720 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
De mim, que fui educado nos principios da disciplina militar, podem dizer que tenho um coração menos sensivel; mas o sr. Sequeira Pinto, que não pertence ao exercito, tambem no seu parecer se oppoz abertamente a que fosse commutada a pena de que se trata.
O sr. Barros e Sá, que, muito melhor do que eu conhece a questão, póde elucidar a camara sobre este ponto; e estou certo que s. exa. não póde deixar de abundar nas idéas por mim sustentadas.
O sr. Visconde de Bivar: - Adduz algumas ponderações sobre a materia em discussão.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Barros e Sá: - Eu fui chamado á authoria pelos meus illustres amigos Camara Leme e visconde de Bivar, mas peço licença para dizer a s. exas. que, apesar de ter o maximo gosto em annuir aos seus pedidos, aqui não represento como vogal do supremo tribunal de justiça militar. Lá sou juiz, e não tenho que dar satisfações senão a minha consciencia. Apresento os motivos que são relatados no accordão que elaboro; sobre elles póde a opinião publica exercer a sua acção; mas, explical-os e dar Acouta dos meus actos como juiz, não sou obrigado a isso. É privilegio dos juizes não responderem pelos seus erros ou engunos, mas só por dolo. Por consequencia, emquanto não houver dolo, não tenho que dar satisfações a ninguem.
Faço esta declaração, porque entendo que aqui não tenho que fallar como juiz relator do supremo tribunal de justiça militar.
Passando a responder aos argumentos do digno par, devo dizer que o procedimento do sr. ministro da justiça está dentro da legislação, é legal.
Não ha principio de direito, ou disposição de lei, que implume com o procedimento que s. exa. teve. Por isso darei muito breves explicações, porque ha nas cadeiras da camara muitos jurisconsultos, e bastará apenas dar uma succinta descripção dos factos para comprehenderem bem a quentão.
O réu Antonio Pina foi julgado por um crime militar e como militar e, se não fosse considerado como tal, não podia ser julgado por um tribunal militar. D'aqui resultou que a legislação applicavel n'este caso foi a legislação militar, e não a civil. Ora, querer argumentar com a legislação civil, e concluir que se devia applicar ao mesmo caso, alem da pena correspondente estatuida no codigo militar, e fulminada contra o réu pelo competente tribunal, uma pena puramente civil, parece-me mais que absurdo, parece-me um contrasenso.
Por consequencia, senso o crime militar, e o réu militar; tendo-se applicado, como era de dever em taes circumstancias, a legislação militar; querer que a pena importa segundo essa legislação seja aggravada com uma pena civil para tornar mais desfavoravel a posição do réu, é ir alem do que indica a boa justiça.
O sr. Camara Leme: - Então fica consignado que se dê premio ao militar que commette um crime. Doutrina absurda é essa, permitta o digno par que lh'o diga.
O Orador: - Não se trata de premiar ninguem; o de que se trata é da applicação da lei.
Será absurda a doutrina que defende; mas estão presentes muitos jurisconsultos, muitos cavalheiros que são juizes em tribunaes superiores, e s. exas. Podem dizer se estou em erro, ou confirmar as minhas palavras.
O individuo de que se trata foi condemnado por um crime militar, e como era militar foi-lhe applicada a legislação militar; portanto, dizer-se que depois da sua condemnação por um tribunal militar se lhe deve ainda applicar a legislação civil para tornar peior a sua posição é absurdo, é contra o direito natural.
(Interrupção que se não perceberam.)
Quando ha conflicto de duas legislações, quando ha duvidas, interpreta-se sempre a lei pelo lado mais benigno, mais favoravel ao réu. Esta é que é a regra.
Qual é o crime de que se trata?
É um crime de insubordinação, a que é applicavel a pena de deportação militar, que consiste em fazer serviço no ultramar, sem que d'esta pena resulte incapacidade militar ou civil.
Diz a lei:
(Leu.)
Ora, se o réu não perdeu a capacidade militar, nem a civil, nem mesmo o tempo de serviço, como é que o sr. ministro da justiça tinha obrigação de o demitiu?
O sr. camara Leme: - Reserva-lhe o logar.
O Orador: - Não sei se o sr. ministro lhe reserva o logar. Sou relator dor projecto, mas não sou relator da politica do governo. É preciso que isto fique bem accentuado e seguro. Se o sr. ministro da justiça reserva ou não o logar, é cousa com que eu não tenho nada. O que sei é que o direito é este.
O réu Antonio Pina, indo para o ultramar, póde subir a cabo, a furriel, a sargento, a alferes, emfim a qualquer posto, porque não tem incapacidade militar, e tambem póde exercer funcções civis, porque tambem não perdeu a capacidade civil. Ora, sendo assim do direito, o sr. ministro da justiça não tinha obrigação de demittir aquelle individuo.
Eu vou dar porém, sr. presidente, á camara uma explicação mais desenvolvida.
O réu Antonio de Pina foi condemnado no fôro militar á pena de deportação, que no fôro civil corresponde a prisão correccioual. Eu creio que a camara me faz a justiça de que eu não desço a todas estas explicações porque supponha que os dignos pares desconhecem a legislação, mas simplesmente em defeza do que sustento.
(Leu.)
Por consequencia está sujeito ao artigo 46.° do codigo penal.
(Leu.)
D'aqui resulta um dilemma: ou havia de ser julgado segundo a legislação civil ou segundo a legislação militar; na hypothese de ser julgado pelo direito commum, ao delicto em questão corresponde a pena de prisão correccional, que, acabada ella, não importa a perda de nenhum direito. Na hypothese do o réu ser julgado pelo codigo militar a pena de deportação, que lhe foi imposta, é uma pena disciplinar, que não lhe faz perder o direito a ser lhe contado o tempo como de serviço, e logo que a culpa esteja expiada póde subir postos e até exercer commandos.
Por consequencia, em qualquer das hypotheses, não resulta demissão, mas apenas suspensão.
Mas, sr. presidente, eu quero citar ainda o artigo 121.° do codigo penal, porque convem já não argumentar com a legislação militar, mas sim com a legislação commum.
(Leu.)
D'aqui resulta que logo que a pena de deportação se transformou em prisão correccional os effeitos da condemnação são ainda os mesmos.
Sr. presidente, eu escusava de praticar este pleonasmo, mas sempre quero dizer que sobre o supremo tribunal de mas sempre [...] exerceu pressão alguma; e comtudo justiça militar se não exerceu [...] dada pelo conselho de guerra estava em conformidade da lei.
Ora como o poder moderador na sua alta sabedoria entendeu que devia exercer, no caso em questão, a sua acção benevola commutando a pena, mais tuna rasão para que não sejam rigorosos os effeitos d'essa pena.
Parece-me ter dito bastante; mas se os dignos pares que têem opinião diversa da minha, entenderem que eu estou em erro ou me acham em alguma contradicção poderão chamar-me á autoria.
(O orador não reviu este discurso.)
Foram approvados sem mais discussão todos os capitulos do orçamento do ministerio da justiça.