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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 6 DE SETEMBRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. MARGIOCHI, VICE-PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Sousa Azevedo

Jayme Larcher

(Assistiram todos os membros da nova administração, á excepção do sr. ministro da guerra).

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 32 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Sousa Azevedo): — Mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio da presidencia do conselho de ministros, participando, para conhecimento da camara dos dignos pares do reino, que tendo Sua Magestade El-Rei concedido por decretos datados de hontem, a exoneração que lhe pedíra o ministerio presidido pelo sr. marquez de Sá da Bandeira, houve por bem, por decretos da mesma data, nomear para os cargos de presidente do conselho de ministros e ministro e secretario d'estado dos negocios do reino o digno par Joaquim Antonio de Aguiar; e encarregar do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça o deputado Augusto Cesar Barjona de Freitas; do ministerio dos negocios dá fazenda, o conselheiro Antonio Maria de Fontes Pereira de Mello; para o da guerra, o general de divisão, conde de Torres Novas, par do reino; para o dos negocios da marinha e ultramar interinamente, o capitão de mar e guerra, visconde da Praia Grande de Macau, deputado da nação portugueza; e dos negocios das obras publicas e negocios estrangeiros, o vice-presidente da camara dos dignos pares do reino, conde de Castro, conselheiro d’estado effectivo. — Inteirada.

- do ministerio da fazenda, remettendo para o archivo da camara dos dignos pares o autographo do decreto das côrtes geraes de 13 de maio ultimo, em virtude do qual se passou a carta de lei de 18 do mesmo mez, que auctorisa o governo a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos relativos ao anno economico de 1865-1866. — Para o archivo.

- do mesmo ministerio, remettendo, para ser guardado no archivo da camara dos dignos pares, o autographo do decreto das côrtes geraes de 12 de maio ultimo, em virtude do qual se passou a carta, de lei de 18 do referido mez, concedendo á irmandade de Nossa Senhora do Carmo da cidade de Braga a propriedade da igreja da mesma invocação. — Para o archivo.

O sr. Presidente do Conselho (J. A. de Aguiar): — Sr. presidente, tendo pedido e obtido a demissão o gabinete presidido pelo nobre marquez de Sá, houve Sua Magestade por bem encarregar-me da organisação do novo ministerio. Apesar dos motivos fortissimos que tinha para não aceitar esta honra, entre elles o mau estado da minha saude, não pude eximir-me de aceitar esta commissão, que tem tanto de honrosa, como de difficil.

Trabalhei por desempenhar-me d'ella como entendi mais conveniente ao paiz, e para o conseguir no menor espaço de tempo, como convinha, para satisfazer a anciedade publica; mas ainda assim foi necessario empregar dois dias, pois fui encarregado da organisação, não no dia 29 de agosto, como se disse, mas em 1 de setembro.

O governo desejava muito fazer hontem mesmo a sua apresentação em ambas as camaras, mas tendo tido de demorar-se mais na outra casa do parlamento, não lhe foi possivel satisfazer o seu desejo quanto a esta camara, o que faz hoje.

Ainda não esta entre nós o sr. conde de Torres Novas, porque por uma indisposição de saude foi obrigado a demorar-se em Torres Novas, mas esperamos que poderá estar em Lisboa hoje ou ámanhã.

Sr. presidente, o governo espera, pelos precedentes dos membros que o compõe, merecer a confiança da camara, que muito deseja; e espera merece-la pelos seus actos, e consegui-la para que possa governar; assim como que essa confiança lhe seja continuada emquanto trabalhar no interesse do paiz, segundo as leis e a constituição.

O governo abstem-se de apresentar um pomposo programma sobre principios geraes, e os melhoramentos que intenta realisar, porque entende que são mais apreciaveis e significativas as obras do que as palavras. Na generalidade póde só dizer que ha de observar religiosamente a • constituição e as leis do paiz, que ha apresentar ao poder legislativo todos os projectos de reformas necessarias; e bem assim tratar de todos os outros objectos que reclamem providencias, e de que o paiz careça; entre os objectos de que vae occupar-se tem o primeiro logar a lei da liberdade da importação dos cereaes e dos vinhos, e ainda outros objectos que julgo desnecessario enumerar, mas cuja discussão tem sido reclamada não só de agora mas de ha muito tempo.

Espera portanto o governo merecer, em virtude dos seus actos, a confiança e apoio das camaras.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Sr. presidente, estive ausente do continente do reino alguns mezes em consequencia do mau estado da minha saude que a isso me obrigou; não pude pois fazer parte da camara na legislatura passada, comtudo lia sempre com o maior interesse as sessões do parlamento, e seja me permittido dizer que foi cheio de magua e de dor que li as sessões de ambas as camaras relativas ás mudanças de ministros; desejo que nunca mais se repitam similhantes discussões, e que os nossos fastos parlamentares jamais tenham occasião de as recordar; nada mais direi a este respeito, não gosto do renovare dolorem, é lindo nos versos de Virgilio, em politica não presta.

Depois o governo do paiz andou vacillante, com notavel prejuizo da causa publica, nas mãos de ministros mais ou menos irregularmente constituidos, até que dissolvida a camara electiva, o actual saíu da maioria parlamentar, da fusão é verdade, mas maioria, o qual porém não sei se durará muito.

Agora porém não posso, seguindo os usos e costumes parlamentares, quando de novo se apresenta um governo perante o parlamento, deixar de lhe fazer algumas preguntas quanto ao systema de administração, e a politica que pretende seguir.

Em primeiro logar tenho que perguntar ao novo governo se adopta a lei que concede licença a Sua Magestade para saír do reino.

Uma voz: — Essa lei já passou.

O Orador: — Eu ainda não a vi publicada, e devo entender que a lei em quanto não esta publicada não tem o exaquatur da corôa.

