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N.º 64
SESSÃO DE 20 DE MAIO DE 1880
Presidencia do exmo. sr. Buque d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Ordem do dia. - Discussão do orçamento do ministerio da justiça. - Discursos e reflexões dos srs. Camara Leme, ministro da justiça, visconde de Bivar, Carlos Bento e Barros e Sá. - Votação e approvação dos capitulos do orçamento em discussão. - Discussão do orçamento das obras publicas. - Discursos dos srs.: Vaz Preto, ministro das obras publicas e visconde de Chancelleiros.
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte
Correspondencia
Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as duas proposições de lei seguintes:
l.ª Determinando que as sommas provenientes de vendas e cobranças realisadas em, processos de fallencias, a que se referem os artigos 1:175.° e 1:176.° do codigo commercial, sejam depositadas na caixa geral dos depositos, nos termos da lei de 10 de abril de 1876, á ordem do juiz commissario de fallencias.
Á commissão de legislação.
2.ª Auctorisando o governo a contratar com o banco de Portugal um emprestimo de 15:000$000 réis para acquisição de machinas, instrumentos, apparelhos, collecções, livros e mobilia, e que mais urgentemente careçam os estabelecimentos da escola polytechnica.
Á commissão de fazenda.
(Estavam presentes os srs. ministros da justiça e das obras publicas.)
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.
Começaremos pela discussão do orçamento do ministerio da justiça, visto que está presente o sr. ministro d'esta repartição.
Leram-se na mesa os diversos capitulos do orçamento do ministerio da justiça.
O sr. Camara Leme: - Na secção 2.ª do artigo 1.° do capitulo denominado "Secretaria d'estado" mencionam-se o ordenado e forragens para dois correios a cavallo. Pergunto eu então ao sr. ministro da justiça se continua a abonar o correio Antonio Pina, depois da confirmação da sentença em que foi condemnado pelo conselho de guerra.
Antes de fazer mais largas considerações, desejaria que o illustre ministro me dissesse quaes foram os motivos em que se fundou para abonar, se de facto lhe são abonados, os vencimentos d'aquelle correio, depois da sentença que foi proferida em conselho de guerra no dia 19 de novembro do anno passado, e confirmada pelo tribunal superior de guerra e marinha.
O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - Ao correio Antonio de Pina só foram abonados os vencimentos até a data do accordão do supremo tribunal de justiça militar, que lhe negou o recurso de revista. Até então não tinha transitado em julgado a sentença que o condemnou.
O regulamento da secretaria de estado da negocios ecclesiasticos e de justiça determina os crimes, em que a simples pronuncia tem por effeito a suspensão do exercido e vencimentos dos empregados d'aquella secretaria. Esses crimes são o de morte, roubo, furto, falsidade, abuso de confiança, e outros ahi mencionados. Nenhum d'estes crimes era attribuido ao correio Antonio de Pina, nem foi condemnado por qualquer d'elles.
Portanto, não era illegal o abono dos vencimentos áquelle empregado até que passasse em julgado a sentença que o condemnou. Desde então cessou o abono d'aquelles vencimentos.
Isto consta claramente dos documentos que enviei a esta camara a requerimento do digno par o sr. Camara Leme.
O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, declaro a v. exa. e á camara que não me podem satisfazer as explicações, que o illustre ministro acaba de apresentar.
Com relação ao negocio de que se trata, devo dizer que nenhum motivo impera no meu espirito, senão o de manter illeso o principio da disciplina militar.
Não tenho nada com o correio, antes, se podesse, não teria duvida de melhorar particularmente a sua situação.
Sr. presidente, entendo que o exemplo dado pelo sr. ministro offende a disciplina militar e a moral publica.
S. exa. disse que a respeito d'este correio não procedeu da mesma fórma que a respeito de outros empregados do seu ministerio, com quem s. exa. foi muito mais rigoroso. Referir-me-hei, por exemplo, ao decreto.
(Leu.)
Este empregado foi demittido unicamente pelo facto de ser pronunciado.
Outro funccionario foi suspenso, em virtude do decreto de 21 de janeiro do corrente anno, com estes fundamentos.
(Leu.)
Permitta-me o sr. ministro dizer-lhe que s. exa. quiz proteger por todos os modos o correio a que me refiro.
Diz que depois da sentença do conselho de guerra não lhe mandou abonar os vencimentos, mas prova-se o contrario pelos seguintes documentos.
(Leu.)
Parece-me que, logo que este correio foi condemnado pelo conselho de guerra, o sr. ministro da justiça, seguindo os principios de moralidade por que tanto pugnou na outra casa do parlamento, devia mandar immediatamente demittil-o, o que supponho que s. exa. ainda não fez, porque em nenhum dos documentos que tenho presentes vejo o decreto da demissão.
Para provar a v. exa. que se usou de toda a indulgencia para com o correio, vou ler a consulta do procurador geral da corôa sobre o assumpto.
Mas, antes disso, observarei que me parece caso novo propor o poder executivo ao poder moderador a com mutação da pena, pouco depois da sentença do tribunal superior de guerra que lh'a impoz.
Ordinariamente só se pratica, assim depois de passado
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algum tempo; mas n'este caso deu-se inteiramente o contrario. O parecer do procurador geral foi contrario.
(Leu.}
Declaro que professo o maior respetio por esta sublime prerogativa da corôa; mas eu quero tornar o sr. ministro da justiça responsavel por este facto que reputo altamente prejudicial á disciplina militar.
Sinto não ver presente o sr. ministro da guerra, pois desejava recommendar a s. exa. que não deixasse a disciplina do exercito á disposição do qualquer secretario dos seus collegas, por mais respeitavel que elle fosse.
A consulta do procurador geral da corôa diz:
(Leu.}
Peço ao sr. ministro da justiça que me diga se s. exa. o demittiu depois da confirmação da sentença que o condemnou.
O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - Os casos que o digno par citou não têem nada que ver com o de que se trata, que se rege por legislação especial.
Do cidadão que foi demittido não me lembra agora o crime pelo qual foi pronunciado; mas sei que era um crime grave em relação ás funcções que exercia, e não podia continuar a exercel-as sem quebra da fé publica inherente ao seu cargo.
O outro que eu suspendi era conservador do registro predial e estava fazendo as vezes de delegado do procurador regio. Não era decoroso para a justiça que elle estivesse servindo de ministerio publico emquanto estava sujeito a um processo criminal.
O decreto de 19 de setembro de 1878 é especial para a secretaria da justiça a que serve de regulamento.
Esse decreto diz:
(Leu.}
Ora, o crime de que foi accusado o correio Pina não é nenhum d'aquelles em que da pronuncia resulte a suspensão, nem é d'aquelles em que a condenmação produza necessariamente a demissão.
Por isso não o suspendi dos vencimentos emquanto não transitou em julgado a sentença que o condemnou, nem o demitti depois d'esta sentença.
Verdadeiramente a sentença só passou em julgado dez dias depois do ultimo accordão do supremo tribunal de justiça militar, e o correio foi abonado dos seus vencimentos só até a data d'este accordão, e por consequencia antes de ser caso julgado a sua condemnação.
Demais, eu não tive participação official nem da sentença nem dos accordãos. Fiz obra pelas noticias dos periodicos, e podia muito bem ter esperado pelas communicações officiaes.
Portanto, a respeito dos vencimentos que lhe abonei, não póde notar-se offensa alguma de lei.
O digno par não citou a data do accordão do supremo tribunal de justiça militar. Se a citasse, e a cotejasse com a data em que cessaram os vencimentos do correio Pina, teria reconhecido a falta de fundamento para as suas arguições.
Quanto a não o ter demittido, já mostrei á face do regulamento da secretaria da justiça que eu não era, obrigado a demittil-o.
Devo suppor que a condemnação foi justa. Ha, é verdade, quem duvide da competencia do fôro militar para julgar o crime de que se trata. Eu não duvido. Acato as sentenças dos tribunaes, que são proferidas como os juizes em sua consciencia entendem que é justo.
Mas se a condemnação foi justa, se a pena foi medida segundo o delicto, não devia eu de meu motu proprio aggraval-a, acrescentando-lhe a demissão.
Aprecio a disciplina. O exercito não póde viver sem ella. Mas o tribunal competente para vingar as faltas da disciplina militar proferiu o seu juizo. Eu não tinha nada que acrescentar.
Não é só o exercito o que precisa de disciplina. Eu tambem a quero na minha secretaria. E não era nem boa justiça nem boa disciplina castigar com a demissão um empregado que na sua humildade era exemplar no desempenho de todas as obrigações do cargo que exercia n'aquella secretaria.
Não devia, pois, demittil-o, nem o demitti. A pena de deportação militar, que lhe impoz o tribunal, não produz incapacidade alguma nem perda de temoo do serviço. Portanto não me obrigava a aggravar com a demissão a pena que lhe foi imposta pelo tribunal que o julgou.
O digno par, o sr. Camara Leme, era o presidente do conselho de guerra. O processo do correio Pina foi submetido ao julgamento d'aquelle conselho. Se s. exa. entendeu que a pena era pequena, podia ter-lh'a augmentado.
Mas tendo-se contentado como juiz com a pena que lhe foi imposta, como vem agora para a camara dos dignos pares fazer de ministerio publico, accusar o correio e exigir-me que lhe imponha uma nova pena?
Diz o digno par que protegi por todos os modos aquelle infeliz. Quem ouvisse isto, havia de cuidar que eu, segundo o costume portuguez de pedir tudo, pedi ao digno par que o julgasse com benevolencia. Tenho com s. exa. relações antigas; mas s. exa. sabe perfeitamente que não lhe pedi nada.
Sou amigo do sr. Barros e Sá e do sr. general Palmeirim, e não lhes pedi nada (Apoiados.} nem a qualquer outro juiz do supremo tribunal de justiça militar, (Apoiados.} nem pratiquei acto algum para desviar a acção da justiça.
A commutação da pena não partiu de mim. Eu não disse nada a este respeito nem no conselho de ministros nem no conselho d'estado.
Já o digno par vê que a sua supposição de que protegi o correio Pina por todos os modos possiveis é completamente infundada.
O sr. camara Leme: - Tenho o desgosto de declarar ao sr. ministro da justiça que as suas explicações não me satisfizeram.
Creio que um regulamento de secretaria não póde alterar as leis geraes do estado.
Esse regulamento permitte pois que uma praça do exercito vá á frente de um corpo e tenha o arrojo de dar com o chicote no commandante de um pelotão; e não contente com isso, voltar e dizer que o que se devia era arrancar as divisas ao militar affrontado e dar-lhe com ellas na cara?
É esta a conclusão que posso tirar das palavras do sr. ministro da justiça, quando vem aqui invocar o regulamento da sua secretaria para conservar o logar ao réu de que se trata, a fim de que elle o venha exercer quando acabar de cumprir a sentença que o tribunal militar lhe applicou.
