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N.º 63

SESSÃO DE 19 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O digno par Camara Leme insta pela remessa dos documentos que pedira pelo ministerio das obras publicas, relativamente ao caminho de ferro de Torres. - Ordem do dia: Continuação da discussão, na especialidade, do parecer n.° 79 sobre o projecto de lei n,° 71 (orçamento do ministerio da guerra). - Usam da palavra os srs. Vaz Preto, ministro da guerra. Carlos Bento, visconde de de Chancelleiros, e Camara Leme, que pede para retirar as suas propostas apresentadas na sessão anterior. - Annuencia da camara. - Postos á votação, são approvados os capitulos do orçamento do ministerio, da guerra.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Onze officios da presidencia da camara dos penhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

l.ª Tem por fim conceder vantagens aos officiaes inferiores do corpo de marinheiros da armada.

Ás commissões de marinha e de fazenda

2.ª Tem por fim auctorisar o governo a transferir as sobras de uns para outros capitulos e artigos da tabella da distribuição da despeza do ministerio da guerra para o anno economico de 1879-1880.

Ás commissões de guerra e de fazenda.

3.ª Tem por fim serem considerados de utilidade publica, e como taes expropriados os terrenos necessarios para o estabelecimento de carreiras de tiro regimentaes e de guarnição.

Á commissão de guerra.

4.ª Tem por objecto tributar, com as taxas de l5 réis por kilogramma, a importação de algodão em caroço com a semente, e com a de 20 réis por kilogramma a da semente de algodão limpa de felpa e separada de caroço.

Á commissão de fazenda.

5.ª Para ser applicavel á junta de credito publico, á caixa geral de depositos e á casa da moeda e papel sellado a tabella de emolumentos approvada pela carta de lei de 16 de abril de 1867, na parte em que se refere a nomeações, certidões e licenças.

Á commissão de fazenda.

6.ª Tem por fim conceder aos actuaes escrivães dos departamentos do centro e norte os ordenados, gratificações e complemento de ordenado que lhes forem abonados no exercicio de 1879-1880.

Á commissão de fazenda.

6.ª Tem por fim conceder á camara municipal de Mourão o castello da mesma villa, com excepção das muralhas e fortificações que estiverem em bom estado.

Á commissão de fazenda.

8.ª Tem por fim annexar ao concelho e comarca de Chaves a freguezia de Leboção, que até hoje pertenceu ao concelho de Valle Passos.

Á commissão de administração publica e de legislação.

9.ª Tem por fim conceder á misericordia de Extremoz o edificio do extincto convento d'aquella villa, para ali estabelecer o hospital e asylo de creanças desvalidas.

Á commissão de fazenda.

10.ª Tem por fim auctorisar o governo a conceder a D. João Pedro da Camara a aposentação no logar de governador civil de Lisboa, que ultimamente serviu.

Ás commissões de administração publica e de fazenda.

ll.ª Tem por fim auctorisar o parocho da freguezia da Ribeira Brava, do districto do Funchal, para permutar a casa da residencia que possue na parochia, para outra casa de igual ou maior valor e bem situada.

Ás commissões de fazenda e de negocios externos.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 50 exemplares do relatorio dos trabalhos desempenhados pelo conselho geral das alfandegas nos annos de 1876 e 1877, e 100 exemplares do anno de 1878.

Mandaram-se distribuir.

(Estiveram presentes os srs. ministros da guerra, justiça e obras publicas.)

O sr. Camara Leme: - Desejo que v. exa. me diga se os documentos que eu pedi, pela secretaria da guerra, ainda não chegaram á camara. Um d'elles é a copia da acta da consulta de 8 de janeiro, ácerca da defeza da capital com referencia ao caminho de ferro de Lisboa a S. Martinho do Porto.

Igualmente peço a v. exa. que me informe se os documentos relativos ao caminho de ferro de Cáceres ainda não vieram. Este projecto brevemente vae entrar em discussão n'esta casa, e desejo que esses documentos sejam remettidos para poder analysal-os.

O sr. Presidente: - Os documentos a que o digno par se refere, ainda não chegaram á mesa; portanto far-se-hão novos pedidos.

Tem a palavra o sr. Mello e Carvalho.

O sr. Mello e Carvalho: - V. exa. concedeu-me a palavra?

O sr. Presidente: - Eu concedi a palavra ao digno par, mas na mesa não se ouve o que s. exa. dia.

Eu chamo a attenção dos dignos pares.

O sr. Mello e Carvalho: - Mando para a mesa um requerimento assignado por varios officiaes inferiores reformados, pedindo que as vantagens que o sr. ministro da guerra estabelece na proposta que apresentou na outra casa do parlamento em 3 de abril ultimo, lhe sejam extensivas, a fim de poderem ficar em igualdade de circumstancias dos que de futuro se reformarem.

É de toda a justiça este pedido, porque se elles gearam fóra do effectivo do exercito, foi depois de terem gasto a melhor parte da sua vida nas campanhas, expondo-se aos perigos e derramando o seu sangue pela patria.

Peço, pois, a v. exa. que estes documentos sejam enviados á commissão de guerra.

Como a proposta do sr. ministro da guerra trata de aumento de despeza, é provavel que seja ouvida a commissão de fazenda.

Espero, portanto, que as illustres commissões de guerra

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e de fazenda tomem este assumpto na consideração que elle merece.

Leu-se na mesa o requerimento e foi enviado á commissão de guerra.

O sr. Condo de Valbom: - Pedi a palavra para perguntar a v. exa. se já vieram os esclarecimentos que pedi pelo ministerio das obras publicas.

Esses documentos são importantes, é o estudo feito para a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Torres por Pombal, e a informação do engenheiro Pinheiro de Almeida a este respeito.

Se estes documentos ainda não vieram, peço a v. exa. que tenha a bondade de instar, por elles com urgencia, a fim de que venham o mais breve possivel.

O sr. Presidente: - Vão ler-se dois officios.

Leram-se na mesa e são os seguintes:

Um officio do ministerio da marinha, remettendo documentos pedidos pelo digno par Andrade Corvo, em requerimento apresentado na sessão de 12 do corrente.

Para a secretaria.

Outro do ministerio das obras publicas, remettendo documentos pedidos pelo digno par conde de Valbom, em requerimento, apresentado na sessão de 30 de abril ultimo.

Para a secretaria.

O sr. Presidente: - Hontem veiu um grande maço de documentos do ministerio das obras publicas, os quaes estão sobre a mesa. Se o digno par quizer dar-se ao incommodo de os vir examinar, póde ser que entre elles se encontrem os que v. exa. deseja.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuarão da discussão do orçamento do ministerio da guerra.

Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejo ser breve; mas não posso ainda deixar de fazer a analyse de alguns documentos, que mal pude ver, mas que revelam com a maior evidencia a verdade das asserções por mim feitas e sustentadas. Eu tenho-me esforçado por demonstrar que a anarchia, confusão e desordem continua na legislação militar, que o actual governo, em vez de extirpar os abusos, os conserva em maior escala, e pratica a cada momento
illegalidades censuradas pelos actuaes srs. ministros quando eram opposição.

Eu tenho pena de não estar presente o sr. marquez de Sabugosa, porque se s. exa., aqui estivesse, havia de regosijar-se com este quadro, vendo como o sr. ministro da guerra, collega de s. exa., põe bem em pratica as theorias sustentadas por s. exa. na opposição!

O sr. marquez de Sabugosa apresentou aqui no anno passado uma lista dos officiaes que estavam a mais nos quadros, e queixou-se amargamente do abuso.

Sr. presidente, apesar d'essa lista ser já grande, esse numero subiu consideravelmente, ainda depois da entrada do actual ministerio.

Só na arma de infanteria houve uma promoção de tal ordem, que passaram a supranumerarios no quadro 16 majores.

Eu tenho aqui a relação, e parece-me que estancio o quadro completo, e havendo officiaes supranumerarios em grande quantidade, como aqui apresentou o sr. marques de Sabugosa, é realmente para admirar que de repente se augmentasse esse numero com mais 16 officiaes.

Não comprehendo, nem sei quaes são as leis em que o sr. ministro da guerra se pôde firmar para augmentar este quadro. Eis aqui a lista:

(Leu.)

Só em infanteria foi tal a promoção, que de uma vez entraram para o quadro 16 majores.

Desejaria que o sr. ministro da guerra declarasse á camara qual foi o motivo d'esta promoção na arma do infanteria, que deu em resultado ficarem no quadro nada mais, nada menos de 16 officiaes supranumerarios.

