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N.º 62

SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d’Avila
Visconde da Silva Carvalho

Leitura e approvação da acta.— O sr. Thomás Ribeiro pede ao governo que mande ao instituto Pasteur uns individuos que foram mordidos por um cão hydrophobo.— Responde-lhe o sr. ministro da justiça. — O sr. Lencastre mostra desejo de ver analysado um especifico contra a hydrophobia, applicado sempre com feliz exito por um individuo residente em Moncorvo, e por ultimo requer a dispensa do regimento para a immediata discussão do parecer n.° 74, que declara que fica pertencendo, pura todos os effeitos judiciaes, á comarca de Armamar a freguezia de S. Cosmado. É approvado o requerimento do sr. Lencastre e posto em discussão o alludido parecer, o qual e appvovado, depois de algumas ponderações dos srs. Coelho de Carvalho, Lencastre, ministro da justiça e Thomás Ribeiro.— O sr. Miguel Maximo informa o sr. Thomás Ribeiro de que os individuos mordidos por um cão damnado já receberam guia para irem tratar-se ao instituto Pasteur.— O sr. Visconde de Ferreira do Alemtejo requer a dispensa do regimento para a discussão do parecer n.° 82, que approva o contrato para o abastecimento de aguas na cidade de Setubal. É approvado o requerimento, e seguidamente approvado sem discussão o alludido parecer. — O sr. Firmino João Lopes requer tambem a immediata discussão do parecer n.° 81, que se refere ao contrato para a illuminação a gaz na cidade de Leiria. São approvados o requerimento e o parecer.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer relativo ao caminho de ferro de Mossamedes. — O sr. Thomás Ribeiro conclue o seu discurso começado na sessão antecedente, e em seguida falla o sr. Bocage.— O sr. Jeronymo Pimentel manda para, a mesa um parecer da commissão de administração publica.— Usa da palavra sobre o assumpto em ordem do dia o sr. Rebello Já Silva, e depois é approvado o projecto, tanto na generalidade, como na especialidade.— São lidas duas mensagens da camara dos senhores deputados, e enviadas ás commissões respectivas.— O sr. visconde da Silva Carvalho requer que entre em discussão o parecer n.° 87. E approvado este requerimento, depois de algumas observações do sr. Coelho de Carvalho, e posto em discussão o referido parecer n.° 87, que auctorisa o governo a contratar o serviço regulai1 por barcos de vapor entre Lisboa e a costa da Africa oriental. — Usa da palavra o sr. Bocage, e conclue apresentando uma proposta. É admittida.— Os srs. Jeronymo Pimentel e Sousa e Silva mandam para a mesa pareceres das commissões de administração publica e de guerra. Vão a imprimir.— O sr. conde de Lagoaça requer que se prorogue a sessão até se votar o parecer n.ºs 87. — Sobre este requerimento fallam os srs. Vaz Preto, presidente do conselho de ministros, conde de Lagoaça, Thomás Ribeiro e José Luciano de Castro, e a final o sr presidente pondera que a camara não póde tomar resolução sobre aquelle requerimento por ter dado a hora. — Encerra se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e vinte cinco minutos da tarde, achando-se presentes 19 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve correspondencia.

(Estiveram presentes os srs. presidente do conselho de ministros, e ministros da instrucção publica e de bellas artes, da justiça, da fazenda e dos negocios estrangeiros.)

O sr. Thomás Ribeiro: — Sr. presidente, na ausencia do sr. ministro do reino, por cuja pasta mais directamente corre o assumpto a que me vou referir, peço licença para dirigir ao sr. ministro da justiça uma pergunta &obre um negocio que reputo grave.

Trata-se, sr. presidente, de uma obra de caridade.

Um d’estes dias, nas minhas vizinhanças, na torre de S. Julião da Barra, appareceu um cão que todos suppozeram atacado de hydrophobia. O animal estava fechado numa casa; mas, conseguindo saltar por uma janella, veiu para o meio da rua e mordeu em oito pessoas, segundo dizem.

Hoje, quando vim para a camara, appareceu-me uma das victimas, e perguntou-me o que faria o governo, que providencias adoptaria em relação ás pessoas que foram mordidas.

Eu respondi que não sabia nada a tal respeito.

Eu devo dizer á camara que não sei se o cão estava ou não damnado. O que me asseguraram é que o animal mordia em todas as pessoas que encontrava. No dia seguinte morreu, não o mataram, e foi enterrado. Em seguida foram dar parte d’este facto ao facultativo que estava de serviço na torre de S. Julião, o qual ordenou que o cão fosse desenterrado e enviado para o instituto, a fim de ser devidamente autopsiado.

A ser verdade que o cão estivesse atacado de hydrophobia, e ha graves suspeitas de que assim é, seria um acto de caridade enviar as pessoas mordidas, que estão com muita rasão inquietas, para Paris, a fim de serem examinadas e tratadas no instituto Pasteur.

Peço ao sr. ministro que queira tomar em consideração o que acabo de dizer, e se me poder dizer alguma cousa que consiga tranquillisar os interessados, muito me obsequeia.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): — É para dizer que vou communicar immediatamente ao sr. presidente do conselho o que o digno par acaba de dizer, e certamente que s. exa. se apressará a tomar providencias e mandar esses desgraçados para París.

O sr. presidente do conselho vem hoje aqui, supponho que não deve tardar; todavia, se qualquer circumstancia superior determinar a ausencia do meu illustre collega, tratarei de transmittir-lhe o mais depressa que ser possa os desejos do digno par.

O sr. Luiz de Lencastre: — Sr. presidente, eu secundaria, se fosse preciso, o pedido que acaba de fazer o meu velho amigo o sr. Thomás Ribeiro ao governo.

Pedi a palavra n’este momento e sobre este assumpto, para pedir ao meu amigo o sr. ministro da justiça para se entender com o seu collega do reino ácerca do que vou dizer.

Sr. presidente, ha muito tempo que o governo nunca faltou com o auxilio ás pessoas que se vêem nas circumstancias dos que acaba de apontar o sr. Thomás Ribeiro.

Consta-me que no concelho de Moncorvo ha uma pessoa ou pessoas, que usam de um remedio para as pessoas que são mordidas por cães damnados.

Dizem pessoas da localidade referida, pessoas com certa illustração, e algumas até altamente collocadas, que quando aquelle remedio é applicado nos primeiros dias é efficaz, e não ha memoria de que as pessoas offendidas tenham sido atacadas de raiva, e tenham fallecido.

Ha um anno ou dois, um facultativo que faz serviço no ultramar dirigiu-se ao sr. Luciano de Castro então mi-

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nistro do reino, offerecendo-se para ír estudar este remedio e applical-o depois quando se offerecesse occasião. Consta-me que as negociações entre o referido facultativo e o sr. José Luciano de Castro não foram levadas a bom resultado, não sei por que motivo.

Eu pedia ao governo que tratasse de mandar investigar e estudar o assumpto. Parece-me que, tendo nós o remedio era casa, não deviamos, como agora, como sempre, ir procural-o em terra estranha.

Disse o que tinha a dizer sobre tal assumpto, que se me afigura é digno de merecer a attenção dos poderes publicos. Ao sr. ministro da justiça, meu amigo e membro preponderante do governo, peço queira fazer-me a honra de transmittir ao sr. ministro do reino o que eu digo, para que se tome uma solução sobre este ponto.

Já que estou com a palavra, requeiro a v. exa. para que consulte a camara se ella quer que entre em discussão o parecer n.° 74, a fim de ser votado antes da ordem do dia.

O sr. Presidente: — O digno par o sr. Lencastre requer que entre em discussão o parecer n.° 74. Os dignos pares que entendem que se deve entrar desde já na discussão d’esse parecer, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado este requerimento e posto em discussão o parecer 14, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 74

Senhores. — A vossa commissão de legislação tomou conhecimento do projecto de lei n.° 2.ºJ, tendente a fazer com que a freguezia de S. Cosmado, que pela divisão administrativa faz parte do concelho de Armamar, e pela divisão judicial faz parte da comarca de Moimenta da Beira tique pertencendo para todos os effeitos judiciaes á comarca de Armamar.

A vossa commissão examinou as rasões fundamentais do projecto apresentado na camara dos senhores deputados, e o parecer da commissão de legislação civil d’aquella camara, e portanto concorda na approvação.

Se é bom principio de administração não fazer alterações na circumscripção judicial, casos ha como o sujeito á vossa deliberação, em que seria violencia aos povos não attender ás suas reclamações instantes e que parecem justas á vossa commissão.

Sala da commissão, 2 de agosto de 1890. = João D. Alves de Sá = Mexia Salema — Conde de Lagoaça — Firmino J. Lopes = J. da Cunha Pimentel = Baima de Bastos = = Thomás Ribeiro (com declarações) = Luiz de Lencastre, relator = Tem voto do sr. Neves Carneiro.

Projecto de lei n.° 23

Artigo 1.° A freguezia de S. Cosmado, que. pela divisão administrativa, faz parte do concelho de Armmar, e pela divisão judiciai faz parte da comarca de Moimenta da Beira, fica pertencendo para todos os effeitos judiciaes á comarca de Armamar.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 29 de julho de 1890. == Pedro Augusto de Carvalho; deputado presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Julio Antonio Luna de Moura, deputado vice-secretario.

O sr. Coelho de Carvalho: — Eu não combato o projecto; desejo apenas ouvir a opinião do sr. ministro da justiça.

Entendo que estas divisões judicaes não se podem fazer sem o governo emittir sobre ellas a sua opinião.

Desde que o governo declara que não ha inconveniente nesta auctorisação que se propõe, não tenho duvida em dar o meu voto ao parecer.

O sr. Lencastre: — É para declarar ao digno par que o governo foi ouvido e concordou com este parecer e portanto com esta divisão judicial.

Como, porém, o sr. ministro da justiça está presente, de cer:o se apressará a ratificar a minha declaração.

O Orador: — Desde que o sr. ministro da justiça declare que concorda com o parecer, não tenho duvida em approval-o.

O sr. Ministro da Justiça (Lopo Vaz): — Declaro ao digno par que o governo concorda com esta divisão judicial.

O sr. Thomás Ribeiro: — Não póde deixar de se mostrar adverso a estas divisões a retalho, e mais de uma vez se tem pronunciado contra ellas.

Parecia-lhe mais conveniente que o sr. ministro da justiça, com a solicitude que lhe é propria, mandasse procedei a uma especie de inquerito em todo o paiz, a fim de vir depois propor uma reforma no sentido de harmonisar, quanto possivel soja, as circumscripções administrativas e judiciaes.

Vendo ainda que o parecer está desacompanhado de informações competentes, julgava de muita conveniencia pedil as e adiar assim a resolução que a camara haja de tomar para uma occasião mais opportuna.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em apendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

O sr. Presidente: — Como não está mais ninguem inscripto, vae votar se.

Foi lido na mesa o parecer n.° 74 e approvado o projecto sobre que elle versa, tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Miguel Maximo: — Pedi a palavra quando o digno par o sr. Thomás Ribeiro mostrou desejos de saber se o sr. ministro do reino tinha dado algumas providencias com respeito a uns individuos que foram mordidos por um cão damnado na torre do S. Julião da Barra.

Declaro a v. exa. e á camara que ha pouco, estando no ministerio da guerra, vi ali apresentar-se um official, tenente de caçadores, que pertencia á guarnição da mesma torre do S. Julião, um dos mordidos, para receber a guia de passagem para elle e maie doze ou quatorze individuos a fim de irem a París tratarem-se no instituto Pasteur.

Declaro isto á camara e com especialidade ao digno par o sr. Thomás Ribeiro, que desejava saber se o governo já tinha dado algumas providencias em relação ao assumpto a que s. exa. se referiu.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Thomás Ribeiro: — Ainda ha pouco eu encontrei um dos mordidos, na estação de Oeiras, mostrando-mo os seus ferimentos, e disse-me que estava n’uma grande afflicção, porque não sabia o que o governo tinha feito, ou ia fazer.

L) sr. Miguel Maximo: — Era militar?

O sr. Thomás Ribeiro: — Era sargento.

O sr. Miguel Maximo: — Tanto elle, como o official e mais doze ou quatorze praças que foram mordidas, receberam agora no ministerio da guerra guia de transporte de ida e volta a París, para se tratarem no instituto Pasteur.

O sr. Visconde de Ferreira do Alemtejo: — Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que entre era discussão o parecer n.° 82.

Consultada a camara resolveu affirmativamente e foi em seguida approvado sem discussão o alludido parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 82

Senhores.— Foi presente á vossa commissão de administração publica o projecto de lei n.° 28, e sendo maduramente considerada a materia que elle contém, e comparando as vantagens e os encargos que se apresentam ao nosso julgado e resolução, e considerando o quanto é vantajoso o que se promette no contrato e a todas as

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patente, não hesita a vossa com missão em approvar o projecto que sobre este assumpto foi remettido para a camara dos senhores deputados e esta camara dos pares com as restricções n’elle incluidas no § unico do projecto.

Sala da commissão, em 7 de agosto de 1890. = José de Mello Gouveia = J. da Cunha Pimentel = João D. Alves de Sá = Firmino J. Lopes = Visconde de Moreira de Rey = Visconde de Paço de Arcos = Marquez de Vallada, relator.

Projecto de lei n.° 28

Artigo 1.° É approvado, na parte que depende de auctorisação do poder legislativo, o contrato celebrado em 3 de outubro de 1889, entre a camara municipal de Setubal e João Mores, para o abastecimento de aguas d’aquella cidade.

§ unico. Não são approvadas as clausulas:

a) De cedencia pelo estudo, de quaesquer terrenos ou nascentes de aguas na posse da fazenda nacional.

b) De isenção de direitos de importação de qualquer material que a empreza precise empregar na construcção das obras.

Art. 2 ° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em G de agosto de 1890.= Pedro Augusto de Carvalho presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

Escriptura do contrato provisorio para o abastecimento de aguas d’esta cidade de Setubal

Saibam quantos este instrumento de escriptura e contrato provisorio para abastecimento de aguas d’esta cidade de Setubal virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1889, aos 3 dias do mez de outubro, na dita cidade do Setubal, paços do concelho e gabinete da presidencia da sua camara municipal, onde eu Sebastião Barreto Borges, primeiro official servindo de secretario e tabellião d’ella me achava, abui estavam presentes de uma parte o exmo. Francisco Augusto Machado Correia, presidente da mesma camara,e por ella auctorisado em sua sessão ordinaria de 25 de setembro do dito anno para, em seu nome, assignar este instrumento; e da outra o exmo. João Flores, commerciante, maior, residente na cidade de Lisboa, pessoas reconhecidas por mim, tabellião, e pelas testemunhas no fim d’este instrumento de claradas e assignadas; logo pelo primeiro outorgante, o exmo. Francisco Augusto Machado Correia, na presença das mesmas testemunhas, foi dito que tendo a camara aberto concurso por edital de 26 do julho ultimo, para receber propostas para o abastecimento de aguas d’esta cidade, foi acceita pela dita camara, na referida sessão de 25 de setembro do já alludido anno, a unica proposta apresentada pelo referido sr. João Flores, do teor seguinte:

«Illmos e exmos. srs. presidente e mais vereadores da camara municipal de Setubal. — João Flores, residente em Lisboa, que já concorreu ao anterior concurso para o abastecimento geral de aguas d’esta cidade, o qual lhe foi adjudicado em 19 de dezembro do anno proximo rindo, embora tenha pendente do tribunal administrativo do districto do Lisboa recurso contra as deliberações da commissão districtal, que não julgaram valido e não revalidaram depois o mesmo concurso, vem concorrer ao presente e declara acceitar na integra todas as condições que muito bem conhece, e com que essa exma. camara abriu o actual concurso, compromettendo-se ao fornecimento pelos preços indicados de 200 réis e 70 réis por metro cubico, os quaes aliás são os mesmos a que no anterior concurso se tinha compromettido.

«Como, porém, tenciona estar presente á abertura, em sessão da camara, das propostas para o actual concurso, e no caso do ser presente qualquer outra proposta indicando preço inferior, promette o supplicante declarar que igualmente debitará a agua pelos menores preços.

«Espera e — P. a essa exma. camara assim defira. — E. R. M.cê

«Setubal, 25 de setembro de 1889. = João Flores.»

Que as condições já approvadas pela exma. commissão districtal de Lisboa para o mencionado abastecimento de aguas, eram as seguintes:

Artigo 1.° A empreza executará todos os trabalhos necessarios para a acquisição, conducção e distribuição da agua pela cidade de Setubal.

§ unico. Por empreza entonder-se-ha a companhia, sociedade ou individuo com quem for contratado o dito abastecimento.

Art. 2.° A empreza depositará a quantia de 5:000$000 réis em moeda metallica ou o equivalente em titulos de divida publica portugueza, segundo o seu valor no mercado, na epocha do deposito.

Art. 3.° O deposito a que se refere o artigo antecedente deverá effectuar-se na caixa geral de depositos, da qual receberá a empreza os juros que correspondem ao deposito.

Art. 4.° A caução será devolvida á empreza logo que provar que as obras estão devidamente acabadas. Poderá, porém, de accordo com a camara levantar esse deposito quando o material fornecido attinja o dobro da importancia do deposito.

Art. 5.° As obras de canalisação e exploração deverão principiar no praso de tres mezes a contar da approvação dos respectivos projectos e assignatura do contrato, devendo estar concluidas no praso de vinte e quatro mezes.

§ unico. Em caso de força maior a camara, concederá o tempo necessario para a conclusão das obras.

Art. 6.° Quando todas as obras estiverem concluidas e promptas para fornecer agua, deverão ser inspeccionadas pela camara. No caso de qualquer defeito proveniente de negligencia da empreza será esta obrigada a reparal-o immediatamente.

Art. 7.° A empreza obriga-se a fornecer diariamente em minimo 500 metros cubicos, obrigando-se a augmentar o fornecimento se as necessidades do consumo o exigirem.

§ unico. O preço por metro cubico será de 200 réis para o consumo dos particulares.

Art. 8.° A empreza fornecerá a agua á camara dentro do perimetro da cidade e seus suburbios e para todos os usos do municipio, com o abatimento de 65 por cento ao preço estabelecido para os particulares.

§ 1 ° Os suburbios da cidade a fornecer serão accordados entre a camara e a empreza.

§ 2.° De igual abatimento gosarão todos os estabelecimentos de bedeficencia e caridade e o quartel do regimento.

Art. 9.° Todo o material empregado na construcção e conducção será sujeito á inspecção e approvação da camara, que se reserva o direito de nomear um fiscal sob cuja superintendencia deverão ser feitas as obras.

Art. 10.° Todas as obras nas estradas e vias publicas para o assentamento e reparação dos canos serão igualmente feitas sob a inspecção do fiscal.

Art. 11.° Quando a camara julgar conveniente a inspecção ou exame das obras, a empreza facilitará esse exame ou inspecção acompanhando o fiscal por si ou pelo seu representante. O aviso da visita deve ser feito vinte o quatro horas antes; e, se houver qualquer defeito que esteja dentro dos limites do contrato, a empreza será obrigada a reparal-o.

Art. 12.° No caso de accidente motivado por força maior que impeça o fornecimento da agua á cidade, a empreza dará parte á camara immediatamente.

Art 13,° A camara obrigar-se lui » não lançar impôs-

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tos sobre o fornecimento, distribuição e consumo da agua, bem como sobre o material necessario para aquelle fim.