O sr. Presidente do Conselho: — Já deve estar na mesa o autographo da lei.

O Orador: — Sr. presidente, qualquer membro do parlamento póde, quando julgar conveniente, propor a dorogação de qualquer lei; quem póde o mais póde o menos. Eu só pertendia fazer algumas reflexões sobre a lei referida, que devo suppor que ainda o não é, porque não a vi publicada. Estou portanto dentro dos limites que o systema parlamentar permitte; usando da liberdade parlamentar, não hei de ir alem d'ella, nem hei de proferir expressões inconvenientes.

Sr. presidente, primeiramente tenho a dizer que esta lei foi o testamento do ministerio que passou; havia dias que se dizia que o ministerio caía e que ía pedir a sua demissão, e note V. ex.ª, sr. presidente, que no dia 1 de setembro quando o projecto foi apresentado e approvado n'esta camara, o digno par, o meu nobre amigo (que o é) o sr. marquez de Sá, disse que o governo tinha pedido a sua demissão no dia antecedente e que Sua Magestade a tinha aceitado. Nunca se viu que um ministro que estava a ponto de largar o poder, propozesse uma lei de tal importancia.

Sr. presidente, deve se considerar que Suas Magestades saíndo de Portugal, vão se expor a muitos perigos quer do mar, quer mesmo dos caminhos de ferro, em que muitas vezes acontecem desgraçados sinistros. A minha opinião é pois que Suas Magestades não sáiam do paiz. Um dos nossos poetas, e moralistas mui distincto dizia:

Dizei em tudo a verdade

A quem em tudo a deveis.

Eu sr. presidente sigo este conselho, digo a verdade ao Rei, digo-a ao povo, e n'esta camara tal como a intendo.

O sr. Presidente: — O digno par esta discutindo uma lei que foi sanccionada por esta camara; e por isso desculpe interrompe-lo.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Eu não estou discutindo a lei, estou dizendo as rasões porque entendo que é inconveniente. A lei é de uma alta transcendencia, póde dar funestissimos resultados; depois d'elles acontecerem não é já tempo de dizer cousa alguma. O que houver de se dizer deve ser agora.

O sr. Presidente: — A lei esta discutida, approvada e sanccionada; portanto o digno par não a póde estar agora discutindo.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Perdoe-me V. ex.ª Eu não estou discutindo a lei, estou mostrando os resultados que póde ter.

O meu fim esta preenchido, porque o que pretendia era manifestar altamente a minha opinião sobre este objecto, para isso bastam estas palavras que disse. Alem de que até hontem não foi publicada, não sei se o foi hoje...

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Vozes: — Não foi publicada.

O Orador: — Se não foi publicada então não podia saber se tinha sido sanccionada, porque eu não sou obrigado a entrar nas secretarias para o saber, e portanto não estava fóra da ordem.

Peço perdão a V. ex.ª, que sabe que muito o respeito, porque sou seu amigo, e pelo logar que occupa; mas desejo que não me interrompa, porque é sempre difficil a missão de um orador, e muito mais o será se for interrompido continuadamente por bagatellas e cousas de pouca monta.

Sr. presidente, adoptada' a lei, que não tenho discutido, vou referir-me a um objecto que tem relação com ella e de grande transcendencia.

É sabido que ha partidos em Hespanha que pretendem unir Portugal áquelle reino, para que fique constituindo uma só potencia. Ainda ha pouco houve uma revolução em Hespanha cujo fim ou pretexto, segundo se disse e se leu em diversos jornaes, era a união ibérica. Póde acontecer outra no mesmo sentido. Qual será o resultado se o Rei de Portugal estiver ausente do seu paiz? Para que o Rei de Portugal possa evitar as consequencias de similhante acontecimento, é quo eu quero que não deixe a sua patria para se pôr á frente do povo e defender a independencia nacional.

Sr. presidente, sou portuguez, quero a independencia do meu paiz. Nutro o maior amor pela minha patria pelo meu rei e pelas instituições, porque um paiz sem independencia nacional não póde ter liberdade politica nem civil.

Agora, sr. presidente, no que vou dizer não me fará V. ex.ª a mais pequena censura.

Desejo que o governo me diga se pretende exigir do parlamento algum auxilio extraordinario, para que Sua Magestade possa fazer a sua viagem. Nós sabemos o grande deficit que pésa sobre o paiz, e sabemos igualmente que temos vivido por emprestimos, uns patentes e outros occultos, com o nome de divida fluctuante; e como poderá o paiz com despezas extraordinarias que não são essencialmente necessarias, nem para o serviço publico, nem para defender a sua independencia, porque neste caso nada se deveria poupar?

Sr. presidente, eu desejo tambem saber se o governo adopta o orçamento tal qual o apresentou o ministerio passado; bem como se adopta todas as conclusões do discurso da corôa, tanto aquellas que se deduzem das palavras exaradas n'esse documento, como no que se deduz do que esta occulto; é isto um objecto da maior transcendencia. Refiro-me ao banco hypothecario, que póde ser um meio de cultivar e paiz, e de proporcionar capitaes á agricultura.

Sr. presidente, o banco hypothecario não mereceu ao governo que passou a mais pequena attenção, como se fosse uma instituição sem importancia alguma, e apesar de ter passado a lei da sua creação ha tanto tempo, não esta ainda devidamente constituido, nem se sabe quando o estará.

Sr. presidente, eu logo no primeiro dia que vim aqui, declarei que queria fazer uma interpellação ao governo a respeito do banco hypothecario. Parte da minha interpellação não tem já rasão de ser em consequencia da mudança de ministerio. Agora o que pergunto ao governo é se effectivamente tem tenção de tomar alguma medida sobre este assumpto, para se tornar effectiva aquella instituição. Isso é que eu desejo saber dos srs. ministros. Desejo saber igualmente, em relação á parte do discurso da corôa que diz respeito á desamortisação, se o governo partilha as idéas que se veem exaradas n'esse documento, que são para que se faça na maior escala.