Mas não pára aqui. S. exa., como se vê pelas relações que aqui tenho, fez promoções no corpo de estado maior, promovendo 2 officiaes a mais no quadro, na artilheria promoveu tambem 2 tenentes coroneis.

E note a camara mais alguma cousa.

Houve 1 coronel promovido em agosto de 1879, o sr. José Antonio Pereira de Eça, para ir servir em commissão no ministerio da fazenda; quer dizer, que se fez uma promoção de 1 coronel para ir exercer um emprego pingue no ministerio da fazenda, tratando só dos seus interesses, sem que o exercito nada lucre com esta commissão.

Pergunto eu, se assim é possivel ter o exercito organisado em boas condições? Ha uma quantidade de officiaes dispersos pelas differentes repartições do estado, que chegam para um exercito tres vezes ou quatro vezes mais numeroso do que o que temos, e que não concorrem ao serviço do exercito nem a exercicios para sua instrucção e para a das praças de pret.

Agora temos officiaes para um exercito talvez de 200:000 homens, e se infelizmente houvesse algum acontecimento notavel, que fosse necessario recorrer ás armas, esse pessoal desapparecia quasi todo.

Portanto, repito o que já disse, sinto que não esteja presente o sr. marquez de Sabugosa, que podia regosijar-se com este quadro descripto, que na realidade é bastante significativo.

Mas, pondo de parte este ponto, vou ler á camara uma proposta do sr. director geral de engenheria, fundada nas leis que o sr. ministro tem seguido para estas promoções, é por ella se verá que vale a pena promover um official, porque dá em resultado serem promovidos uns poucos. Quer v. exa. ver?,

(Leu.)

Faltava 1 major, a promoção deu origem a serem promovidos nada menos de 5.

(Leu.)

E alem d'isso as outras promoções que se fizeram.

Portanto, temos 6 tenentes, 6 capitães, 5 majores, 5 tenentes coroneis, etc.

Ora isto revela bem a anarchia que existe na legislação militar, e que deve existir, por conseguinte, nos serviços dependentes do ministerio da guerra revela tambem que as grandes despezas que estão fazendo com o exercito, necessariamente se devem considerar improductivas, visto que só servem esses dispendios para affectar o thesouro, sem que a instrucção do exercito e a disciplina tenha lucrado: com isso. Antes pelo contrario, tem perdido e muito.

Agora passarei a notar um facto que me parece muito grave.

Os actos a que acabo de me referir podem talvez desculpar-se com a interpretação das leis; mas aquelle a que vou alludir mostra que o sr. ministro da guerra andou dictatorialmente, calcando aos pés as leis era vigor. S. exa. dispensou temporariamente, um numero consideravel de alumnos da escola do exercito de alguns preparatorios para se matricularem n'aquelle estabelecimento de ensino.

O favor feito ou a dispensa de sciencia foi de tal ordem que não se attebdeu a regra alguma ou principio justificativo.

Todos os preparatorios se julgaram dispensaveis, sem excepção, não houve um só que se julgasse de absoluta necessidade como introducção ás disciplinas do primeiro anno da escola do exercito! Como affirma o documento que aqui tenho, para uns era dispensado um exame, para outros outro, e para outros dois e tres exames; até foi dispensado o exame de portuguez!

Todos os annos a escola do exercito dá uma alluvião de officiaes, e alguns ministros tem havido que têem sido

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muito rigorosos. na admissão de alumnos; pois o actual sr. ministro da guerra ainda achou pouco os officiaes que já existem, quere-os até sem habilitações! Dispensa-lhes a sciencia e permitte que elles se matriculem por favor. Eu chamo para este ponto a attencão dos dignos pares, que são lentes da universidade ou de qualquer outra escola, para que vejam e admirem este attentado contra a sciencia!

(Leu.)

Sr. presidente, eu desejo sobre este assumpto a apreciação dos professores das differentes escolas, que me ouvem, e que digam na sua consciencia se este acto não é um verdadeiro attentado á sciencia, á justiça e aos bons principios?!

Note a camara que o abandono e a negligencia do ministro chegou a ponto de deixarem matricular um alumno na escola do exercito, sem ter exame de portuguez! tudo isto quer dizer que a lei foi posta de parte, e que só a vontade do sr. ministro foi satisfeita. Mas não pararam aqui as irregularidades: fez-se peior ainda, fez-se promoção de alferes dispensando-se aos promovidos habilitações que a lei exige.

Comtudo, honra seja feita ao sr. ministro (essa justiça faço eu a s. exa.); não quiz por fórma alguma sonegar estes documentos á publicidade e mostrou assim que não foge á responsabilidade que lhe cabe pelos actos que ordenou e que auctorisou contra lei.

O que se vê, porém, de tudo isto claramente, é que no ministerio da guerra a legislação está anarchica e que não sabendo o sr. ministro como se ha de regular, por ella, pela difficuldade de lhe dar a verdadeira interpretação, se vê na necessidade de calcar aos pés as leis e limitar-se a fazer o que entende que deve fazer.

Vê-se, portanto, que ha urgencia absoluta de reformar a legislação por onde, se regulam estes assumptos no ministerio da guerra, e que é necessario tratar de, quantos antes, sair d'este cahos, d'este labyrinto inextricavel, de onde os ministros não sabem sair, soffrendo as consequencias funestas a nação.

Entretanto, em logar de ter empregado verdadeiros esforços o actual ministerio que subiu ao poder para reformar convenientemente os serviços e fazer economias, tem feito o contrario, augmentando a despeza e conservando os serviços cada vez mais desorganisados.

Sr. presidente, eu limito aqui a minha analyse por agora a esses documentos que ahi se acham, e que accusam fortemente o sr. ministro, da guerra, observando que se não fosse o fazer eu justiça ás intenções do sr. ministro da guerra, poderia fazer reparos ainda mais graves.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - O digno par que terminou agora o seu discurso, chamou a attenção da camara para diversos assumptos e especialmente para alguns que dizem respeito ao ministerio a meu cargo.

Referindo-se aos officiaes supranumerarios, sentiu o digno par que houvesse tantos officiaes fóra do quadro das respectivas armas; mas eu observo que estando estes officiaes em commissões do serviço no ministerio das obras publicas, ou em algum dos outros ministerios, não podem emquanto desempenham estas commissões, considerar-se como pertencendo aos quadros das suas armas, que foram estabelecidos e calculados só; para o serviço militar. Isto faz-se em conformidade com a lei, porque ella permitte que os officiaes do exercito possam desempenhar diversas commissões estranhas ao ministerio da guerra.

Se ha defeito é proveniente da lei, e então reforme-se, porque, de certo, o digno par não quererá que os officiaes que estão fazendo serviço ao estado, e ás vezes muito importantes, em differentes ministerios, fiquem preteridos na sua carreira. Foi a esse inconveniente que obviou o decreto de 28 de junho de 1870, porque, sem as disposições d'esse decreto e extincta a engenheria civil, ou esses officiaes haviam de retirar todos para o ministerio da guerra, ou conservar o seu direito á promoção, porquanto se os mesmos officiaes são a mais em relação á necessidades do exercito, não são a mais era relação ás necessidades dos outros ministerios e serviços publicos, e se elles lá se não conservassem teriam de ser substituidos por outros individuos civis a quem se haviam de conceder iguaes ou maiores vantagens.

Entre nós predomina a idéa de querer que o exercito satisfaça a muitos serviços que não são proprios da sua instituição e fins. Ha n'isto certas vantagens, mas tambem ha muitos inconvenientes.

Não sympatiso muito com esta idéa, apesar de pertencer ao exercito; porque entendo que é prejudicial ao exercito que andem distrahidos do serviço militar por, muitos annos os individuos que lhe pertencem. Hoje mais do que em outra qualquer epocha é preciso que o militar no tempo de paz esteja em constante preparação para a guerra, tomando parte nos exercicios militares.

Mas o facto é que se recorreu ao exercito para organisar muitos serviços publicos, como o de obras publicas, de minas, florestas e telegraphos, e os relativos aos estudos e trabalhos geodesicos e geologicos, e até nos institutos agricolas e industriaes, alem da escola polytechnica, foi empregado um grande numero de militares. Emfim para um sem numero de trabalhos e estudos propriamente civis recorreu-se a individuos pertencentes ao exercito que não haviam de ser condemnados pelo seu prestimo a perderem a sua carreira sem compensação alguma.