Art. 14.° A camara obriga-se a solicitar do poder legislativo e dos tribunaes administrativos competentes as auctorisações precisas para:

§ 1.° Que seja declarado de utilidade publica a expropriação de terrenos necessarios para a execução das ditas obras.

§ 2.° Que sejam gratuitamente concedidos os terrenos do estado, que se mostrem precisos para a construcção das mesmas obras, quando possam dispensar-se sem inconveniente, e quaesquer nascentes que nos mesmos existam, só as aguas, forem classificadas de boa qualidade.

§ 3.° Isentar de quaesquer direitos todo o material que a empreza precise empregar na construcção das obras para, cate fornecimento de aguas, não podendo a demora ou a não abstenção do solicitado alterar os prasos constantes do artigo 5.°

§ 4.° Que sejam obrigados os proprietarios de casas, cuja renda animal de cada compartimento seja superior a 8$000 inclusive, a canalisar a agua no interior dos seus respectivos predios, ficando a cargo da empreza a parte da canalisação comprehendida entre a tubagem e a soleira da porta.

§ ã.° Exceptuam se as casas naquellas condições que estejam arrendadas a classes menos abaetadas, isto porem, emquanto durarem os arrendamentos que existirem no dia em que se considerar definitivo o contrato. A excepção, porém, não procede quando os inquilinos prestem o seu consentimento, haja, novo arrendatario ou haja renovação de arrendamento por ter findado o actual, e por que o arrendatario continua a residir na mesma casa.

Art. 15.° No caso de disturbios publicos, a camara dará á empreza toda a protecção na esphera da sua jurisdicção.

Art. 16.° A empreza tem a faculdade de trespassar esta concessão a qualquer outra empreza.

Art. 17.° A camara garante á empreza o direito exclusivo do fornecimento da agua pelo systema de canalisação á cidade, pelo espaço de noventa e nove annos. No rim dos primeiros cincoenta annos os lucros superiores a réis 4:000$000, serão divididos em partes iguaes entre a camara e a empreza, pelo espaço de quarenta e nove annos, findos os quaes todos os edificios, apparelhos, direitos e acções pertencentes a empreza passarão para a camara, sem indemnisação alguma.

An. 18.° A camara dará á empreza o direito de fazer escavações e assentar canos e tubos nas estradas, ruas1 e praças publicas, obrigando-se esta a repor os respectivos pavimentos no estado era que se achavam no menor praso possivel, e garanto-lhe que qualquer outra pessoa ou companhia não collocará tubos nem canos com o fim de fornecer agua á cidade e seus suburbios, durante o viger d’este contrato.

Art. 19.° A importancia devida á empreza pela camara e pelos particulares pela agua consumida, será cobrada mensalmente nos domicilios dos consumidores até ao dia l5 do mez seguinte, sendo facultativo a estes fazer o pagamento no escriptorio da empreza, e essa importancia será regulada pelo resultado das indicações do contador, cujo aluguer terá um preço minimo e maximo conforme a agua que o consumidor gastar, preço este estipulado de accordo com a camara.

Art. 20° Os trabalhos começarão pela exploração das aguas das nascentes da Fonte dos Cavalleiros, situadas na serra de Palmella, as quaes são concedidas pela camara á empreza e já foram pelos peritos classificadas como aguas potaveis de boa qualidade, e igualmente são tambem concedidas á empreza quaesquer outras nascentes que tenham a sua origem em terrenos do municipio.

Art. 21.° O encanamento e distribuição das aguas no interior dos predios será feito pelos operarios da empreza ou por quaesquer outros que o proprietario queira devendo n’este caso serem fiscalisadas as respectivas obras por um empregado da empreza.

Art. 22.° As aguas consideradas de boa qualidade dos actuaes chafarizes e fontes continuarão a ser do dominio publico, mas se á empreza forem necessarias as aguas das nascentes que agora alimentam estes chafarizes ou fontes será obrigada a deixal-a correr gratuitamente. E igualmente obrigada a fornecer gratuitamente agua para doze marcos fontenarios com as convenientes valvulas ou torneiras e taças proprias para uso publico que a camara poderá construir á sua custa nos locaes que lhe aprouver; quando porém, a empreza se não servir das aguas que abastecem os já ditos chafarizes e fontes fica apenas obrigada a fornecer agua para seis marcos fontenarios, coratanto que a forneça gratuitamente nos chafarizes da praça de Bocage e Quebedo, e bem assim no da rua de S. Caetano, e nesta hypothese sómente durante o tempo em que as nascentes não permittam que nos referidos chafarizes corra agua em abundancia, podendo as bicas dos tres chafarizes ter torneiras ou valvulas para evitar o desperdicio.

Art. 23.° A camara determinará o numero, diametro e typo das bôcas de incendios, que lhe serão fornecidas gratuitamente, não podendo de futuro fazer qualquer alteração a não ser á sua propria custa, listas bocas não poderão ter abertas senão em caso de incendio, devendo a empreza ser disso avisada no praso de vinte e quatro horas depois do sinistro. Em qualquer outra circumstancia, a abertura das ditas bocas, sem consentimento da empreza, é prohibida terminantemente. As chaves estarão depositadas nas estações de policia e das bombas.

Ari. 24.° Nenhumas outras bôcas de incendio serão concedidas, a não ser por contrato especial que a empreza queira fazer com os proprietarios ou com as companhias de seguros.

Art. 25.° A empreza não é responsavel por qualquer alteração ou alterações no fornecimento da agua devido a casos de força maior.

Art. 26.° Quando possa ser, os tubos devem ser collocados pelo menos a uma profundidade de Om,80 (80 centimetros) contados do lado superior do cano até á superficie da rua.

Art. 27.° A empreza terá plenos poderes para levantar toda o pavimento e calcetamento para substituir canos e tubos, e fazer qualquer ou quaesquer concertos, obrigando-se a reparal-o e calcetal-o novamente, de fórma que tique nas condições anteriores ao seu levantamento, conservando-se o mesmo pavimento reparado á sua custa durante trinta dias, a contar da data da primeira reparação. Durante estes trabalhos o local deve ser illuminado á noite pela empreza.

Art. 28.° A empreza obriga-se a fazer as escavações o mais depressa possivel, a fim de não estorvar por muito tempo o transito publico e tomará todas as precauções para evitar algum desastre.

Art. 29.° A empreza é responsavel pela solidez, capacidade, feitio e desenho dos canos e outros materiaes empregado?.

Art. 30.° Para os effeitos d’este contrato a nacionalidade da empreza será sempre reputada como portugueza, e seja qual for o domicilio da empreza. considerar-se-ha domiciliada na cidade de Setubal, onde representará perante os tribunaes. podendo ser citada na pessoa que exerça a direcção das obras ou administração da mesma empreza.

Art. 31.° As contestações que Fe suscitarem entre a camara e a empreza sobre interpretação ou execução do presente contrato, serão decididas por arbitros.

§ 1.° O tribunal arbitrai será composto de tres vogaes, sendo um nomeado pela empreza, outro pela camara e o terceiro, que será de desempate, para os effeitos do § 4.° do artigo 56.° do codigo do processo civil, escolhido por accordo das partes, e á falta d’esse accordo, pelo juiz de direito da comarca.

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§ 2.° Gd arbitros deverão julgar sempre pelos termos deste contrato e no mais ex aquo et bone as questões que lhe forem submettidas. Das suas decisões não haverá recurso.

Art. 32.° O presente contrato considerar se-ha definitivo desde que seja devida e superiormente approvado.

Art. 33 ° Depois de approvado o presente contrato a empreza submetterá á approvação da camara o regulamento geral para o abastecimento da agua aos particulares.

Art. 34.° Se a empreza não apresentar os projectos, não começar as obras, não as construir nos prasos que respectivamente lhe são fixados, e não conservar todo o seu material em estado de prestar bom serviço, pagará de multa á camara 50$000 réis por cada mez que tiver durado a infracção; e incorrendo a empreza em doze mezes de multa ou em vinte e quatro interpollados, c, finalmente, recusando-se a obedecer á decisão dos arbitros no caso da sua intervenção, a camara terá o direito de rescindir o contrato. Exceptuam-se os casos de impedimento de força maior, devidamente comprovados, nos quaes nenhuma pana poderá ser imposta á empreza.

§ 1.° Rescindido o contrato, todo o material da empreza, comprehendidas todas as obras, reservatorios, machimas, encanamentos, instrumentos, utensilios e aguas, serão perdidos pela empreza em favor da camara, bem como a quantia que porventura exista; e tudo pasmará para o dominio pleno da camara em pena e a titulo de indemnisação de perdas o damnos, podendo a mesma camara de tudo livremente dispor como de cousa sua sem mais responsabilidade, salvo sempre o caso de força maior.

§ 2.° A camara, em caso de rescisão de contrato, não responde para com os credores da empreza por dividas desta que não tenha auctorisado.

Art. 35.° A empreza pagará á camara, como multa, a quantia de 25$000 réis por cada dia em que, salvo caso de força maior, devidamente comprovado, houver interrupção ao abastecimento do aguas em toda a cidade, não podendo esta multa ser applicavel a mais de vinte dias consecutivos da dita interrupção. No caso da interrupção se prolongar por mais de vinte dias seguidos, a camara poderá requerer a rescisão do contrato, a fim de que possa ser applicada á empreza a pena de que trata o § 1.° do artigo antecedente.

§ unico. A empreza incorre na multa de 15$000 réis por cada dia em que por falta de solicitude da sua parte estejam privados de agua os moradores de qualquer parte da cidade, por mais de doze horas consecutivas.

Art. 36.° Quando alguma proposta seja acceita pela camara proceder-se-ha á elaboração de um contrato provisorio que só se tornará definitivo quando haja sido devidamente confirmado, nos termos do artigo 121.° do codigo administrativo, não cabendo á camara municipal de Setubal responsabilidade alguma para com a empreza, provisoria quando se não obtenha approvação do respectivo contrato:

Pelo segundo outorgante sr. João Flores foi declarado que, conforme o conteudo da sua alludida proposta, acceitava na integra todas as condições acima exaradas e das quaes bem sciente ficava, obrigando-se ao fiel cumprimento dellas uma vez que todas fossem approvadas superiormente, porque não obtendo approvação, ficaria o contrato nullo e de nenhum effeito. É o que se contem na dita proposta e referidas condições, que bem e fielmente para aqui trasladei das proprias a que me reporto.

Foi-me apresentado o documento de se ter effectuado o deposito de 5:000$000 réis a que se referem os artigos 2.° e 3.° das já mencionadas condições, o qual documento é do teor seguinte:

O illmo. sr. João Flores, commerciante residente, em Lisboa, a quem foi adjudicado provisoriamente pela camara municipal de Setubal, o contrato para o abastecimento de aguas desta cidade, vae, na conformidade do disposto nos artigos 2.° e 3.° das condições do referido contrato, depositar á ordem da sobredita camara na caixa geral du depositos, por intermedio da recebedoria d’esta comarca, cincoenta e seio obrigações do governo portuguez, de 4 ½ por cento, do valor nominal de l00$000 cada uma, sendo vinte e seis nominaes endossadas por V. Ferdinand e trinta ao portador.

Setubal, 3 de outubro de 1889. = 0 presidente da camara, Francisco Augusto Machado Correia.

Os numeros das obrigações a que se refere a presente guia, são ao portador 33:431 a 33:440, 33:441 a 33:450, 33:451 a 33:460, e das endossadas 329:143, 329:144, 329:145, 329:140, 329:147, 329:148, 329:149, 329:150, 329:151, 329:152, 329:153, 320:154, 329:155,329:156, 329:157, 329:158, 329:159, 329:160, 329:161, 329:162, 329:163, 329:164, 329:165, 329:166, 329:167, 320:168.

Visto. — Pelo escrivão de fazenda. — O escripturario S. Maria Aranha.

Recebi os titulos constantes da guia retro que vão ser transferidos para o cofre geral do ministerio da fazenda.

Recebedoria de Setubal, 3 de outubro de 1889.=Ptlo recebedor, Guilherme Cazimiro de Santa Anna.

Mais me foi apresentado outro documento, cujo teor e o seguinte:

lllmo. sr. Weruer Ferdinand, para fins convenientes, pede lhe seja passada certidão das ultimas cotações das obrigações do emprestimo de 1888 de 4 ½ por cento, tanto do assentamento, como coupons.

Lisboa, 2 de outubro de 1889. — P. o deferimento.— E. R. M.cê

Passe. — Lisboa, 2 de outubro de 1889.—Pelo syndico. E. Silva, vogal.

co.

Eduardo Perry Vidal, corrctor de cambios e fundos publicos, por Sua Magestade Fidelissima que Deus guarde, secretario da camara dos corretores da praça commercial de Lisboa.

Certifico que revendo os livros que servem de registo de cotações desta camara, ali consta que no dia 30 de setembro de 1889 o preço das obrigações de 4 ½ por cento, coupons, do emprestimo de 1888, foi, papel, 90$400 réis, e dinheiro, 90$00 réis.

N7o dia 27 do referido mez e anno o preço effectuado em obrigações de 4 ½ por cento, assentamento do emprestimo de 1888 foi 90$500 réis.

É o que e insta dos ditos livros, aos quaes me reporto, e em ié de verdade está por mira conferida, subscripta e sellada com o sêllo d’esta camara dos corretores em Lisboa, 2 de outubro de 1889.

Logar do sêllo em branco da camara dos corretores de Lisboa.

Logar do sêllo de estampilha de 80 réis, inuutilisada. «Eduardo Perry Vidal.— 2-10-89».

Desta e sêllo, 830 réis. Emolumentos, 300 réis. — 1$130 réis.

N.° 3:384. — Registado a fl. 62 do livro 5.° — Perry.

E de como assim o disseram, estipularam e acceitaram, do que dou fé, vão assignar este instrumento com as testemunhas presentes, José do Nascimento e Oliveira, negociante, casado, e José Gonçalves, caixeiro de commercio, casado, moradores n’esta cidade, depois de lhes ser lido por mim, Sebastião Barreto Borges, primeiro official da camara, servindo de secretario e tabellião, que a escrevi e assigno com a declaração de que enterlinhei as palavras: superiormente porque não obtendo approvação ficaria o contrato nullo e de nenhum effeito.

Este instrumento vae sellado com uma estampilha de 500 réis, devida pelo contrato, a qual será devidamente inutilisada.— Francisco Augusto Machado Correia — João Flores — J. Nascimento e Oliveira — J. Gonçalves.

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Logar de uma estampilha do imposto do sello da taxa de 500 réis, inutilisada pela seguinte maneira: 3 de outubro de 1889. — Sebastião Barreto Borges.

Está conforme com o original, declarando que a fl. 4 v., entrelinhei as palavras «e calcetal o».

Secretaria da camara municipal de Setubal, 12 de junho de 1890. = O primeiro official, servindo de secretario da camara, Sebastião Barreio Borges.

Sebastião Barreto Borges, primeiro official da secretaria da camara municipal de Setubal, servindo de secretario da dita comarca no impedimento do effectivo:

Certifico que a sobredita camara não tratou do assumpto relativo ao abastecimento de aguas á cidade de Setubal, nas sessões de 4a 11 de setembro de 1889, mas sim ca de 25 do mesmo mez, ás quaes se refere o officio da commissão districtal de Lisboa, u.° 506, datado de 21 de novembro d’aquelle anno, e em que a mesma commissão districtal communicou que por ter expirado- o praso a que se refere o artigo 121.° do codigo administrativo se deviam considerar definitivas as deliberações tomadas pela supracitada caiu ara nas alludidos sessões.

Em. firmeza do que, e reportando-me a documentos archivados n’esta secretaria municipal, se passou a presente, que será sellada com o sêllo do concelho e por mim assignada.

Setubal, 17 de junho de 1890.—E eu Sebastião Barreto Borges, servindo de secretario da camara, a escrevi e assignei. = Sebastião Barreto Borges.

Extracto da acta da sessão da camara municipal de Setubal de 25 de setembro de 1889

Lida e approvada a acta antecedente, e tendo terminado o praso de concurso para se receberem propostas para o abastecimento de aguas d’esta cidade, conformo havia sido annunciado pela dita camara, na data de 26 de junho ultimo, foi apresentada uma unica proposta do teor seguinte:

«Illmo. e exmo. sr. presidente e mais vereadores da camara municipal de Setubal — João Flores, residente em Lisboa, que já concorreu ao anterior concurso para o abastecimento geral de aguas d’esta cidade, o qual lhe foi adjudicado em 19 de dezembro do anno proximo findo, embora tenha pendente no tribunal administrativo do districto de Lisboa recurso contra as deliberações da commissão districtal, que não julgaram valido e não revalidaram depois o mesmo concurso, vem concorrer ao presente e declara acceitar na integra todas as condições que muito bem conhece e com que essa exma. camara abriu o actual concurso, compromettendo-se ao fornecimento pelos preços indicados de 200 réis e 70 réis por metro cubico, os quaes aliás são os mesmos a que no anterior concurso se tinha compromettido.

«Como, porém, tenciona estar presente á abertura em sessão camararia das propostas para o actual concurso, e no caso de ser presente, qualquer outra proposta indicando preço inferior, promette o supplicante declarar que igualmente debitará a agua pelos menores preços.

«Espera e — P. a essa exma. camara assim defira. = E. R. M.cê — Setubal, 25 de setembro de 1889. — João Flores.»

Finda a leitura da sobredita proposta, a camara adjudicou ao dito João Flores o abastecimento de aguas da cidade, devendo lavrar-se a competente escriptura publica de contrato provisorio entre a mesma camara e o proponente, com as condições já approvadas pela exma. commissão districtal de Lisboa, e que serão transcriptas na alludida escriptura, ficando o mencionado contrato dependente da sancção ou confirmação superior nos termos de direito, deliberando a dita camara conferir desde já ao sr. presidente os poderes necessarios para a representar no acto de se lavrar o sobredita escriptura.

Fecham a acta as seguintes assignaturas — Francisco Augusto Machado Correia — José Antonio Januario da Silva — J. A. Arocha Junior — José de Oliveira e Silva — João José Salgado — Agostinho José Vidal.

Eifti1 conforme. Secretaria da camara municipal do concelho de Setubal, 17 de junho de 1890. = Pelo secretario da camara, Sebastião Barreto Borges.

Palacio das coités, 6 de agosto de 1890. = Pedro Augusto de Carvalho, presidente = José Joaquim de Sonsa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sonsa, deputado secretario.

O sr Firmino João Lopes: — Faço igual pedido para o parecer n.° 81.

Consultada a camara resolveu affirmativamente e foi em seguida approvado sem discussão o parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 84

Senhores. — Á vossa commissão de administração publica foi presente o projecto de lei n.° 32, vindo da camara dos senhores deputados.

Approva o contrato provisorio para a illuminação a gaz da cidade de Leiria, celebrado por escriptura publica de 12 de abril de 1890, entre a camara municipal e Diogo Souto.

A commissão, considerando que resultam incontestaveis vantagens no interesse do municipio e da cidade, é de parecer que o projecto seja approvado.

Sala da commissão, 7 de agosto de l890. = José de Mello Gouveia — Marquez de Vallada = Visconde de Paço de Arcos = Visconde de Moreira de Rey = João D. Alves de Sá = J. da Cunha Pimentel = Firmino J. Lopes, relator.