Sr. presidente, eu tenho sido contrario á desamortisação, e até por uma rasão — porque não sei a quanto monta o valor dos bens que se pretendem desamortisar, nem o governo o sabe. Eu vejo que a desamortisação vae substituir capitaes, que têem um valor real, e de que vivem milhares de estabelecimentos de caridade, etc.. por outros valores que só o são em virtude do imposto.

Ora, continuando a desamortisação em grande escala, qual será a cifra dos impostos que vão pesar sobre este paiz? E pois necessario andar com mão prudente em todas as disposições governativas.

Perguntarei tambem ao governo se pretende estabelecer o equilibrio entre os recursos e encargos do estado, a fim de que a receita corrente satisfaça completamente (como diz o discurso da corôa) a importancia das despezas ordinarias em toda a extenção do sentido que se calcular dar á classificação daquellas despezas só pelo imposto. As palavras que repeti são do discurso da corôa. O estylo é sybilino; eu porém não sou obrigado a emendar a redacção de um documento que leio á camara.

A resposta a esta pergunta é muito importante; os srs. ministros têem perfeito conhecimento das cousas, já devem ter uma opinião formada a este respeito. Desejo sabe-la.

Eu entendo, sr. presidente, que para equilibrar a receita com a despeza é preciso que se faça o mesmo que praticam os engenheiros quando querem nivelar um terreno: em logar de nivelarem pelo cume dos montes ou pelo fundo dos valles, tiram parte dos montes para encher os valles. Tambem eu queria que assim fizesse o governo: que em logar de attenuar o deficit lançando só tributos, o attenuasse ao mesmo tempo fazendo reformas radicaes que diminuíssem a despeza. Se não se praticar assim, o resultado será funesto para o paiz. Nós vemos as cousas lisongeiras até certo ponto, mas não lhe podémos bem descobrir a podridão: por fóra cordas de viola, e por dentro pão bolorento (hilaridade). Isto é um proverbio muito antigo e muito portuguez e por isso não o acho indigno de o citar nesta camara.

Pouco mais poderei acrescentar não só porque o meu estado de saude não permitte que possa fallar seguidamente por muito tempo; mas até porque o local em que nos achâmos, onde apenas se póde respirar, é tal que não permitte que se façam longos discursos. Estamos n'uma sala em que mal cabemos; quando formos funccionar para a outra será necessario, para que se saiba o que dizemos, estabelecer um fio electrico que, como a bordo do Great Eastern, transmitia as nossas palavras.

Agora em conclusão direi, que a respeito d'este ministerio a minha situação é a mesma que a respeito de todos os outros. Hei de approvar qualquer medida que julgar util, ou rejeitar a que o não for.

O que primeiro que tudo é necessario são as reformas em larga escala; mas eu entendo, sr. presidente, que para se poderem fazer as reformas necessarias é preciso começar por uma de grande importancia, sem a qual nenhumas outras se poderão fazer, a reforma parlamentar, applicando aos deputados e senadores a lei sobre incompatibilidades parlamentares da Belgica, de 26 de maio de 1848. E eu pela minha parte nunca hei de de deixar de aproveitar qualquer occasião para manifestar a minha opinião a este respeito.

O sr. S. J. de Carvalho: — Define a sua posição a respeito dos srs. ministros, de quem é amigo, e de cujos talentos e boa vontade muito espera.

Diz que apoiou lealmente o ministerio que caiu, e associa-se á responsabilidade de todos os seus actos, dos quaes os cavalheiros que o compozeram não declinam a responsabilidade. O governo transacto procurou entrar nas condições do governo representativo, levanta-lo do nivel inferior a que tinha descido, e constitui-lo em condições mais elevadas e fortes; para isso era obrigado a dissolver uma camara de deputados, que não podia offerecer uma maioria solida a nenhuma administração por estar toda cortada de pequenas fracções, e que parecia antes abafar com o seu peso os proprios ministros que saíam do seu seio, do que dar-lhes um apoio vivificador e fecundo. Por isso o orador continua a considerar aquella dissolução como o acto mais moral, que ha muito se tenha feito, e a que corresponde perfeitamente a demissão espontanea que deu do seu cargo, quando viu que não podia realisar os seus desejos; prevenindo por este modo os conselhos dos seus amigos, que, se elle tivesse sido capaz de os desprezar, nenhuma duvida teriam em intimar-lhe na occasião opportuna a demissão em nome do interesse publico.

Expoz o que entendia por uma fusão verdadeira e com as vistas postas no bem do paiz; e sentiu que no ministerio actual não esteja praticamente realisada a das tres grandes fracções da camara para constituirem juntas e unidas um governo que corresponda ao ideal que acabava de expor: mas que isso não seria causa de divergencia radical entre elle, orador, e as pessoas dos actuaes ministros.

Concorda com a necessidade da reforma parlamentar, mas não lhe parece que seja esta a occasião opportuna. A resolução das questões economicas parece-lhe preferivel a tudo, e entre ellas, prima a da população, que encerra tres qualquer dellas de um grande alcance, e são a da hygiene publica, emigração e rodas, sobre cada uma das quaes fez algumas ponderações. Lembrou mais as questões da liberdade dos cereaes, e a da barra do Porto, cuja importancia mostrou, e cuja resolução era urgente; e a da instrucção publica, de uma importancia incontestavel em toda a parte, mas principalmente n'este paiz, onde não ha o quinto das escolas que são necessarias, e ellas não têem já por isso, já por outras causas a que alludiu a população que deveriam ter. E concluiu pedindo aos srs. ministros que realisassem o desejo que não póde conseguir o ministerio transacto, e elevar o governo da inferioridade em que o precipitou o governo pessoal a que por tantos annos esteve o paiz humilhado, e a systematica sophismação dos principios constitucionaes.