Não havia, portanto, senão dois caminhos a seguir, ou crear uma corporação civil que desempenha se estes serviços, ou continuar a empregar n'elles os officiaes do exercito, sem os desaggregar completamente d'elle. Foi este ultimo systema que prevaleceu. É preciso acceital-o com as suas vantagens e inconvenientes.

Tenho as minhas convicções a este respeito, mas como homem do governo entendo que as não devo sustentar quando a opinião publica não estiver de accordo com ellas.

Os inconvenientes que ponderou o digno par não são comtudo da gravidade que s. exa. parece suppor, porque os officiaes que desempenhara as diversas commissões estranhas ao ministerio da guerra, não recebem por este ministerio os seus vencimentos e sim por aquelle aonde estão fazendo serviço, e se lá não estivessem, a outros individuos haviam de os mesmos ministerios retribuir e pagar esses serviços.

Estão na verdade no ministerio das obras publicas, ha vinte annos e mais, muitos officiaes das differentes armas do exercito e do corpo de estado maior. Seria hoje um prejuizo para o paiz mandal-os sair de lá, porque se perderia o capital accumulado pelo seu largo tirocinio e experiencia.

Não é engenheiro completo o alumno que sae da escola com as habilitações para essa profissão; precisa, alem d'isso, pela experiencia e pratica do serviço, adquirir aptidão não só para trabalhar bem e expeditamente, mas poder ainda estar habilitado a dirigir outros empregados no mesmo serviço.

Portanto, repito, se se fizessem retirar para as differentes armas a que pertencem esses officiaes que estão servindo no ministerio das obras publicas e que são engenheiros distinctos feitos por um longo tirocinio, haveria um prejuizo enorme para esses serviços e para o estado, perdendo-se o capital de saber e experiencia accumulado em tantos annos, e vindo achar-se esses individuos em posição muito desvantajosa no exercito por esse lado.

Póde sustentar-se a opinião de que não é conveniente, sob o ponto de vista militar, empregar os officiaes do exercito em serviços estranhos ao ministerio da guerra; mas ninguem duvidará de que o paiz tem aproveitado muito com esse systema.

Na inauguração dos melhoramentos materiaes tem a clas-

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se dos engenheiros militares e os officiaes das outras armas e do corpo de estado maior prestado relevantes serviços ao paiz honrando-o, e honrando o mesmo exercito, aonde se encontraram em larga escala, esses meios e instrumentos de propaganda da sciencia e da civilisação.

Parece-me, portanto, que as observações ao digno par não colhem para o fim que s. exa. teve em vista.

Passando a outro assumpto direi que o digno par, o sr. Vaz Preto, deu demasiada importancia á dispensa de alguns preparatorios aos alumnos que frequentam a escola polytechnica e a do exercito.

S. exa. leu um documento, mas não fez sobresaor a palavra temporaria que ahi se encontra em relação a essa dispensa.

(Aparte.)

Esta dispensa não permitte que os alumnos obtenham carta de habilitação em qualquer dos cursos a que se destinam, emquanto não apresentarem certidões de todos os preparatorios que a lei exige.

Por consequencia não houve mais do que um adiamento. O digno par encarou a questão de modo diverso: julgou que se concedêra uma dispensa absoluta.

(Aparte do sr. Vaz Preto.)

Um outro ponto sobre o qual julgo dever fazer algumas observações, é pelo que respeita a despezas em geral e sobre economias que se podem obter n'essas despezas.

Na verdade é, por exemplo, bastante crescida a despeza que se faz com reformados, que se eleva a proximo de réis 700:000$000.

Ora desde que esta despeza possa ser melhor aproveitada, empregando muitos officiaes reformados em certos serviços sedentarios, para que tenham a aptidão e forças necessarias, muita economia se poderá obter.

Ha tambem proximo, de 2:500 praças de pret reformadas, que figuram no orçamento e de que se não tira nenhum partido, quando poderiam ser empregadas pela maior parte em diversos serviços, como baterias de costa, em praças de guerra, etc.; ha, com effeito, estas e outras economias a fazer, mas isso não se obtem improvisamente e sem estudo e organisação adequada dos differentes ramos de serviço.

Cita-se ás vezes a despeza de outros exercitos, e quer-se deduzir que a despeza com o nosso exercito é relativamente maior; mas essas comparações nem sempre se fazem com a devida exactidão, porque os orçamentos dos ministerios da guerra não são todos organisados de mesmo modo e por isso não são comparaveis.

Ha alguns que comprehendem as classes inactivas e outros que as não comprehendem; ha orçamentos que comprehendem as despezas dos arsenaes e outros não; é preciso, para se fazer uma idéa exacta, comparar bem as diversas verbas. Na Suissa ha grandes verbas com relação ao material de guerra e varias despezas pagas pelos cartões, e que não figuram no orçamente geral da federação.

Mesmo assim o orçamento militar é de mais de francos 14.000:000, com uma força effectiva e um systema de reservas muito differente da maior parte dos exercitos da Europa.

O exercito suisso é recrutado de uma fórma muito diversa do nosso.

Ali attende-se á educação physica e militar da mocidade mais do que em outro qualquer paiz, de modo que as creanças que chegam à idade de dez annos e podem manobrar com uma arma, são exercitadas nos exercicios militares; assim, quando chegam aos dezenove annos e vão para o exercito, estão perfeitamente preparados, e póde dizer-se que a educação e espirito d'aquelle povo é essencialmente militar; portanto, não póde comparar-se aquella organisação do exercito com a nossa, porque a base é differente e os costumes e habites do povo differentes, e isto não se muda em um anno, nem por um simples decretamento de algumas medidas militares.

O sr. Vaz Preto: - Se v. exa. me dá licença eu não occultei a palavra provisoria, nem era necessario, porque entendo que preparatorios quer dizer os elementos que são necessarios para se poder cursar as escolas de disciplinas que precisam já certos conhecimentos, e esses foram dispensados; é contra isto que eu fallei, pois que me parece que os alumnos que os tiverem não poderão cursar a escola com aproveitamento.

Por mais que os lentes lhes expliquem, faltando-lhes a base, nada comprehenderão, e farão peior ainda, porque perderão o tempo que poderiam aproveitar mais utilmente.

O Orador: - Eu observarei ao digno par, que os preparatorios que foram dispensados não são os das cadeira principaes, e por consequencia não impedem que o alumno possa cursar o primeiro anno com aproveitamento.

Nada mais tenho a acrescentar ás observações que fez o digno par.

O sr. Carlos Bento: - Creio que não serei suspeito em fazer o elogio do exercito.

Ninguem em Portugal, de idéas liberaes, tem a queixar-se do exercito, pelas demonstrações que deu em 1817, 1820, 1826, 1828, 1833, o qual em todas estas epochas demonstrou o seu amor pela liberdade.

Vultos muito eminentes demonstraram sempre que se deve fazer sacrificios em favor de uma idéa tão recommendavel como é a independencia da patria, que é a liberdade collectiva com a liberdade; é a independencia individual.

Por consequencia, não me parece que possa haver nenhuma má vontade com relação ao exercito; e aquelles que suppõem essa má vontade, quando se apresenta uma medida com o fim de se fazerem algumas reducções nas despezas, estão em erro.

O sr. ministro da guerra já disse na sessão passada que algumas despezas consideraveis se fizeram com o exercito, a respeito das quaes demonstrou desejos de querer fazer algumas reducções, como, por exemplo, na classe dos reformados.

Esta classe importa hoje em 600:000$000 réis, e isto depois de 1872, epocha em que se tomou uma medida extraordinaria, em virtude da qual se fez uma operação de credito para pagar esta despeza.

Devo dizer em honra do cavalheiro que adoptou esta medida, que elle n'essa occasião declarou que as vagas só seriam preenchidas por cabimento. Isto, porém, não se effectuou.

Effectivamente, a idéa de contratar com um banco para fazer face a esta despeza, não é muito recommendavel, pedindo ao credito a satisfação de uma despeza ordinaria.

A disposição da lei, porém, que modificava o inconveniente, infelizmente não se executou.

A conta nova dos reformados é quasi igual á conta antiga, de modo que se fez uma operação financeira que não é muito recommendavel, qual é, como disse, o fazer-se um emprestimo para despezas ordinarias sem a garantia economica-financeira que a acompanhasse, mas que tem sido acceite pelas administrações que têem occupado aquelles logares.

Ora, o sr. ministro da guerra declarou que se havia de occupar d'este assumpto, e indicou o meio pratico de realisar a sua idéa.

Augmentar o numero dos reformados é augmentar a despeza, e isto não se póde fazer sem grave prejuizo das sommas que são necessarias para outros encargos.