Projecto de lei n.° 32

Artigo l,° É approvado, na parte que depende da sancção legislativa, o contrato provisorio para illuminação a gaz da cidade de Leiria, feito em 12 de abril do corrente anno, entre a camara municipal da mesma cidade e Diogo Souto, com as condições constantes do referido contrato.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das curtes, em G de agosto de 1890. = Pedro Augusto de Carvalho, presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

Contrato para a illuminação a gaz que outorgam a exma. camara municipal de Leiria e o exmo. sr. Diogo Souto, residente na Foz do Douro, na cidade do Porto

Saibam quantos esta escriptura virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1890, aos 12 dias do mez de abril, n’esta cidade de Leiria e n’este meu escriptorio, compareceram, de uma parte, o exmo. Francisco Pereira da Silva, casado, na qualidade do presidente da camara municipal d’esta cidade e aqui residente, e da outra parte o Illmo. Carlos Varella Lopes, solteiro e maior, desta mesma cidade, empregado da casa commercial de Leiria. Joaquim Jorge da Silva Teixeira, e como procurador do exmo. Diogo Souto, capitalista, residente na Foz do Douro, na cidade do Porto, cuja procuração me apresentou e fica archivada neste escriptorio para ser trasladada com a presente escriptura. ambos meus conhecidos e das testemunhas idóneas adiante nomeadas e no fim assignadas, a quem tambem conheço; o na presença das mesmas testemunhas pelo primeiro outorgante o exmo. Francisco Pereira da Silva, foi dito: que a camara da sua presidencia, em sessão de 15 de janeiro deste corrente anno, deliberara contratar, como contratou, com o mencionado exmo. Diogo Souto, o fornecimento de gaz para a illuminação d’esta cidade, sob as condições abaixo desi-

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gnadas; que esta deliberação fura submettida á apreciação da respectiva commissão districtal, a qual a approvára como consta do officio expedido pela mesma commissão á municipalidade, sob n.° 402, de 11 de março ultimo; que na sua predita qualidade de presidente da camara e auctorisado por esta corporação em sessão de 12 do mesmo mez de março, vem, de accordo com o concessionario, o referido Diogo Souto, aqui representado pelo procurador acima nomeado, reduzir á presente escriptura o alludido contrato, o qual, para todos os effeitos legaes, fica definitivamente outorgado e estipulado sob as condições seguintes:

l.ª O proponente, ou a companhia por elle formada, é obrigado a fornecer todo o gaz que for competentemente requisitado, para a illuminação permanente das ruas publicas e edificios municipaes da cidade de Leiria, e para as demais illuminações em geral, estabelecendo e conservando á sua custa as fabricas e material necessario.

§ unico. O local do gazometro e dos edificios será escolhido pela companhia, de accordo com a camara e sob a approvação da auctoridade sanitaria.

2.ª O gaz será perfeitamente purificado, e o seu poder luminoso tal que, com a pressão de 2 a 3 millimetros de agua, a luz de um candieiro Carcel, queimando por hora 42 grammas de óleo de colza purificado, seja igualada pela de um bico de gaz, consumindo a media de 105 litros de gaz, tambem por cada hora.

3.ª Para verificar a força e pureza photometrica do gaz, será empregado o photometro de Dumas & Regnault, montado á custa da companhia em local apropriado da sua fabrica, ou em qualquer succursal da mesma fabrica, d’onde forneça directamente gaz para a cidade.

§ l.° Quando o apparelho acima designado houver de funccionar, observar-se-hão as prescripções contidas no respectivo regulamento e as instrucções praticas formuladas pelos inventores do photometro, e que faraó, bem como o dito regulamento, parte integrante d’estas condições, conservando-se para esse fim archivada no cartorio da camara uma copia do regulamento e instrucções praticas, assignada pela camara e pela companhia.

§ 2.° O accesso ao recinto onde este apparelho se achai será facultado á camara ou aos seus delegados todas as vezes que o requisitarem, devendo comtudo quaesquer observações, para terem fé, ser feitas em conformidade do regulamento e instrucções referidas, na presença de um de legado da companhia, que deverá comparecer dentro de tres horas, todas as vezes que for exigido pela camara ou seus delegados, e no caso d’esse empregado não comparecer n’esse praso, o exame terá tanta fé como se fora feito na sua presença.

§ 3.° A camara reservasse o direito de estabelecer e manter os postos photometricos que entender em quaesquer partes da cidade, o que fará á sua custa.

4.ª Quinze mezes depois de ser assignado o contrato definitivo, as fabricas, canalisações e demais utensilios devem estar completos e promptos para fornecer o gaz á cidade.

§ unico. Em caso de foiça maior a camara concederá o praso conveniente para o acabamento das obras.

5.ª A camara tem a faculdade de nomear pessoa idónea que fiscalise a boa execução das obras e verifique que tudo seja executado segundo as regras da arte, com perfeição e segurança.

6.ª A companhia fará á sua custa todas as despezas de fabricação, purificação e distribuição de gaz, para o que se obriga a levantar e conservar, a expensas suas, todos os gazometros, apparelhos e mais material preciso, que ficará sendo propriedade da companhia.

7.ª A companhia poderá executar na via publica todos os trabalhos necessarios para collocar, substituir e concertar a sua canalisação, sujeitando-se ás prescripções e ordens camararias que lhe forem dadas para garantia e segurança do transito e para o prompto restabelecimento do pavimento.

§ unico. A companhia, durante a collocação dos tubos ou canos, obriga-se a tomar todas as precauções para evitar alguma avaria ou prejuizo nos encanamentos actualmente assentes, ou em quaesquer outras obras ou construcções publicas ou particulares.

8.ª A camara prometto todos os seus bons officios para remover quaesquer difficuldades levantadas entre a companhia e os particulares, especialmente nos casos em que para a collocação dos tubos ou para outros trabalhos, seja preciso atravessar ou devassar-lhes as propriedades. Quando estas difficuldades se não poderem resolver amigavelmente, a camara empregará todo o seu valimento para que a» obras sejam declaradas de utilidade publica e urgente.

9.ª Feita uma escavação será collocado o cano, e o pavimento posto no seu estado primitivo. Se esta condição não for cumprida, ou se o trabalho ficar mal feito, a camara poderá mandar fazer de novo aquelle serviço pelos seus empregados, sendo a despeza paga pela companhia.

10.ª Os candeeiros necessarios á illuminação das vias publicas serão fornecidos e collocados pela companhia á sua custa; serão feitos de chapa de cobre; assentarão sobre braços de ferro fundido, conforme os modelos já empregados e constituirão propriedade da companhia.

§ unico. Em todos os largos e praças, e nas das de 10 metros de largura pelo menos, em que os passeios tenham a largura minima de lm,50; serão os candieiros assentes sobre columnas.

ll.ª A camara cede gratuitamente á companhia o uso dos candieiros da illuminação actual, com seus braços e columnas, para serem acommodados á illuminação a gaz á custa da companhia.

§ unico. No fim do contrato todo este material voltará para a canina, sem indemnisação alguma á companhia.

12.ª Se depois de estabelecida a illuminação a camara ou a companhia resolverem alterar a forma dos candieiros ou dos seus supportes, ou estabelecer novos modelos para serviços especiaes, poderão fazel-o precedendo accordo entre as duas partes, fixando-se n’essa occasião a despeza a fazer por parte da camara com a renovação do material.

13.ª Todos os candieiros collocados nas vias publicas, largos e praças, serão numerados, e tanto elles como os seus supportes pintados uma vez, pelo menos, em cada periodo de dois annos.

14.ª Os candieiros serão primitivamente collocados nos locaes designados pela camara, comtanto que essa collocação seja feita de fórma que a somma das distancias não exceda á media de 45 metros de um a outro candieiro.

§ unico. Observando a condição anterior, a camara poderá de futuro, a expensas suas, alterar a collocação dos candieiros sob a fiscalisação gratuita da companhia, ficando estatuido que esta alteração, seja qual for o tempo que leve a executar, não implica com o preço annual de cada candieiro, que será pago por inteiro.

I5.ª A companhia obriga-se a illuminar, era harmonia com a l.ª condição, qualquer via nova ou outra já existente, mas ainda não illuminada, correspondendo um candieiro a 45 metros de canalisação linear geral.

§ unico. É permittida a tolerancia até 5 metros a mais na canalisação linear, quando a collocação de um candieiro possa aproveitar a illuminação de uma rua transversal, continuando a seguir-se para os candieiros immediatos o principio de um candieiro para 45 metros de canalisação linear.

l(5.ª Quando a camara queira illuminar alguma estrada ou rua fora da povoação, a companhia collocará os candieiros e fornecerá o gaz nas condições precedentes, comtanto que a quantidade de candieiros requisitados não seja inferior a vinte, e que a rua ou estrada não fique mais de 1:400 metros distante do ultimo candieiro.

17.ª O serviço de accender, apagar, limpar, numerar e pintar os candieiros da illuminação publica, será feito pela companhia a expensas suas.

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18.ª Os candieiros das ruas publicas estarão accesos desde o occaso até ao nascer do sol.

§ 1.° É permittido á companhia uma tolerancia de meia hora no tempo gasto em accender e apagar os candieiros.

§ 2.° O tempo da illuminação e extineção do gaz será determinado pela camara n’uma tabella elaborada no principio de cada anno.

§ 3.° Durante as noites em que houver luar claro, os candieiros das vias publicas serão illuminados a meia luz.

§ 4.° Para evitar questões de relogios, será indicado o que deve ser tomado como modelo ou indicador.

19.ª A fórma da chamma de cada candieiro publico e a qualidade e forma dos bicos emissores, será a dos usados em Lisboa ou Porto para igual fim, ficando na camara depositados os modelos respectivos.

20.ª A canalisação e distribuição do gaz será feita por tubos de ferro fundido, de capacidade sufficiente para satisfazer as exigencias publicas e particulares. Os tubos serão examinados por pessoa competente, escolhida pela camara.

21.ª Quando forem requisitadas pela camara illuminações especiaes, todos os canos, apparelhos, etc., que seja preciso collocar, serão fornecidos pela companhia, mas á custa da camara. Estas illuminações devem ser requisitadas por escripto com antecedencia de vinte e quatro horas. O preço do metro cubico do gaz para estas illuminações extraordinarias será de 50 réis.

22.ª O preço do metro cubico de gaz, consumido nos edificios municipaes, será de 50 réis.

23.ª A camara garante á companhia o numero minimo de duzentos candieiros destinados á illuminação das vias publias.

§ 1.° O preço annual do fornecimento de gaz para a illuminação de cada candieiro será de 16$000 réis.

§ 2.° Quando a camara quizer augmentar o numero destes candieiros, o preço da illuminação do cada um será o mesmo indicado; mas logo que com e se augmento o numero total seja de duzentos e cincoenta, o seu preço será de 15$500 réis; attingindo trezentos e d’ahi para cima, 15$000 réis.

24.ª A camara póde impor á companhia as multas seguintes, que serão deduzidas nos pagamentos: l.ª, de réis 10$000 em cada noite em que o gaz não tiver o grau de pureza ou lhe faltar a força photometrica a que a companhia é obrigada; 2.ª, de 200 réis por noite e por candieiro publico que não for acceso por negligencia dos empregados da companhia; 3.ª, de 100 réis por cada candieiro que for acceso depois do tempo determinado, ou apagado antes.

25.ª A companhia não incorre em multa: 1.°, quando algum candieiro deixar de ser acceso em predio vedado por tapume ou em consequencia de obras na respectiva canalisação; 2.°, quando algum candieiro for apagado por effeito de temporal, ventania ou malevolencia; 3.º, quando o caso for de força maior devidamente comprovado.

26.ª A companhia será prevenida por escripto, no dia immediato á falta que se lhe imputar, das deducções que a camara fizer, apresentando-lhe n’essa occasião a camara as provas da falta para que ella as conteste no praso de dez dias, contados do recebimento da prevenção, sob a comminação de se haver por confessa.

§ unico. As provas virão de duas testemunhas que não sejam nem tenham sido empregados da camara nem da companhia.

27.ª A camara obriga-se, emquanto durar este contrato, a não lançar imposto nenhum sobre a producção, distribuição ou consumo do gaz, assim como sobre o carvão ou outras materias primas que possam ser empregadas n’esse fabrico.

Serão igualmente isentos de direitos municipaes todos os materiaes usados na construcção e reparos dos diversos edificios os apparelhos necessarios ao fabrico, distribuição e consumo do gaz e os contadores, estufas, apparelhos ou machinas precisas para o consumo particular.

28.ª Se por caso de força maior a illuminação publica for parcial ou totalmente interrompida, a companhia a substtuirá immediatamente e a expensas suas emquanto durar a interrupção, pela de azeite ou petróleo.

§ unico. A camara cede á companhia durante o praso deste contrato os depositos dos candieiros actuaes.

29.ª A companhia observará na construcção das obras os regulamentos especiaes e geraes com relação á saude e segurança publica, empregando todos os apparelhos e methodos mais approvados.

30.ª Alem da illuminação das vias publicas e estabelecimentos camararios, a companhia é obrigada a fornecer todo o gaz requisitado para a illuminação dos edificios onde funccionarem as repartições do estado, repartições de corpos administrativos, institutos de beneficencia, caridade e ensino publico.

§ unico. O gaz para os estabelecimentos mencionados e fornecido pelo preço de 50 réis por metro cubico.

3l.ª O pagamento da illuminação das vias publicas e dos estabelecimentos camararios, será feito dentro dos primeiros quinze dias seguintes ao mez vencido, e será garantido pelos rendimentos municipaes.

32.ª A companhia é obrigada a fornecer o gaz que lhe for requisitado para usos domésticos e industriaes, tanto diurnos como nocturnos em todas as epochas do anno, para o que conservará a conveniente pressão em toda a rede da sua canalisação.

§ 1.° O preço maximo do metro cubico de gaz para usos domesticos, mercantis e industriaes, é de 70 réis.

§ 2.° A companhia poderá reduzir o preço marcado no paragrapho anterior em favor de uma determinada industria, comtanto que se obrigue a estender esse beneficio a todos os estabelecimentos da mesma industria que quizerem contratar nas mesmas condições.

33.* O volume do gaz consumido será determinado por contador, approvado pela camara e pela companhia e devidamente aferido pela repartição competente.

34.ª O consumidor de gaz poderá comprar o contador a quem lhe convier, uma vez que esteja aferido legalmente, Oou alugal-o á companhia, que será obrigada a fornecel-o pelos preços mensaes seguintes: contadores para duas luzes, 130 réis; para tres luzes, 150 réis; para cinco luzes, 180 réis; para dez luzes, 280 réis; para vinte luzes, 400 réis; para trinta luzes, 500 réis; e para cincoenta luzes, 600 réis. Os contadores de maior numero de luzes serão alugados peia companhia, pelo preço ajustado em contrato particular.

35.ª Os recibos da companhia são passados pela indicação dos contadores e obrigam ao pagamento, quando não haja reclamação do consumidor, até tres dias depois da contagem lhe ter sido apresentada.

§ unico. Alem da aferição official obrigatoria podem os consumidores ou a companhia exigir quantas aferições quiserem, recaíndo as despezas sobre quem for achado em falta, e não se dando esta sobre quem tiver requerido a aferição.

30.ª O inquilino, que mudar de predio, é obrigado a participar a mudança á companhia para que a sua responsabilidade cesse com a contagem do gaz consumido até então.

37.ª Na extremidade de cada canalisação externa das casas será collocada uma torneira para impedir a entrada de gaz em caso de incendio, de reparações internas e de falta de pagamento.

o8.ª A companhia obriga-se a fazer e reparar á sua custa as canalizações parciaes desde o tubo geral das ruas, travessas, praças e largos e mais vias publicas, até á casa de qualquer consumidor dentro da cidade; fóra da povoação e não estando em execução a condição 16.a, as despezas da collocação dos canos e de outros trabalhos serão pagas pelo consumidor.

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39.ª A canalisação interior das casas deve ser feita debaixo da inspecção da camara. Approvado o trabalho, a companhia fornecerá o gaz immediatamente.

40.ª A companhia só poderá ser obrigada a fornecer gaz aos consumidores que garantam o consumo de um anno, pelo menos, e poderá suspender o fornecimento de gaz ao consumidor que não pagar o que tiver consumido.

41.ª Nenhum picheleiro será admittido a introduzir o gaz das casas particulares sem estar devidamente auctorisado e considerado pela camara como artista competente.

42.ª Cada lampista usará uma divisa ou distinctivo com o numero para ser conhecido quando andar no seu emprego, sendo a divisa fornecida pela companhia e o modelo escolhido pela camara.

43.ª A companhia enviará á camara uma lista dos nomes e moradas dos lampistas, em que se irão fazendo as alterações que forem necessarias. Esta lista indicará tambem a circumscripção de cada lampista.

44.ª A camara galante á companhia o fornecimento exclusivo do gaz para a illuminação publica e particular para todas as industrias a que o gaz é applicado, pelo espaço de cincoenta annos, a contar do dia em que for inaugurada definitivamente a illuminação publica.

§ 1.° Findo aquelle p raso cada uma das partes poderá denunciar o contrato e rescindil-o, prevenindo a outra com um anno de antecedencia.

§ 2.° Se nenhuma das partes usar da faculdade do paragrapho antecedente, considerar-se-ha o contrato prorogado por periodos de cinco annos, podendo ambas as partes, no fim de cada periodo, usar do direito de rescisão com o aviso previo de um anno.

§ 3.° No caso que a camara não deseje renovar o contrato e entenda pôr a concurso o fornecimento de gaz, dará em igualdade de circumstancias a preferencia á companhia.

45.ª Se no fim do periodo de cincoenta annos a camara quizer adquirir as fabricas, officinas, canalisação, etc., será tudo cedido á camara e por esta pago á companhia pelo valor que for arbitrado pelos peritos nomeados pura fazerem a louvação.

§ 1.° A louvação será feita com a devida consideração do estado em. que se achem os edificios, etc., havendo o competente abatimento para qualquer encanamento e utensilios que a camara fornecesse ou pagasse em qualquer occasião.

§ 2.° Para obter uma louvação justa de tudo, serão nomeados por cada uma das partes dois peritos de reconhecida competencia, que não sejam nem tenham sido empregados da camara nem da companhia.

§ 3.° Os quatro peritos nomearão um quinto, que presidirá, e que no caso de empate resolverá a questão.

§ 4.° No caso dos quatro peritos não poderem escolher o presidente, será a presidencia dada ao juiz de direito.

§ õ.° Cada uma das partes pagará aos seus nomeados.

46.ª Todas as questões que possam suscitar-se entre a camara e a companhia sobre os direitos de cada uma e sobre a execução das presentes condições, serão decididas por um tribunal arbitrai constituido conforme os §§ 2.º, 3.°, 4.° e õ.° da condição anterior.

47.ª Se durante o periodo de cincoeuta annos a camara ou a companhia quizerem adoptar algum systema de illuminação superior ao do gaz, poderão fazel-o, mediando accordo mutuo.

48.ª Logo que este contrato seja definitivamente assignado, a companhia depositará a quantia de 4:500$000 réis, valor nominal em titulos do governo portuguez, ou o seu equivalente em metal, deposito que será retido pela camara como garantia do cumprimento das obrigações contrahidas.

§ 1.° Durante o tempo em que o deposito de 4:500$000 réis estiver em poder da camara, a companhia tem direito a receber os juros dos titulos; se o deposito, porem, for feito em metal, não receberá juros nenhuns.

§ 2.° A caução .será devolvida á companhia logo que mostre que as obras executadas e o material junto destas tem um valor superior á quantia de 9:000$000 réis.

§ 3.° Levantada a caução constituirão hypotheca especial da camara e responderão pelos damnos causados pela companhia ao municipio todos os estabelecimentos e material da companhia.