Pergunto á camara: É possivel admittir similhante doutrina? Póde um regulamento, repito, alterar o espirito das leis militares?
Oh! sr. presidente, precedente terrivel é este, que póde ser altamente nocivo á disciplina militar, porque a offende essencialmente.
Mas eu peço que me tirem d'este embaraço; que o governo ou algum dos illustres membros d'esta camara me diga, se a legislação do paiz póde ser alterada por um regulamento; e se póde ficar assim sanccionado este precedente que ataca os principios da justiça e da moralidade?
O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - O decreto de 1878, que organisou a secretaria dos negocios ecclesiasticos e de justiça, não é um simples acto do poder executivo. Foi feito em virtude de auctorisação concedida ao governo por uma lei. Este decreto é a lei que regula o serviço n'aquella secretaria, e eu tenho-o cumprido como é do meu dever.
Não demitti o correio, porque a lei não me obrigava a isso, e o bom serviço prestado por elle n'aquella secreta-
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ria, não consentia que eu o demittisse por uma resolução minha.
O não demittir não é premiar. Demittil-o seria aggravar a pena que o digno par, como juiz, teve por justa e proporcionada ao delicto.
O correio Pina, como praça da reserva, foi julgado no fôro militar. O tribunal militar impoz-lhe a pena que entendeu justa. Esta pena, que foi a de deportação militar, não produz, como já observei, incapacidade alguma quer civil quer militar, nem perda de tempo de serviço. Não tem por effeito a demissão.
O tribunal entendeu que a pena em que o condemnou era a que correspondia ao delicto. Se eu lhe acrescentasse outra pena por meu motu-proprio, teria excedido os limites da justiça com que foi julgado pelos juizes competentes.
Ha crimes que inhabilitam legal ou moralmente os seus auctores para o exercicio de todos os cargos ou de certas funcções publicas. As vezes basta a suspeita, não é precisa a prova.
O delicto de que se trata não pertence a esta categoria. Portanto não era motivo para que o correio Pina fosse demittido de um cargo que sempre desempenhou com honra e zêlo.
Está suspenso. Na fórma do regulamento da secretaria da justiça, a suspensão é uma consequencia legal da sentença que o condemnou.
Nomeei outro para exercer provisoriamente o seu logar. O digno par não mostrou, nem póde mostrar, que eu, procedendo assim, tivesse saido para fóra da lei.
O sr. Visconde de Bivar: - Faz algumas considerações ácerca do objecto em discussão.
(O discurso do orador será publicado quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Justiça (Adriano Machado): - As verbas a que o sr. visconde de Bivar se referiu, que são, se bem o entendi, as rações aos guardas, e os guardas extraordinarios das cadeias de Lisboa e Porto, figuram; este anno pela primeira vez no orçamento. Mas a despeza não é nova: tem-se feito ha muitos annos, e saía da verba votada para o sustento dos presos e policia das cadeias.
Os guardas ordinarios tinham e têem um vencimento muito pequeno. Alguns não recebem mais de 160 réis, outros 165 réis, outros 200 réis?
Era impossivel ter guardas por este preço.
Os nossos criados recebem uma soldada igual ou maior, e ainda têem o sustento alem da soldada.
Aquelle emprego é arriscado, e bastava ver-se no orçamento aquelle vencimento, para se conhecer que não era possivel encontrar por tão pouco os guardas para as cadeias de Lisboa e Porto.
Na verdade, não se lhes dava só isso; abonavam-se-lhes rações, que saiam da verba destinada ao sustento dos presos.
Tambem se vê, pelo pequeno numero de guardas que figuram no orçamento, que não era possivel fazer-se com tão pequeno pessoal o serviço das cadeias. Empregavam-se, pois, guardas extraordinarios.
A verba descripta no orçamento d'este anno não é maior da que realmente se despendeu no anno passado. Mas pareceu-me que a de via descrever em separado, para que a nação podesse ver mais distinctamente no que se despende o seu dinheiro.
Quanto a continuar no orçamento d'este anno a verba para o sustento dos presos, é certo que pelo novo codigo administrativo esta despeza é obrigatoria dos districtos.
Mandei perguntar a todos os governadores civis, quanto haviam as juntas geraes votado para esta despeza. Algumas votaram as quantias necessarias. Outros governadores civis, porém, responderam que uma portaria do sr. Sampaio declarára que n'esta parte o codigo administrativo estava dependente d'um regulamento, e que por isso, em quanto este regulamento se não publicava, as juntas geraes não tinham votado verba alguma para este fim.
Pareceu-me que não devia exigir das juntas geraes, que tinham executado o codigo, quantia alguma, emquanto o mesmo codigo não fosse applicado a todos os districtos. Entendo que hoje esta despeza é districtal, e que os districtos devem restituir ao thesouro o que elle está dispendendo com o sustento dos presos. Mas no entretanto é necessario que o governo esteja habilitado para esta despeza impreterivel, e tal é a rasão por que ella figura n'este orçamento, como figurava nos; anteriores. A verba d'este anno é maior, mas é mais exacta, porque nos annos passados excedia-se sempre o orçamento.
No ponto de ser a despeza paga pelo estado ou pelos districtos, ha uma simples questão de deslocação de despeza; porque, quem paga, é sempre o contribuinte.
O sr. Carlos Bento: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da justiça sobre um assumpto que reputo de alta importancia.
Ninguem mais do que eu faz justiça á independencia da magistratura portugueza, todavia creio que o illustre ministro não terá deixado de reflectir que a morosidade na administração dá justiça produz grandes embaraços e difficuldades.
Esta morosidade não é culpa dos magistrados; entretanto, ninguem póde negar que, entre nós, a acção do poder judicial demora-se demasiadamente. Ha crimes ordinarios que são julgados depois de uma grande demora, emquanto que na Inglaterra, onde não ha ministerio publico, o julgamento é rapido.
Ha certas formalidades no andamento dos processos, que são garantias, mas se ellas passam uns certos limites, tornara-se em pesados encargos.
Chamo, pois, a attenção do sr. ministro da justiça para este ponto, para que elle auxiliado por magistrados tão zelosos e diligentes, como são os do nosso paiz, trate de o resolver de modo que a acção da justiça não seja morosa.
O sr. camara Leme: - O illustre ministro da justiça invocou ha pouco uma carta de lei, pela qual pretendeu justificar o seu procedimento em relação ao correio de que tenho fallado; mas eu vou ler á camara o que diz essa carta de lei.
(Leu.)
S. exa. leu o artigo 37.° do regulamento do ministerio dá justiça, mas esqueceu-se de ler o artigo 38.°, onde me parece que se acautella a hypothese a que ainda agora me referi.
(Leu.)
Pelo que si exa. disse, creio que está na intenção de não demittir o correio.
Ora, ou pergunto se o crime, por que foi condemnada esta praça licenciada do exercito, é ou não um dos que se mencionam no artigo 38.°
(Leu.)
É ou não de alta gravidade o crime que commetteu aquella praça do exercito? Tão grave se considerou que, apesar da benevolencia caracteristica dos portuguezes, foi o réu condemnado a cinco annos de deportação.
Pergunto a v. exa. se um crime, que importa tal sentença, tem pouca gravidade?
Eu, que vejo presente o sr. Barros e Sá, tão entendido n'esta materia, peço a s. exa., relator do tribunal superior de guerra e marinha, peço que me diga se se póde acceitar a theoria defendida pelo. sr. ministro, e estabelecer similhante precedente?
Eu tinha fundamento para mandar para a mesa uma moção dizendo que "a camara, não satisfeita com as explicações do sr. ministro da justiça, passava á ordem do dia"; mas não o faço.
Não é meu desejo aggravar á situação do individuo a quem me refiro; porém, não posso faltar ao dever que me incumbe de pugnar pela disciplina do exercito.
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De mim, que fui educado nos principios da disciplina militar, podem dizer que tenho um coração menos sensivel; mas o sr. Sequeira Pinto, que não pertence ao exercito, tambem no seu parecer se oppoz abertamente a que fosse commutada a pena de que se trata.
O sr. Barros e Sá, que, muito melhor do que eu conhece a questão, póde elucidar a camara sobre este ponto; e estou certo que s. exa. não póde deixar de abundar nas idéas por mim sustentadas.
O sr. Visconde de Bivar: - Adduz algumas ponderações sobre a materia em discussão.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Barros e Sá: - Eu fui chamado á authoria pelos meus illustres amigos Camara Leme e visconde de Bivar, mas peço licença para dizer a s. exas. que, apesar de ter o maximo gosto em annuir aos seus pedidos, aqui não represento como vogal do supremo tribunal de justiça militar. Lá sou juiz, e não tenho que dar satisfações senão a minha consciencia. Apresento os motivos que são relatados no accordão que elaboro; sobre elles póde a opinião publica exercer a sua acção; mas, explical-os e dar Acouta dos meus actos como juiz, não sou obrigado a isso. É privilegio dos juizes não responderem pelos seus erros ou engunos, mas só por dolo. Por consequencia, emquanto não houver dolo, não tenho que dar satisfações a ninguem.
Faço esta declaração, porque entendo que aqui não tenho que fallar como juiz relator do supremo tribunal de justiça militar.
Passando a responder aos argumentos do digno par, devo dizer que o procedimento do sr. ministro da justiça está dentro da legislação, é legal.
Não ha principio de direito, ou disposição de lei, que implume com o procedimento que s. exa. teve. Por isso darei muito breves explicações, porque ha nas cadeiras da camara muitos jurisconsultos, e bastará apenas dar uma succinta descripção dos factos para comprehenderem bem a quentão.
O réu Antonio Pina foi julgado por um crime militar e como militar e, se não fosse considerado como tal, não podia ser julgado por um tribunal militar. D'aqui resultou que a legislação applicavel n'este caso foi a legislação militar, e não a civil. Ora, querer argumentar com a legislação civil, e concluir que se devia applicar ao mesmo caso, alem da pena correspondente estatuida no codigo militar, e fulminada contra o réu pelo competente tribunal, uma pena puramente civil, parece-me mais que absurdo, parece-me um contrasenso.
Por consequencia, senso o crime militar, e o réu militar; tendo-se applicado, como era de dever em taes circumstancias, a legislação militar; querer que a pena importa segundo essa legislação seja aggravada com uma pena civil para tornar mais desfavoravel a posição do réu, é ir alem do que indica a boa justiça.
O sr. Camara Leme: - Então fica consignado que se dê premio ao militar que commette um crime. Doutrina absurda é essa, permitta o digno par que lh'o diga.
O Orador: - Não se trata de premiar ninguem; o de que se trata é da applicação da lei.