Eu devo declarar tambem que não me cegam as minhas disposições de amisade para com o sr. ministro da guerra, quando digo que elle tem apresentado medidas para mostrar a sua solicitude para com o exercito.

Ainda que pareça contradictorio á primeira vista, a questão financeira é a questão que serve de base a todas as outras; mas eu entendo que não se póde ser injusto para com classes que devem merecer toda a attenção. Por exem-

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plo, a classe dos sargentos merecia e mereceu a attenção official.

Quando vejo, por exemplo, a Allemanha, que tinha e tem um numero de sargentos muito superior ao que tem o exercito francez, quando o numero de officiaes não está na mesma proporção, entendo que é uma classe que merece consideração.

Ultimamente, em França, têem-se tomado medidas extraordinarias para beneficiar esta classe. Em 1879 votaram-se n'aquelle paiz 2:000 francos de augmento de retribuição aos sargentos, e na Allemanha durante seis annos successivos se tomaram medidas em favor d'esta classe. Em França, apesar de tudo, um escriptor de cousas militares, e muito distincto, disse: Les sergents s'en vont.

Tudo isto prova quanto aquella classe é merecedora de attenção por parte dos poderes publicos. Estou, pois, inteiramente de accordo, n'este ponto, com o sr. ministro da guerra, e tanto mais que a despeza não é consideravel, e deve ser resalvada pela diminuição de despeza que s. exa. intenta fazer n'outros serviços. Demais, trata-se de uma classe que quasi não tem a vantagem de poder contar com o futuro, com relação a uma grande parte d'ella, por isso que tem augmentado consideravelmente o numero dos officiaes que saem da escola militar.

Em 1846, o numero dos habilitados pela escola era de 300, e hoje creio que são 600, e isto concorre tambem para diminuir a força effectiva, porque cada alferes tem um impedido.

Aqui está um augmento de uma classe que não concorre para dar força ao exercito; mas, pelo contrario, concorre para diminuir o seu effectivo, pois por cada official a mais ha um soldado a menos.

Ha outra medida de s. exa. que eu tambem approvo, é a que diz respeito ás escolas regimentaes. Estou persuadido que é não só de simples justiça, mas de rigorosa obrigação que se de ao soldado educação litteraria, porque haverá n'isso, alem de um beneficio que é escusado demonstrar, uma compensação á pequena remuneração que recebe, sendo aliás muito util o seu serviço.

O sr. ministro da guerra apresentou na outra camara uma proposta de lei sobre o recrutamento, e n'ella apparece o principio do serviço obrigatorio. Deus queira que s. exa. possa levar a effeiio esta medida, porque incontestavelmente a lei do recrutamento é a primeira base da organisação do exercito. (Apoiados.)

Antes de 1855, o modo de fazer o recrutamento era o mais deploravel possivel, e seguia-se n'este serviço um systema singular. Ao contrario do que se fazia em todas as nações modernas, onde d'este serviço se excluiram os criminosos, entre nós prendia-se ao acaso, e entendia-se que era indicado emprego para os criminosos fazel-os sentar praça:

Era 1855 foi melhorado consideravelmente o processo do recrutamento, e pela lei subsequente ainda se aperfeiçoaram mais as operações do recrutamento. Foi sobretudo quanto a mim de grande vantagem a reducção do tempo de serviço, que entre nós se estabeleceu quando ainda não tinha sido adoptada em todas as nações: e eu entendo que a diminuição do tempo de serviço, é o melhor meio para se conseguir uma boa reserva.

Tambem não me parece, sr. presidente, que seja justo censurarmos o systema seguido em algumas nações de se reduzir consideravelmente a força effectiva do exercito.

No Brazil já se chegou a fazer o serviço com 15:000 homens, e eu que já tive a honra de fallar com o mais alto funccionario d'aquelle imperio, o Senhor D. Pedro II, manifestei ao Imperador a minha admiração por este facto, dizendo-lhe que não sabia como num paiz de tão grande extensão territorial e com o dobro da nossa população se podia fazer todo o serviço militar com um exercito tão pouco numeroso, e Sua Magestade respondeu-me: "custa, mas faz-se".

Ora eu desde que o sr. ministro da fazenda fez aquella indicação de que as nossas circumstancias eram serias, cheguei tambem a acreditar que se desenvolvesse um certo rigor; mas vejo que, em logar de terror, foi confiança no futuro e nos nossos recursos considerados inesgotaveis o que entre nós se desenvolveu; nem de outra maneira se póde explicar o desassombro com que são reclamadas tantas medidas que trazem o augmento de despeza.

Ora alem da despeza do orçamento do ministerio da guerra representar uma somma elevada, mais elevada se apresentaria ainda ella se lhe addicionassemos, como é pratica em outras nações, a despeza que se faz com as guardas municipaes e com os 3:000 homens do corpo da fiscalisação.

Em França, por exemplo, a despeza com os gendarmes e guarda de Paris, e na importancia de 40.000:000 francos, é feita pelo ministerio da guerra.

Em todo o caso eu concordo que é preciso que nós mantenhamos uma força militar com a qual estejamos habilitados a resistir a qualquer eventualidade; mas tambem entendo que o mais conveniente não era que essa força fosse numerosa, mas sim que a nossa organisação militar, cuja base é o recrutamento, fosse de ordem tal que nos fosse facil, quando a necessidade o reclamasse, pormos em pouco tempo no pó de guerra uma força respeitavel.

Ora. sr. presidente, eu entendo que a reforma da lei do recrutamento é muito necessaria, até indispensavel para o exercito, mas ha um melhoramento a adoptar, que é praticavel em todas as nações e do grande vantagem para a organisação da força publica e do proprio soldado; refiro-me á localisação dos individuos, apurados para servirem, nas terras ou pelo menos muito proximos das suas localidades.

Quando pertenci a uma commissão que tratou do assumpto da emigração, disse se ali que era conveniente localisar a força, porque se o recrutado soubesse que não saia da sua localidade, a aversão pela vida militar diminuiria muito.

Tenho ouvido muitas vezes esta asserção aos competentes, e a Prussia deve a este systema a facilidade de mobilisar em doze dias a força publica.

Os recrutas queixam-se geralmente por terem de sair das suas localidades, para virem servir na guarnição de Lisboa. Recommendo este ponto á attenção do sr. ministro da guerra.

Sr. presidente, tambem quereria que as auctoridades administrativas se acostumassem a incommodar menos a força publica com o mais insignificante pretexto, quando é certo que temos policia numerosa e variada, entre a qual figura uma de serviço gratuito obrigatorio, que se denomina os cabos de policia, serviço que só existe no nosso paiz, e que é horrorosamente desigual. Não custa nada ao thesouro, e só não sae barato ao individuo que tem de o desempenhar.

Entendia, pois, que a localisação da força publica podia trazer vantagens, e para que ella só conseguisse, bastaria diminuir a guarnição da capital, aonde a policia é tanta, que se policia a si mesma.

Temos a guarda municipal, a policia civil, os cabos do policia e os guardas nocturnos, e então, sem inconveniente poderiamos diminuir a guarnição de Lisboa. É verdade que todos querem ter guarda á porta.

Já o sr. marquez de Sá, quando ministro da guerra, tinha iniciado este caminho, vendo que era conveniente reduzir o serviço da guarnição de Lisboa, onde ha a agglomeração de uma força tão consideravel. Emquanto isto acontece na capital, não acontece n'uma provincia perto de Lisboa, fallo da provincia do Alemtejo, onde quasi não ha segurança.

Eu não vejo que nós demos á provincia do Alemtejo a attenção que ella merece e que reclama a cada instante, e ao passo que tanto se aconselha e que todos estão de ac-

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cordo em que é preciso tratar da colonisação da Africa, descura-se a do Alemtejo.

Não ha muito que um escriptor francez chamou ao nosso Alemtejo as desertas solidões do Sahara portuguez, e na realidade assim é, no emtanto ali ha casas importantes e de fortuna, e com respeito á segurança publica e particular é quasi nenhuma, ainda que possâmos hoje dizer que já foi menor, mas não podemos comtudo dizer que a segurança dos habitantes d'aquella provincia attingiu já o grau que era para desejar.

Eu tenho aqui presente um relatorio de um agronomo que devo ao favor de um amigo, porque aqui as cousas depois de publicadas, ninguem as obtem facimente, o eu se não fosse o favor de um amigo, repito, não tinha lido este relatorio d'aquelle agronomo, que é o de Portalegre. N'este documento se diz o seguinte:

(Leu.)