49.ºl No caso de abandono da illuminação por parte da companhia, perderá esta todo o seu material, que ficará pertencendo á camara sem indemnisação alguma á companhia.

50.ª A companhia nomeará pessoa de confiança da camara que represente a mesma companhia para todos os effeitos, e esteja auctorisada a receber todas as citações desde a primeira.

51.ª Se a companhia quizer trespassar esta concessão, deve apresentar á camara o nome da pessoa, pessoas ou companhia a quem pretender fazer o trespasse com todos os seus encargos e obrigações. Essas pessoas ou companhia serão reconhecidas pela camara como primitivas concessionarias, se a camara as julgar competentes e idóneas.

52.ª O contrato definitivo deve ser assignado quando a deliberação da camara estiver devidamente approvada pela junta geral ou commissão districtal, e dentro de um mez, a contar d’esta approvação.

53.ª As clausulas deste contrato poderão a todo o tempo ser augmentadas ou alteradas, se as partes contratantes assim o julgarem de mutuo interesse.

Pelo outorgante Carlos Varella Lopes, foi dito: que em nome do seu constituinte, acceita e se obriga ao inteiro cumprimento de todas as condições do presente contrato que ficam exaradas.

E sendo tambem presentes o illmo. sr. Manuel Pinto da Silva, casado, negociante, desta cidade, e thesoureiro do municipio, meu conhecido e das mesmas testemunhas, disse perante ellas: que no cofre municipal a seu cargo existe depositada a quantia de 4:000$000 réis, valor nominal, em inscripções da junta do credito publico, que recebeu do concessionario Diogo Souto, importancia da caução estabelecida na condição 48.ª, para cumprimento do presente contrato.

Assim o disseram, outorgaram e acceitaram, do que dou fé, sendo testemunhas presentes, que aqui assignam, depois desta ser por mim lida a todos os illmos. srs. Manuel Gonçalves da Cruz, e Luiz da Silva Leitão, ambos casados, amanuenses da secretaria da camara municipal de Leiria, e aqui residentes.

Ficara pagos os sellos, o da escriptura de 500 e de 200 réis, o do recibo do deposito por estampilhas abaixo colhidas e inutilisadas por mim, Carlos Rufino Coelho do Valle, tabellião, que presente fui a todo este acto, a fiz escrever, subscrevo e assigno em publico e raso.— Logar de dois sellos de estampilha no valor total de 700 réis, collados e devidamente inutilisados. — Francisco Pereira da Silva — Carlos Varella Lopes — Manuel Pinto da Silva — Manuel Gonçalves da Cruz — Luiz da Silva Leitão.

Em testemunho de verdade. — Logar do signal publico. — O tabellião, Carlos Rufino Coelho do Valle.

Procuração

Logar do sello do papel do valor de 80 réis. — Saibam quantos esta procuração bastante virem, que no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo, de 1890, aos 5 dias do mez de abril, n’esta cidade de Leiria e n’este meu escriptorio, compareceu o exmo. Diogo Souto, solteiro, de maior idade, capitalista, residente na Foz do Douro, na cidade do Porto, cuja identidade me foi afiançada pelas testemunhas idóneas adiante nomeadas e no fim assignadas, a quem conheço, e na presença das mesma; testemunhas disse: «Que constituia seu bastante procurador o illmo. Carlos Varella Lopes, solteiro e maior, empregado da casa commercial de Joaquim Jorge da Silva Teixeira, e resi-

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dente n’esta cidade, para era nome d’elle outorgante assignar uma escriptura do contrato para a illuminação a gaz de Leiria, que elle outorgante fizera com a exma. camara municipal d’esta mesma cidade, contrato que deverá ser feito sob as condições que foram acceitas pela mesma municipalidade em sua sessão de 15 de janeiro de 1890, devendo o thesoureiro da mesma exma. camara passar recibo na referida escriptura da quantia de 4:500$000 réis, valor nominal, em inscripções, que elle outorgante n’esta data lhe entregou para o deposito a que se refere a condição 48.ª do respectivo contrato».

Assim o disse, do que dou fé, sendo testemunhas presentes que aqui assignam, depois d’esta ser por mim lida a todos, José da Silva Santos, proprietario e José Antonio Fernandes da Silva, caixeiro de commercio, ambos solteiros, de maior idade, residentes n’esta cidade.

E eu, Carlos Rufino Coelho do Valle, tabellião, que a fiz escrever, subscrevo, estampilho com um sêllo de 3UO réis e a assigno em publico e raso. — Em testemunho de verdade. — (Logar do signal publico.) — O tabellião, Carlos Rufino Coelho do Valle — Diogo Souto — José da Silva Santos — José Antonio Fernandes da Silva. — Logar de um sêllo de estampilha do valor de 300 réis, collado e devidamente inutilisado.

E trasladadas a escriptura e a procuração as conferi e ás originaes me reporto.

Leiria, Iode abril de 1890. — E eu, Carlos Rufino Coelho do Valle, tabellião, que a subscrevo, rubriquei e assigno em publico e raso. — (Logar do signal publico.) — Em testemunho de verdade. = O tabellião, Carlos Rufino Coelho do Valle.

Palacio das côrtes, em 6 de agosto de 1890. = Pedro Augusto de Carvalho, presidente = José Joaquim de Sonsa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia, e tem a palavra para continuar o seu discurso o digno par o sr. Thomás Ribeiro.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer relativo ao caminho de ferro de Mossamedes

O sr. Thomás Ribeiro: — Continuando o seu discurso começado na sessão antecedente diz que não póde occultar o grande sentimento que lhe causa o ver a maneira por que são tratadas as nossas cousas publicas.

Se vem á téla do debate, por exemplo, a creação de um officio de juiz de paz, ou a expropriação de terrenos para construcção de uma estrada, questões estas, como a camara vê, minusculas, ou, pelo menos, de secundaria importancia, o debate alarga-se e tomam n’elle parte demorada os oradores mais brilhantes e os mais conspicuos; mas quando se trata de uma questão vital por excellencia, de uma questão da qual póde depender o engrandecimento do paiz, toda a gente deseja que a discussão seja restricta, e pede-se aos oradores que abreviem as suas considerações, e que não difficultem a approvação do assumpto que está na ordem do dia.

O orador ao qual se dirigem estas solicitações, sente-se num meio incommodo, mas emfim, pela sua parte, garante aos seus collegas de quem tem recebido muitas provas de benevolencia, que ha de ser o mais resumido possivel nas considerações que vae apresentar.

Terminou hontem o seu discurso apontando as causas da emigração, e hoje vem dizer que uma d’ellas é a maneira por que entre nós se encontra o regimen da propriedade.

Não entra agora na apreciação do que a tal respeito legisla o codigo civil, e volta-se simplesmente para a classe dos trabalhadores que é preciso mandar para as nossas colonias.

Quer que mandem para lá homens verdadeiramente trabalhadores, de mão callejada, e que estejam costumados a cultivar a terra. Quer se dispense toda a protecção aos trabalhadores que se forem estabelecer ali n’estas condições.

É preciso fazer a historia como ella é. No plan’alto da Chella nem sempre têem ficado os que para lá têem ido.

Tem havido algumas expulsões, muito convenientes, porque quem não quer trabalhar, não deve ali ficar.

Não é cama de rosas o plan’alto da Chella e é preciso que os delegados do governo só ali conservem quem queira trabalhar.

Pois nem todas as remessas de trabalhadores que têem sido mandadas para o plan’alto do Bihé foram aproveitaveis.

A primeira, que foi da Madeira, era péssima, de maus costuro es; e aqui se approxima do illustre relator do parecer, que desejou ver ali o influxo da educação religiosa.

Quando morrer, hão de julgal-o, uns, livre pensador, outros beato. Pouco incommodam o orador estas apreciações, porque, nos negocios publicos, obedece tão sómente ás indicações da sua consciencia.

O facto é que somos ainda, e havemos de ser por largos annos, um paiz essencialmente catholico.

No Bihé, nas colonias, póde a religião actuar de uma forma benéfica, mas não se segue por isto que seja indispensavel o restabelecimento de instituições antiquadas.

É preciso implantar ali missões. Não basta construir um caminho de ferro, e mandar para lá meia duzia de homens. (Apoiados.)

O padre que for para lá não deverá saber só latim. É bom, é excellente que o saiba, mas quer tambem que possa ensinar misteres e officios.

Quer gente de trabalho; não quer amanuenses, como se encontram na metropole.

Não diz mal dos amanuenses; o que diz é que não se devera montar lá grandes secretarias, grandes sinecuras, como é de uso entre entre nós. Precisa se lá quem escreva, mas que ao mesmo tempo possa tambem tomar conta de outros trabalhos.

Está-lhe parecendo este paiz um asylo, não de pobres envergonhados, mas de engravatados. Expressa claramente este seu modo de ver, sem receio de que o arguam de malevolente.

Se fôra encarregado de qualquer missão havia de estabelecer ali uma typographia, não para imprimir folhetos, nem artigos de fundo, mas para relatorios, para estatisticas, para noticias que d’aquellas regiões conviesse espalhar por todo o paiz, noticias muito conscienciosas, muito verdadeiras, porque quem está aqui não adivinha o que lá se passa e precisa de o saber. Não quereria saber de jornaes politicos e até desejaria auctorisação para pôr fóra os que lá apparecessem, e, com tudo, desejaria o boletim que em todos os paquetes dissesse para a Europa o que se passava; admittiria emfim tudo o que fosse conveniente para a prosperidade d’aquelle paiz, que suppõe ha de ser grande, nos sonhos da sua phantasia, pelo menos. Morrerá antes, mas desejaria levar para a sepultura a esperança bemdita de que Portugal ha de resurgir ali grande e notavel.

Isto póde conseguir-se, não com aventuras guerreiras, mas pelo trabalho assiduo e bem dirigido.

Pede ao governo que não mande para o Bihé bachareis formados em direito e que não crie comarcas nem julgados. Isso cá está em baixo, em Mossamedes. No plan’alto da Chella basta um tribunal de homens bons.

Ali deve superintender, pelo menos durante um certo tempo, a organisação por que se regiam os povos primitivos. Pois bem, justiça primitiva, quer dizer, os chefes das differentes colonias formando conselhos de familia; regulando

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tudo que diga respeito á propriedade e a todos os direitos que d’ella dimanam e nella se concentram.

Depois, quando houvesse um crime, o que deve ser raro, lá estava em baixo o juiz de direito a quem se entregava o criminoso.

Não quer lá, como já disse, nem advogados nem comarcas. Falla assim, tendo a honra de ser bacharel formado em direito, porque conhece que, onde chega o ganhador que vae como advogado, começam as desordens na familia e a divisão na propriedade.

Lembra ao ministro da instrucção publica que nas reformas que haja de emprehender trate de afastar quanto possivel do bacharelato a mocidade, a ver se ha menos bachareis em direito. (Apoiados.)

Veja se os mancebos se dedicam a outras carreiras; se os faz artistas, industriaes, agricultores, operarios. (Apoiado do sr. Rebello da Silva.)

Deixemo-nos de Homero, ainda que Homero é a consolação dos poetas. Visto que vamos crear um grande imperio, façamos homens, laçamos trabalhadores! Porque o facto u que a maior parte dos estudantes se envergonham de ir para outro caminho que não seja o das letras, das armas ou o do bacharelato era direito. Ensine-lhes agricultura. (Apoiados.) Ensine-lhes artes, cursos commerciaes e industriaes, tudo o que mais lhes desenvolva a actividade.

Se aqui estivera o seu nobre amigo o sr. Julio de Vihena, na melhor camaradagem pediria a s. exa. que o ajudasse a realisar esta idéa, isto é, que facilitasse o exercicio de todas as profissões nas nossas provincias ultramarinas.

Sabe que o sr. presidente do conselho ou o sr. ministro da instrucçao publica podiam perguntar-lhe porque está hoje a aconselhar estes alvitres e não os pôz em pratica quando teve a honra de ser ministro. E preciso comtudo saber que quando entrou para o ministerio da marinha, o sr. Fontes dissera ao orador, como aos outros membros do gabinete, que havia uma grandissima necessidade de equilibrar as finanças.

Tinha o orador o maximo desejo do realisar o seu pensamento, mas não tinha soldados, nem navios, nem dinheiro.

Lembrou-se então de fazer ao sr. Paiva de Andrade aquella concessão que levantou contra, si e contra o governo a que tinha a honra de pertencer as pedras das das de Lisboa, mas essa concessão, producto de ruins cabeças, como então a alcunharam, era um dos meios que se lhe afiguravam excellentes para o conseguimento do fim brilhante que se tinha em vista.

Eis como muitas vezes a boa vontade se atropina.

N’aquelle tempo as questões do ultramar não tinham importancias e quando os ministros as traziam a concelho eram olhadas pelos seus collegas com um certo desdem.

Hoje, consideram-se muito, porque se comprehende que n’ellas reside o nosso futuro proximo.

Vê com desprazer que se está tratando em tres quartos de hora uma questão que devia ser tratada durante muitos dias, mas não é agora a occasião de fazer a critica dos acontecimentos presentes.

Se tivera o gosto de ver presente o sr. ministro da marinha, pediria a s. exa. que não a atasse esta questão a retalho, como é de uso tratar actualmente todos os assumptos, ainda os mais momentosos.

Vamos tratar a retalho as differentes questões africanas, e isto na occasião em que se não sabe quaes são os verdadeiros interesses que podemos ter na Africa.

O sr. ministro da marinha indicou ha tempo, se bem que resumidamente, um projecto de reforma da administração das nossas colonias. Dissera s. exa. que precisava de dois annos para a realisação desse projecto, e acrescentara que esse seu plano enriqueceria toda a gente menos s. exa.

Cumpre-lhe elogiar o proposito do sr. Julio de Vilhena e faz votos para que se tomem a serio as questões de Africa.

Tera-se feito alguma cousa, mas esse pouco não satisfaz o orador porque não encontra nada harmonico, nada methodico.

Quizera que se fizesse o que vae dizer.

Quizera que se nomeasse uma commissão parlamentar a qual no intervallo das sessões procurasse resolver alguns dos nossos problemas coloniaes.

Desejaria que essa commissão composta de individuos que conhecessem de perto as nossas colonias estudassem durante o intervallo das sessões as nossas questões da Africa, e apresentar-lhe-ia entre outros os quesitos seguintes.

«Convirá conservar as nossas colonias?»

Entende que os assumptos coloniaes não podem converter-se em questões politicas. São negocios de pura administração, e por isso devem ser tratados no campo do raciocinio, o que todos os membros da commissão de certo comprehenderiam.

Vejâmos o segundo quesito:

«Todas? Parte? E quaes?»

No primeiro quesito está comprehendida toda a questão fazendaria, toda a questão administrativa.

Terceiro quesito:

(Leu.)

Toda a camara comprehende que os subsidios podem ser de mil cousas, taes como a navegação, os caminhos de ferro, as estradas, emfim, mil cousas.

Pediria, por exemplo, que não implantassem, lá por ora a eleição.

Desejai ia mesmo que no primeiro anno da iniciação de modo nenhum apparecesse lá o influente a pedir votos. (Apoiados.}

Estima muitissimo a carta constitucional, mas como nós deixámos de a respeitar aqui, prescindiamos d’ella lá por agora.

Aquella gente ficava indemne da febre eleitoral, pelo menos por algum tempo.

Sabe que entre nós ha sempre; um pessimo costume. Todos nós decoramos o que dizem os nossos collegas, membros do parlamento, para os encontrarmos amanha em contradição quando sobracem alguma das pastas.

Gosta que todos sejam coherentes, gosta muito da coherencia nos homens do governo; mas e forçoso ponderar que ás vezes quando se vae tomar em mãos qualquer questão encontram-se dificuldades em a resolver.

O sr. Miguel Maximo: — Eu se decoro uma grande parte do que se diz é apenas para minha instrucção.

O Orador: — Fallou em geral; mas o digno par e a camara sabem que muitas vezes dá-se fóros de excellente a uma cousa, mais para condescender com opiniões alheias do que para obedecer a indicações proprias, e a verdade é tambem que se passam muitos dias em retaliações.

Por exemplo: o governo actual acha-se a braços com difficuldades e diz que a responsabilidade dellas pertence ao sr. Marianno de Carvalho; mas se o sr. Marianno de Carvalho voltar amanhã ás cadeiras do poder, dirá que as difficuldades que só lhe depararem foram todas creadas, ou pelo sr. Hintze Ribeiro, ou pelo sr. Franco Castello Branco.

Este systema é pessimo, como já disse, porque se o parlamento sancciona os actos do governo, não e a este que mais tarde podem tomar-se conta de quaesquer inconvenientes resultantes dos mesmos actos.

É um erro politico da nossa parte o tratarmos assim, as questões politicas.

(Leu.)

Quizera que a questão dos limites a defender fosse estudada no interregno parlamentar pela commissão a que ha pouco se referiu.

Entende que a questão do Bihé não deve ser só encarada debaixo do ponto de vista commercial. É uma ques-

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tão que deve ser examinada attentamente, tendo-se em vista todos os ramos de administração.

Ora, um dos pontos a considerar é tambem a nossa defeza.

Como considerar essa defeza?

Tem pena de não ter recebido uma educação militar para poder dizer o que fosse mais conveniente a tal respeito.

Ha a defeza dos nossos direitos politicos internacionaes, a defeza dos nossos interesses e a da nossa segurança pessoal; mas ha outros ramos de defeza a que é preciso tambem attender n’estas questões africanas.

É necessario olhar pela segurança dos colonos. Não basta dizer ao colono: aqui teus terreno e trabalha. E preciso que as auctoridades portuguesas dêem ao colono garantia e segurança. E aqui pede licença para dizer móis uma heresia, e esta é militar.

Nos relatorios, aliás insufficientes, que nos são enviados das colonias agricolas do plan’alto da Chella, ha um ponto que não deve passar desapercebido aos poderes publicos.

Dizem os colonos:

Os nossos generos não são de tamanho valor que possam com as despezas do transporte; e por consequencia ternos de morrer afogados na abundancia.

Não sabe qual foi o governador das nossas colonias que se lembrou de dizer: para que é preciso haver um batalhão em Mossamedes?

Mossamedes, que é uma terra pequena e de bons costumes, dispensa um batalhão e precisa apenas do uma companhia, e, a dizer a verdade, parece-lhe que isto é assim.

Ora, se este corpo, em vez de estar era Mossamedes, fosse estabelecer-se no planalto da Chella, no ponto que se entendesse melhor, seria um bom consumidor dos generos ali produzidos, viveria em condições economicas, e serviria alem d’isso, de respeito ao gentio.

Se os antigos deputados de 1821 se levantassem dos seus jazigos, punham as mãos na cabeça, do que vae dizer, porque foram elles que acabaram com as milicias; no entretanto dirá que se lhe afigura excellente estabelecer com os trabalhadores uma segunda linha, uma especie de milicia.

Mas isto não é sufficiente, e a prova está na necessidade que teve agora o governo de mandar organisar uma expedição em Mobsamedes em direcção ao Bihé, por causa dos insultos praticados pelos pretos contra a nossa auctoridade moral.

Faz votos sinceros para que essa expedição tire o resultado que desejámos, porque nós precisâmos impor-nos a toda aquella gente e carecemos de estabelecer uma vigilancia n’aquella fronteira, não porque haja a intenção de travar luctas, mas porque os pontos fortificados são pontos de respeito alem dos quaes a gente preta não costuma avançar.