Será absurda a doutrina que defende; mas estão presentes muitos jurisconsultos, muitos cavalheiros que são juizes em tribunaes superiores, e s. exas. Podem dizer se estou em erro, ou confirmar as minhas palavras.
O individuo de que se trata foi condemnado por um crime militar, e como era militar foi-lhe applicada a legislação militar; portanto, dizer-se que depois da sua condemnação por um tribunal militar se lhe deve ainda applicar a legislação civil para tornar peior a sua posição é absurdo, é contra o direito natural.
(Interrupção que se não perceberam.)
Quando ha conflicto de duas legislações, quando ha duvidas, interpreta-se sempre a lei pelo lado mais benigno, mais favoravel ao réu. Esta é que é a regra.
Qual é o crime de que se trata?
É um crime de insubordinação, a que é applicavel a pena de deportação militar, que consiste em fazer serviço no ultramar, sem que d'esta pena resulte incapacidade militar ou civil.
Diz a lei:
(Leu.)
Ora, se o réu não perdeu a capacidade militar, nem a civil, nem mesmo o tempo de serviço, como é que o sr. ministro da justiça tinha obrigação de o demitiu?
O sr. camara Leme: - Reserva-lhe o logar.
O Orador: - Não sei se o sr. ministro lhe reserva o logar. Sou relator dor projecto, mas não sou relator da politica do governo. É preciso que isto fique bem accentuado e seguro. Se o sr. ministro da justiça reserva ou não o logar, é cousa com que eu não tenho nada. O que sei é que o direito é este.
O réu Antonio Pina, indo para o ultramar, póde subir a cabo, a furriel, a sargento, a alferes, emfim a qualquer posto, porque não tem incapacidade militar, e tambem póde exercer funcções civis, porque tambem não perdeu a capacidade civil. Ora, sendo assim do direito, o sr. ministro da justiça não tinha obrigação de demittir aquelle individuo.
Eu vou dar porém, sr. presidente, á camara uma explicação mais desenvolvida.
O réu Antonio de Pina foi condemnado no fôro militar á pena de deportação, que no fôro civil corresponde a prisão correccioual. Eu creio que a camara me faz a justiça de que eu não desço a todas estas explicações porque supponha que os dignos pares desconhecem a legislação, mas simplesmente em defeza do que sustento.
(Leu.)
Por consequencia está sujeito ao artigo 46.° do codigo penal.
(Leu.)
D'aqui resulta um dilemma: ou havia de ser julgado segundo a legislação civil ou segundo a legislação militar; na hypothese de ser julgado pelo direito commum, ao delicto em questão corresponde a pena de prisão correccional, que, acabada ella, não importa a perda de nenhum direito. Na hypothese do o réu ser julgado pelo codigo militar a pena de deportação, que lhe foi imposta, é uma pena disciplinar, que não lhe faz perder o direito a ser lhe contado o tempo como de serviço, e logo que a culpa esteja expiada póde subir postos e até exercer commandos.
Por consequencia, em qualquer das hypotheses, não resulta demissão, mas apenas suspensão.
Mas, sr. presidente, eu quero citar ainda o artigo 121.° do codigo penal, porque convem já não argumentar com a legislação militar, mas sim com a legislação commum.
(Leu.)
D'aqui resulta que logo que a pena de deportação se transformou em prisão correccional os effeitos da condemnação são ainda os mesmos.
Sr. presidente, eu escusava de praticar este pleonasmo, mas sempre quero dizer que sobre o supremo tribunal de mas sempre [...] exerceu pressão alguma; e comtudo justiça militar se não exerceu [...] dada pelo conselho de guerra estava em conformidade da lei.
Ora como o poder moderador na sua alta sabedoria entendeu que devia exercer, no caso em questão, a sua acção benevola commutando a pena, mais tuna rasão para que não sejam rigorosos os effeitos d'essa pena.
Parece-me ter dito bastante; mas se os dignos pares que têem opinião diversa da minha, entenderem que eu estou em erro ou me acham em alguma contradicção poderão chamar-me á autoria.
(O orador não reviu este discurso.)
Foram approvados sem mais discussão todos os capitulos do orçamento do ministerio da justiça.
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O sr. Conde de Castro (sobre a ordem-): - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.ºs 95, que estabelece um direito sobre a semente do algodão.
Leu-se na mesa, e foi a imprimir.
O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio do ministerio da guerra.
Leu-se na mesa.
Um officio do ministerio da guerra, remettendo documentos pedidos pelo digno par camara Leme, em requerimento apresentado na sessão de 5 de abril ultimo.
Para a secretaria.
O sr. Gonçalves Mamede (sobre a ordem}: - Mando tambem para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre um projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados.
Leu-se na mesa e mandou se imprimir.
O sr. Visconde de S. Januario (sobre a ordem): - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.
Leu-se na mesa e foi a imprimir.
Leu-se tambem na mesa o seguinte officio vindo da camara dos senhores deputados:
Um officio da camara dos senhores deputados remettendo a proposição de lei que auctorisa o governo a reorganisar o ensino da academia real das bellas artes de Lisboa, e da academia de bellas artes do Porto.
A commissão de instrucção publica.
O sr. Barros e Sá (sobre a ordem): - Tenho a honra de mandar para a mesa um parecer da commissão de legislação.
Depois de lido na mesa, mandou-se imprimir.
O sr. Presidente: - Continua a ordem do dia, que é a discussão do orçamento do ministerio das obras publicas.
Leram-se na mesa os differentes capitulos da despeza do ministerio das obras publicas; commercio e industria.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, antes de entrar na discussão da especialidade do orçamento da despeza relativo ao ministerio das obras publicas, vou mostrar que o decreto de 30 de julho do anno passado não foi mais do que uma especulação, que foram conferidas de novo quasi todas as gratificações, a que elle se referia, e que, por consequencia, não produziu beneficio algum para o thesouro. Tratarei de mostrar que n'aquelle ministerio o systema que se segue é cada vez peior, e que os erros, as faltas e os abusos são em maior escala.
Quando o actual governo subiu ao poder, quiz tirar grande partido, e obter larga popularidade, fazendo publicar no Diario do governo uma relação da immensidade de gratificações, que se davam illegalmente.
Verificou-se essa publicação, a imprensa desgoverno fez accusações severas ao governo transacto, tratando de demonstrar que o desperdicio e o esbanjamento eram a norma seguida por aquelle governo.
Depois de se fazer tudo quanto era possivel para especular, com a opinião publica, publicou o sr. ministro o decreto de 30 de julho, que diz o seguinte:
"Senhor. - O estado tumultuario de uma grande parte dos serviços dependentes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, é tanto o resultado da deficiencia e desharmonia das leis, como dos constantes abusos introduzidos na sua execução. Acabar de vez com esta situação anormal é obra que só póde ser levada ao cabo pela acção do poder legislativo. Nas circumstancias actuaes julga o governo de Vossa Magestade poder conciliar as exigencias do serviço, os interesses creados, os preceitos de equidade e as necessidades da fazenda publica por meio de um regimen de transição e de publicidade, que n'um futuro proximo, e com a intervenção do poder legislativo, assegure ao funccionalismo uma situação a coberto do arbitrio, ao thesouro uma regrada economia e ao publico o bom desempenho dos serviços a que incontestavelmente tem jus.
O governo de Vossa Magestade tem rasões poderosas para não despedir um pessoal tão numeroso como aquelle, que se acha fóra das condições legaes, porque iria multiplicar o numero dos braços desempregados no momento em que o paiz está lutando com uma crise de trabalho, que cumpre não aggravar. Por outro lado a equidade recommenda que não sejam esquecidos individuos que tenham prestado serviços ao estado, embora em virtude de nomeações não auctorisadas por lei. E, finalmente, a reposição dentro do quadro legal de todos os serviços dependentes d'este ministerio importaria graves perturbações administrativas a que seria difficil, senão impossivel, obviar pelos recursos que ao executivo facultam as leis. O successivo e crescente desenvolvimento dos serviços publicos tem em parte motivado a creação de empregos baseada em meros despachos ministeriaes.
Parecendo mais conveniente ao governo que seja o poder legislativo quem reduza ás suas justas proporções os excessos naturalmente resultantes d'este systema irregular de creação e provimento de cargos, e não convindo remunerar individuos numa situação extra-legal por modo superior aos que, exercendo iguaes ou similhantes funcções, têem a sua collocação nos quadros, julgou poder harmonisar estas diversas rasões e interesses peias disposições do decreto, que este relatorio precede, como mais especificadamente passa a desenvolver na apreciação das propostas, apresentadas conforme os termos do decreto de 26 de junho ultimo pelos directores geraes d'este ministerio."
N'estas poucas palavras que estão no relatorio, que precede o decreto, dizia o sr. ministro que queria mudar o systema até ali seguido, adoptar um verdadeiro uso de publicidade, e recorrer ao poder legislativo para remediar as difficuldades.
O systema de publicidade adoptado pelo governo, conhece-o bem a camara, porque sabe que eu pedi documentos, que só foram enviados á ultima hora, muito incompletos, e no proprio dia em que entrava em discussão o orçamento; o que me obrigou a propor mu adiamento de vinte e quatro horas para poder, ao menos, fazer uma analyse rapida d'este assumpto, do d'este orçamento. As providencias que pediu ao corpo legislativo tambem a camara sabe quaes são. Não contando a reforma dos telegraphos e correios, não ha uma unica proposta apresentada pelo sr. ministro das obras publicas para cortar os abusos que tinha accusado. S. exa. tinha obrigação de trazer ao parlamento as propostas tendentes a obviar aos inconvenientes e abusos que apontou no seu relatorio, mas não o fez, antes diz que conservou todo o pessoal que encontrou no ministerio a seu cargo, a fim de não augmentar á crise de trabalho com que o paiz estava a braços. Ora, sabe v. exa. quantos eram estes empregados? Não passavam de cincoenta e quatro! Aqui tem v. exa. o que a economia publica ensinava ao sr. Saraiva de Carvalho. Dizia a economia do sr. ministro que, se elle atirasse á extraordinaria abundancia de braços mais o importante algarismo de cincoenta e quatro empregados, aggravaria seriamente a crise do trabalho. Que idéa que s. exa. fórma do trabalho e das forças economicas do paiz, que tudo se aggravaria por se lhe atirar de improviso com cincoenta e quatro operarios!
Dizer isto n'este momento é querer faltar completamente á verdade.
Disse o sr. ministro que não podia despedir os engenheiros civis que estão nas obras publicas e que são quarenta e sete, porquanto se tornavam necessarios para o serviço, porque não era possivel fazel-o só com o pessoal technico, isto é, com sessenta e seis engenheiros. Isto não é exacto. O sr. ministro não tinha só o pessoal technico: s. exa. tinha a mais os engenheiros addidos, com graduação militar, de que falla a secção 2.ª, do capitulo 2.°, do ministerio das obras publicas, e que são dezeseis; alem d'estes tinha os officiaes das differentes armas, de que falla a secção 2.ª, capitulo 5.°, e que são nada menos que noventa e nove.
