedida a dispensa do regimento. Faço este pedido, porque o projecto de que se trata é de tanta justiça e tão simples, que provavelmente nem terá discussão alguma.

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, a v. exa. é que compete dar a ordem do dia, designando a ordem por que os diversos projectos devem ser discutidos, e com quanto eu tenha muitos desejos de satisfazer a tudo quanto sejam interesses particulares quando reclamam com justiça, porque a justiça é devida a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres; comtudo entendo que nas circumstancias em que nos achâmos, e no pouco tempo que nos resta não é possivel que esta camara trate de negocios particulares sem tratar dos negocios publicos, que tanto interessam a administração do estado.

Sobre a mesa acham-se projectos do governo tendentes a melhorar o estado da fazenda publica, e deve ser o nosso primeiro e incansavel dever o cuidar d'ella; mas eu vejo desgraçadamente que se tem preterido a discussão e approvação d'esses projectos por outros de mero interesse particular, com que nem o estado nem o publico aproveitam. Isto não serve senão para desacreditar o systema constitucional, inutilisando esta camara cada vez mais.

Pois nós, sr. presidente, temos estado aqui gastando sessões inteiras a discutir sobre ruinas de castellos velhos, sobre a concessão de uma casa a um pobre parocho de uma freguezia insignificante, e quando se chega a esta hora havemos de estar a approvar projectos de maxima importancia de repente, sem serem impressos nem discutidos, e quasi sem se saber o que elles contêem?

Sr. presidente, se continuâmos d'este modo, escrevemos de uma vez para sempre o epitaphio do systema representativo! Isto não póde ser, nem é proprio da dignidade da camara. Não é a occasião agora de se estar a pedir a discussão de projectos que não sejam de interesse geral. Portanto eu requeiro que nenhum projecto, seja de que natureza for, se resolva sem que primeiro se discutam e votem os projectos de interesse publico, que digam respeito a administração geral do paiz, e sobretudo os que tendam a melhorar o estado da fazenda publica. Não é possivel outra cousa, e pela minha parte protesto contra toda e qualquer decisão em sentido contrario, usando para isso do direito que me assiste como membro d'esta casa.

O sr. Marquez de. Vallada: - Sr. presidente, uma vez que o meu requerimento está em discussão, apesar de que os requerimentos não se discutem, direi duas palavras para o justificar.

Ha negocios de interesse publico e negocios de interesse particular; mas como a reunião de todos os interesses particulares constitue o interesse geral, e não deixando a justiça de ser justiça por ser applicavel a um caso particular, por isso não é fóra de proposito o pedido que fiz para que se discutisse desde já este assumpto.

Respondendo agora ao digno par que levantou a questão, devo observar a s. exa. que se alguem é culpado de se discutirem os projectos pelo modo por que se estão discutindo, não sou eu de certo, mas os ministros que antecederam os actuaes, porque tendo estado tanto tempo no poder, só nos souberam apresentar projectos insignificantes, ou então providencias da magnitude do contrato Groschen, que é o mais desastroso de todos os contratos que têem vindo ao parlamento.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Aos defuntos deve perdoar-se.

O Orador: - Mas eu não ataco o ministerio transacto depois d'elle ter morrido; combati-o emquanto esteve no poder, e fiz-lhe a maior guerra por todos os modos emquanto foi vivo (apoiados). Não é portanto a nós, que fomos opposição e que temos advogado primeiro que tudo os interesses publicos, que póde caber censura por termos tambem a honra de advogar os interesses particulares dos menos protegidos.

Isto não é um imposto lançado sobre pessoas que não o pagavam até aqui? Não é portanto um negocio tambem de interesse publico? Entretanto, se houvesse sobre a mesa alguns projectos que fossem de interesse mais directo para o paiz, eu não queria, de certo, que elles fossem antepostos por este que não é de interesse tão superior, se bem seja de interesse legitimo.

Quaes são os projectos de que o governo carece para estar devidamente auctorisado para levar a cabo a tarefa que tomou sobre seus hombros, que se achem agora sobre a mesa? Dos que a camara votou que fossem discutidos desde já, julgo que devem ser discutidos em primeiro logar os que forem de maior interesse publico; e a proposta que fiz agora, não pretende que este projecto seja discutido desde já; o que pretende é que seja discutido em seguida aos que estão sobre a mesa.

Por consequencia, se o sr. Fernandes Thomás só insiste

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n'este ponto, eu tambem não tenho duvida em que se dê a preferencia aos projectos do governo.

O sr. Fernandes Thomás: - O que eu pedi foi a preferencia.

O Orador: - Então estamos de accordo. Porém, o que eu não desejo é que seja lançado sobre nós um estigma que não nos cabe, e unicamente a quem fez promessas, e não cumpriu.

Por consequencia, o meu requerimento é apenas para que o projecto a que me refiro entre em discussão logo depois de votados os projectos do governo, e antes de se fechar a sessão.

O sr. Visconde de Algés: - Eu pedi a palavra a v. exa. para declinar de sobre mim e reagir contra a parte da responsabilidade que me cabe na censura e nas exprobações que se contêem nas palavras do digno par o sr. Fernandes Thomás. Eu tambem fui dos que pediram que se dispensasse o regimento, com relação a um projecto que tive a honra de mandar para a mesa...

O sr. Fernandes Thomás: - Eu não alludi a v. exa.

O Orador: - V. exa. alludiu a todos os que pediram a dispensa do regimento. E eu não quero excepção para mim, não a aceito, nem a agradeço.

Eu mandei para a mesa um parecer da commissão de fazenda, sobre um projecto approvado na camara dos senhores deputados; e se pedi a dispensa do regimento foi porque não se trata unicamente de interesse particular, mas do interesse de duas classes respeitaveis, como são os empregados das corporações administrativas e de todos os estabelecimentos não subsidiados pelo estado. E alem d'isso é um negocio de tão notoria justiça, que tomou um caracter de interesse geral, porque é interesse geral que a justiça triumphe sempre, e mormente n'esta hypothese que importa o aperfeiçoamento de um projecto de contribuição votado ha pouco por esta camara.

Agora devo acrescentar que, quando pedi a dispensa do regimento, pedi apenas que o projecto entrasse em discussão depois de todos os que já estivessem indicados para ser discutidos n'esta sessão. Eu sabia que dois projectos importantes, um sobre a auctorisação para cobrar os impostos e outro sobre a desamortisação de bens de certas corporações estavam apparelhados com os competentes pareceres para entrar em discussão; como porém a camara já havia deliberado que a discussão d'esses projectos tivesse logar na sessão de segunda feira, é manifesto que não podia eu ter a intenção de preterir a discussão d'esses projectos.

O projecto, cuja discussão pedi tivesse logar, cabendo no tempo, n'esta sessão, é de uma justiça tão instantaneamente apreciavel, que me pareceu, e parece ainda, ocioso tornar a ter discussão dependente das solemnidades regimentaes.

Eu entendo que este procedimento de pedir que se dispense o regimento para uma materia de simples intuição e de uma justiça notoria não é procedimento que ataque a dignidade ou que destôe da circumspecção da camara, antes pelo contrario se me afigura que votando de prompto este e outros projectos em que a contestação não tem pasto, desobstruimos as futuras sessões predestinadas para o exame e discussão de importantes assumptos, sobre os quaes a discussão deve travar-se e poderá desenvolver-se muito. Aqui está pois em breves palavras explicado o meu procedimento, que me parece não devia provocar as iras do digno par que se levantou em tom e com auctoridade de censor para fulminar não só os seus collegas que procederam como eu, mas, o que é peior, para fulminar a camara que, approvando aquelles requerimentos, ficou por complicidade sujeita á severa censura do digno par. Para se elevar tanto acima do nivel da camara deve certamente o sr. Fernandes Thomás ter solidos fundamentos na sua consciencia.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu pedi agora a palavra unicamente para responder ao sr. marquez de Vallada que - não me importa saber agora d'onde vem a origem do mal; isso é indifferente agora; o caso é que não se podem votar projectos de que não haja cabal conhecimento! O que me parecia é que ao menos se poderia obviar de algum modo a este grande inconveniente, fazendo com que em taes circumstancias, depois de feitos os pareceres, as commissões os mandassem logo imprimir particularmente, para que ao menos possam ser lidos depois de apresentados na mesa para entrarem em discussão.

Com este arbitrio, tomado em particular, evitavam se muitas duvidas e repugnancias, pois que a discussão de outra fórma é sempre impossivel.

O sr. Presidente: - Observo ao digno par, que ás commissões não se póde fazer imputação alguma, por isso mesmo que não estão auctorisadas para mandar imprimir os pareceres. A camara é que decide de quaes os pareceres que hão de ser impressos e quaes não. O requerimento do sr. marquez de Vallada ainda não foi votado, e é elle sobre a dispensa das formalidades do regimento para que hoje mesmo possa entrar em discussão o projecto n.° 49.

Foi approvado o requerimento por 12 votos contra 9.