Teve o cuidado de organizar um mappa, sem duvida imperfeito, mas onde designa os pontos em que se podiam estabelecer com pequeno dispendio quatro fortes, os quaes poderiam por agora constituir uma segurança de que muito precisâmos, porque não se sabe se ha intrigantes em volta de nós, que nos queiram molestar.

O orador consultando o mappa a que vem de referir-se, apresenta os alvitres que se lhe afiguram conducentes á realisação do pensamento, e apresenta outras considerações referentes ao modo de conseguirmos o nosso engrandecimento colonial. Depois diz que esta questão precisa de ser estudada pela commissão parlamentar em que ha pouco fallou, a qual podia lembrar ao governo muitos alvitras.

Trazia muitos apontamentos e poderia apresentar muitos outros alvitres, mas não o faz porque não quer passar por vendedor de elixires em praça publica.

Vae concluir as suas considerações fallando do projecto em si, se bem que, analysando-o perfunctoriamente, mesmo porque já declarou no principio que não tratava a questão propriamente do caminho de ferro.

O que vae dizer serve sómente para corroborar as suas observações geraes.

Desejava a construcção d’este caminho de ferro por conta do governo. (Apoiados.)

Podia ser um grande encargo, mas tambem tinha vantagens; e dirá uma cousa, que em finanças póde parecer uma heresia ou um absurdo perante os modernos estudos economicos.

Sabe que se diz que o capital não tem patria, que o capital vão em busca dos interesses, que não sabe lingua nenhuma e todos sabem a lingua d’elle, que não sabe caminhos e transpõe os espaços: em fim, que não tem nacionalidade.

É verdade tudo isto, e, comtudo sublinha esta heresia... os capitães estrangeiros só se naturalisam passando pelas mãos do governo.

N 5 á podemos architectar as nossas companhias; podemos declarar que ellas não obedecem senão a auctoridades portuguezas. que só o governo portuguez approvará os seus estatutos, que só as justiças portuguezas dirimirão as suas contendas.

Podemos proclamar tudo isto, imprimil o com letras de oiro, graval-o em laminas de bronze... mas apparece uma Delagoa Bay com capitães estrangeiros, como succedeu agora com o caminho de ferro de Lourenço Marques, e é o governo inglez quem nos vem dizer que os capitães da sua nação estavam em perigo, havendo, portanto, só um meio para obviar a este inconveniente, que era o governo por emprestimo levantar este dinheiro, fazendo uma operação ordinaria, para a todo o tempo poder dizer, quem responde por este dinheiro é o governo.

Emquanto ao projecto definitivo de que se falla na base 6.ª, já o seu illustre amigo o sr. Bandeira Coelho se referiu a elle; e, se effectivamente cada engenheiro for fazer o seu traçado, ou se se der por empreitada, e se a base for o custo kilometrico, então não chegamos ao Chella, e por isto entende que a primeira cousa a fazer era mandar proceder aos estudos d’este caminho de ferro, de maneira a podermos ír mais depressa.

Ha n’este projecto uma clausula para a qual chama tambem, a attenção do governo e da camara.

Diz-se que fica dado, por noventa e nove annos, ao concessionario o direito de cortar as arvores precisas para a construcção do caminho de ferro de que se trata.

Em primeiro logar entende que isto é uma promessa irrisoria que se faz ao que venha concorrer á praça; em segundo logar não póde haver maior desgraça do que esta concessão.

N’aquelle sitio não ha arvores, tanto que os que estão governando as colonias do alto da Chella andam a pedir sementes de pinheiro aos governos para semear grandes matas, porque não têem madeiras de construcção para as poucas casas que fazem.

Fallar nas matas sem saber o que lá ha é extraordinario!

Em primeis o logar não ha lá matas porque dizem que nem para a construcção das casas teem sufficiente madeira; em segundo logar, dando-se uma extensão de tempo tão grande como noventa e nove annos, não ficava um ramo verde.

Digam que ha arvores onde as haja, côrtem-n’as de onde não façam falta, mas d’ali, por Deus!

Ali ha relvas, ha um manto formossisimo de verdura bordado a prata — seja-lhe permittido este dizer poético, já porque não escandalisa ninguem, já porque não está presente o nobre ministro da marinha — mas matas?!

Vão dar quantas arvores tiver o plan’alto, que não são quasi nenhumas?!

É preciso que o governo tenha na sua mão o caminho de ferro para fazer transportar os materiaes de construc-

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cão, e se assim não for, como hão de fazer os colonos a suas edificações de pedra e cal?

AH ha casas construidas de differentes madeiras, mas, de pedra e cal apenas cinco; e fica-se contentissimo de ver o progresso representado n’este limitado numero.

Estimaria que o governo acceitasse a idéa da nomeação da commissão parlamentar, e, em todo o caso, pede que eliminem a condição a que ha pouco alludiu.

Deixa muito por dizer, porque, se alguma cousa ha que, ha longo tempo o tenha preoccupado, é esta questão patriotica, que considera o nosso refugio para as grandes eventualidades.

Já se não conquistam glorias com as couraças e os olmos, mas com a enxada na mão.

Nós temos uns dictados que fazem toda a nossa historia e o orador gosta immenso de ouvir aos velhos e ás velhas os anexins de cada terra, porque elles explicam bem o que eramos para sabermos o que hoje somos e a differença que fazemos.

Ou armas ou letras.

O exercito em primeiro logar: era a tradição da nossa gloria guerreira.

As letras vinham em substituição: eram a nobreza da patria, e isto entre nós, em França, em toda a parte.

Porque não diremos nós um dia — a nobreza do trabalho?

É occasião de o dizermos, nem temos outro meio do satisfazermos as necessidades que-se nos apresentam.

Mas parece-lhe que nós morremos de medo.

Nós deixámos a cota de malha e pozemos de parte o elmo, e agora é o medo que nos acompanha sempre.

Acontece que ha um soba, um regulo, que quer mandar a este paiz uma embaixada a dizer-nos que o reino de Portugal é suserano do seu paiz, mas, o medo do governo o que faz?

Manda ficar esta pobre embaixada em Mossamedes, porque tem medo que a Inglaterra se escandalise por ver que ha em Africa quem nos queira fazer um comprimento, e visitar o nosso paiz, que avassallou toda aquella região noutros tempos.

Vêem depois os exploradores, os homens proclamados aqui e em toda a parte, e o ministro da corôa assustado das acclamações com que podem ser recebidos, resolve ir á gare do caminho de ferro receber um dos nossos africanistas, não tanto para o honrar, como para transformar o seu coche em carruagem cellular e trazel-o escondido ás multidões.

Chegámos a isto, e d’isto não consta que jamais houvesse.

Nós somos, graças a Deus, ainda bastante ricos e grandes, bastante sãos e escorreitos para não termos medo.

Quem está em certa posição e tem medo, deve ter ao menos o pejo bastante para o não mostrar.

Vozes: — Muito bem.

(O discurso do digno par será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Barbosa du Bocag8: — Sr. presidente, não é minha intenção, nem tomar muito tempo á camara, nem acompanhar o ilustre orador que me precedeu nas considerações, generosas sempre, muitas vezes patrioticas o justas, que acaba de fazer ácerca das medidas que é forçoso adoptar para consolidar o nosso dominio em Africa e fundar uma verdadeira colonia no plan’alto de Huilla.

As observações que vou fazer limitam-se a mostrar á camara o que penso relativamente a algumas das disposições do projecto, o a dizer em poucas palavras o motivo por que me conformo na essencia com as suas disposições, tendo a esperança de que se consiga nas melhores condições o melhoramento de que se trata, o qual julgo, não só necessario, mas inadiavel.

Sr. presidente, entro um pouco a medo n’esta discussão

pelas suspeições que hontem apresentou o digno par o sr. Thomás Ribeiro, o qual nos invectivou a todos os portuguezes por não conhecermos onde está situado o planalto do Bihé, ao passo que todos conhecem o nosso Chiado.

Ora eu não posso dizer que me eximo a essa lei geral; conheço melhor, sem duvida, o planalto do Chiado, do que o plan’alto do Bihé, mas ainda assim não ignoro a posição que este occupa n’uma carta de Angola.

Mas, sr. presidente, cingindo-me ao exame d’este projecto, direi sinceramente que me conformo com elle, porque me parece que preenche realmente as aspirações e desejos mesmo d’aquelles que o combateram.

A final de contas estamos todos perfeitamente de accordo.

Nas clausulas do contrato encontro eu a resolução pratica dos desejos manifestados pelos dignos pares que me precederam.

O que desejam os dignos pares que teem tornado a palavra neste assumpto?

Desejam em primeiro logar que se favoreça a colonisação do planalto da Chella e reconhecem que um dos meios mais efficazes, mais indispensaveis para o desenvolvimento dessa colonização e o estabelecimento, quanto mais rapido melhor, de uma ligação entre Mossamedes e o plan’alto da Chella em condições que permitiam não só o transporte de pessoas como o transporte de mercadorias.

Não me demorarei, pois, a justificar a nececessidade da colonisação do plan’alto e a necessidade absoluta e urgente do estabelecimento de um caminho de ferro que ligue aquelles dois pontos, pois que n’isso nós todos estamos de accordo.

Os dignos pares desejam tambem que se faça esta ligação sem dependencia de capitães estrangeiros, com capitães portuguezes, por modo que se não possam repetir os inconvenientes a que por vezes se referiram e se deram com o caminho de ferro de Lourenço Marques.

Ora, sr. presidente, eu devo primeiro dizer a v. exa. e á camara que não tenho a aversão, nem partilho o panico que é moda agora manifestar pelos capitães estrangeiros.

Eu entendo que ha modo de aproveitar os capitães estrangeiros mesmo sem serem naturalizados pela forma que indicou o digno par que me precedeu, ficando nós ao abrigo de todas as complicações, de todos os perigos e incidentes que se deram com o caminho de ferro de Lourenço Marques, complicações, perigos e incidentes devidos exclusivamente a circumstancias que eu não quero crer que se repitam.

Ser-me-ía facil demonstrar esta proposição, se não receiasse fatigar a attenção da camara e, sobretudo, desviar esta discussão, que tão serenamente vae correndo, para o campo das retaliações.

Eu entendo que pelo projecto em discussão está garantida completamente, sem a menor duvida, a realisação de um caminho de ferro de Mossamedes ao plan’alto da Huilla nas condições que os dignos pares desejam.

Desde o momento em que o governo concordou em supprimir a clausula de garantir a exploração do caminho de ferro, desde esse momento podem os dignos pares ficar tranquillos que não ha ninguem, não ha individuo ou empreza de qualquer nacionalidade, que venha clara ou encobertamente concorrer á construcção e exploração d’este caminho de ferro. (Apoiados.)

Por conseguinte, o receio de vermos este caminho de ferro em mãos de estrangeiros deve desapparecer completamente.

É minha convicção e creio será tambem a de todos os dignos pares que queiram examinar attentamente este projecto, é que o caminho de ferro ha de ser construido pelo estado e ha de ser explorado pelo governo.

Não póde deixar de ser assim desde que a camara dos senhores deputados supprimiu ao projecto primitivo a garantia do juro para a exploração.

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Tambem não me preoccupa demasiadamente a objecção apresentada por alguns dignos pares, de que não ha estudos completos ácerca não só do primeiro lanço do caminho de ferro na região do litoral, e sobretudo na parte do caminho de ferro que se deve elevar da base da Chella até á altura do plan’alto.

Não me preoccupa demasiadamente esta circumstancia porque como o caminho de ferro tem de ser construido á custa do estado, e por meio de empreitadas parciaes, o governo tem necessariamente de proceder primeiro aos estudos indispensaveis e sómente abrirá concurso para as empreitadas quanto tiver os projectos definitivos dos diversos troços do caminho de ferro.

Eu faço votos, e nisto acompanho completamente o meu digno collega e velho amigo o sr. Thomás Ribeiro, eu faço votos fervorosos para que o governo, quando se tratar da construcção d’este caminho de ferro, proceda cautelosamente e por modo a evitar que a este caminho de ferro se possa applicar a definição que ha pouco ouvi dar de outro caminho de ferro da nossa Africa occidental, a maior distancia possivel entre dois pontos.

Para evitar esta vergonha, espero que o governo envidará todos os esforços.

Assim, sr. presidente, julgo ter demonstrado que por este projecto ficam satisfeitas as justas aspirações e desejos dos dignos pares que com tanta eloquencia e verdade teem exaltado as vantagens de uma ligação rapida entre Mossamedes e o plan’alto da Huilla, e ouso esperar que me acompanharão votando a favor deste projecto.

O sr. JeronyniO Pimentel: — Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica, ouvida a de fazenda, sobre o projecto de lei relativo aos addicionaes que devem ser lançados pelas corporações administrativas.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Rebello da Silva: — Sr. presidente, quando se ventilara no parlamento questões de tão transcendente importancia economica como é esta e algumas outras que ultimamente aqui se têem discutido, quando se a ata de uma questão tão importante e ao mesmo tempo tempo tão melindrosa como a que o projecto em discussão envolve, ninguem que aqui tenha voz, por menos auctorisado que se julgue, por mais humilde que se considere, se tem duvidas ou receios sobre as disposições do projecto de lei, poderá resistir aos impulsos da consciencia, ninguem deve deixar de os manifestar, essas duvidas ou receios, para que umas sejam esclarecidas e outros dissipados.

O caminho de ferro de Mossamedes á Chella é para nós de tal importancia e de tanto valor economico e social para a colonisação e civilisação africana, que estou convencido que não haverá em Portugal quem o não applauda.

Mas, sr. presidente, o que eu tenho a discutir é a maneira por que se vae realisar esse melhoramento; são as bases do projecto de lei que me suggeriram duvidas, porque algumas d’essas bases me parecem erróneas e outuas se prestam a interpretação que permittam um odioso nepotismo a favor de um ou do outro individuo. Por consequencia, eu, antes de dar o meu voto, não posso deixar de justificar as rasões que o motivam e fazer as observações que reputo indispensaveis.

Noto a falta de informações precisas, completas e necessarias para fundamentar este projecto. Procurando-as no parecer não as vejo; e o proprio sr. engenheiro Machado, cujos estudos se invocam, diz no seu relatorio que não considera este traçado como o melhor.

O projecto que aqui se recommenda foi submettido á consideração da junta consultiva de obras publicas, a qual, com a alta competencia e com o saber que a distinguem. foi de parecer que o projecto deve ser novamente estudado.

Todavia é urgente facilitar as communicações e meios de transporte para as colonias agricolas já n’aquella parte da Africa florescentes e para as que se estabeleçam de novo. É, comtudo, permittido ponderar que sem estudos bem feitos e minuciosos os trabalhos de construcção de um caminho de ferro hão de necessariamente custar muito dinheiro, obrigar a muitas hesitações, a inutilisação de muitos trabalhos, o que tudo representa perda de tempo sem utilidade pratica.

O sr. engenheiro Machado no ante-projecto que apresentou á apreciação da junta consultiva de obras publicas, calculou em 150 kilometros a distancia da linha ferrea para vencer o espaço que medeia entre Mossamedes e a base da Chella, e nos seus estudos dividiu esta distancia em quatro secções, calculando:

Kilometros Despeza Kilometrica Despeza total

Para a 1.ª secção 29,410 21:950$675 645:567$358
Para a 2.ª secção 33,578 8:163$059 274:099$217
Para a 3.ª secção 47,108 10:003$548 471:274$178
Para a 4.ª secção 39,140 12:932$432 506:175$393
149,236 1.897:091$146

Isto dá a media por kilometro de 13:000$000 réis. Se juntarmos á despeza destas quatro secções a que se estipula para a 5.ª secção (a mais despendiosa), teremos a despeza total de 2.700:000$000 réis, e como esta secção tem 28k,976, n’este caso, teremos a despeza kilometrica de 15:000$000 réis; mas este caso, não só póde admittir, pois que se trata sómente da construcção dos primeiros 150 kilometros.

Mas este trabalho, conforme affirma o sr. engenheiro Machado, póde ser alterado e modificado em sentido mais economico do que vem indicado no projecto que serviu de fundamento ao que motivou o projecto de lei que se discute?

E ainda mesmo que o acceitemos tal como apresenta o sr. Machado como verdadeiro, como o unico documento que nos possa servir para fazer fé na questão de que se trata, eu entendo que o custo kilometrico não póde ser de 17:000$000 réis, porque, se se dividir o numero total de kilormetros de um caminho do ferro a construir pela importancia total de despeza, eu encontro apenas 13:000$000 réis, como provei, ha pouco.

Portanto, de duas cousas urna, ou o ante projecto do sr. major Machado é verdadeiro e devem ser exactos estes calculos, o a despeza é de 13:000$000 réis e não de 17:003$000, como se diz no projecto de lei n.° 22, ou então o projecto tem de ser modificado, conforme é de parecer a junta consultiva de obras publicas.

Mas, encarando ainda a questão de outras maneiras, não encontro os 17:000$000 réis que vem no projecto, por maiores esforços que faca para isso; assim, por exemplo, se nós juntarmos aos 2.000:000$000 réis que são necessarios para a construcção da linha (150 kilometros) a despeza a fazer com os 29 kilometros de. maior difficuldade e dispendio, que são aquelles que deverão vencer a distancia para ir ao plan’alto, mesmo n’essas condições a despeza sobe a 2.700:000$000 róis, que divididos pelos 178 kilometros dão 15:000$000 réis approximadamente para cada kilometro, e não apparecem nunca os 17:000$000 réis. como vem no projecto.

Ora, com franqueza, sendo este o meu modo de ver, eu não posso approvar um projecto de lei que, tendo por base os trabalhos de um engenheiro, não concorda com elles.

Alem d’isso, sr. presidente, v. exa. e a camara bem sabem que o paiz está atravessando uma crise calamitosa, crise mais seria e mais grave do que talvez muita gente pensa. Quem vive na cidade, quem não percorre as terras de provincia, não suspeita que a agitação que se manifesta ali é mais profunda que se julga, que o descontentamento é mais geral do que póde suppor-se n’este meio conservador e pacato, onde todos nos conhecemos e onde todos os

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que somos monarchicos temos em vista o mesmo fim, manter as instituições.

Lá fóra nas provincias, ha muito quem tenha perdido completamente a esperança de se poder conseguir melhoramento na fórma de governar o paiz, baseando-se todos, para fundamentar as suas opiniões, no principio, a que se referiu o illustre parlamentar o sr. Thomás Ribeiro, de que «tão bons são uns como são os outros»! Esta declaração é a prova unanime que se repete em todos os pontos do paiz, é a prova mais eloquente que um povo póde dar da sua descrença em todos os governos, e portanto nas proprias instituições.

Quando vemos, de norte a sul, a vinha a desapparecer destruida pela phylloxera; quando vemos a industria da engorda do gado a decair de anno para anno, quando vemos a agricultura e todas as manifestações da riqueza publica declinarem espantosamente, quando vemos os impostos aggravarem-se todos os annos, carregando sobre a propriedade de uma maneira desigual e intoleravel, eu, sr. presidente, receio muito que o povo se insurja, porque a sua paciencia tem limites, que os soffrimentos fazem ultrapassar!

Estou convencido de que os fuzilamentos não o intimidam, porque o nosso exercito serve para se medir com os inimigos da patria, mas não para fuzilar o povo, pedindo-lhe, era nome das maiorias parlamentares, a bolsa ou a vida, como se fosse uma quadrilha de bandoleiros.

