DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 545
Parece-me ter respondido cabalmente ás perguntas feitas pelo digno par, declarando por ultimo, que, tendo o poder temporal marcada a sua esphera de acção na lei de 1876, não póde elle julgar-sé desobrigado sem ter cumprido as obrigações que a mesma lei impõe.
O sr. Ferrer: — Quer dizer que o sr. ministro da justiça não dá ainda por concluidos os trabalhos necessarios para ultimar a circumscripção das dioceses.
O Orador: — Não dou ainda por concluida a missão do governo, que tem de executar a lei de 18-76.
Concluo, porque parece-me ter respondido ás perguntas que me dirigiu o digno par.
(O sr. ministro não reviu este discurso.)
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Barros e Sá.
O sr. Ferrer: — O costume é depois da resposta do ministro ...
O sr. Presidente: — Não me opponho a que o digno par use da palavra.
Continue s. exa.
O sr. Ferrer: — Não é por querer desconsiderar o sr. Barros e Sá, mas porque a ordem natural da discussão exige que eu me siga ao sr. ministro.
Não fiz mais do que perguntar, quando fallei pela primeira vez, e agora é necessario que eu tenha o direito de apreciar a resposta de s. exa.
O sr. Presidente: — Eu regulei-me pela ordem da inscripção.
No entanto mantenho a palavra a v. exa.
O sr. Ferrer: — Já o sr. ministro da justiça vê que lhe prestei um bom serviço, fazendo as minhas perguntas.
Dei assim occasião a que podesse explicar a marcha que p governo tem seguido nas negociações com a santa sé, e justificar até onde é possivel o seu procedimento.
Se s. exa. no anno passado, quando tantas vezes instei pelos documentos que havia com relação ás dioceses vagas, m’os tivesse remettido, teria talvez evitado as perguntas que acabo de fazer.
Na maior parte- do que disse o sr. ministro da justiça, approvo o procedimento do governo.
Parece-me que dou n’isto uma prova de imparcialidade.
Mas reservo-me o direito de apresentar algumas observações que me parecem importantes.
Disse o. sr. ministro que a renuncia, do sr. arcebispo de Braga fôra apresentada, não por elle, mas pelo governo, á santa sé e que esta declarara que o santo padre acceitou a renuncia com a clausula de continuar o sr. arcebispo de Braga a exercer as suas funcções, até que o novo arcebispo, confirmado pela sé, tome posse. _
S. exa., pretendendo justificar esta pratica, disse-nos, citando exemplos similhantes, que já estava estabelecida por bulias anteriores, que receberam do governo portuguez o beneplacito regio.
Sr. presidente, eu dou pouca importancia aos casos julgados. Os casos julgados não são infalliveis.
Eu não me posso accommodar com a doutrina que o cardeal, ministro de Sua Santidade, pretende aqui estabelecer para ser seguida na renuncia do arcebispo de Braga. Tenho para isso gravissimas rasões.
Quer isto dizer em ultima analyse que é dar com uma mão e tirar com a outra.
É uma contradicção da santa sé que eu só posso admittir com relação á curia romana e não ao Santo Padre, porque d’elle faço eu um juizo muito vantajoso, não só pelos seus, grandes conhecimentos, como pelo seu caracter austero e severo.
É tambem minha convicção, sr. presidente, que não appareceu ainda até hoje um successor de S. Pedro com um caracter tão respeitavel como Leão XIII.
Não sei, pois, a quem attribuir a culpa; ao Santo Padre não a posso attribuir.
Esta é uma dás rasões que eu tenho para duvidar de que Sua Santidade consentisse n’estas clausulas.
Sr. presidente, acceitar a renuncia a um bispo, e sobretudo a um arcebispo, e ao mesmo tempo dizer-lhe que continue a governar o arcebispado, é tirar-lhe toda a força, é inhabilital-o para cumprir bem as suas obrigações.
Isto que acontece com os empregados do governo acontece igualmente com os prelados da igreja. Este inconveniente que é grave sempre é muito mais grave ainda com relação ao sr. arcebispo de Braga, porque apesar de estar collocado no mais alto degrau da hierarchia ecclesiastica portugueza, depois de ter servido em Goa como arcebispo e primaz do Oriente, depois de ter servido a diocese de Braga, depois de ter sido lente proeminente na universidade de Coimbra, depois de tudo isto, levanta-se contra elle a imprensa, censurando-o uns porque governa outros porque não governa, e quasi todos atirando para cima do sr. arcebispo um monte de ridiculo de que elle não é merecedor, e obrigando-se o veneravel arcebispo de Braga a soffrer tudo isto com paciencia apostolica e sem dizer palavra.
Muitos louvores da minha parte ao sr. arcebispo; sinto não poder dizer o mesmo com referencia á curia romana, e não posso, por ter ella dado occasião a estes factos, e permitta-me o sr. ministro da justiça que eu tambem desapprove o seu procedimento.
Sr. presidente, não foi confirmado ainda o successor do sr. arcebispo de Braga.
Pelo que vejo a acceitação da renuncia foi em marco, e até hoje não se confirmou o. novo successor.
E doutrina dos canones da igreja, que as sés e todos os beneficios collados não estejam por muito tempo sem os seus pastores.
Como se póde pois explicar que, tendo sido ha tantos mezes acceita a renuncia do sr. arcebispo de Braga, ainda não esteja confirmado hoje o seu successor?
Como se póde explicar este facto?
Pelas rasões apresentadas pelo sr. ministro da justiça, de que os processos continuam perante o sr. nuncio quando elles são simplicissimos?
Estas rasões não podem justificar a grande demora que tem havido.
O sr. ministro da justiça não sabe os graves inconvenientes, que ha em continuar a diocese nestas circumstancias, durante esta especie de interregno?
Não posso approvar este procedimento da curia, e digo da curia e não do Santo Padre, porque não posso crer que Sua Santidade quizesse ir contra os principios fundamentaes da igreja, contra as leis canonicas.
Passemos á resposta dada á quarta pergunta:
Foram confirmados os apresentados pelo governo para as sés vagas?
São umas poucas as sés que se acham vagas; e creio, pelo que ouvi ao sr. ministro da justiça, que se dá este facto porque não se concluiu ainda pelo lado do poder temporal a negociação com a curia ácerca da suppressão e annexação das dioceses.
O Santo Padre tem toda a rasão para não confirmar os bispos; e não sei mesmo como o sr. ministro da justiça pôde, n’estas circumstancias, atrever-se a fazer uma proposta para o preenchimento das sés vagas.
Pois então ha um anno que passou a ultima lei relativamente a esta negociação, proposta pelo sr. ministra da justiça, para desembaraçar o ponto em que se achava embaraçada a execução da lei anterior, e de então até agora "ainda não póde concluir senão parte dos trabalhos com relação ao que competia fazer pelo lado do poder temporal ácerca d’esta negociação?
Como se póde explicar isto?
Eu desejava muito louvar o sr. ministro da justiça; desejava mesmo que s. exa. saísse triumphante, para bem da igreja e do estado; mas similhante demora não tem rasão da »er.