(Entrou o sr. ministro da marinha.)

O sr. Presidente: - Em conformidade com a decisão da camara, cumpre-me declarar agora em discussão o parecer n.° 35, depois de ser lido pelo sr. secretario.

Leu-se na mesa o seguinte

Parecer n.° 35

Senhores. - Á commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 35, vindo da camara dos senhores deputados, que manda contar para os effeitos legaes, como serviço militar, todo o tempo que serviram no ministerio das obras publicas aquelles officiaes do exercito que estiveram em commissão no mesmo ministerio, depois da publicação da carta de lei de 23 de julho de 1864.

A vossa commissão, considerando que o decreto com força de lei de 30 de outubro de 1868 declarou sem effeito o de 3 de outubro de 1864 sobre a organisação do corpo de engenheria civil;

Considerando que aos officiaes passados ao serviço do ministerio das obras publicas, nos termos do artigo 66.° da carta de lei de 23 de junho de 1864, era garantida uma posição no corpo de engenheria civil;

Considerando que os referidos officiaes, pela extincção do mesmo corpo, voltaram ao exercito no posto em que d'elle saíram, ficando assim prejudicados, por facto alheio á sua vontade, em direitos legitimamente adquiridos;

Considerando porém que a conveniencia publica aconselha que o respectivo projecto fique em harmonia com a legislação respectiva ao tirocinio a que se refere o artigo 36.° do decreto de 12 de janeiro de 1837 e artigo 4.° da carta de lei de 3 de março de 1858:

É a vossa commissão de parecer que o indicado projecto de lei deve ser modificado nos seguintes termos:

Projecto de lei N. ° 35

Artigo 1.° É contado para os effeitos legaes, como serviço militar, todo o tempo que serviram no ministerio das obras publicas aquelles officiais do exercito que fizeram parte do exctinto quadro de engenheria civil.

Alterações ao projecto de lei nos. 35

Artigo 1.º É contado para os effeitos legaes, como serviço militar, menos para o tirocinio a que se refere o artigo 36.° do decreto com força de lei de 12 de janeiro de 1837 e o § unico do artigo 4.° da carta de lei de 3 de março de 1858, todo o tempo que serviram no ministerio das obras publicas, aquelles officiaes do exercito que fizeram parte do extincto quadro de engenheria civil, depois da publicação da carta de lei de 23 de junho de 1864.

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Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 30 de julho de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 19 de agosto de 1869. = Marquez de Fronteira = Conde de Fonte Nova = D. Antonio José de Mello e Saldanha. = Tem voto dos dignos pares, José Maria Baldy = Conde de Sobral.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

Vozes: - Votos, votos.

Foi approvado.

Seguiu se o

Parecer n.° 42

Senhores. - Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 47, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual o governo é auctorisado a conceder, sob sua immediata fiscalisação, a admissão livre de direitos nas alfandegas de todo o material fixo e circulante indispensavel para a construcção e exploração do caminho de ferro mixto de um só carril, auctorisado pelo decreto de 29 de junho de 1869.

Considerando que a concessão de que se trata é limitada, quanto aos objectos que podiam ser importados, e quanto ao praso concedido para a importação;

Considerando que a referida concessão é o unico auxilio reclamado por uma empreza que poderá concorrer para o augmento da riqueza publica:

A commissão é de parecer que o projecto de lei n.° 47 seja approvado por esta camara para subir á sancção real.

Sala da commissão, em 20 de agosto de 1869. = Felix Pereira de Magalhães = José Augusto Braamcamp = Conde da Ponte = Manuel Vaz Preto Geraldes.

Projecto de lei n.° 47

Artigo l.° Para a construcção e exploração do caminho de ferro mixto de um só carril, auctorisado pelo decreto de 29 de junho de 1869, é o governo auctorisado a conceder, sob sua immediata fiscalisação, ao marechal duque de Saldanha, a admissão livre de direitos na alfandega de Lisboa de todo o material fixo e circulante indispensavel para as referidas construcção e exploração.

§ 1.° Qualquer outra especie de material ou utensilio que não pertença ao que constitue propriamente o material fixo e circulante de um caminho de ferro d'este systema, que a empreza careça de importar, ficará sujeito aos direitos que nas pautas lhe corresponderem.

§ 2.° A isenção concedida n'este artigo durará tão sómente até 31 de setembro de 1870.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 19 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. visconde de Fonte Arcada pediu a palavra para quando entrasse em discussão este projecto; por consequencia tem o digno par a palavra.

O sr. Visconde de Fonte Arcadas - Sr. presidente, sinto ter de me oppor a este projecto, e faço-o por duas rasões, as quaes considero muito ponderosas: primeiro, porque não estão tão adiantadas e prosperas as nossas fabricas, que possam prescindir da protecção que recebem pelos impostos que pagam as obras de ferro que vem de fóra; e tira-se-lhes esta protecção, quando se lhes vae augmentar a contribuição industrial; e por isso não se deve permittir a admissão de obras estrangeiras, sem que paguem direitos. Se se impõem impostos sobre as industrias, e impostos que são muito avultados, não é justo permittir que entrem livres de direitos objectos que iriam alimentar a sua industria, e desenvolver mais o seu trabalho, de que resultaria proveito para o paiz. Este é um dos motivos que me levam a não approvar o projecto.

O outro motivo que actua no meu espirito para que negue o meu voto ao projecto que se discute, é porque elle contém uma lei de excepção e privilegio a favor de um membro do parlamento, concedendo-lhe um privilegio odioso.

Em Inglaterra os contratadores com o estado não podem ser eleitos membros do parlamento; e quando qualquer d'elles é accusado de ter tomado assento na camara dos communs, ou seus socios, provando-se, pagam de multa para quem os accusou 500 libras por cada vez que tiverem tomado assento na camara.

Sr. presidente, o projecto em discussão não é mais do que um privilegio concedido ao nobre duque de Saldanha, para tirar maiores interesses do privilegio que lhe foi concedido para estabelecer caminhos de ferro de um só carril, segundo um novo systema. Não será aquella concessão um contrato em que ao nobre duque se concede aquelle privilegio, obrigando-se elle a estabelecer uns caminhos de ferro por um systema novo?

Eu sinto muito que uma pessoa, como o nobre duque de Saldanha, a quem todos respeitamos ha muitos annos, e que tantos e tão valiosos serviços tem feito á patria, prescinda agora do melindre que devia ter, como membro do parlamento, e que n'estas circumstancias requeira ao parlamento, de que é um tão notavel membro, e este lhe conceda por uma lei especial, a seu favor, privilegios exclusivos.

A reputação do homem publico não deve ficar exposta a ser manchada pelo mais leve sopro da maledicencia. Este principio moral deve obrigar todos os membros do parlamento a conservarem a sua independencia por todos os modos, e a evitar que ella nem por sombras se possa considerar affectada. Este principio devia ser sempre muito acatado; e por isso eu sinto que o sr. duque de Saldanha, que póde ainda vir a ser um dia ministro da corôa, peça, e se lhe concedam, privilegios por leis excepcionaes, e contratos feitos com o governo, que elle, como membro do parlamento, e tão importante, deve fiscalisar.

Eu já aqui apresentei por diversas vezes uma lei de incompatibilidades parlamentares, fundada em leis hoje esquecidas e desprezadas, mas não tenho conseguido que se discuta; e o projecto que hoje se discute demonstra claramente a necessidade de se adoptar uma lei de incompatibilidades parlamentares.

Por emquanto não direi mais nada.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, muito poucas palavras tenho a dizer. Parece-me que o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, não attendeu verdadeiramente á letra d'este projecto.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Attendi ao espirito.

O Orador: - Pois eu attendo ao espirito e á letra. Não me parece que um homem qualquer, um cidadão, fique deshonrado por entrar em emprezas industriaes, embora seja membro do parlamento, quando esse cidadão não entra n'essas emprezas com idéa de prejudicar o paiz.

Não sei pois como possa merecer censura o facto de que se trata. Demais, aqui não ha nenhum contrato ou concessão que faça despender ao estado um unico real. É uma nova invenção de caminhos de ferro, á frente da qual se acha um homem notavel d'este paiz, o sr. duque de Saldanha, o qual não pede nada que não se tenha concedido a outras emprezas analogas, isto é, a permissão para importar, livres de direitos, certos materiaes para as obras do novo caminho de ferro que o illustre marechal vae estabelecer.

O digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada, fallou em principios, e argumentou mesmo com a legislação ingleza; mas eu tenho a observar a s. exa. que, se tratassemos de jure constituendo, poderiam ter logar as suas considerações, mas trata se de jure constituto, e por consequencia parece-me que não têem elles cabimento na questão de que nos occupâmos.

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Não posso crer de maneira nenhuma que um cidadão, por ser membro do parlamento, seja privado de um direito que pertence a todos os cidadãos (apoiados).