Ora isto; diz uma auctoridade official; mas dz mais ainda.

(Leu.)

E sabe v. exa. o que este empregado ainda diz? É que não ha muito tempo se descobriu n'uma seara uma machina para incendiar, de modo que, emquanto nos Estados Unidos se inventam machinas para favorecerem os trabalhos agricolas, entre nós inventam-se, pelo contrario, machinas para incendiar as searas; e provavelmente é porque o proprietario da seara onde se encontrou a machina destruidora tinha sido talvez um pouco recalcitrante em sentar todos que lhe appareciam á sua mesa.

Houve um tempo em que a força que ali se achava era de dez regimentos, só de infanteria, e na totalidade era a terça parte do nosso exercito.

Eu entendo que o nosso exercito era um grande elemento para a colonisação d'aquella provincia, (Riso.)

O exercito na Suecia tem uma parte importante que se dedica a colonisação, e é uma parte com a qual o estado não gasta nada, e creio que entre nós seria possivel que, por meio de um contrato com os proprietarios, chegassemos a conseguir no Alemtejo que isto se podesse realizar.

É o systema que os francezes seguem em Argel para a colonisação d'aquella provincia.

Por consequencia, eu, pela minha parte, creio que não tenho combalido a organisação do exercito, mas devo dizer ao mesmo tempo que, na verdade, não ha boa administração.

Tambem peço licença para ler o relatorio de um decreto relativo á escola dos filhos dos soldados.

(Leu.}

Quem fazia isto? Era algum paizano?

Não; era um homem que se chamava duque de Saldanha.

Em 1845 ou 1846 houve um ministro da guerra que se contentou com um orçamento para o seu ministerio na importancia de 2.490:000$000 réis. Chamava-se duque da Terceira esse ministro.

Eu bem sei que as circumstancias de hoje não são as mesmas d'aquella epocha, os preços mudaram; no entanto é notavel que este militar distincto calculasse a despeza com o seu ministerio n'uma importancia consideravelmente inferior á que se despende hoje.

Note-se tambem que sobre o orçamento do anno anterior elle fizera uma economia de 130:000$000 réis, e que, entre outras medidas, propoz a suppressão do vinte e quatro segundos tenentes de artilheria.

Eu entendo que pedir uma rigorosa administração em assumptos militares não é de maneira alguma demonstrar aversão ao exercito. Pelo contrario.

Devo dizer que tenho conhecido muitos militares que são excellentes, rigorosos administradores. A necessidade de se contentarem com pouco, inspira-lhes a idéa economica.

Actualmente o ministro da fazenda na Russia é um general e, a dizer a verdade, a situação financeira d'aquelle imperio póde considerar-se brilhante. Depois da guerra que teve com a Turquia apresentou o seu orçamento em completo equilibrio.

Dir-se-ha que, tendo a Turquia sido condemnada a uma forte indemnisação pecuniaria, não admira que as finanças russas se reorganisassem promptamente. Estão enganados.

A Turquia foi vencida, tiraram-lhe provincias, mas o que não poderam nunca tirar-lho foi dinheiro.

Em relação ao nosso paiz, o que é verdade é que toda a despeza duplicou desde a administração do sr. duque da Terceira; não foi só a despeza militar, foi tambem a despeza civil.

Mas, cousa notavel, n'aquelle tempo, em 1845 a 1846, havendo uma receita de menos de 10.000:000$000 réis, appareceu consignado no orçamento um saldo positivo de 39:000$000 réis.

A camara bem sabe que não é com nomes injuriosos que se dirijam ao deficit que conseguiremos melhorar as nossas finanças.

Termino aqui as minhas reflexões, declarando mais uma vez que sou o primeiro a confessar que se deve tratar de melhorar o nosso exercito.

O sr. Xavier Palmeirim: - Mando para a mesa um parecer das commissões de legislação, guerra e marinha.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa uma mensagem que acaba de chegar da outra camara.

O sr. Secretario: - (Leu.)

Um officio da presidencia na camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que tem por fim estabelecer na villa de Alcaçovas, pertencente ao concelho de Vianna do Alemtejo, uma assembléa eleitoral.

A commissão de administração publica.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Peço licença a v. exa. para dizer algumas palavras com relação ao que acaba de dizer o meu antigo amigo, o sr. Carlos Bento. E começo por agradecer a benevolencia de s. exa. e as attenções com que me honrou, e que não são senão uma prova da amisade que mantemos ha muitos annos.

Sr. presidente, sem querer alongar o debate, mesmo por que s. exa. não fez observações com que eu, na generalidade, não esteja de accordo, e algumas dos quaes muito judiciosas e importantes; direi, contudo, alguma cousa, principalmente em relação á localisação da força.

Eu estou completamente de accordo, e tanto que na proposta de lei ácerca do recrutamento, apresentada na camara dos senhores deputados e n'outros trabalhos que tenho preparados, se attende ao principio essencial que o soldado receba a instrucção proximo da sua localidade, e sirva ahi, quanto for possivel, mesmo depois de estar na reserva, nas reuniões e exercicios periodicos que deve haver.

Essas reuniões e exercicios convinha que fossem nos respectivos concelhos, mas como na o é possivel, deverão ser, ao menos, nos districtos mais proximos. No emtanto, devo observar que ha uma circumstancia do nosso paiz que impede a realisação completa d'esta idéa. É a falta de homogeneidade na densidade da população dos differentes districtos do reino.

Emquanto que ao sul do Tejo existem menos de 500:000 habitantes ao norte existem proximo de 4.000:000.

Já se vê d'aqui que a força militar não póde ser repartida inteiramente, segundo a população, mas segundo as necessidades do serviço e a árca que militarmente se póde cobrir.

Para se estar bem preparado para a guerra é necessario que a força dos corpos seja distribuida convenientemente.

O Alemtejo e o Algarve têem uma terça parte da área de Portugal. Por consequencia, a força militar que occu-

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par estas provincias ha de necessariamente pertencer em grande parte á população ao norte do Tejo. Isto impede, até certo ponto, á realisação da idéa que acabo de expor á camara.

Entretanto, é util attender ao principio da localisação das forças e serviço militar, e applical-o, quanto possivel, creando as diversas circumscripções militares em correspondencia com as differentes unidades tacticas, tanto para o effeito do recrutamento, como para o serviço do exercito permanente e das reservas.

Limitarei a muito pouco ainda o que tenho a dizer, mesmo porque o digno par, sr. Carlos Bento, o fez melhor do que eu o poderei fazer, e porque concordo na essencia com as suas idéas. Todavia, devo notar, que quando fallâmos na força que temos organisada, e de que podemos dispor em pé de paz, é inexacto dizermos que temos só 22:000 homens, e argumentarmos n'essa hypothese.

As observações que algumas pessoas fazem a este respeito são mal cabidas. Nós não temos só 22:000 homens! O nosso exercito em pé de paz é de 30:000 homens, que podemos reunir em poucos dias cassando as licenças, e com as reservas podemos dispor de quasi o dobro. A verdade, porém, é que nós temos os quadros das differentes armas organisados do modo o mais conveniente, e como o exige hoje a tactica moderna e a sciencia militar, e que nos faltam os serviços accessorios devidamente organisados para a prompta mobilisação das differentes unidades tacticas!

É necessario attender a essa mobilisação como condição essencial de boa organisação; mas porque temos n'um effectivo serviço, em consequencia do licenciamento, só 22:000 praças, não se deve concluir que não tenhamos quadros para receber mais de 30:000 homens, que se podem reunir de um momento para o outro, não contando a reserva. Portanto, não é exacto dizermos que fazemos a despeza de 4.300:000$000 réis com um exercito de 22:000 homens.

O pé de paz do nosso exercito, é de mais de 30:000 homens, e o pé de guerra de proximo de 80:000.

Quanto ao exercito fazer o serviço da policia, tambem estou de accordo que elle deve ser dispensado o mais possivel d'esse serviço.

Ganharia com isso a instrucção, a disciplina da força publica, e até a economia das despezas militares, que não são pequenas, em consequencia do continuo movimento de tropas em destacamentos e diligencias.

Acho muito inconveniente que o exercito se intrometia em repetidos conflictos populares, sendo empregado como corpo de policia, e tenho procurado com empenho que a tropa não seja empregada em serviços que não lhe devem competir, e sem extrema necessidade, porque podem d'ahi resultar conflictos entre ella e a classe civil, o que é sempre para lamentar.