Sr. presidente, ha dias votou-se aqui um projecto, exigindo ao contribuinte mais 1:400 contos de réis; fazia-se esse pedido ao paiz para equilibrar o orçamento, lançavam-se as responsabilidades d’esta triste necessidade financeira ás despezas loucas que fizeram os progressistas; sobre elles é que carregavam todas as culpas, mesmo aquellas que haviam herdado; parecia então que se ia entrar n’uma nova epocha de politica reparadora e economica.

Mas triste illusão foi essa, que apenas durou dias! Todos nós temos sentimentos bastante nobres e levantados para não abandonarmos os nossos irmãos de alem mar, todos saberemos fazer sacrificios para que as nossas colonias sejam beneficiadas com os melhoramentos inadiaveis, dos quaes depende a sua vida presente e todo o seu futuro, mas o que desejámos é que n’essas despezas haja economia, isto é que se torna uma condição imprescindivel.

De contrario, falta a auctoridade aos governos para pé direm novos sacrificios ao paiz.

Augmentar os impostos sem fazer as economias que permittam ter a esperança de haver melhores dias no futuro, é provocar e escarnecer o povo, desprezando a opinião publica.

Póde-se continuar ousadamente por esta vereda, póde-se fazer tudo isso contando com a impunidade, considerando que o povo está completamente adormecido, tendo-se abandonado ao mais condemnavel egoismo, esquecido da sua força, esquecido até dos seus proprios deveres.

Sr. presidente, n’este projecto não vejo outras bases que sejam dignas, não digo da minha critica, que não tem grande valor, mas dos meus reparos, a não ser ainda o § unico da base 5.ª e a 16.ª base.

Creio que o sr. major Machado fazendo o estudo deste caminho de ferro de via reduzida e tomando 1 metro por base de largura, pensou muito bem no que fazia, attendendo á economia da construcção e não esquecendo tambem as necessidades futuras do trafego que deve ser importante, quando estiver colonisada e reduzida á cultura a vasta e rica região da Chella.

Mas, sr. presidente, quem arbitrou os 17 contos de réis por kilometro, entendeu tambem que deveria corrigir os trabalhos do sr. Machado, permittindo que a largura da via seja menor do que 1 metro.

O § unico da base 5.ª diz:

«Se a largura da via, adoptada pelo governo for menor do que 1 metro, far-se-ha no custo kilometrico, base da licitação, a diminuição correspondente e proporcional a essa largura.»

O sr. engenheiro Machado affirma no seu relatorio que o traçado se poderá fazer em condições mais economicas e vantajosas, diminuindo a distancia do trajecto, e não diz que os preços kilometricos da linha a construir pequem pela base por serem baixos.

Eu já trabalhei em companhia e ás ordens de engenheiros era obras publicas e sei como se estabelecem os preços que servem de base á elaboração de todos os projectos; nunca peccam pela diminuição, na avaliação da despeza; mas sempre pelo seu exagero.

A rasão d’isto é muito simples; é porque ha numerosas eventualidades que se não podem prever nos projectos e nos estudos, e quem faz esses trabalhos não quer arruinar os empreiteiros, nem levantar difficuldades e descredito a quem dirige as obras quando são feitas por administração.

Um engenheiro consciencioso e extremamente serio como é o sr. major Machado, não ia fazer um projecto, calculando as despezas abaixo da verdade dos factos, sabendo que se tratava de trabalhos em África, onde as construcções são difficilimas e caras, porque todos os materiaes vem de fóra.

Repito, sr. presidente, o sr. major Machado, não ia arbitrar uma certa quantia por kilometro, sem que tivesse a certeza de que deixavam margem para cobrir as contrariedades que sempre apparecem na construcção do trabalhos d’esta ordem.

Portanto, se este orçamento é verdadeiro, se o sr. Machado entendeu, e muito bem, pela sua muita competencia, que a linha do caminho de ferro devia ser de 1 metro, não sei qual é a vantagem da reducção de largura indicada no projecto de lei.

Trata-se de um caminho de ferro que ha de ligar Mossamedes com o planalto da Chella e mais tarde, segundo as aspirações de todos nós, com o Zambeze, linha que permittirá a ligação de ambas estas partes da África, quando, por um motivo qualquer, não for possivel a communicação por mar. Eu não sou engenheiro e falta-me por isso auctoridade n’estes assumptos, mas tenho a meu lado alguns cavalheiros que poderão confirmar o que estou dizendo.

Sr. presidente, quando se fazem projectos de quaesquer obras, eu creio que o fim dos engenheiros é que nem o governo nem o concessionario fiquem prejudicados.

O projecto diz que o empreiteiro ou concessionario soffrerão uma diminuição no custo kilometrico (17:000$000 reis), quando a largura da linha for menor do que 1 metro. Que esta diminuição será proporcional e correspondente a essa largura.

Alem d’isto diz-se na base 9.ª que o concessionario poderá importar todo o material para a construcção livre de direitos.

Ora. sr. presidente, esta clausula é muito vantajosa, porque o ferro paga 9 réis por tonelada, e para a construcção da linha são indispensaveis milhares de toneladas. Eu pergunto quanto isto representa alem dos 17:000$000 réis por kilometro?

Ora, se a doutrina do sr. dr. Bocage fosse acceita, doutrina com a qual eu concordo, não tinha duvida em votar o projecto, porque o meu receio é que a construcção vá parar ás mãos de uma companhia que se diga portugueza, apparecendo mais tarde a tal complicação dos capitães estrangeiros.

Alem d’isso, sr. presidente, ainda levanto outra questão; eu não vejo no parecer nenhuma base que permitta ao governo a remissão da linha, quando o julgar conveniente aos interesses do estado. Isto é muito importante, e por isso é clausula gorai em todos os projectos de lei d’este genero; este, para ser original em tudo, até nisto faz excepção.

Em todas as bases eu vejo tudo condições favoraveis a

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quem fizer este caminho de ferro; mas a condição l6.ª, essa merece um reparo especial; diz que quando não tenha havido concorrentes em dois concursos successivos, abertos com intervallos de trinta dias, que satisfaçam as condições exigidas nas bases l.11, 2.ª e 3.ª e demais constantes do programma, é o governo auctorisado a proceder por administração á construcção da linha, podendo adjudicar a mesma construcção por empreitadas geraes ou parciaes de 50 kilometros, realisando previamente as operações financeiras para isso necessarias, e de forma que os encargos áquellas respectivos, em juro e amortisação, não possam exceder a 200:000$000 réis annuaes.

Esta base, sr. presidente, permitte um grande favoritismo. Quando não houver concorrentes á construcção da linha até á Chella, o governo, construindo por administração, póde dar empreitadas não inferiores a 50 kilometros, o que permitte admittir que se podem dar ainda maiores empreitadas! Eu queria em vez d’isto que se estabelecesse concurso e que se dessem pequenas empreitadas ou tarefas a quem se apresentasse em condições mais favoraveis para o estado.

Assim como a base 16.ª está redigida, poderá um feliz mortal ficar com empreitadas pelo menos de 50 kilometros, que, admittindo o lucro (ce qu’on soit) de 4:000$000 réis por kilometro, ganha 200:000$000 réis, e na construcção total ganham todos esses empreiteiros 600:000$000 réis, que o estado poderia despender mais proveitosamente em melhoramentos das colonias da região da Chella!

Por tudo isto, sr. presidente, eu voto contra o projecto, e não teria cansado a attenção da camara por tanto tempo, bem contra a minha vontade, se tivesse sido acceita, como eu suppuz que o fosse, a doutrina do illustre parlamentar e antigo ministro da corôa o sr. dr. Bocage.

Tenho dito.

O sr. Presidente: — Está esgotada a inscripção. Vae ler-se o projecto a fim de se proceder á votação.

Foi lido na mesa.

O sr. Presidente:—Os dignos pares que approvam este projecto tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado tanto na generalidade como na especialidade, e em seguida foram lidas as seguintes mensagens vindas da camara dos senhores deputados.

Officio do sr. presidente da camara dos senhores deputados, enviando a proposta de lei que tem por fim dividir o concelho de Alijo em cinco assembléas eleitoraes.

Officio da mesma procedencia, enviando a proposta de lei, que tem por fim dividir em duas assembléas eleitoraes o concelho de Oliveira do Bairro, pertencente ao circulo n.° 39, Anadia.

Foram enviados ás commissões competentes.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: — Pedi a palavra para requerer que entre desde já em discussão o parecer n.° 87, relativo ao contrato com a mala real.

O sr. Coelho de Carvalho: — Isto é mais uma proposta do que um requerimento.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: — Estes pedidos teem sido sempre considerados como requerimentos,

O sr. Coelho de Carvalho (sobre o modo de propor: — Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem que este projecto, que se refere a um assumpto importante, ainda hoje é que foi distribuido, e que, portanto, mal teremos tempo de o ler.

Se o governo pretende fechar as côrtes, bem vindo seja esse encerramento; mas ainda assim póde o projecto entrar em discussão ámanhã.

A camara é soberana, póde resolver como entender; eu e os meus amigos temos de acatar as suas deliberações, mas o meu protesto ahi fica lavrado, porque a verdade é que nem ao menos nos deram tempo para ler a materia que se vae discutir.

Sr. presidente, como v. exa. vê, este projecto traz um augmento de despeza que nos leva o melhor dos addicionaes de 6 por cento que a camara votou ha poucos dias.

Na occasião em que se pedem novos sacrificios ao contribuinte, pretender levar de assalto um projecto que traz um grande augmento de despeza, creio que é um procedimento que não está em harmonia com as boas tradições d’esta camara.

Repito, eu estimaria que a camara deixasse esta discussão para ámanhã, com tudo ella resolverá em sua alta sabedoria aquillo que julgar mais conveniente.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. visconde da Silva Carvalho, para que entre desde já em discussão o parecer n.° 87 tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

Leu-se o seguinte:

PARECER N.° 87

Senhores.— As vossas commissões reunidas de fazenda e do ultramar examinaram attentamente a proposta de lei vinda da camara dos senhores deputados, que tem por fim auctorisar o governo a contratar o serviço de navegação por barcos de vapor entre a metropole e as costas oriental e occidental da Africa portugueza, e ainda num praso curto com a India.

As vossas commissões, considerando quanto importa manter e sustentar um serviço regular de communicações entre a metropole e as colonias africanas; considerando que esta proposta de lei corresponde á necessidade impreterivel de proteger, to efficazmente quanto o permittem as actuaes circumstancias financeiras do thesouro publico, a marinha mercante nacional; considerando que tanto o relatorio que antecede o primitivo projecto de lei apresentado pelo illustre ministro da marinha e ultramar na camara dos senhores deputados, como o relatorio apresentado ao governo em ri ata de 28 de junho passado pela commissão encarregada de estudar o problema da navegação entre a metropole e as provincias da Africa e India, justificara respectivamente o aspecto politico e financeiro do projecto submettido ao vosso exame: são as vossas commissões de parecer que approveis a referida proposta de lei para subir á regia sancção.

Sala das commissões, 11 de agosto de 1890. = Augusto Cesar Cau da Costa = José Vicente Barbosa du Bocage (vencido) = José Baptista de Andrade = Visconde de Soares Franco = Visconde da Azarujinha = Francisco Costa = Thomás Ribeiro (vencido) = Conde de Gouveia = Marçal Pacheco = A. J. Teixeira = Luiz de Lencastre = Moraes Carvalho = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Tem voto do sr.: Gomes Lages = Visconde da Silva Carvalho.

Projecto de lei n.° 39

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contratar, precedendo concurso, o serviço da navegação regular por barcos de vapor, entre Lisboa e a costa de Africa oriental, na conformidade das bases annexas a esta lei e que d1 ella fazem parte.

§ 1.° Cs concorrentes só poderão ser emprezas constituidas com capitães subscriptos em Portugal, devendo a sede da empreza ou companhia ser em Lisboa e os seus directores ou administradores portuguezes.

§ 2.° A base da licitação do concurso será o subsidio a abonar, devendo a quantia fixada no artigo 9.° das bases juncas ser considerada como o maximo.

§ 3.° Se as duas actuaes emprezas, mala real e empreza nacional, se reunirem constituindo uma só empreza, o governo, prescindindo do concurso, poderá contratar directamente com essa empreza, que, alem das obrigações que lhe são impostas, cumprirá inteiramente o contrato de 30 de dezembro de 1881, que vigorará pelo tempo marcado

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no artigo 15.° das bases juntas, devendo ser elevado a vinte o numero de colonos a transportar gratuitamente para todos os portos.

§ 4.° Até começar o serviço definitivo na conformidade do contrato que resultar do concurso a que se refere este artigo, o governo fica auctorisado a prover ás communicações regulares entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique, pelo modo mais conveniente, não excedendo porem em nenhum caso os encargos fixados nas ditas bases.

§ 5.° Para occorrer aos encargos de que trata esta lei, alem da quantia fixada no orçamento da despeza ordinaria do ministerio da marinha e ultramar, pela direcção geral do ultramar serão applicadas, afora outros recursos:

1.° 50:000000 réis das receitas aduaneiras da provincia de Angola;

2.° 00:000$000 réis das receitas aduaneiras da provincia de Moçambique;

3.° Metade da verba do artigo 4.° do orçamento da despeza extraordinaria da provincia de Moçambique, e n’estes termos, a verba do capitulo 1.° da despeza extraordinaria do ultramar, na metropole, no exercicio de 1890-1891, fica reduzida a 502:000$000 réis.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer destas auctorisações.

Art. 3.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 8 de agosto de 1890.= Antonio de Azevedo Castello Branco, vice-presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

Bases a que se refere o artigo 1.° da lei datada de hoje e que d’ella fazem parte

Artigo 1.° A empreza, entendendo-se por esta palavra os concessionarios primitivos ou qualquer particular, sociedade ou companhia para quem elles trespassem, na conformidade das leis e com auctorisação prévia do governo, este contrato, obriga-se a fazer o serviço de navegação regular por barcos de vapor entre Lisboa e os portos da Africa oriental, nas seguintes condições:

l.ª Haverá uma carreira mensal entre Lisboa e Mossamedes, com escalas, tanto na ida como na volta, pela Madeira, S. Vicente ou S. Thiago, S. Thomé e Loanda;

2.ª Haverá uma carreira mensal ligando com a precedente, entre Mossamedes e Tungue, com escala, tanto na ida como na volta, por Lourenço Marques, Inhambane. Quelimane, Moçambique e Ibo, devendo esse serviço prolongar-se até Zanzibar, se assim for necessario para assegurar as communicações regulares entre Moçambique e a Índia portugueza;

3.ª Haverá uma carreira supplementar mensal entre os portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inharaissengo ou Chinde, ligando com a segunda carreira no porto que for mais conveniente;

4.ª Os vapores destinados á carreira entre Lisboa e Mossamedes não serão em numero menor de tres, de lotação não inferior a 3:100 toneladas de registo bruto gross registered tonnage), classificados em l.ª classe, com machinas correspondentes á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que possa assegurar uma velocidade effectiva de 14 milhas por hora, quando assim seja necessario — tendo accommodações pelo menos para 60 passageiros de l.ª e 2.ª classes e 120 de 3.ª;

5.ª Os vapores destinados á carreira entre Mossamedes e Zanzibar não serão em numero menor ele dois, de lotação superior a 1:900 toneladas de registo bruto (gross registered tonnage), classificados em l.ª classe, com machinas correspondentes á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que possa assegurar uma velocidade effectiva de 12 milhas por hora, quando assim seja necessario, e tendo accommodações para passageiros de l.ª, 2.ª e 3.ª classes;

6.ª O vapor destinado ao serviço dos portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde será de lotação superior a 500 toneladas de registo bruto (gross registered tonnage), classificado em l.ª classe, com machina correspondente á lotação, devendo a sua marcha, na experiencia official, ser tal que assegure uma velocidade effectiva não inferior a 10 milhas por hora, e tendo accommodações confortaveis para passageiros de l.ª e 2.ª classes, com o resguardo necessario para os passageiros de convez, e com o calado de agua tal que possa entrar com segurança nos portos e rios da provincia;

7.ª A duração de cada viagem de ida ou de volta entre Lisboa e Tungue ou Zanzibar, comprehendendo as demoras nos portos, não excederá cincoenta e cinco dias.

8.ª O porto de Lisboa será considerado para todos os effeitos como o ponto de partida e o termo das duas primeiras carreiras a que se refere este artigo.

9.ª A duração das viagens destinadas a servir os portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde, será calculada por forma que, tanto na ida como na volta, se ligue este serviço com o dos vapores da carreira entre Mossamedes e Tungue.

§ 1.° A empreza poderá em qualquer epocha prolongar até Lourenço Marques a carreira de Lisboa a Mossamedes nos vapores a esta carreira destinados, ficando obrigada a augmentar o numero dos seus vapores ou a substituil-os de modo a desempenhar-se plenamente das condições do seu contrato.

§ 2.° O governo terá o direito de obrigar a empreza a modificar o serviço pela fórma indicada no paragrapho antecedente, desde que o rendimento da alfandega de Lourenço Marques accuse um augmento superior ao duplo da media do rendimento dos tres annos de 1887 a 1889; não resultando, porém, d’esta modificação nenhum novo encargo para o estado.

Art. 2.° Os vapores deverão ser construidos de modo que possam ser empregados como transportes ou cruzadores em caso de guerra ou outra necessidade urgente do estado.

Art. 3.° Os vapores serão examinados e experimentados por agentes do governo e só começarão o serviço depois de approvados, podendo o governo durante o praso do contrato mandal-os inspeccionar, sendo a empreza obrigada a cumprir as instrucções que lhe forem dadas em resultado da inspecção. Os vapores destinados á carreira entre Lisboa e Mossamedes serão examinados em Lisboa, os da carreira entre Mossamedes e Tungue poderão ser examinados em Lisboa ou Moçambique, e o que se destinar ao serviço dos portos de Chiloane, Sofala, Pungue e Inhamissengo ou Chinde será examinado em Moçambique. As inspecções extraordinarias dos vapores d’estas ultimas carreiras poderão ser determinadas pelo governador geral de Moçambique.

Art. 4.° Os dias de saída dos portos de Lisboa, Mossamedes, Lourenço Marques e Tungue serão fixados pelo governo, de accordo com a empreza, devendo os serviços ser combinados por fórma que a viagem entre Lisboa e Lourenço Marques não exceda a trinta e quatro dias. As demoras em cada porto não poderão ser inferiores a seis horas.

Art. 5.° A empreza obriga-se:

1.° A transportar gratuitamente as inalas do correio e a correspondencia official, devendo considerar-se como comprehendido nesta obrigação o transporte de encommendas postaes, não excedentes a 500 kilogrammas em cada viagem;

2.° A transportar, com abatimento de 20 por cento, os passageiros e carga do estado em qualquer das suas carreiras e entre quaesquer portos d’ellas;

3.° A transportar gratuitamente em cada viagem, pelo menos, vinte colonos para os portos de escala que o governo designar;

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4.° A transportar gratuitamente, considerando-os como passageiros de l.ª classe com o respectivo tratamento, um fiscal do governo, sempre que este entenda conveniente mandar um delegado seu examinar o modo por que se faz o serviço, e bem assim um funccionario postal, quando se entenda conveniente que o serviço da mala deva ser por esta fórma dirigido.

Art. 6.° Serão fixadas com approvação do governo, antes de começarem os serviços a que se refere este contrato, as tarifas de passagem e carga nas differentes carreiras, e sem a approvação do governo não poderão ser augmentadas. As tarifas nunca poderão ser superiores ás que regulassem este serviço no principio do mez de junho do corrente anno, salvas porém as modificações exigidas pela realisação da hypothese do § 3.° do artigo 1.° d’esta lei. O governo poderá delegar no governador geral de Moçambique a approvação das tarifas da carreira supplementar. De dois em dois annos deverá a empreza apresentar novas tarifas em que se façam reducções nos generos mais importantes para o commercio, ou justificar a conservação das tarifas existentes.