Sei que o digno par não teve idéa de atacar a pessoa do nobre duque de Saldanha, e até alludiu aos seus grandes serviços ao paiz e á liberdade; mas parece-me que quiz contestar-lhe um direito de que gosa o mais simples cidadão, e senti, que se nomeasse com menos favor o nome de um homem de quem sou amigo, e por quem todos, sejam affeiçoados, sejam adversarios, têem a maior deferencia, porque todos reconhecem os seus relevantes serviços á patria, e admiram as suas excellentes qualidades pessoaes.

É o nobre marechal um dos homens mais conspicuos d'esta terra, e dos que mais concorreu para a restauração da dynastia e para o estabelecimento das liberdades publicas de que gosâmos (apoiados), portanto não ha motivo para dizer-se que procede com pouco melindre n'este negocio. Pelo contrario, devia-se reconhecer que é mais um serviço que s. exa. presta ao seu paiz, porque o vae dotar com um melhoramento de tanta utilidade, sem que o thesouro despenda para isso a menor quantia.

Sr. presidente, é esta a minha convicção, e as minhas palavras são inspiradas por ella e por um sentimento de justiça para com um homem cujos valiosos serviços são um protesto contra toda a idéa menos favoravel que se queira fazer de qualquer acto da sua vida. A camara, sabe que eu não costumo lisonjear pessoa alguma, e reconhece de certo que cumpri um dever de justiça, manifestando as idéas que acabo de expor.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, poucas palavras direi. Pergunto ao digno par que acaba de fallar, se é simples cidadão aquelle que não póde ser preso senão em flagrante delicto de pena capital, que se commetter qualquer crime não póde ser julgado senão por esta camara, de quem depende que o processo continue ou não, que tem todos os privilegios que nós temos? Pois é um simples cidadão aquelle que está n'estas circumstancias? Os privilegios que tem qualquer membro do parlamento e que são inherentes a esta qualidade, são-lhes concedidos para que possa conservar a sua independencia; e se esta qualidade tem muitos direitos para este fim, tambem tem muitos deveres a cumprir; o primeiro, e a que a sua posição o obriga, é a conservar a sua independencia do governo como representante do paiz, e não deve dar occasião a que possa haver a minima suspeita de que não possue essa independencia; é preciso collocar-se sempre muito alem d'essa suspeita. É assim que eu entendo que um membro do parlamento deve reconhecer os seus deveres, e não querer sómente ter immunidades e regalias, esquecendo os encargos e os deveres que tem.

Finalmente, sr. presidente, eu não quero cansar a camara, e terminarei dizendo que é esta a minha opinião, e por isso rejeito o projecto em discussão.

(Pausa.)

Vozes: - Votos, votos.

Leu-se na mesa o parecer, que foi successivamente approvado na generalidade e especialidade.

O sr. Presidente: - Em vista da dispensa do regimento pedida pelo sr. relator da commissão de fazenda, e approvada pela camara, passaremos a tratar do parecer n.° 44 sobre o projecto de lei n.° 50.

Parecer n.° 44

Senhores. - O projecto de lei n.° 50, approvado pela camara dos senhores deputados, propondo-se equiparar com respeito á contribuição as condições dos empregados de corporações administrativas e de estabelecimentos não subsidiados pelo estado ás condições dos empregados publicos, estatue que, ficando os referidos empregados isentos de contribuição industrial soffrem em seus vencimentos a deducção consignada no artigo 1.° do decreto de 26 de janeiro de 1869.

A commissão de fazenda, considerando que o augmento da contribuição industrial não póde com justiça affectar mesquinhos estipendios insusceptiveis do desenvolvimento que a industria tem attingido e que constitue o augmento de contribuição, e attendendo a que não seria justo impor aos mencionados empregados condições mais onerosas com relação ao imposto, do que aquellas a que estão sujeitos os empregados publicos, é de parecer, de accordo com o governo que se deve approvar o indicado projecto para subir á sancção real.

Sala da commissão, em 21 de agosto de 1869. - Conde d'Avila = Felix Pereira de Magalhães = José Augusto Braamcamp = Conde da Ponte = Visconde d'Algés.

Projecto de lei n.° 50

Artigo 1.° Aos vencimentos dos empregados de corporações administrativas e de estabelecimentos não subsidiados pelo estado é applicavel a deducção determinada no artigo 1.° do decreto de 26 de janeiro de 1869, deixando os mesmos empregados de ficarem sujeitos á matriz industrial.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 20 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Leu se na mesa; e, não pedindo ninguem a palavra, foi posto a votos e approvado tanto na generalidade como na especialidade sem discussão.

Leu-se o

Parecer n.° 46

A vossa commissão de marinha e ultramar examinou o projecto de lei apresentado pelo digno par do reino o sr. marquez de Vallada, com o fim de auctorisar o governo a pagar aos vogaes effectivos do extincto conselho ultramarino os respectivos ordenados desde a data da extincção d'aquelle tribunal, até que pelo poder legislativo sejam regulados os vencimentos dos empregados inamoviveis que ficarem fóra dos quadros.

Considerando que o artigo 17.° do decreto de 23 de setembro de 1868, que privou os vogaes do conselho ultratramarino dos ordenados que por lei lhes pertenciam, excedeu a auctorisação dada ao governo pela carta de lei de 9 de setembro do mesmo anno, visto que esta lei pelo seu artigo 3.° inhibia o governo de alterar os vencimentos legalmente estabelecidos dos funccionarios que ficassem fóra dos quadros;

Considerando que em todas as outras reformas decretadas pelo governo foi respeitada a doutrina do referido artigo 3.º, com relação ao conselho ultramarino, fossem garantidos os ordenados a todos os empregados, com a unica excepção dos vogaes effectivos que aliás eram os unicos inamoviveis;

Considerando que por modo algum se justifica esta excepção perante a lei, com respeito aos membros de um tribunal que, tendo os mesmos direitos e prerogativas dos juizes do supremo tribunal de justiça, não podiam ser privados dos seus empregos senão por sentença do poder judicial, e quando mesmo alem d'isso eram dignos de consideração por serviços relevantes feitos ao estado;

Considerando que emquanto os vogaes do conselho ultramarino eram privados dos seus vencimentos legaes, se elevavam consideravelmente os vencimentos a muitos outros funccionarios;

Considerando que já a camara dos senhores deputados, em sessão de 14 do corrente mez, por uma votação quasi unanime, approvou os pareceres das suas commissões, de fazenda, legislação e ultramar, que sem discrepancia sustentaram a doutrina d'este projecto de lei, por occasião de resolver sobre a representação de um dos vogaes do mesmo conselho;

Considerando a conveniencia de manter o principio constitucional de igualdade perante a lei:

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É a vossa commissão de parecer, que seja approvado o seguinte

Projecto de lei n.° 52

Artigo 1.º É o governo auctorisado a pagar aos vogaes effectivos do exctinto conselho ultramarino os ordenados a que tinham direito pela legislação anterior ao decreto de 23 de setembro de 1868, e desde a data da extincção do referido tribunal, até que pelo poder legislativo sejam fixados os vencimentos com que têem de ficar os empregados inamoviveis, que excederem os quadros.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de marinha e ultramar, em 20 de agosto de 1869. = Marquez de Ficalho = Conde de Linhares = Marquez de Fronteira = Visconde de Soares Franco.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Era unicamente para pedir a v. exa. que me informasse se com este projecto se dão as mesmas circumstancias que se deram com aquelle a que se referiu o sr. Fernandes Thomás sobre interesses particulares?

O sr. Presidente: - Este projecto entra já em discussão, porque pediu a dispensa do regimento, para d'elle se tratar na sessão de hoje, o sr. marquez de Vallada; este pedido foi approvado pela camara, e eu na qualidade de presidente devo cumprir as suas determinações; é por isso pois que se tratará do mesmo projecto na sessão de hoje (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Duque de Loulé): - Eu não desejo entremetter-me nas questões de ordem da camara, mas o interesse publico exige que os projectos de interesse do estado sejam proferidos aos de mero interesse particular; foi n'este sentido que a camara creio que votou a dispensa do regimento e formalidades da impressão. Parecia-me pois, sem querer por fórma alguma propor o adiamento de outros, que os projectos que não são de interesse publico, fossem tratados immediatamente depois dos que se acham já impressos.

Tambem devo observar que na camara dos senhores deputados ha um projecto igual a este, que vae entrar em discussão ou que já se está discutindo, para regular o assumpto de que este mesmo projecto trata. A camara fará o que entender, mas parecia-me que não perderiamos cousa alguma, se reservassemos este negocio, para quando viesse o projecto da outra camara.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, eu preciso responder a esta accusação que me faz o sr. presidente do conselho, duque de Loulé. S. exa. não me póde negar o direito que eu tenho de usar da minha iniciativa, como par do reino, nem eu lh'o admittia de certo. Apresentei o projecto que está em discussão, e apresentei-o no pleno goso dos meus direitos; á camara pois é que pertence vota-lo como entender, rejeitando-o ou approvando o, mas o meu direito é que ninguem m'o póde negar.

