DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 553
Citarei um facto succedido ainda ha pouco, a respeito de umas consignações pagas pelo thesouro.
Foram pedir o pagamento da consignação á repartição competente, e lá disseram: «Voltem d’aqui a dois ou tres dias, porque hontem varreu-se, tudo!»
Realmente, este estado financeiro é uma desgraça, sr. presidente. Estas tristes contas do thesouro são o. Mané, Thecel, Pharès d’este governo!... Augmentar sempre a despeza, a receita a diminuir, é isto o que necessariamente nos ha de levar á bancarota, que já nos ameaça.
Esses abusos não podem, nem devem continuar. É necessario pôr-lhe um termo!
Sr. presidente, houve em Inglaterra, parece-me que tenho direito a discutir este ponto, porque a questão de Leixões é a questão de fazenda, a questão, de fazenda aggravada, a questão de fazenda, que é a questão politica! (Apoiados.)
O sr. Presidente: — E quem nega a v. exa. o direito de discutir?
O Orador: — Pareceu-me por um gesto de v. exa. que eu fallava fóra da ordem.
O sr. Presidente: — Eu não sou responsavel pelos meus gestos, sou apenas responsavel pelas minhas palavras.
O Orador: — Sr. presidente, se me enganei, louvo v. exa. por me conservar a plena liberdade de poder fallar. Estimo, e muito, que v. exa. mantenha a liberdade da tribuna portugueza.
Mas, sr. presidente, em Inglaterra houve o long parliament, em França houve a camara dos introuvables, e nós temos actualmente uma situação de erratas. Porque errata é o facto extraordinario succedido no projecto do caminho de ferro da Beira Baixa, errata é o que se ha passado na questão internacional, e errata é ainda o adiamento das reformas politicas, depois de ter proclamado o governo do alto do throno a instante, e urgente necessidade de se tratar d’ellas! Hoje, ámanhã e sempre erratas para este governo poder viver! Só não ha errata para este projecto, só não ha errata para os 18.000:000$000 réis da divida fluctuante, que o governo nos promette para o anno futuro. (Apoiados.)
Mas vamos ao projecto. N’este assumpto ha a considerar principalmente quatro pontos. Satisfaz, porventura, o projecto ás necessidades, da navegação? Primeiro ponto. Quanto custa a sua realisação? Quaes são os meios com que contâmos para pagar o importe da obra? A cidade do Porto resolve por esta fórma a situação difficil em que se encontra o seu commercio?
São estes, sr. presidente, os quatro pontos debaixo dos quaes eu hei de considerar, o projecto que está na tela do debate.
Diz o illustre relator:
«Inutil parece ás vossas commissões enumerar-vos as vantagens resultantes da construcção de um porto de abrigo ao norte do paiz, junto da segunda cidade do reino, que permitta a entrada livre e desembaraçada mesmo a navios de forte caladura, em todas as estações do anno.»
Sr. presidente, não sou technico, e portanto ser-me-ha difficil luctar com a illustrada opinião dos esclarecidos engenheiros que se têem occupado d’este assumpto, entre os quaes figura muito distinctamente o sr. conde de Gouveia, que é um dos ornamentos desta casa, e mais uma corôa do principio hereditario. S. exa. é um dos representantes d’este principio, e, continuando as altas qualidades dos seus ascendentes, um dos homens mais illustrados desta assembléa.
(Pausa.)
Ia eu dizendo, sr. presidente, que não posso competir, com os illustres technicos; mas hei de empregar em relação a este projecto a auctoridade de homens entendidos, e a critica que resulta do estudo dos documentos examinados com boa fé.
Não posso discutir com os technicos, mas permitta-se, comtudo, que em relação ao projecto eu empregue o meu humilde bom senso.
Napoleão o Grande, discutindo no conselho de estado com os eminentes jurisconsultos, que tratavam da organisação do codigo civil, oppunha aos especiaes conhecimentos d’elles o seu extraordinario bom senso.
Não me abunda o talento, nem são profundos os meus conhecimentos; porém posso possuir o bom senso necessario para avaliar o assumpto convenientemente.
Quem nega que a barra do Porto está em pessimas condições e que precisa de melhoramentos?
Entendo que n’este ponto estão todos de harmonia; ninguem duvida.
Agora o que é necessario saber é se o porto, que se pretende construir em Leixões, resolve a difficuldade.
Diz-se que a cidade do Porto é unanime em pedir este melhoramento; todavia eu sei que muitas pessoas d’ali têem opinião contraria.
Ainda hontem, o sr. visconde, de Moreira de Rey, que é muito conhecedor da barra do Porto, nos. declarou que. conversara largamente com individuos competentissimos, e estes, lhe fizeram ver que o, porto de Leixões não era. vantajoso.
Tenho aqui um pequeno extracto de uma representação de 14 de dezembro de 1882 da camara municipal d’aquella cidade, onde a vereação, depois de patentear que melhoramentos profundos na barra do Douro seriam indubitavelmente a mais conveniente das soluções, diz,: «pelo que respeita á construcção de um porto artificial de commercio em Leixões, não póde esta camara deixar de muito respeitosamente ponderar a Vossa Magestade que a julga sob todos os pontos de vista prejudicial para a cidade, sem ser proveitosa para o paiz»..
Em presença, sr. presidente, de. opiniões, tão claras e precisas, pergunto, porque vem o sr. ministro apresentar agora ás côrtes uma proposta de lei auctorisando o governo a construir um porto de abrigo em Leixões, não só antes de se ter tratado seriamente de fazer melhoramentos profundos: na barra do Douro, senão sem que se tenham feito já os estudos definitivos, nem mesmo preliminares do canal de communicação pedido entre o porto de abrigo de Leixões, e o rio Douro; ficando estes estudos importantissimos adiados para uma epocha posterior indeterminada?!
Sr. presidente, faz se o porto de abrigo, e continuam, pergunto, os trabalhos na foz do Porto para satisfazer ás necessidades de um porto de commercio?
Logo tratarei da questão do canal, que é negocio gravissimo.
Sr. presidente, o nobre relator não se enthusiasmou tanto como a commissão da camara electiva; s. exa. diz apenas: «Inutil parece enumerar as vantagens da construcção de um porto de abrigo ao norte do paiz».
Comtudo a illustre commissão da camara dos senhores deputados diz:
«Tambem o interesse publico reclama, por outro genero de considerações, a. construcção de um porto de abrigo na costa ao norte.
«Em parte alguma da costa podem entrar ou abrigar-se navios de guerra para a defeza, guarda ou fiscalisação das nossas costas maritimas, nem para o transporte de aprovisionamentos ou munições em tempo de guerra.»
Ora, eu não sei para que foram postas estas palavras «navios de guerra». Todos nós sabemos que o porto de Leixões, não é construido para receber navios de guerra!
É verdade, sr. presidente, os interesses da cidade do Porto merecem-nos toda a consideração, aquella cidade foi o principal baluarte das nossas liberdades, e é hoje uma grande cidade commercial, cheia de vida e iniciativa. Não se pôde, comtudo, dizer que os governos do paiz tenham regateado á cidade do Porto os mais consideraveis melhoramentos, que ella lhes tem exigido: pontes monumentaes,