O sr. Marquez de Ficalho: — Permita-me a camara que eu aproveite esta occasião para fazer algumas breves reflexões.

Sr. presidente, eu tenho seguido sempre os ministros sem os ameaçar com a minha opposição, nem os animar com o meu apoio, e hoje venho declarar que apoio o ministerio actual. Ha occasiões solemnes na vida das nações provenientes de acontecimentos graves, em que todo o homem amigo do seu paiz, deve agarrar-se como a uma tabua de salvação ao primeiro facto que lhe dá probabilidades de paz e bonança. É assim que sempre tenho pensado, não tenho entrado nunca em politica, nem estou disposto a faze-lo, porque mesmo agora, depois da minha declaração, limitto-me a apoiar os ministros com o meu voto quando entenda que assim o devo fazer.

Não tinha tenção de pedir a palavra, mas como ouvi fazer varias declarações entendi que era tambem do meu dever faze-las.

Sr. presidente, eu fui regenerador, apesar de não approvar aquelle acontecimento, mas aceitei o facto; tambem não promovi a fusão, e confesso que me não foi agradavel, mas aceito-a tal qual ella se fez. Emquanto á questão de incompatibilidade, para mim não tem logar quando as necessidades publicas, e a voz da patria exigem que ella se ponha de parte. Todas essas questões já se agitavam naquella ilha que tem por nome Terceira, mas que na historia da nossa liberdade é a primeira. Nós entrámos lá sem odios. É verdade que depois da retirada de Galliza e do Belfast, proferiram-se as phrases de cholera, arrojaram-se de um para outro lado as injurias e os doestos; mas emfim uma voz superior a todos nós, que era a da. patria disse: «Vós não podeis ter senão uma só fé» e essa fé ainda hoje faz a honra de nós todos (apoiados). Devemos nós, sr. presidente] discutir se será ou não esta a occasião de ouvir de novo essa voz? Eu creio que é.

Sr. presidente, não peço ao governo o seu programma, nem -tão pouco lh'o indico, elle esta feito por uma voz mais auctorisada do que a nossa — a opinião publica. Devemos manter os creditos que temos felizmente adquirido; temos obrigação de pagar as nossas dividas, e para que isto aconteça, entendo que é preciso repartir os sacrificios por todos, conforme as necessidades do paiz; porque, sr. presidente, affligi-me quando vejo querer enchugar as lagrimas de uns com o lenço ensopado nas dos outros; a repartição dos. sacrificios deve ser igual para todos. O governo tem obrigação de satisfazer os encargos publicos, mas elles não devem ser nunca maiores do que as necessidades o exigem, e a possibilidade o comporta.' Era esta uma das idéas que se apresentou escripta na bandeira da revolução de setembro, concordei com esta doutrina, e lembra-me de ter dito a um grande vulto politico daquella epocha, o sr. Manuel da Silva Passos, que não podendo eu apoiar a sua politica, comtudo esta idéa era de tal modo sympathica ao meu coração que eu não podia deixar de me chamar tambem setembrista.

Sr. presidente, para que o contribuinte possa fazer o seu dever, peço aos srs. ministros que façam com que a propriedade seja uma verdade, porque a propriedade não é hoje no nosso paiz uma verdade; ella esta sujeita não só a calamidades e desastres que as leis não podem remover, mas o que é mais que tudo ás duvidas. É necessario que o contribuinte tenha a certeza de que a propriedade é sua, o que hoje não acontece.

Tenho plena confiança no actual ministerio, e d'isso fiz e faço publicamente, e com toda a franqueza, esta declaração aos srs. ministros. Estou costumado ha muitos annos a respeitar o sr. Joaquim Antonio de Aguiar. Eu era um simples official de ordens, mas recordo-me de que muitas vezes introduzi a s. ex.ª no gabinete do meu capitão, o Imperador D. Pedro IV, que respeitava o sr. Aguiar, e eu respeito tudo quanto o sr. D. Pedro IV respeitava (apoiados).

Respeito tambem o sr. Fontes Pereira de Mello, cujos talentos todos reconhecem, e o mesmo digo de s. ex.ª, o sr. conde de Castro. Peço licença para não fallar do sr. conde de Torres Novas, porque sou suspeito, é meu amigo, foi meu condiscípulo, meu camarada, e meu companheiro nos trabalhos. Do sr. ministro da marinha não é preciso dizer nada, é um homem com que todos sympathisam, que fez um excellente governo em Macau, e sabe quaes são as nossas necessidades assim navaes como coloniaes.

A respeito do sr. ministro da justiça, peço desde já desculpa e perdão por uma certa tendencia que ha nos homens velhos, que já têem poucos cabellos, e esses brancos quando fallam com um joven; e permitta-me s. ex.ª que eu lhe dê uma especie de conselho. S. ex.ª ha de ouvir, ou sentir mesmo, que todas as excitações e convites que se lhe fazem, referem se ao denodo e audacia que se espera ver n'um joven, e faze-lo entrar n'uma senda. Eu peço a s. ex.ª que note estas palavras, e faça dellas o uso que julgar mais util. S. ex.ª escreva no seu programma o nome do seu ministerio = justiça, justiça, justiça =, acrescente por minha conta = prudencia, prudencia, prudencia =. Não desconfie s. ex.ª do meu conselho, é de um velho lazarista, mas lazarista que ha quarenta e dois annos sacrificou a sua vida, e perdeu a sua fortuna pela liberdade da sua terra (apoiados). Evite s. ex.ª o mais possivel as lutas em que não poder deixar ir de encontro ás consciencias verdadeiras, mas seja severo com as especulativas.