Sr. presidente, eu tenho dado o meu voto ao governo, mas não me posso por isso curvar a todas as suas exigencias; é preciso que o governo saiba que o meu apoio é consciencioso, e não tem nada de servil (apoiados).

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu não pretendi dar lições ao digno par, conheço que apresentou o seu projecto de lei á camara, no pleno goso dos seus direitos, e não me parece ter feito nenhuma accusação a s. exa. em dizer que na outra camara se acha um outro projecto regulando o assumpto de que tratava o projecto de s. exa. Emitti apenas a minha opinião, dizendo que me parecia mais conveniente que este projecto se demorasse até á vinda do outro; mas nem sequer cheguei a propor o adiamento. A camara portanto fará o que lhe parecer mais conveniente.

Na verdade é um caso inteiramente novo e para estranhar, que se esteja tratando nas duas camaras simultaneamente de dois projectos de lei sobre o mesmo assumpto; no entanto á prudencia do corpo legislativo e á sua cordura pertence proceder pelo modo que lhe pareça mais conveniente; mas, repito, a camara resolverá o que entender.

O sr. Presidente: - Devo observar ao digno par o sr. marquez de Vallada que o sr. presidente do conselho não combateu, nem poz nunca em duvida, o direito que o digno par tem de usar da sua iniciativa, que é livre. S. exa. apresentou apenas algumas duvidas sobre a opportunidade da discussão. (O sr. Presidente do Conselho: - Apoiado.)

O sr. Marquez de Vallada: - Nada mais tenho a acrescentar senão que apresentei este projecto no pleno uso do meu direito; que o sustento como sempre costumo sustentar as deliberações que tomo, e que não posso nem quero sujeitar-me a uma retirada desairosa só pelo facto do sr. presidente do conselho não concordar com elle.

Primeiro que tudo está a minha dignidade.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Não me compete entrar na economia das deliberações da camara; entendi todavia que para interesse da cousa publica devia fazer as considerações que fiz, e revelar o facto, (ignorado pela maior parte dos dignos pares) de que na outra casa do parlamento, e por iniciativa de um sr. deputado, estava em discussão um projecto de lei tendente a resolver a questão de que trata o projecto do digno par.

A camara todavia, faça o que entender; porque eu, repito, como ministro da corôa não me compete fazer propostas para regular o andamento dos trabalhos que occu-pam a attenção da camara.

O sr. Presidente: - Se não for apresentada proposta alguma de adiamento, não terei remedio senão pôr á votação o projecto do digno par o sr. marquez de Vallada.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra vae-se ler na mesa, para ser votado.

O sr. Secretario: - Leu-o.

Foi approvado.

Em seguida foi tambem approvado sem discussão o seguinte:

Parecer n.° 43

Senhores. - A commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 49, remettido a esta camara pela dos senhores deputados, providenciando que os empregados das duas camaras legislativas que forem nomeados da data da presente lei em diante ficam sujeitos a pagar ao estado um imposto igual ao imposto denominado direitos de mercê, bem como pagarão este imposto os empregados actuaes da importancia da melhoria que obtiverem nos seus vencimentos.

Considerando que é de justiça e do interesse do estado que os empregados das duas camaras legislativas paguem como os outros empregados publicos os direitos de mercê, é de parecer que seja approvado e remettido á real sancção.

Sala da commissão, em 21 de agosto de 1869. = Conde d'Avila = José Augusto Braamcamp = Visconde de Algés = Felix Pereira de Magalhães.

Projecto de lei n.° 49

Artigo 1.° Os empregados das duas camaras legislativas que forem nomeados da data da presente lei em diante ficam sujeitos a pagar ao estado um imposto igual ao imposto denominado direitos de mercê.

Art. 2.° Os actuaes empregados das duas camaras, quando obtiverem melhoria de vencimento, serão tambem sujeitos ao imposto de que trata o artigo antecedente, pela parte de seus vencimentos que constituir melhoria.

Art. 3.° As mesas das duas camaras farão o regulamento para execução da presente lei.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 20 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

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O sr. Ministro da Fazenda (Anselmo Braamcamp): - Eu pedia a v. exa. que se dignasse consultar a camara para ver se ella consente que entrem em discussão os pareceres nos. 38 e 40. O primeiro, especialmente, é muito urgente, porque diz respeito á cobrança dos imposto e sua applicação ás despezas do estado, e o segundo tambem é de bastante consideração, por ser o complemento da lei da contribuição predial.

Era pois muito conveniente que estes dois pareceres entrassem hoje em discussão, até para que na segunda feira não se accumulassem muitos trabalhos.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lobo d'Avila): - Era para fazer um pedido igual ao que acaba de ser feito pelo meu collega, mas em relação ao parecer n.° 34, que diz respeito ao contingente para o exercito.

O sr. Presidente: - A camara ouviu os requerimentos que acabam de ser feitos pelos srs. ministros da fazenda e obras publicas, e portanto vou consulta-la sobre se approvam esses requerimentos.

A camara decidiu affirmativamente, e entrou em discussão o parecer n.° 38,

Parecer n.° 38

Senhores. - A commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 44, vindo da camara dos senhores deputados, tendente a auctorisar o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos relativos ao exercicio de 1869-1870, e applicar o seu producto ás despezas do estado correspondentes ao mesmo exercicio, segundo o disposto nas cartas de lei de 26 de junho de 1867; declarando outrosim em vigor no exercicio de 1869-1870 as disposições da carta de lei de 16 de abril de 1867, que alterou o artigo 3.º da carta de lei de 30 de julho de 1860, auctorisando igualmente o governo a reorganisar os quadros e os serviços publicos, de modo que simplifique estes e reduza a respectiva despeza, e prorogando até ao fim de junho de 1870 as disposições do decreto de 26 de janeiro do corrente anno.

A commissão, tendo ouvido as explicações do governo, reconhecendo a impreterivel necessidade da providencia proposta, e attendendo a que a auctorisação pedida para a reorganisação dos quadros e do serviço publico é sujeita á condição expressa de reduzir a respectiva despeza, é de parecer que o referido projecto seja approvado por esta camara para subir á real sancção.

Sala da commissão, 20 de agosto de 1869. - Felix Pereira de Magalhães = José Augusto Braamcamp = Manuel Vaz Preto Geraldes. - Tem voto do digno par = Conde da Ponte.

Projecto de lei n.° 44

Artigo 1.° É o governo auctorisado a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, relativos ao exercicio de 1869-1870, e applicar o seu producto ás despezas do estado, correspondentes ao mesmo exercicio, e segundo o disposto nas cartas de lei de 26 de junho de 1867 e mais disposições legislativas em vigor, podendo decretar nas tabellas de despeza as necessarias rectificações.

Art. 2.° São declaradas em vigor, no exercicio de 1869-1870, as disposições da carta de lei de 16 de abril de 1867, que alterou o artigo 3.° da carta de lei de 30 de julho de 1860. Por esta fórma o imposto de viação sobre as contribuições predial, industrial e pessoal do anno civil de 1869 continuará a ser de 40 por cento, e o mesmo imposto no exercicio de 1869-1870 será igualmente de 40 por cento sobre a contribuição de registo, e de 20 por cento sobre os direitos de mercê e matriculas e cartas.

Art. 3.° É auctorisado o governo a reorganisar os quadros e os serviços publicos, de modo que simplifique estes e reduza a respectiva despeza, dando depois conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 4.° Os empregados de fazenda não receberão quotas sobre os impostos addicionaes votados na presente sessão legislativa.

Art. 5.° São prorogadas até ao fim de junho de 1870 as disposições do decreto de 26 de janeiro do corrente anno, que estabeleceu as deducções nos subsidios e vencimentos dos empregados do estado, dos de corporações e estabelecimentos pios, e das classes inactivas de consideração, no continente do reino e ilhas adjacentes.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, 18 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado na generalidade sem discussão.

Passando-se á especialidade foram approvados tambem sem discussão os artigos 1.° e 2.º

Artigo 3.°

O sr. Larcher: - A minha posição especial de engenheiro civil obriga me a tomar a palavra para apresentar algumas considerações relativamente ao artigo 3.°

Sr. presidente, ha poucos dias offereci eu a v. exa., para serem distribuidos pelos membros d'esta casa, 40 exemplares de um folheto para o qual peço a attenção de meus dignos collegas, e rogo a v. exa. e á camara se sirvam abri-lo a paginas 67, e ali verão que a economia annual de transportes obtida por meio dos caminhos de ferro e das estradas ordinarias, é representada por mais de réis 6.000:000$000 annuaes, isto é, o juro a 5 por cento de um capital de 120.000:000$000 réis.