Com referencia ao serviço da guarnição tambem tenho feito grandes esforços para o limitar, supprimindo guardas e sentinellas escusadas mas tenho encontrado grandes reluctancias a esta respeito, mesmo nas auctoridades locaes, porque hoje raro é o concelho de alguma importancia que não queira ter um destacamento de tropa.

Nada mais julgo necessario dizer, e por isso limito aqui as minhas considerações.

O sr. Vaz Preto: - Poucas reflexões farei, e se pedi a palavra foi mais por deferencia para com o sr. ministro da guerra, do que por outro motivo.

S. exa. pareceu attribuir-me ter eu occultado a circumstancia de ser temporaria a dispensa de alguns preparatorios concedida pelo sr. ministro a varios individuos que se matricularam na escola do exercito. Permitta-me s. exa. que lhe diga que eu não occultei essa circumstancia, pois seria uma estulticia fazel-o; quando li a relação d'esses individuos disse que foram dispensados temporariamente.

Não omitti pois nem esta circumstancia, nem aquelle adverbio que vem escripto na relação que aqui tenho; por consequencia o sr. ministro foi induzido em erro na apreciação que fez da minha argumentação quando concluiu da sua falsa supposição que eu não fôra logico.

Antes de ir mais adiante, cumpre-me declarar que eu tenho pelo sr. ministro da guerra a maior consideração, não só por ser pessoa muito illustrada e intelligente, mas principalmente pela honestidade do seu caracter.

Portanto, nas minhas observações não ha outro pensamento, indicando a s. exa. os abusos e as irregularidades, senão conseguir evital-as para o futuro.

Não creio que o nobre ministro intencionalmente as determinasse; e dizendo isto não faço senão a devida justiça a s. exa., mas por ter sido mal informado, ou por suppor que os precedentes auctorisavam esses factos.

Dito isto proseguirei na simples e singela apreciação que me impuz a mim mesmo de fazer.

A circumstancia da dispensa de preparatorios a que alludi, ser temporaria, não absolve o governo da falta que praticou.

Pois para que exige a lei que os individuos que se queiram matricular na escola do exercito tenham certos e determinados preparatorios?

Não está a palavra preparatorios a dizel-o?

Os preparatorios são os subsidios, os elementos indispensaveis para os alumnos comprehenderem os estudos superiores, que exigem certos conhecimentos; todavia s. exa. deixou que se matriculassem individuos na escola do exercito que não tinham, todos esses preparatorios que a lei considerou essenciaes para se seguir o curso d'aquelle estabelecimento scientifico.

Se assim é, se ninguem póde contestar esta affirmativa de simples intuição, de que servirá o exame dos preparatorios depois de acabado e completo o curso?

Sem os preparatorios os alumnos hão de se ver atrapalhados a cada passo sem poderem satisfazer condignamente as prelecções dos seus professores.

Admiro como o sr. João Chrysostomo, que é homem de sciencia, que cursou com distincção as escolas, não comprehendesse isto mesmo por experiencia propria. Não sei a que attribua esta falta do sr. ministro, pois s. exa. sabe perfeitamente que a sciencia que se dispensa tarde ou nunca se adquire.

D'esta dispensa de sciencia resulta que nas escolas os que forem approvados ainda será por favor, do que resulta haver maior numero de officiaes apparentemente com as habilitações que a lei exige, quando na realidade não têem essas habilitações.

Parecia-me, portanto, que era melhor confessar a falta; porque a falta existe, e não cair para o futuro n'outra igual.

O que é peior ainda é que o sr. ministro da guerra não só dispensou preparatorios para promover alferes, mas dispensou até a analyse chimica, uma cadeira da polytechnica!

Este é um caso novo, e d'elle parece-me que não encontra s. exa. precedentes para se desculpar.

Comtudo eu referindo isto não tenho por fim censurar s. exa.; o que eu desejo é patentear a necessidade de que os serviços se regularisem e se proceda de maneira que estes casos se não possam repetir, e que a lei no ministerio da guerra não continue a ser a vontade do ministro.

Quanto ás promoções, menos n'esta de alferes, s. exa. sustentou que não tinha saído fóra da lei, e pareceu indicar que eu não tinha sido logico na minha argumentação.

Eu posso muitas vezes expor mal, ser pouco lucido, não me fazer comprehender, e julgar-se por isso que eu não tenho logica na argumentação; reconheço que posso ser um pouco confuso; mas logica na argumentação tenho-a tido, e a camara tem-me feito a justiça de assim o julgar.

Com logica ou sem logica, o que eu disse, não foi para censurar s. exa., mas sim para notar que tendo os seus collegas no ministerio sustentado uma certa ordem de prin-

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cipios quando estavam na opposição, subindo s. exa. com elles ao poder tinha nos seus actos uma certa solidariedade, e que aos actos que elles tinham atacado na opposição não deviam subscrever quando estavam no poder, pois que tinham contraindo o dever moral de lhes pôr cobro.

Eu podia referir-me aqui aos discursos em que s. exas. atacaram o ministerio transacto; mas não o farei agora, pois essa leitura não deve ser agradavel ao sr. ministro da guerra.

O que é certo é que este governo fez uma promoção em virtude da qual ficaram 16 majores a mais do quadro. Eu não tenho agora aqui a nota que já li á camara; mas sei que, entre majores, tenentes coroneis e coroneis, foram os quadros augmentados com mais de 20 officiaes superiores, e isto em menos de um anno.

Ora, se vamos por este andar, em pouco teremos o numero dos supranumerarios superior ao dos officiaes que compõem os quadros.

Estou convencido que as reformas feitas nas differentes armas especiaes, revogando a organisação referendada pelo general Passos, não tem concorrido senão para desorganisar ainda mais o exercito.

A legislação do general Passos continha doutrina muito sã. Queria que as commissões não militares, se fossem desempenhadas por officiaes do exercito, não lhe dessem jus a promoção.

O seu intuito em ter exercito e bons officiaes, e como sabia que os officiaes tirados das cousas militares em poucos annos ficavam incapazes para o serviço do exercito, por esta fórma, não lhes dando vantagens, obrigava-os a applicar-se ao mister da sua profissão.

Para ter exercito é necessario que os officiaes não abandonem as funcções que lhes são proprias; os que desempenham missões estranhas á sua especialidade podem a ter vantagens de outra ordem, mas não devem por fórma alguma estar a prejudicar os seus camaradas que não exercem commissões lucrativas.

É necessario estabelecer as cousas e regulal-as de fórma tal, que dêem o resultado que se deseja. Ora, gastar sommas enormes com o exercito, e não podermos pôr em armas, quando se de a eventualidade de ser necessario, uma força de 60:000 homens, creio que é desperdicio.

Sr. presidente, nós gastâmos tres vezes mais do que a Suissa, e, segundo as informações do proprio sr. ministro da guerra e de outros officiaes distinctos, temos um exercito que não póde satisfazer. Por consequencia, parece-me que o que nos cumpre primeiro é tratar de obter o equilibrio orçamental, adiando para mais tarde a, organisação do exercito.

Referindo-me agora á parte do discurso do sr. Carlos Bento, relativo aos impostos que paga a propriedade, e á falta de segurança que ella tem, direi que é exacto tudo quanto s. exa. tão lucidamente expoz a camara.

Ha provincias aonde temos o communismo completo. No districto de Castello Branco não se respeita a propriedade, e pessoas que não têem aonde cair mortas recolhem muitos alqueires de azeite, que roubam aos proprietarios. O mesmo acontece com os montados.

Contarei um facto que é importante e assas curioso, para se fazer idéa do modo como está garantida a segurança da propriedade.

Meu pae tinha feito no concelho de Idanha um soffrivel resalvado de carvalhos. Quer a camara saber o que aconteceu? Depois de assaltada por tres povoações aquella propriedade, que de futuro seria de grande valor, lançaram-lhe o fogo.

Aqui está porque eu digo, sr. presidente, que lançar impostos onerosos, querer fazer a organisação e aperfeiçoamento das matrizes sem tratar de empregar os meios para que se torne effectiva a segurança da propriedade, não é systema de administrar.

Concluindo, pedirei ao sr. ministro da guerra que apresente quanto antes ao parlamento uma proposta para a reforma completa do exercito, visto que s. exa. declara que não póde nem deve fazer reformas a retalho.

Leram-se na mesa alguns officios da presidencia da camara dos senhores deputados.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Limitar-me-hei a poucas observações.

Disse o sr. Vaz Preto que a primeira necessidade a satisfazer era o equilibrio orçamental, e ao mesmo tempo censurou o governo porque não tem ainda apresentado a proposta para a organisação do exercito.