Pois apesar de todo este immenso pessoal, com que po-
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dia perfeitamente fazer o serviço, não o achou sufficiente, abalançou-se a mais uma illegalidade, decretando a effectividade dos quarenta e sete engenheiros civis, que por lei não podiam conservar-se n'aquelle serviço, onde ficaram em virtude do artigo 3.° do decreto de 30 de julho do anno passado; quer dizer, os respeitadores da lei vão, por um decreto dictatorial, calcar a lei aos pés!
Eis o que diz o artigo 3.°:
"São conservados no serviço do ministerio das obras publicas, commercio e industria os engenheiros civis portuguezes ao presente em commissão n'este ministerio, sendo-lhes abonado o vencimento correspondente ao dos tenentes da arma de engenheria, empregados nas obras publicas.
"§ unico. Os engenheiros de que trata este artigo, e que forem engenheiros districtaes, deverão, no praso de trinta dias, contados da publicação d'este decreto, optar entre o serviço do estado e o dos districtos."
Havia tambem na secretaria das obras publicas muitos apontadores, que tinham vindo de differentes districtos desempenhar o serviço de amanuenses na referida secretaria.
Sabe v. exa. o que fez o sr. ministro? (Para este ponto chamo a attenção da camara; desejo que elle fique bem registrado.) Em logar de mandar recolher aos seus logares esses apontadores, conservou-os onde estavam, e, o que é mais, promoveu-os.
Só o sr. ministro das obras publicas era capaz de fazer isto: uma promoção de empregados addidos!
Nota das promoções de olheiros e de apontadores, feitas desde 1 de julho de 1879, a que se refere o officio n'esta data dirigido á camara dos dignos pares do reino
"Antonio Gomes Nevoa, apontador de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Villa Real, promovido á 2.ª classe, por despacho de 28 de agosto de 1879.
"Francisco Januario Moreira da Veiga, apontador de 3.ª classe da direcção da fiscalisação do caminho de ferro da Beira Alta, promovido á 2.ª classe, por despacho de 20 de setembro de 1879.
"Manuel Joaquim Barradas Mergulhão e José dos Reis Teixeira, apontadores de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovidos á 2.ª classe, por despacho de 3 de outubro de 1879.
"Guilherme José de Paiva, olheiro da direcção de obras publicas do districto de Castello Branco, nomeado apontador de 3.ª classe, por despacho de 14 de outubro de l879.
"Joaquim Pedro Froment de Abreu e Carlos Borromeu, apontadores de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovidos á 2.ª classe, por despacho de 24 de outubro de 1879.
"João Antonio da Cunha Ferreira, olheiro da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, nomeado apontador de 3.ª classe, por despacho de 24 de outubro de 1879.
"Joaquim José Pereira, apontador de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Coimbra, nomeado apontador de 2.ª classe, por despacho de 28 de outubro de 1879.
"Alvaro Simões, apontador de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovido á 2.ª ciasse, por despacho de 5 de novembro de 1879.
"Henrique Eugenio de Castro Rodrigues, apontador de 2.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovido á l.ª classe, por despacho de 10 de novembro de 1879.
"Hermogenes Julio dos Reis, olheiro da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, nomeado apontador de 3.ª classe, por despacho de 21 de novembro de 1879.
"Antonio Julio Moniz da Costa, apontador de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Angra, promovido á 2.ª classe por despacho de 1 de dezembro de 1879.
"Francisco Rangel de Lima Junior, apontador de 2.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovido a l.ª classe, por despacho de 5 de dezembro de 1879.
"Julio Augusto Barradas Mergulhão, apontador de 2.ª classe dá direcção de obras do Tejo e seus affluentes, promovido á l.ª classe, por despacho de 5 de dezembro de 1879.
"Eduardo José Alves, apontador de 2.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovido á l.ª classe, por despacho de 9 de dezembro de 1879.
"José Liaria da Fonseca Junior, apontador de 3.ª classe, promovido á 2.ª classe, por despacho de 15 de dezembro de 1879.
"Bernardino Jayme da Silva Freitas, apontador de 2.ª classe da direcção de obras do Tejo e seus affluentes, promovido á 2.ª classe, por despacho de 17 de dezembro de 1879.
"José de Moutaury, apontador de 2.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Lisboa, promovido á l.ª classe, por despacho de 3 de fevereiro de 1880.
"José de Sá Pereira, apontador de 3.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Castello Branco, promovido á 2.ª classe, por despacho de 17 de fevereiro de 1880.
"Augusto Cezar Tavares de Almeida, apontador de 2.ª classe da direcção de obras publicas do districto de Coimbra, promovido á l.ª classe, por despacho de 26 de fevereiro de 1880.
"Ministerio de obras publicas, commercio e industria, em S2 de março de 1880. = Viriato Luiz Nogueira."
Estes despachos não podem deixar de ser um premio eleitoral. E se não veja v. exa. havendo tantos apontadores supranumerarios, s. exa. nomeou ainda dois olheiros para apontadores, augmentando assim o numero d'esses empregados. Chama-se a isto fazer as economias, a que se tinha compromettido o governo reformador, o que subia ao poder para emendai os erros dos seus antecessores?
Eu pergunto a s. exa., qual é a lei em que se escudou para fazer uma promoção de empregados addidos? Pois s. exa. declara que estes empregados estavam a mais nas obras publicas, que não os despedia para não augmentar a crise do trabalho, e em vez de os mandar fazer serviço nas respectivas direcções a que pertenciam, foi promovel-os! Isto parece incrivel, sr. presidente: cousas d'estas só o sr. ministro das obras publicas seria capaz de fazer.
Seguem-se os empregados dos telegraphos, que são ainda os mesmos que lá estavam. S. exa. conservou-os por necessidade de serviço. A rasão é clara. Em 1869 havia apenas 116 estações abertas, no fim do anno economico preterito esse numero ascendia a perto de 200; era, pois, necessario crear o pessoal respectivo: s. exa. senão o creou manteve-o. Foi a necessidade do serviço que a isso o determinou.
Mas s. exa. não queria augmentar a crise do trabalho, despedindo os empregados a mais, porque diz o artigo 5.° do decreto o seguinte:
"Art. 5.° É conservado temporariamente ao serviço do ministerio das obras publicas, commercio e industria, e das repartições suas dependentes, o pessoal civil de chefes de serviço, amanuenses interinos ou temporarios, coadjuvantes, continuos, serventes e moços, que no presente existe fóra das condições legaes, abonando-se-lhe os vencimentos annuaes da tabella junta:
Chefes de serviço......................... 400$000
Coadjuvantes, amanuenses, temporarios ou interinos ....180$000
Continuos................................. 144$000
Serventes............;.................... 140$000
Moços..................................... 108$000
Ora esses empregados sabia já s. exa. de antemão que os não despedia, e tanto assim era, que elles vera indicados no orçamento, na secção l.ª, capitulo 3.°, com a designação de - Empregados comprehendidos no decreto de 30 de
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julho de 1879 - são uns cincoenta e quatro, quer dizer, o sr. ministro entendeu que com cincoenta e quatro empregados, serventes e moços de recados, que são verdadeiros operarios e não empregados effectivos, se os despedisse e os mandasse para as suas antigas profissões, augmentava a crise do trabalho!
Sr. presidente, isto não é documento que se possa considerar a serio, e alem d0isso ainda se prova que estes empregados não eram tal a mais; pelo contrario, eram ainda poucos para o serviço que o sr. ministro lhes dava, e a prova é que s. exa. não os julgava sufficientemente remunerados com os ordenados que tinham, e por isso lhes arbitrava ou mandava dar as tão censuradas gratificações!
Já v. exa. vê, primeiro, que o sr. ministro, tendo feito este relatorio, em virtude dos principios luminosos da publicidade, tem as cousas em tal estado, que hoje não se sabe o que se passa no ministerio a seu cargo, visto que s. exa. se recusa ou se arreceia de mandar a esta camara os documentos que lhe são pedidos e nada apparece a lume; segundo, que a rasão porque os empregados a mais não foram demittidos, foi por um principio de equidade.
Conservou-lhes o trabalho, para elles não irem augmentar a crise que existia! E antes de proseguir, eu pediria ao sr. ministro das obras publicas que tivesse a bondade de tomar nota do que vou ler; diz ainda o artigo 1.°:
"Artigo 1.° O ministerio das obras publicas, commercio e industria, poderá despender no corrente anno economico até á quantia de 40:000$000 réis, como remuneração de serviços extraordinarios, nos termos do decreto de 26 de junho preterito, não comprehendendo as ajudas de custo ao pessoal technico."
Eu desejava que s. exa. tivesse a bondade de me dizer, se já está esgotada esta verba, quanto tem gasto d'ella em virtude das prescripções do decreto que s. exa. publicou?
O sr. ministro das obras publicas, depois do preambulo tão explicito que acompanhava este decreto, começou a tirar gratificações.
Eu vou ler a nota das gratificações que s. exa. n'aquelle momento supprimiu:
Diario do governo n.° 171, 1 de agosto de 1879:
Direcção geral das obras publicas e minas
Director geral das obras publicas e minas(annual) 140$000
Chefe da repartição (annual) 204$000
Chefe da l.ª secção (mensal 30$000 réis) 360$000
Amanuense da repartição (mensal 7$200 reis) 86$400
Repartição de minas
Um conductor auxiliar (mensal 12$000 rÉis) 144$000
Dois apontadores (mensal 6$000 réis cada um) 144$000
Um fiscal de pesos e medidas nos caminhos de ferro (500 réis diarios) 180$000
Direcção geral do coMmercio e industria
Segundo agrOnomo, para falhas 140$000
Um apontador (mensal 6$000 réis) 72$000
Repartição do commercio e industria
Um dos apontadores de 3.ª classe das obras publicas (mensal 6$000 reis) 72$000
Um amanuense encarregado do archivo (mensal 7$500 réis 90$000
Repartição de estatistica
Um apontador de 3.ª classe (mensal 6$000 réis) 72$000
Repartição central
Um amanuense, para compra de objectos de expediente da secretaria (mensal 7$500 reis 90$000
Outro amanuense encarregado do archivo (mensal 7$200 réis) 86$400
A um segando official aposentado (mensal réis 12$000) 144$000
Mais a um amanuense (mensal 6$000 réis) 72$000
Repartição de contabilidade
Dois officiaes reformados, um com 10$000 réis, outro com 18$000 réis mensaes 336$000
O empregado das matas (mensal 16$000 réis) 192$OO0
A um apontador de 1.ª classe e a outro de 3.ª classe 126$000.