Segundo os calculos estampados no relatorio do ex-ministro o sr. Calheiros, tem-se despendido 33.000:000$000 réis com aquellas construcções. Deduz-se portanto da comparação d'esta despeza com aquella receita um saldo enorme a favor d'esta ultima, circumstancia esta que foi cuidadosamente occultada no mencionado relatorio, por isso, creio eu, que contrariava as vistas do auctor d'elle empenhado, segundo se deixa ver, em fazer sobresaír aos olhos da paiz a despeza com exclusão absoluta das vantagens por ella creadas.

Proseguindo direi que me parece bom negocio o que dá 18 por cento do capital empregado. Creio tambem que semilhante taxa de juro jamais foi excedida senão nas operações financeiras, e nos supprimentos feitos pela administração passada. Com a differença porém, que as sobreditas operações traziam-nos o descredito, a ruina e a miseria, emquanto que aquelle aperfeiçoamento de viação, a par do consideravel engrandecimento da riqueza nacional, representava a subsistencia de perto de 30:000 operarios.

Quem tiver a justissima curiosidade de verificar o detalhe d'este calculo, poderá ver desde as paginas 58 a modestia das bases que o sustentam, modestia revelada pela comparação do que se dá em paizes estranhos, modestia que em absoluto podem avaliar observando que aquella economia de transportes se traduz por 20 réis poupados em cada kilometro para cada viajante em caminho de ferro, em 80 réis por tonelada kilometrica transportada já n'aquelle genero de via, já sobre as novas estradas ordinarias. E appello para todos os que se recordam do preço em que lhes importavam as viagens e os transportes atraves dos precipicios a que d'antes se dava o nome de estradas, para que declarem se aquelles elementos são exagerados, ainda mesmo que se dispa de toda a consideração, a economia de tempo e de incommodo poupado pelas novas construcções, á qual n'outros paizes se attribue tão grande valor.

Se não fosse minha firme intenção não insistir com demasia n'estas considerações, teria que discorrer largamente sobre o augmento de valor das propriedades marginaes e proximas das novas vias de communicação, sobre a possibilidade de existencia que a diversas industrias até agora latentes faculta similhante rebaixo nos transportes, e sobre o vasto campo de operações que á agricultura e ao commercio é aberto pela simples diminuição de 80 réis no custo do transporte kilometrico de cada tonelada de mercadorias.

Porém não só não quero cansar a camara, mas direi

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mesmo que acho estranho e ridiculo que em meado de 1869 alguem se veja reduzido a enumerar em pleno parlamento vantagens cujo conhecimento é velho, repetir axiomas repisados em toda a parte e ha tanto tempo, e Creia v. exa. que tal papel não representaria eu agora, se um governo imbebido de falsas crenças, ignorante das leis mais elementares da sciencia economica, não tivesse tentado preverter a opinião da maioria da nação portugueza, e dar-lhe um violento impulso para a mais completa desgraça.

Sr. presidente, invocando as economias, reduziu o governo caído a 50 por cento a verba de estradas, e sabe v. exa. quantos kilometros faltam para se completar a rede de estradas ordinarias, reaes e districtaes do Continente, para que a todas chegue o negocio beneficioso de que fallei, para que a riqueza nacional por toda a parte se desenvolva e augmente, para que Portugal chegue a ser nação prospera e civilisada? Faltam 10:000 kilometros, isto é, mais do triplo do que até agora se tem construido. E segundo as disposições d'aquelle governo netasto gastar-se-iam n'aquella construcção cincoenta annos da nossa vida, cincoenta annos de marasmo e de atrazo, cincoenta annos de miseria e de dor! Quaes cincoenta annos! Muitos mais se gastariam se tivessem de ser vencidas a desordem e confusão introduzidas nos serviços pela falsa interpretação dada á theoria descentralisadora, theoria que muito respeito e acato como a mais conducente á perfectibilidade em todo o machinismo da administração publica. Esta confusão desordenada denunciam-na as portarias e a circular que a meu pedido enviou a esta camara o ministerio do reino, documentos cuja publicidade eu requererei se alguma duvida se levantar a tal respeito, e teria ella sido evitada se aquelles homens, com emprestados nomes de ministros, tivessem procedido methodica e gradualmente, em vez de quererem implantar ex abrupto um systema para o qual nem os povos nem o funccionalismo estavam preparados. Portanto já v. exa. vê que approvo a reorganisação dos quadros e dos serviços, comtanto que a esta reorganisação presida a economia indispensavel em todos os casos, e com muita especialidade nas circumstancias criticas em que se acha este paiz.

Porém não me contento com esta singela expressão de meu voto e na minha qualidade de ex-engenheiro civil, cumpre-me fazer uma solemne declaração.

Não pretendo defender a classe a que pertenci; todas quantas palavras proferisse n'esta justissima defeza, tornar-se-iam suspeitas passando por minha bôca, e teriam o cunho de questão pessoal que desejo afastar de mim. Esta distincta classe menoscabada e vilipendiada recentemente; estes activos trabalhadores; estes homens estudiosos e instruidos, e note v. exa. que me excluo d'este numero, que tanto contribuiram para dotar o seu paiz com os melhoramentos que eu referi, não precisam de que eu levante a minha fraca voz em abono de seu prestimo.

A nação inteira lhes fará a devida justiça quando para ella for indubitavel a pericia e economia que presidia ás obras por elles construidas, quando para ella se evidenceie que graças á aptidão crescente d'aquelle pessoal technico se obtinha durante o triennio findo em 1867, a preço de 4:400$000 réis o kilometro de estrada que anteriormente custava mais de 6:000$000 réis; á nação, digo, competia rehabilita-los definitivamente.

E se para a nação se prolongar este estado de duvida, dirá alguem: se a duvida persistir não se attende a esta classe pouco numerosa, a esta diminutissima fracção do povo portuguez, e tanto menos dó deve ella inspirar quanto o genero de instrucção que ella recebeu lhe permitte achar trabalho em toda a parte e ganhar a sua subsistencia em qualquer das cinco partes do mundo.

Mas em nome da felicidade d'este paiz, em nome do progresso violentamente estrangulado pela administração banida d'aquelles bancos, peço aos poderes do estado que todos concorram á porfia para que não pare, para que se dê nos limites do possivel o maximo e mais rapido desenvolvimento ao systema de viação nacional.

Embora se confie a construcção a empreiteiros nacionaes ou estrangeiros, se por acaso se julgar que estes industriaes podem construir mais barato e melhor do que o fazia o extincto corpo dos engenheiros civis, apesar de todas as re-ducções de preço gradualmente attingidos; mas façam-se estradas, tornem-se navegaveis os rios, melhorem-se os portos, reguem se as terras, e até..., sem receio o digo, complete-se a rede de nossos caminhos de ferro, e verei cumprido o meu desejo, porque ao menos n'este ponto chegará o meu paiz a par das nações cuja felicidade invejâmos.

Tenho dito.

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, não desejo cansar a camara, porque o tempo é precioso, e nós temos muitos objectos de interesse publico de que tratar. Direi comtudo algumas palavras.

Quanto ao artigo 3.° do projecto em discussão não farei agora as considerações que faria em outra occasião mais largamente, porque este artigo se presta a ellas, mas veda-m'o a brevidade com que é forçoso discutir, e n'isto vejo-a desorganisação completa do systema parlamentar.

Sr. presidente, auctorisações como estas têem-se concedido já aos governos anteriores por muitas vezes. Eu approvo esta, mas sinto que este e outros negocios importantes sejam aqui trazidos nos ultimos dias da sessão para serem votados immediatamente, sem serem meditados e discutidos, o que prova de algum modo que se póde dispensar o parlamento.

Não se pense porém que eu, concedendo esta auctorisação ao governo, julgue inutil e desnecessario o corpo legislativo.

Não é assim, sr. presidente, eu não renego do systema representativo, porque isso seria renegar o proprio sangue que me corre nas veias; mas o que entendo é que o nosso systema parlamentar precisa de reforma, porque não está estabelecido de uma maneira conveniente para preencher o seu fim, e seja-me licito dizer que, assim como o digno par que acabou de fallar pediu ao governo que fizesse estradas, eu peço ao governo, e peço-lh'o encarecidamente, que proponha uma reforma parlamentar, tanto para esta como para a outra camara.

Eu entendo, sr. presidente, que um dos nossos maiores males, se não é o unico, é não estar constituido o parlamento como deve ser para exercer convenientemente as suas attribuições, e n'este caso é que se podiam applicar as palavras do barão Luiz, palavras que já se têem tornado banaes, - se quereis boas finanças, dae-me boa politica. Eu digo - se quereis boa politica, - dae me bom parlamento (apoiados). Mas não póde haver bom parlamento, emquanto o systema parlamentar não estiver constituido de outro modo.

Portanto peço aos srs. ministros que hajam de propor uma reforma das duas casas do parlamento para acabar de uma vez para sempre a necessidade de conceder ao governo auctorisações como esta que hoje concedemos, e que eu todavia me applaudo de conceder, porque entendo que é de alta conveniencia publica, nas circumstancias em que estamos, mas repetindo que não é possivel que o parlamento possa fazer bom serviço ao paiz emquanto se vir forçado a delegar ao governo similhantes attribuições, e a desviar de si a resolução de negocios tão importantes, pela minha parte declaro que cheguei a uma grande descrença do governo representativo, como elle se acha estabelecido entre nós, e não vejo que este mal tenha remedio efficaz senão na completa reforma do systema parlamentar.