Ora, se s. exa. reconhece que a questão de finanças é a principal de que nos devemos agora occupar, como pretende que se trate ao mesmo tempo da questão militar, que e tão complexa e importante?

Eu reconheço a necessidade de melhorar o serviço do exercito, para que elle esteja apto a desempenhar a sua nobre missão n'uma eventualidade critica, mas reconheço tambem que devemos, primeiro que tudo, attender ás difficuldades financeiras do paiz. Estamos quasi no fim da sessão legislativa, e ainda não se acham resolvidas muitas questões que era necessario resolver em relação a essas difficuldades.

Pelo que respeita aos alferes alumnos, tambem devo dizer a s. exa. que o posto de alferes alumno não é um posto do exercito, mas sim um posto escolar; é uma vantagem que a lei concedeu a certos alumnos, mas estes não são definitivamente despachados officiaes do exercito sem que apresentem a sua carta.

Diz tambem s. exa. que eu dispensei todos os preparatorios; isso não é assim tanto como s. exa. quiz mostrar; eu não dispensei as disciplinas essenciaes, dispensei a apresentação da carta de certas disciplinas menos importantes, dispensa, como já disse, temporaria, e posso acrescentar, tolerancia que encontrei já de um uso consuetudinario.

Creio que tenho respondido aos pontos principaes da argumentação do digno par. E assim como s. exa. julga que é necessario fazer-se a reforma do exercito, assim eu concordo da mesma fórma, julgando-a tão indispensavel como julgo que é indispensavel fazerem-se economias e evitar abusos.

É esta uma obrigação de todos os governos, mas que desgraçadamente nem sempre consegue os resultados desejados, por mais sinceros que sejam os desejos de evitar esses abusos.

Sr. presidente, eu não me recordo se, porventura, o digno par fez mais alguma observação a que eu não tenha respondido, mas se, porventura, for preciso pedirei novamente a palavra.

O sr. Carlos Bento: - Peço licença á camara para Lie tomar por algum tempo a sua attenção n'esta discussão, mas eu no que tenho a dizer procurarei não offender ninguem, porque nem esse é o meu costume, nem sei que seja necessidade que corra a quem tem de fazer as suas observações, e eu realmente, tratando-se da secretaria da guerra, sou, de certo, suspeito tomando a defeza do illustre ministro, porque data de largos annos a minha amisade para com s. exa., que é um caracter probo e honrado, (Apoiados repetidos.) e digno de ser respeitado por todos que têem a honra de conviver com s. exa. (Apoiados repetidos.)

Isto, porém, não nos tira a liberdade de divergir, as nossas opiniões podem ser diversas. (Apoiados.)

Eu entanto que no ministerio da guerra ha questões importantes, e que acarretam bastantes despezas; mas a classe militar, uma classe respeitavel e digna de ser attendida.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Fez largas considerações sobre o orçamente e sobre a questão do recrutamento.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando o digno par o devolver.)

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O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Não posso responder n'este momento, discutindo um projecto que está pendente da discussão na outra camara. Entretanto, para satisfazer...

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Se o sr. ministro declara que o projecto está em discussão na outra casa do parlamento, prescindo agora de mais explicações, que, aliás, s. exa. póde dar qualquer d'estes dias.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Se o sr. visconde de Chancelleiros não deseja n'este momento algumas explicações, reservo-me para as apresentar em occasião opportuna.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Faz mais algumas reflexões ácerca do objecto em discussão.

(0 discurso do digno par será publicado na integra quando S. exa. o devolver.)

O sr. Presidente: - Eu peço licença para observar ao digno par que o que está em discussão é o orçamento do ministerio da guerra.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Perdoe me v. exa.. eu pedi licença para intercalar este incidente, mas eu vou já dar um bill de indemnidade á mesa por ter consentido que eu fallasse.

Desculpe-me v. exa., mas eu já hão digo mais nada, e retiro o meu pedido.

O sr. Camara Leme. - Começarei por oppor algumas reflexões ás que apresentou hontem o meu amigo o sr. Barros e Sá. S. exa. não quiz acceitar as rectificações que eu apresentei sobre alguns erros que notei em diversos capitulos do orçamento do ministerio da guerra, isto é, s. exa. não quiz que o orçamento fosse a expressão da verdade. Parece que o digno par se esqueceu bem depressa do que sustentou ha poucos dias n'esta camara, como relator de um projecto aqui discutido, que dizia no artigo 21.°

(Leu.}

Vejo, pelo que n'este projecto se diz e pelo que em contrario se está sustentando n'esta discussão do orçamento do ministerio da guerra, que o meu amigo sympathisa já com o que sustentou o digno par o sr. Manuel Vaz Preto, que, seja dito em abono da verdade, trata sempre todas as questões com proficiencia. S. exa. em relação á força effectiva do exercito notou um erro que s. exas. deixaram passar e não se ouviu.

Tratando da engenheria, por exemplo, diz-se n'este documento.

(Leu.)

Depois vem os licenciados. N'esta parte o orçamento está exacto; onde está errado é na fixação da força.

(Leu.)

Este é que é o facto.

Sr. presidente, o que eu vejo é que o meu illustre amigo não está disposto a acceitar as rectificações que propuz; mas note v. exa., que se o sr. ministro da guerra quizer reformar mais alguns officiaes dentro do anno economico, hão o póde fazer sem que o orçamento fique rectificado, visto que a lei não permitto que se transfiram as verbas de uns para outros capitulos. Alem de que, cumpre notar-se, o orçamento fica em contradicção com o regulamento geral da contabilidade.

Creio que o sr. ministro da guerra já declarou hontem que não podia acceitar a proposta que tive a honra de mandar para a mesa, embora reconhecesse que se davam os erros que apontei; e então peço a s. exa. que regule o assumpta do modo que julgar mais conveniente.

Não desejo cansar a camara, repetindo as considerações que apresentei com relação a este importante assumpto; entretanto, sempre direi ao sr. ministro da guerra, por quem tenho a maior consideração e estima, e a quem presto homenagem pelas suas qualidades e elevado caracter, que não me parece exacta a asserção apresentada por s. ex. quando affirmou que não estava em desaccordo com os seus collegas relativamente á fixação da força do exercito.

Eu tinha dito que o sr. ministro da justiça apresentara, no anno passado, na outra casa do parlamento, uma proposta para que a força do exercito fosse reduzida a 13:000 praças de pret, e sinto que s. exa. não esteja presente para justificar as suas idéas a este respeito, e que tão oppostas são ás que têem sido manifestadas pelo seu collega da guerra.

Em relação a este assumpto, o sr. ministro da guerra não está de accordo.

Tenho idéa de ter lido ha tempo, que s. exa. havia declarado não poder fazer reducções na força effectiva do exercito. Já em outra occasião eu tive a honra de dizer á camara, que as medidas apresentadas pelo nobre ministro fazem honra a s. exa., e que, n'estas questões militares, os jornaes da opposição elogiavam s. exa., ao passo que os jornaes ministeriaes o censuravam.

Isto o que prova é que o sr. ministro da justiça e o sr. ministro da guerra, em relação á força militar, não estão de accordo. E não é só o sr. ministro da justiça, é tambem o sr. ministro do reino, que tratou d'esta questão no anno passado.

Eu vou ler é camara alguns trechos, que não deixam de ser curiosos, dos discursos de s. exa. São muitos, e por isso não fatigarei a causara fazendo a leitura de todos elles; Limitar-me-hei, portanto, a ler somente alguns.

Diz, pois, o sr. José Luciano de Castro, com relação a este assumpto.

(Leu.)

No emtanto, nós estamos no fim da sessão, e a respeito de reserva, nada.

Continua o sr. Luciano de Castro.

(Leu.)

Ora, é isto exactamente o que eu quero: que o governo realise esta idéa, defendida, no anno passado, pelo actual ministro do reino.

Diz ainda mais s. exa.:

(Leu.)

Provei eu á camara, com documentos officiaes que estão aqui, que se tinha feito, nos districtos de Braga, Vizeu e Horta, uma arma eleitoral da lei do recrutamento. Durante tres mezes não veiu nem um recruta para o exercito.

Diz tambem s. exa.:

(Leu.)

Quer v. exa. saber; pois apesar de tudo isto, o sr. Miguel Maximo foi collocado em um corpo, logo que o ministerio subiu ao poder.

Não quero dizer cousa alguma em desabono do sr. Miguel Maximo; o que eu quero é mostrar que o governo censurava o procedimento do ministerio passado, mas tratou de collocar aquelle individuo, dentro em muito pouco tempo.