Differentes empregados (mensal 49$900 reis) 598$800
Um segundo official do mesmo quadro (mensal 6$000 réis) 72$000
O mesmo (mensal 12$000 réis) 144$OOO
Junta consultiva de obras publicas e minas
Differentes gratificações por despacho de 19 de julho de 1878 (mensal 120$000 réis) l:440$000
Servente da junta (mensal (3$000 réis) 36$000
Fiscalisação dos caminhos de ferro do norte é leste
Um capitão do exercito com 12$000 réis mensaes 144$000
Dois conductores com 9$000 réis mensaes cada um 216$000
Um apontador de l.ª classe e cinco agentes fiscaes de 2.ª classe, a 3$600 réis mensaes 259$200
Chefe do movimento do trafico 12$000 réis mensaes 144$300
Fiscal do movimento do trafego12$O0O réis mensaes 144$OQO
Dois agentes fiscaes de 2.ª classe, 7$500 réis mensaes cada um 180$O0O
Um agente de 2.ª classe com 2$400 réis de augmento de ordenado e 12$0OO réis de gratificação 172$800
Mais um conductor auxiliar com 32$000 réis mensaes 384$00O
Mais um apontador de l.ª classe com 27$000 réis mensaes 324$000
Um capitão para fiscalisar o ramal de Caceres, com 20$OOO réis mensaes 240$000
Um alferes empregado no mesmo serviço, réis 52$000 mensaes 644$000
Dois apontadores no mesmo serviço, com réis, 15$OOO mensaes cada um 360$000
Direcção dos telegraphos e pharoes do reino
Chefe da repartição technica, e o chefe da repartição central, a 12$500 réis mensaes cada um 300$OOO
Cinco chefes de secção, a 6$000 réis mensaes cada um 360$000
0 fiel dos armazens, 4$000 réis mensaes 48$000
Instituto geral de agricultura
Ajudante do professor de desenho 147$000
Instituto industrial e commercial de Lisboa
Regente da cadeira de geologia no instituto, oito mezes a 37$5OO réis 300$OOO
Um conductor de 2.ª classe, e o secretario do instituto, 20$000 réis mensaes 240$OOO
O professor de francez e inglez, 25$000 réis mensaes 300$000
Um conductor servindo de conservador do museu geologico, 18$000 réis mensaes 216$000
Preparador de physica, 12$000 réis mensaes 144$000
Servente de officina, e um empregado de peses e medidas, 5$000 réis mensaes cada um 120$000
Thesoureiro pagador, 12$000 réis mensaes 144$000
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Direcção geral dos trabalhos geodesicos
Ao chefe da 6.ª secção 240$000
Ao fiel do quadra, augmento de gratificação, 6$000 réis mensaes 72$000
Mais 20$000 réis mensaes que se dividiam por tres empregados 240$000
A um amanuense, 5$000 réis mensaes para coordenar a escripturação 60$000
A um gravador, 8$000 réis mensaes 96$000
Sargento do batalhão, excesso de gratificação, 1$800 réis mensaes 21$600
Escripturario temporario, 15$000 réis mensaes 180$O0O
Total............15:601$400
Aqui tem v. exa. a nota das gratificações que o sr. Saraiva de Carvalho fingiu supprimir.
O serviço acha-se na situação que o preambulo do relatorio declara, situação que s. exa. accentua de uma fórma precisa e inadiavel quando chega ás matas. Quer v. exa. ver o que diz o sr. Saraiva a este respeito na parte que tem a epigraphe - Pinhaes e matas?
"Pinhaes e matas nacionaes. - O serviço d'esta administração geral acha-se em grande confusão e pouco conforme com as leis. Será regulado convenientemente em portaria especial, logo que chegue a Lisboa o respectivo administrador, que actualmente desempenha serviço urgente na Marinha Grande."
Era esta repartição que o sr. ministro das obras publicas julgava achar-se n'uma situação tão confusa, e n'um tal cahos, que precisava quasi ser destruida pelos alicerces. E foi melhorada de uma maneira admiravel! Sabe v. exa. como o sr. ministro resolveu todas as difficuldades? Foi da fórma seguinte: calcando aos pés a lei, dando gratificações a diversos empregados, d'esses que não trabalham, com as quaes gastou 2:900$000 réis!
Aqui tenho eu o Diario do governo onde vem publicada a lista d'essas gratificações, e por ahi se vê que não ha um unico serviço que seja extraordinario.
(Leu.)
Por aqui se vê como s. exa. seguiu as prescripções do decreto de 26 de junho de 1879. Foi arbitrando gratificações a quem não tinha direito a ellas, que s. exa. organisou aquelle serviço, que acabou com aquella confusão, que fez luz n'aquelle cahos! E a confusão era tal, que tendo eu pedido os devidos documentos para tratar d'este negocio especialmente, mandou-me s. exa. um maço de papeis de tão grande volume, que nem durante um mez, dispondo de seis ou oito horas por dia para os ler, poderia chegar ao fim.
S. exa. podia mandar-me apenas os apontamentos que pedi; mas para não mandar cousa alguma, mandou os primeiros cartapacios que encontrou na secretaria. E mandou-os, sr. presidente, quando já se estava na discussão do orçamento. Ora isto não se póde tomar a serio. Isto é não querer a publicidade; é esconder aquella situação confusa e desregrada, de que o seu relatorio falla com tanta emphase, que s. exa. prometteu metter a caminho, e regular convenientemente, e que a final deixa peior do que estava, pois que nem a suppressão das proprias gratificações s. exa. se atreveu a manter.
O sr. ministro das obras publicas, para resolver a questão das matas, não havendo serviços extraordinarios, gastou 3:000$000 réis em seis mezes; por consequencia, n'um anno gastará 6:000$000 réis. Mas, fez mais ainda. Veja e note o que se descreve no orçamento.
No orçamento de 1880-1881 a despeza dos pinhaes e matas, calculada pelo sr. ministro, é de 52:800$000 réis. E sabe v. exa. quanto é o rendimento d'estes pinhaes e matas? É de 41:600$000 réis. O que prova isto, sr. presidente? Prova que os pinhaes e matas do estado não dão para a despeza que se faz com elles.
Portanto, nas sei para que o estado quiz pinhaes e matas, se elles nem podem com a despeza, se elle os não sabe administrar.
Mas não admira, desde que o pessoal absorve tudo, desde que esta é a lei, não ha rendimento, nem administração nem matas possiveis.
Ha tambem uma cousa curiosa e importante, que vou declarar á camara. No orçamento do anno futuro marca-se uma verba para salarios de sessenta operarios que se applicam a tirar a rezina, e a que chamam rezineiros. Esta verba é de quatro contos e tantos mil réis.
Ora, estes operarios não podem trabalhar senão em certos mezes do anno; e por isso, para chegar aquella verba era necessario que trabalhassem quasi todo o anno, recebendo 300 réis por dia. Mas a tendencia de esbanjar o alheio, a força de dar gratificações, por parte do governo, é de tal ordem, que até para estes operarios, que não podem trabalhar todo o anno, se mandou dar uma gratificação de 860$000 réis!
D'esta fórma a repartição das matas não dá nem póde dar resultados.
Isto é que são esbanjamentos: para isto é que s. exa. devia olhar; estes abusos tinha s. exa. obrigação de cortar, se os encontrasse. Foi o que disse no seu relatorio, foi o que prometteu no seu programma, foi a que se comprometteu perante o paiz, declarando que subia ao poder em nome da moralidade e da economia. E esta a economia da Granja, é esta a moralidade do sr. Saraiva de Carvalho, modelo de administração a todos os respeitos, visto que é s. exa. quem propõe estes primores no seu proprio orçamento?
Pois v. exa. já viu porventura os proprietarios que administram as suas casas, e têem zêlo pelo que é seu, pagarem aos operarios que lhes fazem serviço todo o anno, alem do seu salario, alguma gratificação? Demais os salarios têem subido muito, e os operarios a que me refiro fazem serviço apenas tres mezes; mas o sr. ministro, não contente de gastar com esse serviço 4:000$000 réis, ainda em cima o gratifica com a somma de 860$000 réis.
Assim não póde haver administração, e não admira que as matas não dêem para o seu custeio.
A proposito de matas e pinhaes, e a proposito do sr. ministro das obras publicas ser tão facil em dar gratificações, vou dar conhecimento á camara de uma nota que aqui tenho, e é interessante.
O actual administrador das matas, que é encyclopedico, e areio ter o dom da ubiquidade, recebe por mez, nada mais, nem nada menos, do que os seguintes vencimentos:
Como capitão de engenheria, soldo e gratificação 65$000
Ajuda de custo permanente 22$500
Ajuda de custo como vogal da commissão de inquerito ás estradas do Algarve 25$000
Ajuda de custo como administrador geral das matas 58$000
Ajuda de custo como professor do instituto industrial 37$5OO
Total por mez 208$000
É uma totalidade de 208$000 réis por mez, quasi o ordenado de um ministro d'estado!
É verdade que elle tem a habilidade de poder exercer muitas funcções ao mesmo tempo.
Exerce-as no Algarve, no instituto industrial de Lisboa, está nas matas, emfim, é immenso, está em toda a parte, abrange a um tempo serviços differentes e em logares distantes, e é justo que por tudo tenha retribuição.
Já é, sr. presidente, ter dons extraordinarios!
Mas é isto um governo serio?
É isto ser reformador de abusos e restaurador da moralidade?
Pois póde alguem acreditar que um empregado desem-
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penhe ao mesmo tempo, e com proveito publico, tantas funcções?
Pois não é um abuso grande estar a gratificar um individuo por serviços que é impossivel elle poder desempenhar?
Já a camara vê que as poucas gratificações que o sr. ministro das obras publicas tinha tirado aos empregados das matas tornou a dal-as, augmentando, porém, em numero.
Eis como s. exa. resolveu a questão das matas.
Conservaram-se os abusos, o serviço ficou em peior estado, e a despeza augmentou.
É um modo singular de fazer reformas!
Estou convencido que qualquer particular com experiencia de administração, a que o governo encarregasse de dirigir, o serviço das matas, marcando-lhe as bases devidas para acabar com todos os abusos, havia de obter o mesmo serviço pela terça parte do que o estado hoje despende com elle.
Com a administração, que hoje tem as matas, ellas não servem senão de prejuizo ao thesouro.
Temos aqui tambem na parte relativa ao pessoal technico o seguinte:
"O artigo 16.° do decreto de 30 de outubro de 1868 estabelece para os officiaes e engenheiros em serviço de obras publicas uma ajuda de custo abonada diariamente, como indemnisação por gastos de viagem, de 2$O0O réis pôr dia para os officiaes superiores, e de 1$500 réis para os capitães e subalternos, não devendo em regra exceder a quinze dias por mez. Este abono eventual, e considerado mera compensação de dispendios, foi n'alguns casos convertido, por despachos ministeriaes, em vencimento fixo e independente das condições marcadas na lei. Desejaria o governo de Vossa Magestade pôr cobro n'esta pratica abusiva; porem, a fina de evitar serios inconvenientes para o serviço, conforme pondera a direcção geral de obras publicas e minas, prefere incorrer na responsabilidade de propor a Vossa Magestade uma providencia, que até ulterior resolução do poder legislativo permitta conservar a situação presente.