Agora, sr. presidente, aproveito esta occasião para pedir a v. exa. e á camara que conceda licença para que seja aggregado á commissão de instrucção publica o sr. visconde de Algés, porque esta commissão não tem actualmente o numero de membros que são necessarios para ella poder

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funccionar. Alem d'isso está affecto áquella commissão um projecto muito importante, a respeito do qual a mesma commissão não póde dar o seu parecer por falta de vogaes, e por isso faço esta proposta que peço a v. exa. que submetta á votação da camara (apoiados).

Posto á votação este requerimento, foi approvado.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra a v. exa., como relator da commissão, para responder ás observações que fez o sr. Roque Joaquim Fernandes Thomás, mas como o digno par declarou depois que se applaudia de votar o artigo 3.° d'este projecto, porque tendia a melhorar a organisação dos serviços publicos, que foram desorganisados pela ultima reforma, e por consequencia precisam ser melhorados, nada direi com relação a este objecto; julgo desnecessario dar explicações ás considerações geraes que s. exa. julgou opportuno fazer por esta occasião.

Como me acho com a palavra, aproveito a opportunidade para mandar para a mesa o parecer sobre o projecto relativo á contribuição do registo.

Vozes: - Votos, votos.

Consultada a camara, approvou o artigo 3.°, sendo em seguida approvados sem discussão os artigos 4.°, 5.° e 6.°

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer que foi mandado para a mesa pelo digno par o sr. Vaz Preto.

Leu-se na mesa.

O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Acabam de chegar da outra camara os seguintes projectos que passo a ler.

(Estão mencionados na correspondencia.)

O sr. Pinto Bastos: - Sr. presidente, peço a v. exa. consulte a camara se quer entrar já na discussão do projecto relativo á desamortisação.

O sr. Presidente: - Eu devo observar que na mesa existem dois requerimentos: o que o digno par acaba de fazer, e outro do sr. ministro das obras publicas e interino da guerra, para que entre desde já em discussão o parecer n.° 34 sobre o projecto de lei n.° 38; portanto vou consultar a camara.

O sr. Pinto Bastos: - Em virtude da observação de v. exa. modifico o meu requerimento, propondo que o projecto a que me referi seja discutido logo depois d'aquelle para que o sr. ministro pediu a urgencia.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara.

Consultada a camara, foram approvados os dois requerimentos.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, pedi a palavra para observar a v. exa. que o projecto que a camara approvou, relativo á lei de meios, carece de ser sanccionado antes do encerramento das côrtes, porque a auctorisação anterior não vigora senão emquanto as camaras se conservarem abertas; portanto é necessario que o projecto seja convertido em lei quanto antes. E dignando-se Sua Magestade receber a deputação que deverá levar o referido projecto á sancção real na proxima quarta feira pela uma hora da tarde, peço a v. exa. que se digne nomear a respectiva deputação.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o

Parecer n.° 34

Senhores. - Á commissão de guerra foi presente o projecto de lei n.° 38, vindo da camara dos senhores deputados, fixando em 10:000 recrutas o contingente para o exercito no corrente anno de 1869, e fazendo a sua distribuição pelos districtos administrativos do continente do reino e das ilhas adjacentes, na proporção da população dos mesmos districtos e na conformidade da tabella que faz parte d'esta lei.

A vossa commissão, tendo examinado com toda a attenção o indicado projecto de lei, é de parecer, de accordo com o governo, que elle está no caso de ser approvado por esta camara para subir á sancção regia e poder ser convertido em lei.

Sala da commissão, em 16 de agosto de 1869. = José Maria Baldy = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Conde de Sobral = Conde de Fonte Nova.

Projecto de lei n.° 38

Artigo 1.° O contingente para o exercito no corrente anno de 1869 é fixado em 10:000 recrutas, e a sua distribuição pelos districtos administrativos do continente do reino e das ilhas adjacentes será feita na proporção da população dos mesmos districtos, e na conformidade da tabella que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° É o governo auctorisado a deduzir do contingente que pertencer a cada um dos districtos administrativos um numero de recrutas igual áquelle com que o mesmo districto contribuir para o recrutamento maritimo.

§ unico. A differença resultante d'esta compensação será distribuida proporcionalmente por todos os districtos administrativos do reino e das ilhas adjacentes.

Art. 3.° Os recrutas que forem ou tenham sido fornecidos pelos districtos administrativos por conta da divida dos contingentes decretados até ao anno de 1868 inclusivé servirão effectivamente os cinco annos marcados no artigo 4.° da lei de 27 de julho de 1855, ainda quando o seu alistamento seja posterior ao dia 1 de janeiro do corrente anno.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 6 de agosto de 1869. = Antonio Alves Carneiro, supplente á presidencia = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Tabella demonstrativa do numero de recrutas com que devem contribuir no presente anno de 1869, para o recrutamento do exercito, os districtos administrativos do continente do reino e das ilhas adjacentes

Districtos administrativos
População dos districtos
Quota do contingente
Angra do Heroismo.....................
Aveiro......................................................
Beja............................................................
Braga.........................................................
Bragança................................................
Castello................................................
Coimbra...................................................
Evora.........................................................
Faro............................................................
Funchal...................................................
Guarda......................................................
Horta.........................................................
Leiria......................................................
Lisboa......................................................
Ponta Delgada.................................
Portalegre..........................................
Porto.........................................................
Santarem................................................
Vianna do Castello..................
Villa Real..........................................
Vizeu.........................................................
72:497
251:928
140:368
318:429
161:459
163:165
280:049
100:783
177:312
110:468
215:995
63:371
179:705
435:522
111:267
97:796
418:453
198:282
203:721
218:320
366:107

4.286:997

169
588
328
742
377
381
653
235
414
258
504
153
419
1:015
260
228
976
462
475
509
859

10:000

Palacio das côrtes, em 6 de agosto de 1869. = Antonio Alves Carneiro, supplente á presidencia. = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Posto em discussão, na generalidade, o projecto foi approvado, entrando em seguida em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Fernandes Thomás: - Sr. presidente, tambem approvo este projecto que está em discussão, e para o approvar bastava o ser elle sido aceito e votado pela camara dos srs. deputados, porque é relativo a um imposto e imposto o mais pesado que póde recaír sobre todo o cidadão. No entretanto como a commissão d'esta casa não deu a rasão da differença que noto entre o projecto do governo e o que vem da outra camara, desejava ser esclarecido sobre este ponto.

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O sr. marquez de Sá tinha na sua proposta de lei pedido 7:200 recrutas, mas o projecto da camara dos senhores deputados eleva este numero a 10:000. Não sei a rasão d'isto, e desejava ser esclarecido sobre os motivos d'este augmento no numero dos recrutas, exigindo-se um numero superior ao que primeiramente tinha sido pedido, e tanto mais quanto havendo 20:000 recrutas em divida dos districtos, tem estas obrigação de ser chamadas ao serviço primeiro que as 10:000 que se pedem agora. Desejava portanto que o sr. ministro da guerra, ou o sr. relator da commissão me dessem os esclarecimentos necessarios a este respeito.

O sr. D. Antonio José de Mello e Saldanha: - Sr. presidente, pedi a palavra por parte da commissão de guerra para responder ao digno par e meu amigo o sr. Fernandes Thomás. É verdade que nos annos anteriores se pedia um contingente de 7:200 recrutas, mas tendo uma lei recente alterado o tempo do serviço effectivo, passando de 5 a 3 annos, e dando se a circumstancia que desde a promulgação da lei de 27 de julho de 1855 até ao presente ainda não ha exemplo, de que o contingente de recrutas votado para esse anno, tenha sido fornecido integralmente, não obstante terem os differentes districtos administrativos amortisado em annos successivos parte da divida dos contingentes anteriores, ainda na actualidade é esta divida de 21:669 recrutas, por todos estes motivos julgou-se conveniente pedir em vez dos 7:200, 10:000, por ser este contingente o que naturalmente corresponde á força votada de 30:000 praças, augmento este com que concordou não só o sr. marquez de Sá, mas o actual sr. ministro da guerra.

Vozes: - Votos, votos.

Consultada a camara approvou o artigo 1.°, approvando em seguida sem discussão todos os artigos do projecto.

O sr. Presidente: - Convido o sr. vice-presidente a vir occupar este logar.

(Occupando a presidencia o sr. Conde de Castro, poz em discussão o parecer n.° 39 relativo ao projecto da desamortisação. O sr. presidente retirou-se da sala em seguida.)