Eu estimarei, quando tornar a fazer o elogio do ministerio, ter occasião de dizer que admiro a energia do velho Aguiar, mas muito mais a prudencia do joven ministro da justiça.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro da Fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Não posso deixar de me lisongear, em nome do governo, pelas palavras benevolas que acabam de lhe ser dirigidas pelos dois illustres oradores que acabaram de fallar. O primeiro d'elles, apesar dos seus verdes annos, é um dos talentos mais brilhantes que tem apparecido nas casas do parlamento n'estes ultimos tempos, e o segundo, um dos caracteres mais venerandos e illustres que eu conheço.

Agradeço tambem ao digno par, visconde de Fonte Arcada, apesar das observações com que interlaçou o seu discurso, as expressões de sympathia com que quiz honrar os novos ministros.

Sr. presidente, eu não faço a historia do passado, porque nem me pertence faze-la n'este logar, nem vae ella tão longe que me possa julgar chronista bastante imparcial para o fazer. Tenho as minhas convicções, estou firme n'ellas, e creio que lhes tenho sempre sido fiel; mas por isso mesmo não quero nem devo levantar o véu que caiu sobre o passado, e não devo discutir, nem pessoas, nem cousas que não pertencem ao presente.

A nossa responsabilidade data do dia em que tomámos conta da nova administração. Desde esse dia somos um por todos e todos por um; somos responsaveis pelos nossos actos perante o parlamento e o paiz. As nossas responsabilidades passadas estão a cargo de cada um de nós, e somos todos homens bastante honrados para respondermos pelos nossos actos.

Sr. presidente, houve, um facto politico; importante na historia dos ultimos tempos, a que se alludiu por parte de um dos oradores que me precedeu, e que não posso deixar passar desapercebido, sem todavia infringir a regra qué me impuz; é o facto da fusão de dois partidos, que militavam na téla parlamentar e nas lutas politicas do paiz.

Quando um desses partidos estava no poder e eu lhe fazia opposição, a mais vigorosa que me era possivel, por dever de minha posição, e que durou, por tão longo tempo, nunca me passou pela mente, nem creio que passasse pela dos meus amigos politicos, o abraçarmo-nos em quaesquer circumstancias, para com elle fazermos um pacto que desse em resultado as delicias de Capua no poder. Mas desde que esse partido se decidiu a abdicar e saír do gabinete, reco-

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nhecendo que o devia fazer em nome da constituição; desde que se collocou em posição igual áquella em que estava o partido a que eu tenho a honra de pertencer, julguei logo, e julgaram os que militaram commigo no mesmo campo, que em presença das circumstancias que se davam, e das crises que se estavam atravessando, muito conveniente seria esquecer antigos ressentimentos, ou mesmo algum odio, se o tivesse havido (o que não creio, e ao menos pela minha parte posso jurar que o não tinha a pessoa alguma), e em todo o caso pôr para sempre de parte quaesquer rivalidades ou alguma malquerença que houvesse, reconhecendo a necessidade de darmos mutuamente um abraço franco e leal, envidando de parte a parte as nossas forças, que ainda assim todas juntas seriam poucas, para conseguir o triumpho de uma causa commum. Foi este com effeito o principio fundamental que inspirou os homens que formaram a fusão; e desde esse momento ficou dado o abraço, tão sincero e fraternal, que estou intimamente convencido de que nem um só cavalheiro deixou ou deixa de reconhecer que todos cooperaram lealmente para se desempenhar bem o compromisso de honra e patriotismo que haviamos tomado reciprocamente.

Eis-aqui a historia da fusão; d'esse acontecimento que deixou intactas e honradas as tradições de cada partido, sem que alguem tivesse de que se envergonhar ou que apagar de sua bandeira alguma doutrina, nem esconder qualquer mancha no pendão que todos seguíamos.

Por fim de tudo isto, e como resultado ou consequencia d'este grande facto, é que a corôa, em nome da constituição e no exercicio liberrimo da real prerogativa, houve por bem chamar-nos aos seus conselhos; e é por isso que, depois de aceito por todos nós este encargo, em desempenho do nosso dever, e da obrigação que nos impõe a lei fundamental, nos apresentámos já hontem na camara dos senhores deputados, e hoje na dos dignos pares, por não ter sido possivel vir tambem logo aqui, como aliàs era o nosso desejo e vontade decidida (apoiados). Assim, a proposito d'esta declaração, digo, na presença de V. ex.ª e dos dignos pares, que o governo o que tem a pedir a esta camara é que lhes aguarde os seus actos, que espere ver o nosso procedimento, e que nos julgue depois com severidade, se quizer, porque a justiça não ha de faltar nas suas definitivas apreciações e decisões.

O que é certo sobretudo, sr. presidente, é que nós temos os mais sinceros e ardentes desejos de bem merecer o apoio dos representantes do paiz, de governar com a constituição e sempre conforme com as leis do estado (apoiados).

Feitas estas declarações, e deixando a questão politica que o meu illustre amigo e digno par, o sr. Sebastião José ' de Carvalho já taxou de impertinente e causadora até certo ponto do atraso no nosso desenvolvimento economico e administrativo, que de facto se póde quasi dizer que ha muito esta paralisado em consequencia das lutas pessoaes e politicas que se têem agitado dentro e fóra do parlamento, perdendo-se sempre um tempo precioso (apoiados); passarei em rapida resenha algumas observações que foram dirigidas ao governo pelos dignos pares que tomaram a palavra.