"Existem ainda outros abusos, que urge coarctar. Para equiparar os vencimentos dos capitães e subalternos, que exerciam as funcções de directores de obras publicas, com os de officiaes superiores em identicas condições, creou-se igualmente por despachos ministeriaes uma nova especie de ajudas de custo chamadas extraordinarias, não auctorisadas por lei, que têem custado ao thesouro o dispendio annual de 3:426$000 réis. O governo entende, que não podem continuar taes abonos, mas solicita de Vossa Magestade a approvação de uma providencia, que em certos casos permitta conceder mais que os quinze dias regulamentares de ajuda de custo, quando impreteriveis necessidades do serviço o exijam.
"Por iguaes ou similhantes motivos, e com as variadas denominações de ajudas de custo, supprimentos e comedorias, foram por despachos ministeriaes creados irregularmente outros abonos á engenheiros e conductores, custando por anno mais de 15:000$000 réis, é que tambem cessam como para o caso anterior."
Como resolveu o sr. ministro estas difficuldades? Quaes são as economias que fez? Quaes os abusos que cortou? Dil-o o artigo 2.° do decreto que vamos analysando.
Que significa isto?! Que s. exa. conservou os abusos, regulou-os, deu-lhes permanencia, auctorisou-os, e metteu-os no orçamento!
Quer dizer que o sr. ministro das obras publicas concedeu dictatorialmente a estes empregados direitos que elles não tinham.
Acabou com certas gratificações e ajudas de custo que elles tinham a titulo de serviço extraordinario, e que não eram concedidas por mais de quinze dias, para as substituir por gratificações mensaes, com o caracter de ordenados permanentes.
Eis o artigo 2.º do decreto, que é bem explicito:
"Art. 2.º São considerados vencimentos permanentes as ajudas de custo a que se refere o artigo 16.° do decreto de 30 de outubro de 1868 aos directores de obras publicas dos districtos e de obras especiaes, e aos engenheiros em serviço na construccão, fiscalisação e exploração, dos caminhos de ferro, não devendo continuar a ser abonados a estes engenheiros mais dias de ajuda de custo por trabalhos no campo, salvo casos extraordinarios e de reconhecida conveniencia de serviço, precedendo despacho do ministro.
"§ unico. Não poderão ser abonadas aos conductores auxiliares, quando desempenhem funcções, que competem aos conductores do quadro, gratificações superiores a 5$000 réis mensaes nem ajudas de custo superiores a 500 réis diarios, nos termos do artigo 10.° do decreto de 30 de dezembro de 1868, e do n.° 4 das instrucções approvadas por despacho de 25 de novembro do mesmo anno."
Isto quer dizer que as ajudas de custo pela fórma por que o sr. ministro as estabelece passam a ser ordenados permanentes; é praticando assim, s. exa. revogou um decreto com força de lei!
Quanto ás economias que s. exa. tem feito, reduzem-se a 6:000$000 réis, se é que ellas effectivamente existiram. Por outro lado, em oito mezes tem mandado abonar gratificações na importancia de 9:000$000 réis; e calculando: sobre esta base a verba annual dispendida em gratificações, excederá ella se somma das economias realisadas por s. exa. no ministerio das obras publicas.
Por consequencia todas as economias realisadas por s. exa. até hoje, assim como o decreto de 30 de julho de 1879, não são mais do que cousas inventadas para armar ao effeito, mas que de maneira alguma se podem considerar serias.
Tanto isto assim é, que muito pouco tempo depois do mez de julho alguns empregados do ministerio das obras publicas, a quem s. exa. tinha mandado tirar as gratificações, as receberam outra vez.
Quer dizer: o sr. ministro fez executar o decreto que auctorisava as gratificações por serviços extraordinarios; só nos primeiros dois ou tres mezes, e pondo de parte logo em seguida a sua observancia julgou ter prestado a sufficiente satisfação aos principios que tinha sustentado. Pois, pergunto eu a s. exa.: o serviço feito na secretaria e dentro das horas do expediente, isto é, durante o tempo em. Que os mesmos empregados têem obrigação de trabalhar, pôde, porventura, ser alguma vez considerado serviço extraordinario?!
Eu entendo que só os serviços desempenhados pelos empregados fora das repartições a que pertencem, ou praticado a uma outra hora differente d'aquellas em que lhes assiste a obrigação de trabalhar, é que estão no caso de serem gratificados como serviços extraordinarios, porque só esses se acham comprehendidos na excepção apontada pelo decreto de 26 de junho de 1879.
Eu vou provar á camara se tenho ou não rasão;
"Tomando em consideração o relatorio dos ministros e secretarios d'estado das differentes repartições: hei por bem decretar o seguinte:
"Artigo 1.º Cessam desde o começo do anno economico, de 1879-1880 todos os abonos que a titulo de gratificações, ajudas de custo, ou outra qualquer designação, se pagam pelos differentes ministerios, com excepção das que sejam determinadas por lei, e descriptas no orçamento geral do estado.
"Art. 2.° Poderão ser auctorisados serviços extraordinarios no caso de comprovada necessidade.
§ 1.° São considerados serviços extraordinarios:
"1.° Os que tenham de prestar-se fóra das horas do expediente por motivo de consideravel e imprevisto augmento de trabalho;
"2.° O desempenho de funcções a que esteja inherente uma responsabilidade superior áquella que por lei coubesse
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na sua graduação ao funccionario a quem esse desempenho e confiado, ou que exijam especial aptidão scientifica ou profissional;
"3.° Os serviços que obriguem a despezas extraordinarias por viagem, marcha, mudança temporaria de domicilio ou residencia em paizes estrangeiros.
"§ 2.° Á retribuição do serviço extraordinario será arbitrada em cada caso especial sob proposta dos respectivos directores geraes ou chefes de serviço.
"Art. 3.° Fixar-se-ha pelos differentes ministerios a importancia maxima da despeza a que poderá elevar-se a retribuição dos serviços a que se refere o artigo 2.°, devendo ser limitada por fórma que não exceda as verbas do orçamento por onde terá de ser abonada a mencionada despeza, verbas que serão especialmente designadas ao proceder-se á sua fixação.
"Os ministros e secretarios d'estado das differentes repartições assim o tenham entendido e façam executar. Paço, em 26 de junho de 1879. = REI. = Anselmo José Braamcamp = José Luciano de Castro = Adriano de Abreu Cardoso Machado = Henrique de Barros Gomes = João Chrysostomo da Abreu e Sousa = Marquez de Sabugosa = Augusto Saraiva de Carvalho."
Parece-me estar demonstrado que o governo para justificar o seu procedimento apresenta, como serviços extraordinarios, alguns que o não são; e que o sr. ministro, não lhe importando com o decreto que á sua entrada no ministerio tinha assignado, continuou a dar as mesmas gratificações illegaes que tanto tinha censurado, quando eram concedidas peio ministros das situações transactas.
E não para aqui. O que me dirá s. exa. das gratificações pagas pelo ministerio das obras publicas a dois officiaes reformados, e a que titulo se concedem essas gratificações? Pois cá estão ellas publicadas na relação que trouxe o Diario do governo.
Isto quer dizer que s. exa. não attende á justiça, nem aos principios de moralidade, e só tem em vista as conveniencias partidarias.
Quer a camara saber mais, para poder avaliar bem o que são todas estas gratificações?
O sr. Saraiva tinha supprimido as gratificações dos guardas do instituto industrial de Lisboa. Pois ellas cá estão outra vez na lista das gratificações publicadas no Diario do governo, e até augmentadas com 100 réis!
E note v. exa., sr. presidente, que estas gratificações eram as taes a que chamavam illegaes.
Ainda aqui estão outras mais curiosas, e que não deixam de ter sua graça; refiro-me ás gratificações dadas aos decuriões do instituto industrial do Porto, que tinham sido supprimidas, mas que foram restabelecidas como remuneração de serviço extraordinario, porque o sr. ministro viu-se obrigado a ceder ás exigencias da auctoridade superior d'aquelle districto. São cinco decuriões e um guarda. Os primeiro quatro decuriões teem 12$000 réis mensaes e o guarda 4$766 réis.
Assim, vê-se que todas as gratificações têem sido restabelecidas, e que o governo tem mostrado que tudo quanto disse ao paiz era perfeita irrisão, que as suas palavras não eram serias, e que só as tinha proferido imaginando que não se lhes havia de fazer a analyse, que eu agora estou fazendo.
Se compararmos o procedimento de todos os outros ministros (e essa questão fica reservada para occasião opportuna), ver-se-ha que elles não foram mais escrupulosos do que o seu collega das obras publicas. Mostrarei principalmente o que se faz no ministerio da fazenda, que é ainda peior do que no tempo da administração transacta. Hei de mostrar qual é o systema de governo dos srs. da Granja, e como esquecem os principios que proclamam quando estão na opposição.
Sr. presidente, quando o sr. Saraiva de Carvalho foi encarregado de gerir a pasta do ministerio das obras publicas, encontrou quatorze serventes e dois moços a mais. Eram estes serventes uns operarios como quaesquer outros, que se despedem quando não são precisos. O sr. ministro, porém, entendeu que devia conservar estes quatorze serventes e os dois moços, e ainda em cima concedeu-lhes gratificações, e até a um d'elles a gratificação foi concedida com o pretexto de substituir um continuo. Pois este servente que existe a mais, que está recebendo ordenado, não póde fazer o serviço de continuo sem receber gratificação?! Pois não é para isso que elles ali estão? Pois o que faz. o servente senão o serviço de continuo, acudindo ao toque da campainha, para remover estes ou aquelles papeis, para ir a esta ou áquella repartição? Que differença a mais tem o serviço do servente? E não varrer a repartição? Pois então é por não varrer a repartição que lhe deram gratificação?
Muitos d'esses recebem gratificações especiaes. Uns recebem gratificação por serviço extraordinario, outros por serviço fóra das horas do expediente.
Sr. presidente, eu podia prevalecer-me de um argumento que não tinha replica; eu poderia certificar a v. exa. que o ministerio das obras publicas fecha invariavelmente pouco depois das quatro horas. Quem ali for momentos depois d'aquella hora, fica sabendo isso por o ver com os seus proprios olhos. Aqui está o que é o serviço fóra das horas do expediente. Mas não o farei; simplesmente direi que, se os srs. ministros entendem que estas gratificações devem existir, declarem-no francamente; façam penitencia de terem censurado os seus antecessores pelo facto de as terem concedido; mas querer lançar poeira aos olhos do povo, querer especular com o programma de economias, quando s. exas. não fazem economias de qualidade alguma, parece-me um systema pouco proprio de homens que se respeitam.