§ unico. A empreza obriga-se a dar á carga proveniente do Porto vantagens inteiramente iguaes ás que tiver a carga expedida de Lisboa.

Art. 7.° A empreza fica sujeita, pela sua qualidade de portugueza, ás leis e regulamentos publicados pelo governo, o aos tribunaes do paiz, não podendo ser admittidos quaesquer privilegios ou immunidades que possam invocar os empregados, agentes ou interessados da empreza, ou seus representantes no estrangeiro.

§ unico. Os agentes da empreza nos diversos portos deverão, em regra, ser portuguezes, e bem assim a maioria dos seus empregados.

Art. 8.° Os vapores da empreza serão considerados como paquetes e n’essa qualidade gosarão nos differentes portos de todas as vantagens concedidas pelas respectivas leis.

Art. 9.° O governo concede á empreza o subsidio de 378:000$000 réis, correspondente a doze viagens redondas.

O pagamento será feito por viagem redonda e sómente poderá effectuar-se mediante a apresentação no ministerio da marinha dos diarios nauticos, attestados das auctoridades competentes nos differentes portos da escala e mais documentos que o governo julgar necessarios para se conhecer se foram cumpridas as condições do contrato nas viagens realisadas pelas differentes carreiras.

O governo indicará á empreza a natureza e a fórma dos documentos que ella deve apresentar para a liquidação de subsidio.

Art. 10.° É concedido á empreza o exclusivo de transporte dos passageiros e carga do estado entre Lisboa e os portos da costa oriental, bem como entre os differentes portos da provincia de Moçambique, salvos os casos em que o governo empregue neste transporte navios do estado, ou seja urgente que elle se verifique era qualquer navio mercante.

Art. 11.° O governo obriga-se a não subsidiar, emquanto durar este contrato, nenhuma outra empreza que se proponha realisar algum dos serviços a que se refere este contrato.

Art. 12.° A empreza fica sujeita ás seguintes multas:

l.ª De 400$000 réis quando os vapores, não sendo por ordem expressa do governo ou dos respectivos governadores geraes, deixarem de sair nos dias fixados.

2.ª De 45$000 réis por cada dia a mais que houver de demora alem do dia fixado para a saída, e por cada dia que exceder o praso marcado para cada viagem.

§ unico. As multas deixarão de ser impostas quando se derem casos de força maior, devidamente justificados, ou quando as demoras forem determinadas por ordens de auctoridades competentes.

Art. 13.° Quando o governo ou as suas auctoridades carecerem de empregar qualquer dos vapores da empreza em serviço do estado, e houver contestação ácerca da retribuição do serviço desempenhado, essa retribuição será fixada por arbitros, sendo um nomeado peio governo, outro pela empreza e o terceiro, no caso de empate, pelo commandante geral da armada.

Art. 14.° O governo poderá nomear um commissario junto da empreza com a gratificação de 50$000 réis mensaes, pagos pela mesma empreza. Ao commissario pertence assistir ás sessões da direcção e ás assembléas geraes. Compete-lhe o direito de examinar os livros e a escripturação da empreza e tomar conhecimento do modo por que se desempenha o serviço da navegação e todos os que a elle disserem respeito; requisitando da empreza todos os esclarecimentos que julgar necessarios para informar devidamente o governo.

§ unico. A empreza é obrigada a remetter trimestralmente ao governo, a fim de ser publicada na folha official, a estatistica circumstanciada do movimento commercial e de passageiros entre os diversos portos nas carreiras estabelecidas pelo presente contrato.

Art. 15.° A duração do presente contrato será de doze annos, salvo o complemento das viagens principiadas; mas o governo poderá conceder á empreza a prorogação nas mesmas condições por mais dez annos, se ella tiver cumprido o seu serviço com regularidade e á satisfação do estado.

Art. 16.° O presente contrato entrará em vigor dentro do prazo de seis mezes da data da sua assignatura.

Art. 17.° O governo poderá rescindir este contrato por decreto seu e sem dependencia de processo, nem intimação prévia:

1.º Quando a empreza não começar o serviço no praso marcado n’este contrato;

2.º Quando deixar de effectuar uma viagem redonda em qualquer das carreiras;

3.c Quando por seis mezes successivos se repetirem as multas impostas por falta de saída nos dias fixados, ou por excesso de demora no tempo das viagens.

§ unico. A rescisão no primeiro caso terá como consequencia o perdi mento do deposito a que se refere o artigo seguinte; nos outros dois casos importará uma multa á em preza de 200:000$000 réis a titulo de perdas e damnos.

Art. 18.° Logo que tenha começado o serviço definitivo com a saída do primeiro vapor de cada uma das carreiras, comprehendidas nas condições l.ª e 2.ª do artigo 1.° das presentes bases, será permittido o levantamento do deposito de 200:000$000 réis, que a empreza é obrigada a fazer em dinheiro ou em titulos de divida fundada pelo preço do mercado, por occasião do concurso.

Art. 19.° Se a empreza por qualquer circumstancia quizer rescindir este contrato fica sujeita ao pagamento de uma multa de 378:000$000 réis a titulo de perdas e damnos. Para este effeito fica o estado com privilegio immobiliario especial sobre todos os vapores da empreza.

Art. 20.° A ernpreza um anno depois de ter sido inaugurado o serviço entre Lisboa e Zanzibar, fica obrigada a prolongar as viagens de modo a ligar Moçambique com a India portugueza, tocando nos portos que lhe forem indicados pelo governo, e adquirindo para esse fim mais um vapor nas condições do n.° 5.° do artigo 1.° d’este contrato.

§ 1.° O serviço a que se refere este artigo regular-se-ha pelas condições anteriores era tudo quanto lhes forem applicaveis.

§ 2.° O governo concederá á empreza, por esta carreira, o subsidio de 122:000$000 réis, correspondente a doze viagens redondas.

Art. 21.° Quando se reconhecer que a empreza aufere um rendimento liquido superior a 8 por cento do seu capital effectivo, o governo poderá ou augmentar as velocidades nas carreiras, ou reduzir o subsidio proporcionalmente

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ao excesso, ou diminuir as tarifas do transporte, do modo a não ser excedido aquelle lucro.

Art. 22.° Todas as questões que se suscitarem entre o governo e a empreza sobre a execução d’este contrato serão decididas por arbitros, dos quaes um nomeado pelo governo e outro pela empreza e um terceiro por accordo entre as duas partes, ou na falta deste accordo pelo presidente do supremo tribunal de justiça.

Palacio das côrtes, em 8 de agosto de 1890. = Antonio de Azevedo Castello Branco, vice-presidente = José Joaquim d e Sonsa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O ar. Barbosa du Bucage: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma moção de ordem, e explicar ao mesmo tempo os motivos por que assignei vencido o parecer das commissões reunidas de fazenda e ultramar, ácerca deste projecto.

A minha proposta de adiamento é a seguinte:

«Proponho o adiamento d’este projecto, a fim de que o governo possa, entendendo-se com as duas emprezas de navegação para a Africa occidental e oriental, apresentar na proxima sessão legislativa um novo contrato que abraja uma ou outra navegação, ficando o mesmo governo auctorisado a promover provisoriamente ás communicações regulares entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique pelo modo mais conveniente, não excedendo porem os encargos fixados nas bases do projecto de lei votado na camara dos senhores deputados.»

Sr. presidente, eu desejo ser muito breve e espero da benevolencia da camara que me releve se eu lhe roubar alguns momentos, pois, não sou dos que mais tenho abusado da sua attenção durante a actual sessão legislativa.

Careço de apresentar algumas considerações, até onde o meu estado de saudo m’o permitia, para justificar a minha moção, que visa exclusivamente ao bem do paiz, ao bem do partido a que me honro de pertencer e ao bem do governo.

Eu não considero esta uma questão politica; discute-se um assumpto de pura administração, assumpto que cada um de nós devo examinar livremente, obedecendo unicamente aos dictames da sua consciencia.

A minha consciencia diz me que este assumpto, grave e importante como é, precisa ser maduramente estudado, e que a maneira precipitada por que foi resolvido, bem longe de ser a que é instantemente reclamada, pelos interesses das colonias e da metropole, é altamente prejudicial ao paiz.

Taes são as rasões que me induziram a formular a moção de adiamento que mandei para a mesa.

Sr. presidente, quasi ao terminar a discussão d’este projecto na camara dos senhores deputados foi apresentada uma emenda ao n.° 3.° do artigo 1.° da proposta do governo, para que, no caso das duas emprezas, mala real e empreza nacional, se reunirem constituindo uma só em preza, o governo possa prescindir do concurso e contratar directamente com ella.

Esta idéa acha-se consignada no projecto approvado pela camara dos senhores deputados, e parece-me que poderá ser receita sem desvantagem para o paiz, uma vez que seja desenvolvida e completada nas bases que acompanhara o projecto. Fazendo-se isto poderá o projecto ser acceitavel, e para que o seja e que eu proponho o seu adiamento.

Para tratar logicamente este assumpto, eu preciso fazer muito rapidamente, em traços geraes, a historia da mala real e as condições em que o governo contratou com esta empreza a carreira da navegação para a África oriental.

Não me demorarei muito n’esta exposição, não só porque a hora está adiantada e eu não desejo protrahir o debate, como tambem porque eu não esperava que hoje se
discutisse este projecto e não tenho á mão alguns apontamentos indispensaveis para poder entrar era mais largo debate.

Entretanto, passo a historiar rapidamente os factos mais essenciaes e a citar as principaes clausulas dos contratos de navegação para Moçambique, confrontando-as com as do que se pretende agora fazer.

Sr. presidente, até 1883 vigorou, durante alguns annos, um contrato com a companhia ingleza British-India. Esta companhia levava-nos as malas, passageiros e carga para Moçambique por Suez e Aden; mas acontecia que, se os passageiros chegavam aos portos do seu destino, após uma viagem dilatada, á carga nem sempre acontecia assim.

Em 1883 offereceu-se-me ensejo de contratar com a Castle-Mail o transporte de malas, passageiros e carga para os nossos portos de Africa oriental pelo cabo, mediante uma subvenção do 72:000$000 réis por 13 viagens redondas annuaes.

A camara conhece esto contrato de 9 de maio de 1883, a que por vezes se tem aqui alludido. Não citarei todas as suas clausulas, mas não posso deixar de me referir a uma, que offerecia ao governo e á empreza a melhor de todas as garantias ao exacto cumprimento do contrato; consistia essa clausula em permittir a qualquer das duas partes contratantes a rescisão do contrato, sempre que o tivesse por conveniente, mediante aviso previo com seis mezes de antecipação.

Uma clausula similhante se acha exarada no artigo 19.° das bases apresentadas pelo governo, acrescentada apenas com a obrigação reciproca de uma multa avultada; porem esta faculdade de rescisão por parte do governo foi, sem rasão que o justifique, eliminada pela camara dos senhores deputados, ficando subsistindo apenas a faculdade de rescindir por parte da empreza.

Fôra talvez mais equitativo marcar um praso, a contar do qual poderia o governo usar da faculdade de rescindir o contrato, menos, porem, coarctar-lhe absolutamente essa faculdade.

Em 1887, ao findar o praso do contrato com a companhia Castle-Mail, entendeu o governo que devia contratar a navegação para a Africa oriental com uma empreza nacional, a mala real.

A favor d’este contrato celebrado pelo governo com uma companhia portugueza, invocando-se como principal argumento ser elle um incentivo ao progresso da nossa navegação mercante a vapor, e facilitar as relações commerciaes dos nossos portos nas duas costas africanas, pois se obrigava a mala real portugueza, entre outras condições, a estabelecer um certo numero de carreiras entre Mossamedes e Lourenço Marques, pelo Cabo da Boa Esperança, e entre os principaes portos de Moçambique, empregando de Lisboa a Mossamedes navios de grande velocidade e grande tonelagem, de Mossamedes a Lourenço Marques e outros portos vapores já de menos tonelagem, e para alguns portos menos importantes um vapor mais pequeno.

Tomava assim a mala real compromissos que demandavam grandes recursos e denunciava firme esperança no bom exito da sua tentativa; mas não faltaram desde logo vozes auctorisadas a vaticinarem que a breve trecho se veria aquella empreza na impossibilidade absoluta de satisfazer os seus encargos.

Com effeito não pôde o contrato começar a ter execução no prazo n’elle lixado e o governo, em vez de o considerar caduco, consentiu em o prorogar por mais um anno, obrigando-se a companhia a fazer um deposito mais consideravel, 80:000$000 réis em logar de 9:000$000.

Tanto o contrato, de 4 de junho de 1887, como o projecto de lei concedendo á mala real a prorogação do prazo para a execução d’aquelle contrato, foram discutidos e impugnados n’esta camara.

Dois distinctos officiaes da nossa marinha, sendo um d’elles o illustre relator da actual commissão do ultramar,

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evidenciaram a impossibilidade era que se achava a empreza de cumprir integralmente o contrato, e da voz auctorisada de um delles ouvimos aqui a triste prophecia, de que teria este contrato a sorte do contrato Palestrini. E desgraçadamente a prophecia não tardou muito em se realisar.

Tambem eu tomei parte n’essa discussão. Não combati então, como não combato hoje, em absoluto, a idéa de se estabelecer a navegação para os portos de Africa oriental, por meio de uma companhia portugueza; porém subordinei então, como subordino hoje, a realisação d’essa idéa a duas condições: l.ª, que se estabeleça por modo que assegure communicações rapidas e regulares e as mais accommodadas ás necessidades do nosso commercio e ás exigencias de uma boa administração colonial; 2.ª, que se attenda aos nossos recursos e se não despenda com esses serviços mais do que é absolutamente indispensavel.

O projecto que se discute não me parece satisfazer a nenhuma d’estas indicações essenciaes. Nem me agrada o plano de navegação a que se deu preferencia, nem julgo justificada a subvenção elevadissima que o governo quer conceder á nova empreza.

O governo recorreu a uma commissão composta de pessoas competentissimas, em que entram officiaes de marinha de reconhecido merito, a fim de que estudassem os diversos planos de navegação que poderiam adoptar-se, fixando em relação a cada um d’esses planos a tonelagem dos navios a empregar, calculando as despezas que a empreza teria de fazer, os seus lucros provaveis, e os deficits a preencher por meio de uma subvenção do estado.

O projecto do governo parece-me, porém, estar em completo desaccordo com as prudentes e conscienciosas indicações d’esta commissão. Bastará confrontar o parecer da commissão com o projecto do governo, para que se evidenceie a verdade d’esta minha affirmativa.

Devo prevenir a camara de que tinha muito a dizer; mas, em vista da brevidade com que vae encorrar-se o parlamento, desejo concluir antes da hora.

Preciso, por conseguinte, abreviar consideravelmente o que tinha a expor, deixando completamente de lado algumas considerações menos importantes.

Limitar-me-hei, pois, á parte mais essencial do projecto.

No § 3.° do artigo 1.° estabelece-se imperativamente que se as duas emprezas se reunirem formando uma só empreza, com esta poderá contratar directamente o governo.

Esta clausula, que modifica essencialmente a proposta primitiva do governo, é por si só a cabal justificação da minha moção de adiamento.

Se se tem por conveniente, acima de todas e quaesquer considerações a favor do concurso, que as duas emprezas se fundam em uma só e com esta contrate o governo, o que é lógico e pratico é que o governo discuta e assente com ellas as condições do contrato a que terão de sujeitar-se, formule um contrato provisorio e o venha depois submetter á approvação do parlamento.

Alem d’isso, sr. presidente, é minha convicção que a fusão das duas emprezas deve permittir ao governo contratar a navegação para a Africa oriental e para a India em condições mais vantajosas, quer se adopte o plano de navegação consignado no projecto em discussão, quer se adopte, o que seria muito melhor, um plano de navegação mais conforme ás indicações da commissão technica.

Contra a adopção das bases, taes quaes se acham consignadas no projecto de lei, protesto eu, porque estou firmemente persuadido de que da sua adopção não de resultar grandes prejuizos para o estado e graves inconvenientes para o commercio e para o desenvolvimento das nossas colonias.

A empreza de navegação para a Africa occidental tem com o governo um contrato vantajoso, á sombra do qual tem attingido uma situação muito prospera, como ella mesmo publicamente declara.

O que ella deve desejar é que se prorogue esse contrato; mas isto não quer dizer que não acceite algumas modificações que favoreçam melhor as legitimas aspirações do commercio e os interesses do estado.

Para que é, pois, tamanha precipitação em se prorogar simplesmente, sem mais detido estudo, o contrato de 30 de dezembro de 1881?

A outra empreza não está na mesma condição.

Dia-nos o governo que ella declara achar-se na impossibilidade de cumprir o contrato, desde que se mantenham algumas das actuaes condições, e devemos acredital-a.

É portanto indispensavel estabelecer vantagens superiores ás que tem para que possa continuar a desempenhai-as suas funcções.

Póde ser portanto um acto de justiça conceder-lhe uma subvenção mais avultada, mas por outro lado e preciso attender a que o estado lhe não de mais do que o necessario, e ao mesmo tempo exigir d’ella, effectuado o accordo com a outra empreza, serviços que se harmonisem melhor com os que esta continua a desempenhar e que importem em menor despendio para o estado.

Ora é isto precisamente o que me parece facil de conseguir por effeito mesmo da referida fusão das duas emprezas.

Sr. presidente, o que mais aggravou a situação da empreza da mala real foi a carreira entre Lisboa e Mossamedes em competencia com a empreza nacional, carreira que exigia navios de grande capacidade para carga e de uma certa, velocidade, embora os da mala real não satisfizessem realmente a estas condições.

A empreza da mala real foi uma concorrente da empreza nacional, mas d’essa concorrencia foi aquella que soffreu, pois que não conseguiu tirar da carreira para a Africa occidental senão mesquinhos proventos.

D’ahi lhe proveiu, segundo os calculos da commissão technica um deficit avultado, para cobrir o qual, na hypothese de se manter esta carreira, seria precisa uma subvenção de 200:000$000 réis.

A primeira vista seria isto justo se não houvesse meio de resolver estas difficuldades com mais vantagens para o o estado, como era supprimindo á mala real a obrigação de effectuar a navegação de Lisboa a Mossamedes, visto que a navegação para os portos de Africa occidental está assegurada por contrato, que não estabelece subvenção alguma, com a empreza nacional.

Assim, supprimir-se-ía uma verba avultadissima, correspondente ao deficit da navegação entre Lisboa e Mossamedes, verba, como já disse, não inferior, antes superior a 200:000$000 réis.

Para confirmação do que digo soccorro me aos calculos insuspeitos da illustre commissão technica.

No plano de navegação n.° 2, que foi o preferido pelo governo, calcula a commissão era proximamente réis 434:000$000 réis as despezas com a carreira principal, isto é, com a carreira de Lisboa a Mossamedes.

Ha aqui a abater, para termos o deficit desta carreira, a receita de Lisboa a Mossamedes. Não o indica a commissão em separado, mas dá, como receita total de toda a carreira de África, 204:000$000 réis proximamente.

Para a obtermos seria necessario diminuir desta quantia a receita attribuida pela commissão ás carreiras de Mossamedes a Lourenço Marques e d’este aos outros pontos de Moçambique, que é calculada em 250:000$000 réis, no plano da navegação n.° 3, o que daria como receita da carreira de Lisboa a Mossamedes apenas a quantia de 44.000$000 réis.