Direi primeiro ao meu antigo e honrado amigo, o sr. visconde de Fonte Arcada, que a lei que auctorisou a viagem de Sua Magestade foi approvada sem observação alguma em ambas as casas do parlamento, creio que logo depois apresentada ao poder moderador, e por este sanccionada; e assim que é um facto consummado sobre o qual creio que não ha logar a mais explicações, muito menos por parte da administração actual, que a ella foi absolutamente estranha. Quanto aos meios que possam ser necessarios para essa viagem se effectuar, o que é outra pergunta do digno par, direi a s. ex.ª que a lei a que me referi, e que ha poucos dias passou, não tratou d'isso nem remotamente, pelo que acredito que se não julgou necessario; mas o que tambem posso assegurar a s. ex.ª é que, se porventura ainda se julgasse necessario, o que não espero, o governo, a administração actual recorreria ao parlamento, respeitando sempre e em todo o caso os principios constitucionaes.

Perguntou ainda o mesmo digno par, se eu aceitava o orçamento do estado tal como foi apresentado; mas qual orçamento, pergunto eu? O ultimo que veiu ás côrtes? (O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Esta claro que é esse.); o ultimo orçamento não vigora por isso mesmo que desappareceu desde o momento em que a entidade governo ficou auctorisada a applicar ás despezas correntes toda a receita do thesouro; de maneira que depois d'isto não nos cumpre tomar responsabilidade alguma n'esse orçamento; não ha já logar a discuti-lo. A lei que passou para remediar a falta da discussão do orçamento, auctorisou o governo a arrecadar todos os rendimentos publicos, e fazer a applicação delles em conformidade com as leis; esse preceito ha de ser religiosamente observado, e quando as côrtes se reunirem de novo, que ha de ser proximamente, o governo apresentará ao parlamento as propostas de medidas que julgar necessarias para prover algumas lacunas que porventura existam em consequencia de ser a legislação auctorisada pela lei novissima um pouco mais retardada do que se as cousas tivessem corrido mais regularmente, como é proprio do estado normal.

Da mesma fórma direi, sr. presidente, quê" o governo não póde responder pelas opiniões que se contêem no discurso da corôa, lido ao parlamento quando occupavam as cadeiras de ministros outros cavalheiros que não são os actuaes, assim o digno par que reconhece ser o discurso da corôa um documento essencialmente ministerial, não vendo aqui nenhum dos ministros que então eram, não tem de certo a pretensão de nos exigir que tomemos a responsabilidade de um documento que legal e constitucionalmente é todo do ministerio que se demittiu. Nós outros nada temos com esse documento; não digo se são boas ou más essas opiniões, digo só, que são outros os cavalheiros a quem pertence responder por ellas, e todos são tão dignos e tão honrados, que ainda hoje não declinam a responsabilidade de nenhum de seus actos.

Ouvi depois, sr. presidente, que o meu illustre amigo o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho mencionou varias reformas, que segundo a sua opinião nos deviam occupar. Eu confesso ingenuamente que sou o primeiro a acompanhar s. ex.ª nos justos desejos de que a administração actual, e as que se lhe seguirem, se occupem de assumptos de tão grave importancia como são aquelles a que s. ex.ª se referiu, mencionando especialmente o da questão da população, em que compendiou a questão da emigração, das rodas e da hygiene publica, todas sem duvida alguma, questões gravissimas, que se resolvem pelo ministerio do reino, mas cuja solução completa e absoluta, nem por agora, nem creio que ainda muito mais tarde se chegará a obter e conseguir, por isso mesmo que até hoje em parte alguma se tem obtido a solução completa d'essas questões a que o digno par mui judiciosamente alludio. Por exemplo, a questão das rodas, ainda esta sendo muito debatida pelos homens mais illustrados e que mais teem estudado não só em França, mas póde-se dizer por todo o mundo civilisado, uma questão das mais complexas que existem.

A questão da hygiene, essa esta mais conhecida e meditada por ser mais simples, comquanto de summa gravidade; mas a questão da emigração é uma das que tambem affecta profundamente alguns espiritos muito esclarecidos, dando logar a escreverem-se igualmente muitos volumes que têem servido de inspiração, por assim dizer, a muitas leis, mas de que a applicação, assim como o modo variam consideravelmente em relação aos differentes paizes, pelas circumstancias peculiares de cada um d'elles. De maneira que se o digno par falla da emigração pelo modo como se tem feito no nosso paiz, principalmente para o Brazil, se quer fallar dos vexames por que se tem feito muitas vezes passar os colonos, e os abusos que se têem commettido, a que é necessario pôr cobro por meio de disposições legaes bastante repressivas de todos esses abusos e vexames; n'uma palavra, se quer que nós procuremos obter o grande desideratum, de que os subditos portuguezes que tomam tal resolução não soffram vexames o torturas, estou perfeitamente de accordo; mas se s. ex.ª quer ir mais alem, que sê obste por qualquer modo a que o cidadão portuguez disponha de si, usando do direito que sabe que tem de ir para o Brazil ou para outra qualquer parte do mundo, então não posso estar de accordo. (O sr. S. J. de Carvalho: — Apoiado.) Não é pois essa a intenção do digno par, como eu previa; e então limito-me a dizer, que todas estas questões são gravissimas, são o que verdadeiramente se chama, questões do paiz, e por isso mesmo convem sobretudo que das casas do parlamento não sáiam vozes que possam fazer desvairar a publica opinião n'um assumpto que a fere muito de perto.