Depois d'esta analyse succinta e muito por alto do decreto de 26 de junho de 1879, passarei a outra que tambem não deixa de ser curiosa: é a analyse do relatorio da proposta do sr. ministro das obras publicas, em que s. exa. querendo penitenciar-se de ter praticado actos dictatoriaes, pede ao parlamento um bill de indemnidade.
Eis o preambulo do relatorio:
Senhores. - Quando o actual gabinete foi chamado á gerencia dos negocios do estado, encontrou o serviço do ministerio das obras publicas, commercio e industria, nas circumstancias que o relatorio do decreto de 30 de julho de 1879, larga e minuciosamente descreve. Em quasi todas as repartições e dependencias d'aquelle ministerio havia empregados de variadas categorias e denominações, em numero avultado e superior ao dos quadros legaes; e em todas ou. quasi todas se abonavam e pagavam vencimentos superiores aos fixados nas leis.
O excesso do pessoal, se umas vezes provinha de necessidades urgentes do serviço, creadas no decurso do tempo pelo acrescimo de negocios e trabalhos, outras vezes não podia ser facilmente explicado.
"A alteração dos vencimentos legaes ora representada pelo regimen de gratificações permanentes, ora por abonos de vencimentos classificados como ajudas de custo, ordinarias e extraordinarias, comedorias, etc., era feita por diversos motivos, igualmente pouco justificaveis.
"Desejou o governo reduzir desde logo esta situação ás verdadeiras condições legaes; mas viu-se obrigado a desistir, por muitas considerações ponderosas e attendiveis. As exigencias do serviço não podiam ser satisfeitas pelo pessoal e com os vencimentos determinados nas leis. Despedir numerosos funccionarios, collocados fóra das condições legaes, seria aggravar de um modo funesto a crise de trabalho claramente manifestada. Convinha alem d'isso notar que os individuos irregularmente chamados para o serviço do ministerio não eram responsaveis pelas infracções das leis, nem era conforme aos principios da equidade esquecer
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os bons serviços que muitos, desde longos annos, tinham prestado.
"Foi n'estas circumstancias, e por estas rasões, que o governo deliberou tomar a responsabilidade da publicação do decreto de 30 de julho do anno proximo findo; mandando provisoriamente conservar no serviço o pessoal excedente dos quadros, e formulando regras tambem provisorias para o abono dos vencimentos. D'este acto, imposto pelo imperio das circumstancias, vem o governo dar conta ao parlamento."
Por aqui se vê que o sr. ministro está justificando o governo transacto.
Este procedimento tem uma significação que eu não quero classificar aqui. Se me servisse do termo proprio, embora fosse portuguez vernaculo, talvez dissessem que não era parlamentar; mas a camara comprehende bem como se consideram os homens que, depois de terem feito accusações graves a um ministerio, vem depois pelos seus actos justificar esse ministerio, imitando tudo que censuraram.
Aqui, n'este relatorio, está a retractação completa do que dizia o sr. ministro das obras publicas, quando, na outra camara, apresentando moções de censura aos seus antecessores no governo, punha em duvida a moralidade d'elles. É necessario que este ponto fique bem claro. Ouça a camara com attenção.
(Repetiu a leitura.)
Por consequencia, já. v. exa. vê que n'este documento faltava o sr. ministro á verdade, porque não lhe convinha que isto se soubesse.
De mais a mais, sr. presidente, reconheceu que aquelles empregados eram bons servidores do estado, e, n'estas circumstancias, disse que os não podia dispensar, para o serviço ser feito com promptidão e regularidade.
Continuando na leitura d'este relatorio, que eu analysarei por paragraphos, vae v. exa. ver o que o sr. ministro dizia, e o que os factos eram.
"O artigo 16.° do decreto com força de lei de 30 de outubro de 1868 arbitrou aos engenheiros em serviço no ministerio das obras publicas ajudas de custo correspondentes a gastos de viagem, conforme a letra e o espirito da lei. Essas ajudas de custo só podiam ser abonadas em determinados dias de marcha e trabalhos no campo; nunca por mais de quinze dias em cada mez, excepto em casos extraordinarios, mas sempre de fórma que o abono não excedesse a 188 dias em cada anno.
"A pratica, porém, transformou as ajudas de custo, essencialmente eventuaes e dependentes de circumstancias determinadas, em vencimentos fixos, abonados não só aos engenheiros, que por dever das suas commissões. tinham necessidade de jornadear ou de permanecer fóra da residencia official, mas tambem aquelles que estavam collocados em commissões sedentarias.
"A estas ajudas de custo, reputadas ordinarias, sobrepunham-se, muitas vezes, ajudas de custo extraordinarias, correspondentes ao deslocamento dos engenheiros? e ainda outros vencimentos.
"O governo mandou cessar estes ultimos abonos; mas, attendendo á representação do director geral de obras publicas e minas, que reputava prejudicial para o serviço a mudança completa do systema seguido, determinou, nó artigo 2.° do decreto de 30 de julho, que para os directores de obras publicas dos districtos e de obras especiaes, e para os engenheiros em serviço nos caminhos de ferro, fossem considerados vencimentos permanentes as ajudas de custo eventuaes estabelecidas pelo decreto de 30 de outubro de 1868.
"Prohibiu, porém, que fossem abonadas ajudas de custo por mais de 15 dias em cada mez, salvo nos casos extraordinarios que o referido decreto já previra."
Quer diizer, o sr. ministro quando entrou no ministerio viu que o decreto de 30 de outubro, quasi, que tinha sido esquecido, isto é, não estava em vigor: davam-se ajudas de custo alem do praso que elle determinava. E sabe v. exa. e a camara o que fez o sr. ministro, para remediar este abuso? Praticou dois abusos: revogou dictatorialmente um decreto com força de lei, e fel-o sem necessidade nenhuma, porque s. exa. podia dar ou deixar de dar gratificações; mas o partido progressista é assim, apregoa muito respeito pela lei e pela moralidade, e por fim faz exactamente o contrario. Onde está aqui o respeito pela lei? Pois não estava na mão do sr. ministro deixar de dar gratificações? Era preciso revogar a lei e dizer d'aqui para o futuro as gratificações que eram dadas temporariamente ficam sendo permanentes?
S. exa. o que fez foi estabelecer o abuso permanente, e a favor de quem? Não dos empregados que trabalhavam; mas dos que nada faziam, porque s. exa. fez uma excepção para os directores de obras publicas; e para aquelles que precorrem o paiz a quem se devia dar, não se dá.
O director de obras publicas, que estava em Castello Branco antes do actual, nunca inspeccionou uma unica estrada: andava passeando do Porto para Castello Branco, e vice-versa, e não fazia serviço algum, é verdade que fez serviços eleitoraes, e por isso s. exa. o retribuiu; mas aos empregados subalternos, a esses não concedeu s. exa. a ajuda de custo, senão por quinze dias. Pois o sr. ministro foi revogar um decreto com força de lei por um decreto dictatorial para sanccionar um abuso, isto tambem ninguem fazia, senão o partido de s. exa. Mas ainda ha mais! (Repetiu a leitura.}
Para tornar mais frisante as contradicções do governo é que eu li de novo este periodo.
Regular os abusos! Isto é ainda mais curioso, esta invenção de regular abusos é exclusivamente do partido progressista, só aquelle partido que ali está representado nas cadeiras do poder, podia inventar a regularisação de abusos por. uma lei: elles que accusavam os seus antecessores de os praticarem, fazem peor; porque os praticam e depois regulam-os por lei. Isto é novo! Mas continuarei ainda.
"Se é certo que o governo, transformando as ajudas de custo em vencimentos fixos, excedeu as suas faculdades, e tambem innegavel que sujeitou o serviço publico a regras geraes, e realisou importante economia.
"O decreto de 30 de outubro de 1868, revogando é de 3 de outubro de 1864, determinou que as funcções de engenheiro civil fossem desempenhados pelo corpo de engenheiros, como era disposto pelo artigo 3.° titulo 2.° do regulamento provisional de 12 de fevereiro de 1812, e fixou em 66 o numero de officiaes d'aquelle corpo em commissão no ministerio das obras publicas. Ainda este ministerio poderia dispor dos officiaes da arma de engenheiros collocados no extincto corpo de engenharia civil, e que excederam o novo quadro, os officiaes do estado maior, de cavalaria infantaria, e de alguns engenheiros civis. Mas, por um lado as necessidades do ministerio da guerra nunca permittiram que no das obras publicas estivessem em commissão 66 engenheiros do quadro; por outro lado as crescentes exigencias do serviço não podiam ser satisfeitas com o pessoal effectivo addido.
"D'estas e outras causas que seria ocioso mencionar proveiu a pratica illegal de serem admittidos engenheiros civis para o serviço do ministerio das obras publicas.
"Em 31 de maio de 1879 havia em commissão um crescido numero d'estes engenheiros cujos vencimentos mensaes importavam em 3:233$500 réis.
"Na fixação dos seus vencimentos tinha-se adoptado como regra conceder 30$OO0 réis de ordenado e 18$000 réis de gratificação, alem da ajuda de custo, aos que contavam menos de dois annos de serviço; e 33$000 réis de ordenado e 25$000 réis de gratificação aos que excediam este praso.
"A ajuda de custo deveria ser de 22$500 réis mensaes, suppondo 15 dias de trabalho no campo; porém, a pratica nem sempre respeitava estes preceitos, havendo engenhei-
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ros civis com ordenados de 110$000, 100$000, 90$000 e 72$5OO réis, mas sem gratificação, e creando-se ajudas de custo extraordinarias, variaveis desde 9$500 até 29$500 réis.
"Na impossibilidade de dispensar estes engenheiros, o governo decretou a conservação dos que fossem portuguezes, e fixou-lhes o vencimento correspondente aos dos tenentes de engenheiros empregados nas obras publicas. Ambas estas determinações excedem as faculdades do poder executivo."
O sr. ministro das obras publicas declarou que havia necessidade de engenheiros civis para o serviço das obras publicas, isto é, s. exa. encarregou-se de justificar mais uma vez os seus antecessores.
São sempre assim estes srs. progressistas. S. exa., para regular mais este abuso; revogou por um acto dictatorial um decreto com força de lei, quer dizer, quer provar que o que elles chamavam abusos, não o eram; e deviam existir.
Ora, sr. presidente, isto não é serio.
Eu comprehendo que os engenheiros possam estar no ministerio das obras publicas, em conformidade com as disposições da lei, para esses serviços extraordinarios; mas s. exa. praticou uma illegalidade quando, por um acto dictatorial, considerou esses engenheiros addidos.