Quer-me porém parecer que ha exageração no calculo desta ultima receita, que elevaria a 390:000$000 réis, o déficit da carreira de Lisboa a Mossamedes; porem quando mesmo se queira admittir que dos 294:000$000 contos da receita total das carreiras de Africa compete a metade ou ainda um pouco mais da metade á carreira de Lisboa a

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Mossamedes, ainda assim o deficit proveniente desta carreira será superior a 250:000$000 réis.

Se a camara tem tido a condescendencia de acompanhar os meus raciocinios, terá ficado convencida de que, ficando pela fusão das duas emprezas a cargo de uma empreza unica a navegação de Lisboa a Mossamedes, serviço que a empreza nacional tem satisfatoriamente desempenhado com lucros remuneradores, haverá rasão de sobra para se reduzir de 500:000$000 réis a 250:000$000 réis, o maximo, a subvenção d’essa empreza unica, adoptando-se o plano de navegação n.° 2 para Africa e India, a que o governo deu a preferencia.

Precisaria talvez insistir ainda n’este ponto importantissimo para ser bem comprehendido, mas não o faço para não alongar muito u meu discurso.

Admittido o accordo das duas emprezas, fica regulada, nos termos do contrato de 30 de dezembro de 1881, sem subvenção, a navegação de Lisboa aos portos de Africa occidental, e por conseguinte sómente teria o governo de attender á navegação de Mossamedes a Lourenço Marques, ás necessidades da navegação entre os portos de Africa orientei e as relações entre Moçambique e a India, serviços que ficariam largamente subvencionados com réis 250:000$000 annuaes.

Com effeito, adoptando os calculos da commissão technica, com que o governo se conformou, temos que as despezas na carreira de Mussamedes ao Ibo são proximamente 198:000$000 réis, as das carreiras supplementares dos portos de Moçambique 40:000$000 réis, as da carreira da India 160:000$000 réis, total 398:000$000 réis.

Para se calcular o deficit destas carreirae ha a abater d’esta somma as receitas correlativas.

Ora a receita da carreira da Índia é calculada em réis 6:000$000, a dos portos de África excluida a carreira de Lisboa a Mossamedes, é calculada no plano n.° 3 em réis 250:000$000; porém, como já disse, eu quero admittir que haja exagero n’este calculo e conevnho em reduzir esta verba a 150:000$000 réis. Ainda assim teremos que o total das receitas é de 156:000$000 réis, os quaes, abatidos do total das despezas, 398:000$000 reis, dão para o deficit réis 242:000$000.

Se alguem repetir estes calculos convencer-se-ha de que, abatido o encargo que resulta da navegação para a Africa Occidental, que deve continuar como até aqui bem subvenção, do encargo que no projecto do governo está calculado era 500:000$000 réis como subsidio necessario para um plano de navegação em que aquella carreira é subsidiada com uma somma superior a réis 250:000$000 réis, e sem se alterarem as carreiras que estão indicadas no plano n.° 2, deve o subsidio do governo ficar reduzido a 250:000$000 réis.

Ha, porém, aqui uma variante a considerar, variante preferivel ao plano adoptado pelo governo na opinião de todos os membros competentissimos da commissão technica.

Acceita essa variante a navegação para Africa occidental continua a cargo da nova empreza nas condições em que a desempenha actualmente a empreza nacional, e fica a cargo d’aquella empreza nas mesmas condições em que seria commettida á mala real a navegação para Africa oriental e India, na conformidade do plano n.° 3, isto é, era condições muito mais vantajosas para as nossas relações politicas e commerciaes com as possessões da Africa e da India.

Para isso seria sufficiente que o governo adoptasse o plano n.° 3, proposto pela commissão technica, que consiste em estabelecer uma carreira directa de Lisboa aos portos de Moçambique por Suez e Aden, com transbordo para a India neste ultima porto, e mantendo a carreira de Lourenço Marques a Mossamedes, que todavia poderia ser reduzida a uma carreira bimensal.

Na primeira hypothese haveria para a empreza, segundo os calculos da commissão, um deficit apenas superior a 300:000$000 réis, na segunda este deficit desceria talvez a 250:000$000 réis, quando muito; mas teriamos um plano de navegação a todos os respeitos preferivel ao que o governo adoptou no seu projecto.

Bastar-me-ha dizer em abono d’esta minha opinião que, com vapores de marcha de 10 milhas, como os da carreira entre Lisboa e Mossamedes, a viagem de Lisboa ao ponto extremo das nossas possessões de Africa oriental Lourenço Marques, seria de trinta e um dias, ao passo que pelo projecto do governo a viagem só de Lisboa a Mossamedes será de vinte e quatro dias, e até o ponto extremo na provincia de Moçambique, Tungue, gastar-se-hão cincoenta e cinco dias.

A viagem de Aden a Mormugão será calculada em sete a oito dias, a viagem, de Moçambique a Mormugão doze a treze dias.

Vou concluir. Peço desculpa á camara de haver talvez abusado da sua attenção; mas, se entrei nestas considerações foi para justificar a minha moção, demonstrando com argumentos que me parecem irrefutaveis que o assumpto pelo menos não está ainda completamente estudado, como merece ser.

Não me opponho, repito, a que o governo procure pôr-se de accordo com as duas emprezas, e diligencei estabelecer uma navegação para as nossas possessões de Africa sob bandeira nacional; mas quer que o faça nas condições mais convenientes para o fim que tem em vista e sem liberalisar subvenções muito superiores ao que é justo e necessario.

Sr. presidente, eu tenho a convicção profunda de que tudo quanto tenho dito é em vantagem do paiz; tem sido sempre este o meu modo de proceder.

Desde o momento em que entrei na politica tomei logar no partido regenerador, e desde que me alistei neste partido entendi sempre que é dever meu, quando se trata de assumptos que interessam á prosperidade ou á honra da nação, expor sinceramente o que penso e sinto, e pôr ao serviço do paiz tudo quanto valem e podem as minhas fracas faculdades.

Eu, sr. presidente, acima de tudo sou portuguez, e para bem servir a minha patria, considero impreterivel obrigação minha conservar sem mancha o meu caracter de homem de bem.

Ora desde o momento que veiu á discussão este projecto, eu entendi que o meu primeiro dever como homem de bem era dizer ao governo do meu paiz, composto de cavalheiros por quem tenho a maior consideração, e cujo caracter e faculdades eu muito respeito, que o projecto em discussão não podia ser approvado sem mais detido exame e profundas modificações.

Expuz com sinceridade as rasões que a minha consciencia approva.

Nas circumstancias era que nos encontrámos é indispensavel que o governo proceda em harmonia com a opinião publica, que não é sempre a opinião das gazetas, mas que é mais alguma cousa.

Se a todos agrada a idéa de que se contrate com uma empreza portugueza, todos os que sinceramente se interessam pela prosperidade do nosso paiz, e a quem não é tambem indifferente o bom nome do governo, querem que, com o pretexto de se ajudarem as tentativas nacionaes a favor do desenvolvimento das nossas colonias, se não exagerem os auxilios e favores, a ponto de serem desperdicios que a nossa situação economica não comporta. Peçam-se sacrificios ao paiz, quando assim for mister, mas prove-se-lhe primeiro que são indispensaveis.

É n’este sentido, para bem do governo, a cuja maioria desejo poder continuar a pertencer, que eu fiz a minha proposta, com a adopção da qual todos teriamos muito a lucrar.

Termino aqui as minhas considerações.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Mando para a mesa

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dois pareceres da commissão de administração publica, um que se refere ao projecto que divide em cinco assembléas eleitoraes o concelho de Alijo, e outro que diz respeito ao projecto que divide em duas assembléas o concelho de Oliveira do Bairro.

Foram a imprimir.

O sr. Sousa e Silva: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra ácerca do projecto que concede ás camaras de Caminha e Villa Nova da Cerveira os terrenos das antigas muralhas d'aquellas villas.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção que o digno par sr. Bocage mandou para a mesa.

Foi lida na mesa e admittida á discussão a moção do sr. Bocage, que é do teor seguinte:

Moção de ordem

Proponho o adiamento d'este projecto, a fim de que o governo possa, entendendo-se com as duas emprezas de navegação para a Africa occidental e oriental, apresentar na proxima sessão legislativa um novo contrato que abranja uma ou outra navegação, ficando o mesmo governo auctorisado a prover provisoriamente ás communicações regulares entre Lisboa e os portos da provincia de Moçambique pelo modo mais conveniente, não excedendo, porem, os encargos fixados nas bases do projecto de lei votado na camara dos senhores deputados.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, consta-me que o governo tenciona encerrar amanha o parlamento.

Sendo assim, eu pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar o projecto.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejava saber se o governo tenciona ámanhã fechar as côrtes; pois não comprehendo n'este momento o requerimento extravagante do sr. conde de Lagoaça, nem vejo necessidade alguma de se fazer esta violencia á camara dos dignos pares!

Se. Presidente, o que se está passando é inaudito, é altamente regugnante e vexatorio! Desauctorisa e rebaixa o parlamento e principalmente esta camara, que tem tido um passado digno, honroso e de tradições gloriosas!

Pediu-se que se dispensasse o regimento para entrar em discussão um projecto, que ainda hontem foi impresso á pressa e mandato para a mesa; e distribuido hoje pelas casas dos dignos pares! Este projecto é de elevada mangitude e d9o grande alcance. É um projecto que concede a uma companhia predilecta e favorecida do governo um subsidio não inferior a 500:000$000 réis! Não obstante a dispensa do regimento, apesar dos protestos do digno par sr. Coelho de Carvalho. Foi votada!

E agora apresenta-se já outro digno par, não contente com esta violenta e despotismo, a fazer outro requerimento, ainda mais revoltante, mais significativo e mais deprimente para esta camara, um requerimento para se prorogar a sessão até se votar este projecto.

São sempre tristes e desagradaveis estas scenas, e muito principalmente quando atraz d’este projecto vem uma torpe negociata, como se diz e affirmava fóra e dentro do parlamento.

Ácerca do assumpto que discutimos dizem-se a affirmam-se muitas cousas graves,. E por isso devia de haver maduro e rigoroso exame e discussão seria, larga e aberta.

O discurso do digno par o sr. Bocage, todo sensato e repleto de convicções, merecia uma resposta cuidadosa da parte do governo; pois este, em logar de lhe responder, mandou requerer a prorogação da sessão.

O sr. presidente, é necessario que o governo se apresente dignamente. A camara, ou pelo menos nós os pares da opposição, precisâmos e desejàmos ouvir a opinião do governo, e saber se acceita ou não acceita a proposta do sr. Bocage, proposta de um amigo do governo, e que tem por fim salval-o e afastal-o do plano inclinado por onde vae já resvalando.

O sr. Bocage pretende salval-o do abysmo, onde o levam as despezas loucas! E é quando se trata de despezas, loucas, (Apoiados.) que vem pedir-se a prorogação da sessão:!

Sr. presidente, n’este momento e n’esta altura, um similhante requerimento é um dos actos mais escandalosos e mais inqualificaveis a que eu tenho assistido.

É a ousadia mais affrontosa para a camara dos dignos pares a que alguem póde levar o seu ministerialismo.

Espero que a camara, compenetrada do seu dever e dignidade, rejeitará com a hombridade de que sempre tem dado provas, o requerimento, que tem por fim, depois de quatro horas de discussão que temos tido, se prorogue a sessão, para de afogadilho e sem exame só approvar um projecto que vae onerar o paiz com mais 500 contos de réis annuaes para beneficiar a mala real, os bancos do Porto, a empreza nacional e outros!!!

Vote a camara estas despezas doidas conjunctamente com os addicionaes de 6 por cento, e antes de pouco tempo sentirá as consequencias funestas, ou antes, sentil-as-ha o paiz.

O sr. Thomás Ribeiro: - É extraordinario!

O Orador: - É extraordinario tudo que se está passando! É inqualificavel a insistencia do digno par!

Isto faz perder a paciencia, faz com que a opposição sáia da cordura com que tem atravessado toda esta sessão parlamentar, e, cansada de provocações, de violencias e de desitemperos, empregue todos os meios e esforços para protestar digna o energicamente contra o acto inaudito que acaba de ser praticado, e contra outros analogos que desauctorisam esta camara, transformando-a numa miseravel e docil chancella.

Eu sinto que o digno par que fez este requerimento, que é ainda novo e que entrou ha pouco n’esta camara, se preste a ser instrumento e a praticar este acto de desconsideração para com os seus collegas, que o têem tratado com toda a deferencia! Sinto que o sr. conde da Lagoaça não comprehendesse o alcance do seu requerimento, e não visse que, não tendo ainda par algum da opposição fallado sobre o assumpto, a prorogação era uma inaudita violencia e materialmente impossivel, se os pares não desistissem da palavra.

Senti, pois, que o digno par, que ainda ha pouco deu provas da sua independencia, combatendo o monopolio do tabaco, queira agora n’um projecto tão importante, em que se onera o paiz com mais 500:000$000 réis, que se vote sem se discutir! Eu espero que o digno par, caíndo em si, retirará o sue requerimento.

Bastavam as considerações sensatas e reflectidas apresentadas pelo digno par o sr. Bocage; sem divida deviam ter feito grande impressão no animo do governo, para que ninguem da maioria ousasse pedir a prorogação da sessão.

Eu nunca assisti a uma scena tão degradante.

Actos d’esta ordem desacreditam o systema e matam as instituições.

A camara póde votar o requerimento; mas creia que faz grande mal ao governo, porque o paiz vê e observa a leviandade com que são despendidos os dinheiros publicos, e que os impostos têem por fim fechar os buracos que deixam as nossas negociatas e os syndicatos exploradores.

Eu não queria ter esta expansão; mas, já que provocaram ouçam. Espero que o digno par cairá em si, e que retirará o seu requerimento, e ámanhã discutiremos pausada e serenamente este projecto. Ouviremos o governo e deixaremos ao sr. Bocage tempo para explanar o seu pensamento, e a camara então votará com conhecimento como entender e quizer. Isto é o que é rasoavel; por isso espero que a camara annuirá.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Em resposta ao sr. Vaz Preto, disse

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que o desejo do governo é não propor uma nova prorogação. Pretende que seja discutido e votado o parecer que está na tela da debate, e ainda o que se refere á percentagem que as corporações administrativas têem a lançar no proximo anno.

Na altura em que vae a actual sessão legislativa, parece-lhe que estes dois projectos, pelo menos, podem ser discutidos e votados dentro do praso da prorogação, que está em vigor, visto que todos estão de accordo em que é de conveniencia fechar as côrtes quanto antes.

É isto o que tem a dizer, e a camara votará como julgar mais conveniente o requerimento do sr. conde de Lagoaça.

(O discurso do orador será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. tenha revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, o digno par e meu respeitoso amigo o sr. Vaz Preto estranhou que, sendo eu um par novo, apresentasse o requerimento; e eu estranho ainda mais que, sendo s. exa. um experimentado parlamentar, me censure pelo que eu fiz.

Pois será extraordinario o que pratiquei, pertencendo eu á maioria, e constando-me que o governo precisa da approvação deste projecto para fechar o parlamento amanhã? Basta-me conhecer a intenção do governo para ter a certeza de que o projecto, bem ou mal discutido, ha de ficar approvado.

Vozes: - Ouçam, ouçam. É extraordinario!

O Orador: - De mais creio que não posso ser qualificado de faccioso, eu que ha pouco me pronunciei contra o projecto que estabelece o monopolio dos tabacos.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Thomás Ribeiro: - Observem como já se chega a fallar no parlamento. Já se lhe diz que, como o governo quer um projecto approvado, essa approvação ha de necessariamente ter logar e que a discussão pouco importa.

O sr. Conde de Lagoaça: - Pois v. exa., que é par antigo, ainda sabe isso melhor do que eu.

O sr. Barbosa du Bocage: - Quando alguem assim o entenda, não é no parlamento que se deve expressar tal opinião.

O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu não desejo aggravar este incidente.

Pela minha parte, digo ao sr. presidente do conselho, que eu ha muito que tambem desejo as camaras fechadas. Mas d'ahi não se segue que deixe de protestar com a maior energia contra o requerimento que se apresentem, que em volta de si creou uma péssima atmosphera, o que não podia deixar de succeder, estando a camara tão impressionada pelas palavras o pela proposta do digno par o sr. Bocage.

Vozes: - Deu a hora.

O sr. Thomás Ribeiro: - A voz auctorisada do nosso respeitavel collega formulou idéas sensatissimas que o governo tem de meditar; mas parece que nem mesmo as quiz ouvir bem, pois foi lá parafóra conversar.

Portanto, nem esta discussão principiando assim podia ser já abafada, nem depois de quatro horas de discussão nos deviam querer obrigar a discutir ainda outras quatro.

Creio que o digno par o sr. conde de Lagoaça vae retirar o seu requerimento, visto que as palavras com que o fundamentou não são de molde a manter o prestigio parlamentar.

Guarde-se a discussão d'este projecto para ámanhã, visto que o que se refere aos addicionaes pouco debate suscitará.

O projecto que está em ordem do dia deve prender a nossa attenção. Deixem que elle seja discutido e votado amanha, e creio que ficam assim satisfeitos os desejos do governo e os da maioria.

Era isto apenas o que tinha a dizer, e a camara fava o que entender.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Antonio de Serpa): - Eu disse ao digno par que o governo deseja que se votem dois projectos que julga indispensaveis, sem se ver na necessidade de pedir nova prorogação; mas que se votem hoje ou amanhã é-lhe inteiramente indifferente.

(S. exa. não reviu.)

O sr. José Luciano de Castro: - Sr. presidente, em presença das declarações do sr. presidente do conselho de ministros, a questão está resolvida.

A hora já deu e por isso o requerimento do digno par não póde ser votado.

Depois que se levantou do seio da maioria uma voz tifo insuspeita para o governo, como é a do sr. Bocage, combatendo o projecto que está em discussão, parece-me, sr. presidente, que é obrigação nossa não precipitar o debate, mas dar lhe toda a amplitude.

Depois das declarações do sr. presidente do conselho, e visto que a hora já deu, não se póde prorogar a sessão, e o sr. presidente tem de encerral-a, marcando para a ordem do dia da sessão de ámanhã a continuação do debate encetado.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - O requerimento do digno par o sr. conde de Lagoaça não se póde votar, porque já deu a hora.

A primeira sessão é ámanhã e a ordem do dia a continuação da do hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e um quarto da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 12 de agosto de 1890

Exmos. srs.: Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Marquezes, da Praia e de Monforte, de Vallada; Condes, de Alte, da Arriaga, d'Avila, de Bomfim, de Carnide, da Folgosa, de Lagoaça; Viscondes, da Azarujinha, Castro e Solla, de Ferreira do Alemtejo, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Paço de Arcos, de Moreira de Rey; Barão de Almeida Santos; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Sousa e Silva, Antonio José Teixeira, Serpa Pimentel, Pinto de Magalhães, Costa Lobo, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Neves Carneiro, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Montufar Barreiros, Bernardino Machado, Hintze Ribeiro, Firmino João Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Barros Gomes, Jayme Moniz, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Alves de Sá, Holbeche, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gama, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, José Luciano de Castro, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Calema, Bocage, Lopo Vaz, Luiz Bivar, Luiz de Lencastre, Rebello da Silva, Pessoa de Amorim, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Cunha Monteiro, Placido dá Abreu, Polycarpo Anjos, Thomás Ribeiro.

O redactor = Carrilho Garcia.

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