A este respeito direi apenas que a emigração em geral é mal vista, e eu pela minha parte desejaria que todos os meus concidadãos tivessem antes desejo e interesse (pois que o interesse é o que move em objectos d'esta natureza) de ficar no seu proprio paiz, antes que procurar outro estranho, transpondo-se a remotas praias, expondo-se ás intemperies do clima, a febres, e até ás vezes a epidemias devastadoras, sobretudo para aquelles que não estão habituados, por isso que o seu paiz é outro, ás temperaturas muito elevadas; estimaria eu muito que ninguem tivesse mesmo o mais pequeno desejo ou idéa de se expor por similhante fórma, pois que isso seria sobretudo uma prova real de que o estado economico e civil do meu paiz era satisfactorio. Seria isso a prova mais real e completa de que não havia nada a desejar sob esses dois aspectos, por isso que os seus habitantes não tinham interesse algum que os levasse a terras remotas e longiqnas, afastando-se da patria e da familia em busca do pão que não podem ganhar no seu paiz. Mas não acontece assim. E ha ainda outro incentivo que todos nós conhecemos, e que tem uma grande força para a emigração. Quem viaja pelas provincias acha coalhada a provincia do Minho principalmente, de bellissimas casas que n'estes ultimos tempos se têem construido, e que pertencem na maior parte a subditos portuguezes que emigraram para o Brazil, d'onde voltaram ricos.

Este incentivo que se apresenta aos olhos de todos é uma j das causas mais efficientes da nossa emigração para o Brasil. Naquella provincia encontra se a cada passo uma casa bem disposta, confortando, com bastante aceio e de grandeza comparativa; e quando se pergunta a quem pertence, a resposta é sempre a um brazileiro. O brazileiro é um homem que, quando esta no Brazil, se chama portuguez, e quando esta em Portugal, se chama brazileiro, e que a final é um portuguez emigrado que voltou ao seu paiz, trazido pelo santo amor da terra natal e da familia, e vem n'elle gastar o capital que adquiriu á custa do seu trabalho, o que é muito honroso, e não póde senão chamar-lhe os elogios de todos.

Mas que devemos fazer? Diz se que encaminhar a emigração, promover, empregar todas as diligencias, para facilitar os meios, a fim de que os emigrados vão de preferencia para as nossas colonias, em logar de irem para o Brasil. Ora, eu direi ao digno par, ainda que o sabe melhor do que eu, mas como vem a proposito não posso deixar de tocar n'este ponto; direi que não creio senão na emigração espontanea; não creio em nenhum meio inventado pelos homens de estado, nem em legislação ou regulamentos, por mais bem combinados que sejam para fazer que o homem, que tem em vista ir para certo ponto, onde julga que achará interesses, vá para outro ponto onde não sabe se os terá, e julga até que não poderá te-los. Posso citar em abono da minha opinião a historia das principaes colonias do mundo.

Sabem todos, por exemplo, que a França, que dispõe de recursos colossaes, tem procurado conservar e desenvolver a colonia da Argélia, principalmente como um viveiro para o seu exercito, onde se torna aguerrido e prompto para sustentar em logar mais distincto a honra do pavilhão francez. O governo da França tem empregado os meios ao seu alcance, e gasto milhões, centenares de milhões com aquella colonia, a fim de lhe dar o maior desenvolvimento; tem-se porém visto um facto que não póde passar desapercebido aos homens do governo.

Todas as colonias estabelecidas na Argélia, que têem sido formadas e desenvolvidas pelos meios artificiaes do governo, estão rachiticas ou pouco desenvolvidas em relação áquellas colonias formadas pela emigração espontanea, e por ella desenvolvidas. Todos conhecem as colonias mahonenses, assim chamadas, porque são principalmente formadas pela emigração dos habitantes das Baleares e Mahon. Estas colonias são as mais florescentes d'aquelle paiz. Superabundando a população das Baleares, para ali emigra espontaneamente uma parte d'ella, e leva comsigo os seus instrumentos, amor e habitos do trabalho e a sua industria, que emprega com toda a energia e actividade que distinguem aquelles insulares. O governo tem apenas prestado a essas colonias a feitura de alguns kilometros de estrada e a abertura de algumas fontes; o mais é tudo devido ao trabalho individual e á iniciativa propria, e sem auxilio quasi nenhum aquellas colonias têem prosperado bastante, emquanto as do governo, que tantos sacrificios lhe hão custado, jazem em estado mais debil e precario. Isto prova o que acabei de dizer, isto é, que a emigração espontanea, a que não é artificial e organisada pelos meios engenhosos, é a mais efficaz. Não fallo já nas colonias militares da Austria na Transylvania e na illyria, que têem uma rasão especial, pois que isso é uma questão á parte; não fallo tambem nas colonias penitenciarias, em que se podem classificar algumas colonias portuguezas dos primeiros seculos, mesmo a Austrália nos ultimos tempos; não fallo d'estas colonias que são de uma natureza especial, para as quaes o colono vae pela acção do governo em nome de outros principios e de outras rasões, que não as colonias povoadoras. Fallo d'estas que são para cultivar e desenvolver as riquezas de um paiz e para augmentar a sua producção.

Peço perdão á camara de ter entrado n'estas explicações, e de fazer esta divagação, a que fui levado pelas observações illustradas e benevolas do digno par.

Para não cansar a assembléa com um assumpto estranho ao objecto de que se tratava, depois de termos feito a nossa apresentação á camara, repetirei o que o meu illustrado collega, o sr. presidente do conselho, ha pouco disse. O governo deseja merecer o apoio das duas casas do parlamento, e ha de empenhar constantemente todos os meios ao seu alcance, e empregar toda a sua energia e dedicação até onde lhe permittam as suas forças para bem servir o seu paiz, e merecer a confiança das duas casas do parlamento.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Não tomarei muito tempo á camara no que tenho a dizer, pois tinha tenção de faltar, mas fui levado a isso para levantar uma injuria que o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, proferiu...