O sr. ministro exerceu a dictadura, e mostrou pouco respeito pela lei, praticando abusos. Se ainda elles fossem para bem do serviço publico, se d'ahi resultasse vantagem para o paiz, comprehendia-se. Por que rasão não esperou s. exa. que se abrisse o parlamento, e publicou o decreto de dictadura para sanccionar abusos?
Vou, finalmente, ultimar a leitura d'este curioso relatorio.
É o proprio ministro a justificar os seus antecessores com os argumentos que invocava para sua propria justificação.
"Em abril de 1869, quando se fez a reforma dos telegraphos, não existiam abertas mais de 116 estações para o serviço official e particular. O numero d'ellas foi successivamente crescendo, a ponto que no fim do anno economico preterito já existiam perto de 200.
"Evidentemente, dado este grande desenvolvimento de serviço, não podia bastar o pessoal do quadro decretado em 3 de abril de 18G9.
"Recorreu-se então ao expediente, determinado em portaria de 8 de agosto de 1870, de admittir ajudantes do sexo masculino ou do feminino; e, mais tarde, por analogos motivos, foram admittidos alumnos telegraphistas e semaphoricos, cujo numero, na ultima epocha alludida, ascendia a 115. Não se podia prescindir d'esse pessoal sem grave transtorno do serviço publico, e por isso foi mandado e conservar pelo artigo 4.º do decreto de 30 de julho de 1879; no que tambem o governo, coagido por força maior, ultrapassou as suas attribuiçòes."
Quer dizer, não se podia prescindir d'estes empregados telegraphicos, por isso mesmo que estavam creadas mais de 100 estacões, que certamente não podiam funccionar sem terem o pessoal necessario.
Sr. presidente, acho-me bastante fatigado, e por isso vou terminar, pedindo ao sr. ministro das ouras publicas que me diga: 1.°, se a verba de 40:OOO$O00 réis, a que se refere o decreto da dictadura, já está gasta; 2.°, se se julga habilitado para occorrer a todas as despezas durante o futuro anno economico; 3.°, em que parte do orçamento está votada a despeza para os apontadores que s. exa. promoveu, porque não vejo uma unica verba no orçamento destinada a pagar a esses apontadores.
Depois do sr. ministro me responder a estas perguntas, pedirei de novo a palavra, se o julgar conveniente.
(O orador não reviu este discurso.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): - Pedi a palavra unicamente para responder ás perguntas que acaba de me dirigir o sr. Vaz Preto.
Deseja s. exa. saber se já gastei os 40:000$000 réis de que trata o decreto de dictadura eu que s. exa. fallou.
Não os gastei; estou muito longe d'isso.
O sr. Vaz Preto: - Não se ouve nada; pedia a s. exa. que, se podesse, que fallasse mais alto.
O Orador: - Eu fallo com a voz natural; não posso fallar mais alto.
Em resposta á primeira pergunta do digno par, repetirei que não está gasta a cifra a que s. exa. se referiu. Apenas tenho gasto pouco mais de 9:000$000 réis.
Pergunta tambem s. exa. por onde se paga aos apontadores. Paga-se por onde se pagou: pela verba das obras. Os apontadores são operarios, portanto são pagos pelas folhas das obras.
(Interrupção do sr. Vaz Preto que não se ouviu.}
Pagam-se por onde sempre se pagaram. Os apontadores são considerados operarios, portanto são pagos pelas folhas dos operarios. Nem póde ser de outra fórma.
Pergunta me tambem s. exa. se estou habilitado a pagar as despezas do corrente anno.
Com o orçamento que apresentei, estou habilitado para pagar tudo. Não preciso exceder as verbas que apresentei no orçamento.
Dadas estas respostas ás perguntas de s. exa., farei algumas considerações com relação aos differentes pontes em que o digno par tocou.
Discutiu s. exa. principalmente o decreto dictatorial do governo; mas devo notar que nós o que discutimos é o orçamento e não o decreto dictatorial. (Apoiados.)
Disse o digno par que eu me receiava da publicidade, e fugia d'ella. Se me receiasse da publicidade, não se estava agora discutindo o orçamento.
N!esse documento vem descriptas minuciosa e circumstanciadamente todas as despezas que se fazem pelo ministerio das obras publicas. Até aqui este ministerio tinha o seu orçamento, mas não tão claro como o que eu apresentei ao parlamento. Tem esse orçamento sido votado todos os annos, é verdade, mas englobado.
Não fiz mais do que particularisar, do que descrever minuciosamente todas as despezas que se pagavam por uma verba unica, que se consignavam no orçamento sob uma só desigualo; e isto, entendo eu, que é publicidade. (Apoiados.)
Não augmentei despeza alguma alem das que até hoje têem sido feitas, quer dizer, não dispendi a mais do que se dispendeu sempre nos serviços somma alguma consideravel, digna de menção.
Disse tambem o digno par que eu justifiquei todos os actos dos meus antecessores. Não trato de censurar, nem de discutir esses actos; mas só de fazer, permitta-se-me a phrase, a photographia dos actos do ministerio actual.
Effectivamente a lei, por que se rege o ministerio a meu cargo, em grande parte não tem sido executada pelos meus antecessores, e tambem por mim, porque um conjuncto de circumstancias a isso se tem opposto. Não me faço cargo de mencionar agora essas circumstancias, que aliás estão já apontadas no relatorio que precede a proposta que se refere ao bill de indemnidade que solicitei do parlamento. Hão de ser discutidas quando essa proposta vier á téla do debate.
E a proposito direi que s. exa. foi menos exacto, dizendo que a referida proposta não estava ainda n'esta camara, porque ella veiu logo para aqui, assim que foi votada na outra casa do parlamento.
O sr. Vaz Preto: - O que disse foi que estava abafada ha perto de tres mezes.
O Orador: - Não fui eu de certo que a abafei, nem creio que ella esteja cá ha tanto tempo.
Disse o digno par que eu não fiz senão 15:000$000 réis de economias, e por meio de um acto de dictadura, e por
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outra parte dispendi mais 9:000$000 réis, resultando de ahi o não ter feito quasi economias nenhumas, e que portanto não fiz senão especular com a opinião publica. Senão foram estas exactamente as palavras de s. exa. foi pelo menos o seu pensamento. Devo responder que os algarismos apresentados pelo digno par não são bem exactos. Tenho aqui uma nota que mostra authenticamente a despeza que se fazia, e a que eu fiz.
No anno economico de 1878-1879 a despeza com as gratificações foi de 40:410$810 réis, e a despeza que se realisou até 31 de março do exercicio corrente de 1879-1880 foi de 9:074$770 réis.
Se juntarmos a esta importancia a despeza provavel nos tres mezes até 30 de junho proporcional á dos nove mezes de julho a março, excluindo verbas que não devem entrar no calculo, porque não têem de ser abonadas, no valor do 2:680$090 réis, teremos uma somma de 11:754$860 réis. Confrontando esta despeza com a despeza feita no anno preterito para o mesmo fim, acharemos uma differenca para menos muito consideravel a favor do exercicio do corrente anno...
O sr. Vaz Preto: - A despeza feita com gratificações e ajudas de custo no ministerio passado foi despeza extraordinaria; se o actual sr. ministro fez só a despeza de réis 9:000$000, foi com as gratificações, porque as ajudas de custo são reguladas por outra fórma em virtude do decreto de 30 de julho de 1879, e ellas sobem a muitos contos de réis.
O Orador: - Se o digno par tivesse tido a paciencia de me ouvir até ao fim, veria que eu ia tocar n'esse ponto.
Foi de 28:655$950 réis a despeza a menos feita com gratificações no corrente anno economico.
Se attendermos á diminuição da despeza que se faz com as ajudas de custo a que s. exa. se referiu, despeza que d'antes era considerada como permanente e era abonada para todos os dias do anno, o que, hoje não acontece; se alem d'isso attendermos á maneira por que agora são abonadas essas ajudas de custo extraordinarias; s. exa. achará que foi menos exacto na sua apreciação.
(Leu.)
Estas verbas constam de documentos que eu remetti para aqui e que s. exa. podia ter compulsado; e eu insisto na exactidão e valor d'esses documentos porque são officiaes; sobre elles não póde haver nenhuma duvida.
Agora vou particularisar para s. exa. comprehender melhor.
(Leu.)
é esta a rectificação que eu tinha a fazer aos algarismos de s. exa., para que a camara não ficasse sob a impressão d'elles e para a esclarecer convenientemente.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Usou da palavra ácerca do objecto em discussão.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. devolver as notas tacHygraphicas)
O sr. Thomas de Carvalho: - Mando para a mesa um parecer da commissão de instrucção publica.
Leu se na mesa, e mandou-se, imprimir.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho): - O sr. visconde de Chancelleiros deseja saber o que pensa o governo ácerca de uma proposta, de que teve conhecimento pelos jornaes.
A proposta, a que s. exa. se refere, foi modificada pelo seu auctor, e perfilhada ultimamente, se não estou enganado, por alguns srs. deputados, que a apresentaram hontem na camara.
Acha-se, pois, submettida á apreciação do parlamento, e se passar na camara dos senhores deputados ha de vir depois aqui.
Não tenho duvida do dizer á camara que abundo na opinião, diversas vezes manifestada nas duas casas do parlamento, de que é conveniente a continuação dos caminhos de ferro de sul e sueste, e o acabamento da linha do Algarve, não só para tirar proveito do capital empregado n'aquellas linhas, mas para dar maior desenvolvimento á riqueza das provincias do sal do reino. Com relação, porém, á proposta de que se trata, nada posso dizer ainda, porque não tive occasião de aprecial-a, o mesmo porque se refere a um assumpto que deve sor discutido em conselho de ministros como são todos d'esta natureza e importancia.
O sr. Presidente: - Ámanhã (21 do corrente) continua a mesma ordem do dia, e ficam inscriptos os srs. Vaz Preto, Mendonça Cortez, visconde de Chancelleiros e ministro das obras publicas.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 20 de maio de 1880
Exmos. srs duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; duque de Loulé; marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim; arcebispo de Evora; condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Linhare?, de Podentes, da Ribeira Grande, da Torre, de Rio Maior, de Valbom, de Gouveia; bispo eleito do Algarve; viscondes, de Algos, de Aires de Sá, de Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, de Ovar, do Seisal, de Soares Franco, da Praia, de Valmór; barão de Ancede; Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couro Monteiro, Fontes Pereira do Mello, Coutinho de Macedo. Cau da Costa, Xavier da Silva. Carlos Bento. Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo. Mendonça Cortez, Sequeira Pinto, Mamede, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro. Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Pinto Bastos, Seiça e Almeida, Costa Lobo, Eugenio de Almeida, Palmeirim, Mello e Carvalho, Miguel Osorio, Serpa Pimentel.