Sem querer abusar da attenção da camara para provar as minhas asserções, peço todavia licença ao sr. ministro da guerra para lhe dizer que não me parece que s. exa. esteja muito de accordo nas questões do exercito com os seus collegas.

Eu sei, e já hontem o disse, que o sr. ministro da guerra apresentou na outra casa do parlamento um projecto de lei ácerca do serviço obrigatorio; principio este que eu sustento ha muito tempo, tendo até tido a honra de apresentar, em 1862, na camara dos senhores deputados, uma proposta de lei n'esse sentido.

Permitta-me, porém, s. exa. que lhe diga, com sentimento, que receio muito que esse projecto não se converta em lei.

V. exa. sabe que, infelizmente, hoje, têem os povos que se sujeitam a esse serviço, aliás mais equitativo para o exercito, a certeza de que póde haver abusos, como os que referiu o sr. visconde de Chancelleiros.

Ha tambem uma proposta do sr. ministro da guerra ácerca das remissões; principio este altamente hoje condemnado em todos es exercitos. E seria um precedente ter-

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rivel que se fossem remir todos aquelles que são recrutados para o serviço militar.

V. exa. quer saber como era considerada esta questão por um dos mais distinctos generaes de França, e marechal Niel? Tratando-se das remissões no parlamento d'aquelle paiz, um celebre tribuno pugnava pelo principio das remissões, e o marechal respondeu-lhe com esta phrase altamente conceituosa e energica: "A remissão equivale a comprar um documento de cobardia".

Effectivamente, com o systema das remissões, e governo póde arranjar dinheiro, como de facto já tem succedido, mas não póde ter soldados.

É isto o que a experiencia tem mostrado até á evidencia. Nós precisamos muito de crear receita; mas não é por esse modo altamente condemnavel.

O paiz precisa de ter soldados, e a justiça e as conveniencias publicas exigem que para os haver todos paguem igualmente o que se chama tributo de sangue. Quando se tratou da lei do contingente militar, tive tenção de apresentar uma proposta que significava bem as minhas aspirações com respeito á questão de que me occupo; todavia não apresentei essa proposta, porque conheço a quasi ineficacia da iniciativa dos membros do parlamento, e julguei que seria inutil apresental-a, porque não teria resultado. O que eu queria propor não era cousa nova, é o que se faz actualmente na Belgica.

Eis os termos da minha proposta que dizia assim: Alem do contingente activo para o exercito haverá mais o contingente da reserva fixado em 6:000 recrutas. A sorte designaria os mancebos que deviam constituir estes dois contingentes. Os numeros mais baixos, subindo até completar o algarismo marcado para o contingente activo; os numeros mais altos, descendo até ao algarismo marcado para constituir o contingente de reserva. O contingente de reserva ficaria sujeito ao serviço da mesma reserva pelo tempo de oito annos, e entraria successiva e gradualmente nas fileiras do exercito activo, até ser instruido na escola de pelotão.

Era assim que eu entendia poder obter-se alguns resultados proficuos.

Torno a repetir, o serviço obrigatorio, principio que aliás seria excellente se se podesse levar á pratica, não creio que por emquanto se possa applicar no nosso paiz; e estou certo que a sua execução ha de encontrar taes difficuldades que muito provavelmente a lei ficará letra morta, se é que o projecto vier e converter-se em lei, e não ficar sepultado nos, archivos da outra camara.

O meu illustre amigo, o sr. Carlos Bento, que trata sempre com tanta competencia de todos os assumptos, até os que dizem respeito á força armada, trouxe-nos aqui o exemplo do Brazil, que reduzira o seu exercito a 13:000 homens.

Cumpre-me, porém, observar a s. exa. que não ha paridade nenhuma nas condições em que se acha aquella nação e Portugal.

O Brazil não tem que receiar guerras, não tem fronteiras abertas como Portugal, não está, n'uma palavra, em condições topographicas identicas ás do nosso paiz. E o que digo a respeito do Brazil, digo com referencia á Suissa. Mas nada d'isso prova que o exercito d'estes dos paizes esteja em proporções com as suas forças financeiras, nem com a sua população.

Tenho aqui uma nota da proporção dos exercites de differentes paizes, comparados com a sua população.

(Leu.)

Disse o sr. ministro da guerra que a nossa organisação militar tem quadros para elevar a força armada a 80:000 homens; mas onde estão os soldados? A reserva, creio que não excede a 10:000 homens; com 23:000 que temos na fileira, são 33:000 homens, algarismo este que está muito longe dos 80:000.

Mas, continuando no que ia lendo com respeito aos exercitos das outras nações e á proporção que n'elles se nota com a população, temos ainda (Leu.)

Ora esta proporção creio que nem hoje no Japão existe, pois que já tem um exercito mais bem organisado e maior do que o nosso.

Sr. presidente, como creio que alguns dos meus collegas têem ainda a palavra e eu não quero cansar a attenção da camara, termino já, pedindo-lhe desculpa do tempo que lhe tomei.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu não quero impedir que se vote hoje o orçamento da guerra; por isso as minhas observações serão muito breves; mas não posso deixar de chamar ainda a attenção do sr. ministro da guerra para o assumpto das promoções.

S. exa. promoveu a alferes aluirmos de artilheria alguns estudantes a quem faltavam ainda alguns preparatorios; e eu vou ler a Ordem ao exercito, que é um documento official.

(Leu.)

Diz s. exa. que os despacha vá porque elles estavam comprehendidos nas disposições do artigo 43.° do decreto de 24 de dezembro de 1871; mas permitta s. exa. que lhe diga que não estavam, porque s. exa. dispensou-lhes até a cadeira de analyse chimica. Isto quer dizer que, n'um documento official, se faltou á verdade e se affirmou ao publico uma falsidade!

É sobre este ponto que eu chamo a attenção da camara, e, fazendo ao sr. ministro a justiça de suppor que elle foi illudido, peço-lhe que de futuro evite cair n'estas illegalidades em virtude de falsas informações.

O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Sr. presidente, apenas direi agora que me parece que o digno par, que acaba de fallar, poderia sobre este ponto obter informações mais detalhadas por meio de uma interpellação.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção sobre o orçamento da despeza do ministerio da guerra.

Sobre este ministerio apresentou o digno par, o sr. camara Leme, varias propostas.

Eu vou pôr á votação o orçamento do ministerio da guerra e as propostas que durante a discussão d'elle foram mandadas para a mesa.

Se os dignos pares não concordarem com a ordem por que eu propozer estas materias á votação, farão as observações que julgarem convenientes.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire as minhas propostas.

Consultada a camara, consentiu esta que o sr. Camara Leme retirasse as suas propostas.

Em seguida foram approvados os diversos capitulos do ministerio da guerra.

O sr. Presidente: - Agora deviamos passar á discussão do orçamento do ministerio das obras publicas ou do da justiça; quanto a este não está presente o sr. ministro respectivo, e para passarmos á discussão do ministerio das obras publicas está a hora quasi a dar.

Parece-me, portanto, que seria melhor deixarmos essa discussão para a sessão de ámanhã, e seguir-se-ha o resto da ordem do dia que estava dada para hoje.

Vozes: - Sessão ámanhã?!

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, eu pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se ella quer que se de sessão para ámanhã.

Faço esta proposta porque não acho indispensavel tamanha azafama, e nós estamos Habituados ás ferias das quintas feiras, para tratarmos dos nossos negocios particulares e domesticos.

O sr. Presidente: - Meus senhores, peço-lhes que considerem que isto não é proprio da camara dos pares. Só deixa de haver sessão ás quintas feiras quando os srs. ministros não podem comparecer. Lembrem-se que a

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sessão legislativa termina na quarta feira proxima, e que ainda ha muito que fazer, e não queiram que se diga, que a espiara dos pares se esquiva ao cumprimento dos seus deveres.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, para uma explicação.

O sr. Presidente: - Eu já dei a ordem do dia para ámanhã e vou levantar a sessão.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Então ámanhã me explicarei.

O sr. Presidente: - Está levantada a sessão.

Eram quasi cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 19 de maio de 1880

Exmos. srs. duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; duque de Loulé; marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; arcebispo de Evora; condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Linhares, de Paraty, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Valbom; bispo eleito do Algarve; viscondes, de Alves de Sá, do Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, do Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, de Soares Franco, de Valmór, do Seisal; barão de Ancede; Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros o Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho do Macedo. Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Pestana Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Mamede, Mexia Salema, Miguel Osorio.

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