Parecer n.° 39

Senhores. - A commissão de fazenda examinou attentamente o projecto de lei n.° 48, pelo qual a camara dos senhores deputados votou que as disposições das leis de 4 de abril de 1861 e de 22 de junho de 1866 fossem extensivas a diversos bens e direitos immobiliarios não comprehendidos nas mesmas leis.

A commissão, considerando que o principio da desamortisação, adoptado na legislação d'este paiz com o duplo fim de augmentar os rendimentos das corporações, e de favorecer os interesses do estado ampliando a liberdade da terra, é por identidade de rasão applicavel aos bens e direitos de que trata o presente projecto de lei, assim como foi decretado para os bens e direitos comprehendidos nas leis de 1861 e 1866;

Considerando as beneficas disposições contidas nos artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.°, já quanto aos predios exceptuados da desamortisação, já quanto ao praso de novo concedido para a remissão dos fóros, censos, pensões e quinhões, já em relação ás garantias resultantes da hasta publica, pela qual é regulado, não só o preço da venda em numerario, mas tambem a inversão d'este em titulos de divida fundada pelo valor do mercado;

Considerando que os artigos 9.° a 12.° do projecto, contêem previdentes disposições sobre a desamortisação dos baldios dos municipios e parochias;

Considerando necessaria a regularisação do laudemio, conforme se determina no artigo 13.°;

Considerando o alcance economico do presente projecto de lei, e valiosa influencia que deverá, designadamente pela prescripção do artigo 7.°, exercer para o melhoramento das condições financeiras do paiz, melhoramento este em que directamente interessam todas as classes de cidadãos:

É de parecer que o projecto de lei n.° 48 seja approvado por esta camara, para subir á sancção real.

Sala da commissão, em 20 de agosto de 1869. = Felix Pereira de Magalhães = José Augusto Braamcamp = Visconde de Algés = Manuel Vaz Preto Geraldes.

Projecto de lei n.° 48

Artigo 1.° A desamortisação decretada nas cartas, de lei de 4 de abril de 1861 e de 22 de junho de 1866 é extensiva:

1.° Aos bens e direitos immobiliarios que constituem os passaes dos parochos;

2.° Aos bens e direitos immobiliarios pertencentes aos estabelecimentos de instrucção publica;

3.° Aos terrenos baldios dos municipios e parochias.

Art. 2.° Não são comprehendidos na disposição do artigo antecedente:

1.° As residencias parochiaes e os terrenos contiguos, que forem indispensaveis ao uso pessoal dos parochos;

2.° Os edificios e terrenos indispensaveis ao serviço dos estabelecimentos de instrucção publica;

3.° Os terrenos necessarios ao logradouro commum dos povos, municipios e parochias.

§ unico. O governo, com audiencia das administrações interessadas, fará a designação e demarcação dos edificios e terrenos exceptuados da desamortisação.

Art. 3.° É concedido o praso de seis mezes para a remissão dos fóros, censos, pensões e quinhões, pertencentes aos estabelecimentos e corporações de que se trata n'esta lei, e nas de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866.

Art. 4.° Os predios desamortisados pela presente lei e pelas anteriores, e os fóros, censos, pensões e quinhões não remidos no praso fixado no artigo antecedente, serão vendidos em hasta publica por ordem e intermedio do governo.

Art. 5.° Os bens comprehendidos na presente lei, e nas de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866, que ainda não estiverem vendidos ou remidos, serão subrogados, nos termos das mesmas leis, por titulos de divida publica fundada, os quaes poderão ser fornecidos pelo governo aos arrematantes ou remidores, pelo preço do mercado, sendo averbados pela junta do credito publico em favor das corporações ou estabelecimentos a que se referem as mencionadas leis.

Art. 6.° O governo poderá fazer emittir e dotar provisoriamente os titulos de divida fundada, de que trata o artigo antecedente, e apresentará ao parlamento no principio de cada sessão as propostas convenientes para crear os recursos necessarios, a fim de satisfazer os encargos d'estas emissões feitas até á abertura da sessão.

Art. 7.° Fica auctorisado o governo para realisar sobre o preço dos bens desamortisados as operações que julgar convenientes, devendo dar conta ás côrtes na sua proxima sessão do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 8.° Os arrematantes ou remidores dos bens, a que se refere o artigo 5.° d'esta lei, poderão pagar o preço das arrematações em tres prestações iguaes, sendo a primeira paga em dinheiro no acto da compra ou remissão, e as duas restantes em letras a praso de um ou dois annos, com o juro de 6 por cento ao anno.

§ unico. Os bens desamortisados ficam sendo hypotheca do preço, até que o pagamento seja concluido.

Art. 9.° A desamortisação dos baldios poderá ser feita por meio de venda ou de aforamento.

Art. 10.° As camaras municipaes e as juntas de parochia resolverão, com approvação do conselho de districto, qual das fórmas de alienação designadas no artigo antecedente deve ser adoptada para a desamortisação dos baldios que lhes pertencem.

§ unico. Qualquer d'estas fórmas de alienação póde ser adoptada exclusivamente, ou ambas cumulativamente, segundo melhor parecer ás corporações deliberantes.

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Art. 11.° Os aforamentos dos baldios serão feitos com as formalidades requeridas pela legislação vigente.

§ unico. Quando a maioria dos moradores vizinhos de algum dos baldios requerer a sua divisão, a repartição do terreno e a quantia do fôro serão reguladas por louvados, e por essa avaliação se deferirá, sem dependencia de taes terrenos irem á praça.

Art. 12.° É concedido o praso de dez annos para a desamortisação dos fóros provenientes dos aforamentos auctorisados por esta lei, sendo o dito praso contado da data dos respectivos contratos.

Art. 13.° Quando a venda dos fóros e direitos dominicaes, desamortisados pela presente lei e pelas de 4 de abri de 1861 e de 22 de junho de 1866, se effectuar por um preço inferior ao da respectiva avaliação, em virtude dos successivos abatimentos determinados nos §§ 2.°, 3.° e 4.° da carta de lei de 22 de junho de 1866, o laudemio do prazo ficará desde essa data reduzido na proporção do abatimento com que se abrir a praça em que for arrematado o fôro.

§ unico. Esta reducção não poderá fazer baixar o laudemio a menos de quarentena.

Art. 14.° Ás vendas e remissões de que trata a presente lei são applicaveis as disposições das cartas de lei de 4 de abril de 1861 e 22 de junho de 1866, em tudo quanto n'esta lei não estiver diversamente determinado.

Art. 15.° É o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei, e a codificar em um só diploma todas as disposições legislativas e regulamentares em vigor sobre esta materia.

Art. 16.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 19 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, creio que são inopportunos e inuteis os grandes discursos no estado de adiantamento em que está a sessão; mas o que não é inutil é que os homens publicos, que são, como devem e lhes cumpre, fieis aos seus principios, tenham, não direi a coragem, porque não quero empregar um termo tão energico, mas a consciencia do que são, do que foram, e dos principios que têem defendido, para continuarem a sustentar com honrosa coherencia esses mesmos principios em todas as occasiões, tanto mais quando d'essa defeza lhes não resulta nenhuma especie de proveito.

A camara sabe que eu tive a honra de tratar a questão da desamortisação, quando pela primeira vez aqui se tratou, em um longo discurso que durou toda a sessão, quasi ao mesmo tempo que o nosso finado collega, conde de Cabral, pronunciava tambem um discurso no mesmo sentido, na outra casa do parlamento. Tive então a honra de combater com o illustre campeão d'essa lei n'esta camara o sr. Silva Ferrão. Comtudo hoje esta questão está decidida. Já se tornou extensiva ás camaras municipaes e a diversos estabelecimentos, e agora trata-se de faze-la extensiva aos passaes. Com relação a estes, entendo que era necessario previo accordo com outra auctoridade, e que seria conveniente adiar para depois d'elle este assumpto. Apesar d'essa minha profunda convicção, não proponho o adiamento por que julgo inutil faze-lo; e niti utile est quod facimus, stult est gloria. Eu entendo que deviamos tratar esta questão, quando se tratasse da dotação do culto e do clero; até para se respeitarem os escrupulos sinceros, o que é sempre de uma sã politica ainda mesmo quando não sejam fundados. Mal vae ás sociedades onde se desattendem os escrupulos, porque após não tarda a seguir-se a obliteração dos deveres: e tanto mais, porque não é minha intenção dizer que os escrupulos quer haja com relação a este assumpto, não sejam fundados. É portanto mais um motivo para insistir em que me parece conveniente adiarmos este negocio para depois do accordo que venha tranquillisar as consciencias, com o que até se preencherão melhor os intuitos economicos d'esta lei.

Comtudo parece-me impossivel e improvavel que esta minha idéa seja approvada pelos meus collegas, e por isso não mando para a mesa proposta de adiamento, nem apresento substituição a artigo algum, porque não vejo probabilidade de poderem triumphar as minhas idéas.