O sr. S. J. de Carvalho: — Pede que se tome nota do que acaba de dizer o digno par, ao qual responderá opportunamente.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Disse eu que tinha pedido a palavra para levantar as palavras que me pareceram injuriosas, proferidas pelo digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, que se não cança de as repetir, apesar de terem passado já quatro mezes, contra o governo de que eu fiz parte. Parece-me que dizer que o governo nunca desceu tão baixo como n'essa occasião, é proferir uma injuria contra a administração daquelle tempo. È por isso e para levanta-las que pedi a palavra, e direi que, pelo contrario, me parece que o paiz e o parlamento não se lembram de ver descer tão baixo como n'essa occasião talentos aliàs conhecidos na tribuna portugueza. Eu não quero tomar tempo á camara com isto, nem procurar renovar a questão politica, e por isso não direi mais nada a este respeito.

Aproveito a occasião de estar de pé para fazer uma pergunta ao governo, ao qual declaro desde já que apoio, porque tenho confiança que a administração actual ha de realisar os melhoramentos de que carecemos, se não todos, porque seria utopia esperar que possa um governo fazer tudo quanto é preciso fazer, mas aquillo que for mais instante, e que o estado da fazenda publica permitta.

A questão dos expostos é uma questão importantissima, e sobre a qual o sr. ministro da fazenda disse que ainda se não proferiu a ultima palavra; comtudo é urgente tratar de a estudar no paiz, para a pôr em termos regulares. O sr. ministro da fazenda, que já foi ministro do reino, sabe que no districto de Lisboa se acha este serviço organisado fóra da lei.

Ha outra pergunta que eu desejava fazer ao sr. ministro do reino, que sinto não ver agora no seu logar, e não sei se algum dos seus collegas estará habilitado para me responder...

Tendo dito hontem o governo, na outra casa do parlamento, que tencionava aconselhar ao chefe do estado o adiamento, eu desejava saber se haveria tempo, ou tinha o governo tenção de propor alguma alteração ao decreto com força de lei de 1 de dezembro de 1861, que torna excepcional a eleição municipal do concelho de Lisboa, que é feita por bairros, e não em todo o concelho, como se pratica no resto do paiz. Eu entendo, sr. presidente, que este projecto é muito urgente, por isso que este anno é que se tem de proceder á eleição da camara municipal de Lisboa, e portanto parecia-me muito mais conveniente que essa eleição fosse feita segundo a lei geral, e não com aquella excepção (apoiados).

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Faço esta pergunta; mas como não esta presente o sr. ministro do reino, e não sei se os seus collegas me poderão dizer alguma cousa a este respeito, tornarei a faze-la neutra occasião, e se o governo não quizer propor essa alteração, eu usarei da minha iniciativa, apresentando um projecto de lei sobre este objecto. E o que tinha a dizer.

O sr. Marquez de Niza: — Como ha probabilidade de que se não" demore muito o adiamento, quer declarar desde já qual é a sua situação em face do actual ministerio.

Sempre militou na opposição aos ministerios presididos pelo sr. duque de Loulé; mas separou-se d'ella quando se fez a fusão, porque reprovou este facto, e uniu-se e deu apoio ao governo que caiu como sendo a demonstração menos equivoca de que tinha condemnado a fusão.

Declarou mais que ha tempos se tinha separado do governo, logo que o viu inferior á missão que lhe tinha sido confiada; e portanto, como se acha sem compromissos, porque nem esta com a situação que desappareceu do horisonte politico, nem com a que n'elle se ergue, não presta apoio ao actual ministerio; mas não é impossivel, e até espera, que apoie algumas das suas medidas, como tem feito a todos os governos a que se viu forçado a fazer opposição.

O sr. Sousa Azevedo: — Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para dizer a V. ex.ª a minha opinião ácerca do ministerio que acaba de fazer a sua entrada n'esta casa; mas como as explicações que queria dar não comportam com o adiantado da hora e cançaso da camara, reservo-me para n'outra occasião expor o que tinha a dizer agora.

O sr. S. J. de Carvalho: — Disse e repete que o governo tinha caído num nivel inferior, referindo-se ao ministerio de que fez parte o sr. marquez de Sabugosa, não como injuria pessoal a nenhum dos cavalheiros que o compozeram, mas por ser a consignação de um facto. E para prova de que não havia nas suas palavras o menor resaibo de injuria, apontava para o sr. Ayres de Gouveia, antigo amigo seu, que fazia parte d'esse ministerio, que tinha qualificado com palavras tão severas, mas justas. Não se mantem um governo no seu nivel natural, quando a vontade de um homem se sobrepõe ás indicações constitucionaes, e abre de par em par as portas do poder, não aos que o conquistaram no ligitimo certame da palavra, mas ás pessoas a quem quer fazer esse favor, ainda que sejam aliàs dignas d'elle.

O sr. Presidente: — Esta a dar a hora, portanto a proxima sessão terá logar ámanhã, sendo a ordem do dia eleição de commissões.

Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 6 de setembro de 1865

Ex.mos srs. Simões Margiochi.

Conde de Castro.

Marquez de Ficalho.

Marquez de Niza.

Marquez de Sabugosa.

Conde de Alva.

Conde de Campanhã.

Conde de Fornos.

Conde de Fonte Nova.

Conde de Linhares.

Conde da Louzã.

Conde de Mello.

Conde de Peniche.

Conde da Ponte de Santa Maria.

Conde de Rio Maior.

Visconde do Benagazil.

Visconde de Fonte Arcada.

Visconde de Porto Côvo de Bandeira.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Soares Franco.

Visconde de Foscôa.

Moraes Carvalho.

Mello e Saldanha.

Pereira Coutinho.

Sousa Azevedo.

Sequeira Pinto.

Felix Pereira de Magalhães.

Almeida Proença.

Moraes Pessanha.

Aguiar.

Reis e Vasconcellos.

José Lourenço da Luz.

Larcher.

Almeida Pessanha.

Sebastião José de Carvalho.

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