Limito me portanto a manifestar, com a minha costumada franqueza, e a pedir ao sr. ministro da justiça, em cujo talento eu muito confio, bem como no conhecimento que tem das cousas do mundo, como homem de governo, que tenha em attenção estas minhas observações, a fim de que na primeira sessão nos possamos occupar d'este assumpto.

Eu lamento que se tratasse agora da questão dos passaes; e não posso deixar de votar contra ella. E voto conscienciosamente, o que de certo ninguem me levará a mal, porque todos sabem que não ha forças que me possam demover de seguir sempre os dictames da minha consciencia. Esta justiça julgo que m'a fazem até mesmo os meus adversarios.

Portanto, entendo que devo votar contra esta parte, mas este meu voto não significa um voto contra a politica do governo, é apenas um voto em conformidade com as minhas antigas opiniões; é um voto desinteressado, e que não é contra as idéas liberaes que tenho sempre tambem manifestado, porque eu sou d'aquelles que desejam realisar a alliança da liberdade com a ordem; e estas minhas idéas todos m'as têem ouvido sustentar muitas vezes; e agora o nobre ministro dos negocios estrangeiros, o sr. Mendes Leal, que vejo presente, sabe que já ha muito tempo lhe tenho manifestado o meu modo de sentir a este respeito, e faz-me de certo a justiça de acreditar que hei de continuar a defende las, porque sabe que eu entendo que a liberdade não é a anarchia, nem a ordem o despotismo.

Dada esta explicação não faço mais considerações, porque não quero ser arguido de que pretendo protellar a discussão.

(O orador não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, pouco tenho a dizer em resposta ás observações que acaba de apresentar o digno par, o sr. marquez de Vallada. Respeito muito as convicções de s. exa., e muito é para louvar a sua franqueza. O digno par, em presença das idéas que sempre tem manifestado, não podia deixar de proceder da fórma por que procedeu.

Hoje, sr. presidente, a desamortisação é uma lei do estado, e a necessidade de a completar é por todos reconhecida. O projecto em discussão tende a este fim; mas ainda ha que ajuntar as quintas e propriedades de recreio pertencentes ás mitras, que devem entrar na lei da desamortisação, e por isso chamo para este ponto a attenção do governo, para que a ellas mais tarde seja tambem ampliada a lei da desamortisação; e espero que n'este sentido o governo ha de trazer ao parlamento uma proposta, a fim de fazer extensiva aquella lei a todos os bens que devem ser desamortizados.

Agora direi ao digno par, o sr. marquez de Vallada, que não me parece que s. exa. tenha rasão em querer que a lei da desamortisação fosse trazida á discussão parlamentar conjunctamente com a lei da dotação do clero. Eu entendo que a lei da desamortisação deve preceder a da dotação do clero, porque aquella mostrando qual é o valor dos passaes dos parochos, facilita a regularisação da dotação do clero com a igualdade relativa; porquanto é sabido que ha parochos que tendo pouco trabalho, usufruem rendimentos muito superiores a outros, cujas parochias são extensissimas, e que por isso têem grande trabalho. Esta desigualdade injusta, só pela desamortisação é que se póde bem avaliar, e é por isso que eu entendo que só mais tarde se deve tratar da dotação do clero. Eu sei que o sr. ministro da justiça tem idéas fixas e assentadas a este respeito, e s. exa. ha de trazer ao parlamento medidas para resolver de uma vez

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estas questões, a que é indispensavel, mais tarde ou mais cedo, dar uma solução definitiva.

A lei da desamortisação, na presente conjunctura, tem por fim principal habilitar o governo a resolver a questão financeira, dando-lhe elementos para poder contrahir qualquer emprestimo em vantajosas condições. É preciso pois ter em vista mais que tudo o grande alcance que esta lei é chamada a ter, nas circumstancias difficeis em que nos achâmos, visto poder ser base para uma vantajosa operação, que melhore as condições das nossas finanças, e habilite o governo para, conjunctamente com outras medidas, regularisar a fazenda publica de um modo satisfactorio.

(O orador não reviu as suas notas.)

O sr. Ministro da Justiça (Luciano de Castro): - Agradeço ao digno par o sr. marquez de Vallada as expressões de benevolencia que teve a bondade de me dirigir. Tomo nota das considerações que s. exa. apresentou sobre a dotação do clero; mas peço licença para lhe observar que qualquer que seja a resolução da camara a respeito da lei que se discute, não póde ella prejudicar qualquer medida que haja a tomar sobre essa dotação.

Por esta lei não se trata de expoliar os parochos, mas sim de transformar os bens prediaes que usufruem, em inscripções ou titulos da divida publica interna. Se o digno par passar rapidamente pelos olhos o projecto em discussão, verá que este é o fim da lei. Póde s. exa. ficar descançado que eu tenho na devida conta as observações do digno par, e, repito, qualquer que for a resolução da camara sobre o projecto que se discute, não póde prejudicar qualquer medida sobre a dotação do clero.

Agora responderei ao digno par o sr. Vaz Preto, a quem ouvi dizer que desejava que fossem incluidos n'esta lei os bens das mitras, que esses bens já estão comprehendidos na lei de 4 de abril de 1861, e apenas são exceptuadas as cercas de recreio.

São estas as explicações que tenho a dar.

(O orador não reviu as suas notas.)

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Presidente: - Como ninguem mais está inscripto, nem nenhum digno par pede a palavra, vou pôr o projecto á votação.

Posto á votação, foi approvado na sua generalidade, e depois na especialidade.

O sr. Vaz Preto: - Pedia a v. exa. que pozesse em discussão o projecto de lei n.° 40, que já o sr. ministro da fazenda pediu para ser hoje discutido. É o projecto relativo ás propriedades que andam fóra das matrizes.

O sr. Presidente: - Vae ler-se.

Parecer n.° 40

Senhores. - A commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 46, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim providenciar sobre a inscripção na matriz da contribuição predial de todos os predios que no todo ou em parte estão fóra da matriz, e estabelece a penalidade para a transgressão a este preceito.

A commissão tem por sobejamente reconhecida a necessidade da proposta providencia, e é de parecer que o projecto de lei n.° 46. seja approvado por esta camara para subir á sancção real.

Sala da commissão, em 20 de agosto de 1869. = Felix Pereira de Magalhães = José Augusto Braamcamp = Conde da Ponte = Manuel Vaz Preto Geraldes.

Projecto de lei n.° 46

Artigo 1.° Os proprietarios ou administradores de predios não inscriptos em parte ou no todo na matriz, farão no espaço de sessenta dias, a contar da data do regulamento d'esta lei, perante o escrivão de fazenda do concelho ou bairro onde forem situados os respectivos predios, as declarações verbaes ou escriptas necessarias para que estes sejam inscriptos na matriz.

§ unico. D'estas declarações deverão os declarantes cobrar certificado.

Art. 2.° As propriedades que não forem inscriptas na matriz predial, no praso e pelo modo designado no artigo 1.°, quando de futuro venham a ser inscriptas na mesma matriz, pagarão em dobro a contribuição que lhes teria correspondido por todo o tempo decorrido desde aquelle praso.

Art. 3.° Nenhum tribunal, ou auctoridade ou funccionario de qualquer ordem póde intervir em processo ou acto que diga respeito a bens immoveis, sem verificar se elles se acham inscriptos na matriz predial, mandando fazer a inscripção no caso de não a haver, e ficando responsavel para com a fazenda publica pelo prejuizo que lhe resultar da omissão o empregado que deixar de cumprir esta disposição.

Art. 4.° O governo tomará no respectivo regulamento as providencias necessarias para a boa execução d'esta lei e para que os certificados de que trata o § unico do artigo 1.° sejam passados com a maior presteza e o menor dispendio.

Art. 6.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 19 de agosto de 1869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão, na generalidade e na especialidade.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que hão de compor a deputação que na segunda feira ha de apresentar os autographos das côrtes geraes a Sua Magestade El-Rei, são, alem do presidente e do sr. secretario visconde de Soares Franco, os exmos. srs.:

Marquez de Ficalho
Conde da Praia da Victoria
Eduardo Montufar Barreiros
João de Almeida Moraes Passanha
Vicente Ferrer Neto de Paiva.

A ordem do dia na proxima segunda feira é a discussão dos pareceres de commissões, seguindo a ordem da sua antiguidade.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e um quarto da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 21 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Duque de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Sá da Bandeira, de Sousa, de Vallada; Condes, d'Avila, de Fonte Nova, de Linhares, da Louzã, de Paraty, da Ponte, de Rio Maior; Viscondes, de Algés, de Fonte Arcada, de Soares Franco, da Vargem da Ordem; D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Fernandes Thomás.

Rectificação

No discurso do digno par, o exmo. visconde de Fonte Arcada, proferido na sessão de 20 do corrente, e publicado no Diario da camara dos dignos pares, pag. 437, columna l.ª, onde se lê = Na verdade, eu não conheço a esphera em que vivo = deve ler-se = Na verdade, eu conheço =, etc.

1:206 - IMPRENSA NACIONAL - 1869

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