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N.º 65

SESSÃO DE 21 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. Sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares, Visconde de Soares Franco Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente.- A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. conde de Rio Maior pergunta ao governo qual a, sua resolução ácerca de certos melhoramentos que a cidade do Porto julga indispensaveis para a sua prosperidade. - Resposta do sr. ministro das obras publicas (Saraiva de Carvalho). - O digno par Vaz Preto deseja saber se já estava assignado o decreto mandando proceder ás eleições pelos circulos vagos.-Resposta do sr. presidente do conselho.- Ordem do dia.- Continuação da discussão do orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria.- Discursos e considerações dos srs.: Vaz Preto, Mendonça Cortez e visconde de Chaucelleiros.

As duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 30 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação, era contrario.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministro das obras publicas, e entrou durante a sessão o sr. ministro da fazenda.)

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do sr. E. Moser, remettendo no exemplares da exposição que dirigiu á camara dos senhores deputados, relativamente á construcção do anteporto do Douro.

Mandou-se distribuir.

O sr. Presidente: - Devo declarar á camara que recebi ha pouco das mãos de uma deputação dos estampadores e vendedores de papel para forrar casas uma representação em que se fazem algumas ponderações com referencia a um projecto que foi já approvado pela camara dos senhores deputados, e que julgam trará consequencias prejudiciaes para a sua industria.

Proponho á camara que esta representação seja remettida á commissão que tem de dar parecer sobre o referido projecto.- Provavelmente é a commissão de fazenda.

Consultada a camara, resolveu no sentido proposto pelo sr, presidente.

O sr. Conde de Rio Maior: - Embora não estejam presentes o sr. presidente do conselho e o sr. ministro do reino, desejo submetter algumas observações á consideração da camara, por isso que está representado o governo na pessoa do sr. ministro das obras publicas.

Os telegramas de hoje anunciam uma grande agitação na segunda cidade do remo, agitação proveniente da exigencia de melhoramentos materiaes e obras importantissimas por parte dessa cidade.

Se eu contasse com um governo forte, hão diria cousa alguma a este respeito; mas infelizmente os factos têem demonstrado que se não realisou o esperançoso programa do actual gabinete, que prometteu regularizar por uma vez todos os negocios publicos, e por as cousas no são.

Para exemplo do que digo basta citar dois factos; o negocio do caminho de ferro de Torres e o projecto relativo ao major Serpa Pinto. Eu parto do principio de que esto governo, embora animado da melhor vontade, preso, todavia, pelas influencias locaes, preso pelos seus compromissos, não póde deixar de ceder a diversas pressões, e assim tem de cumprir promessas, que talvez no intimo da sua consciencia não julgue completamente uteis aos interesses do paiz.

Ignoro quaes são as promessas feitas pelo governo á cidade do Porto. Desde que a politica se mette de permeio, os negocios ainda os mais simples tornam-se confusos, e neste caso o cahos é tamanho que parece difficil apurar a verdade.

Creio que uma cidade tão patriotica, como é o Porto, se acaso tem hoje estas exigencias, é porque confiou de certo em solemnes promessas. Todos nós considerámos muito aquella nobilissima cidade, aquelle baluarte, que foi um, dos mais fortes, quando se tratou de afastar por uma vez deste paiz o despotismo.

Tem o Porto os brasões mais gloriosos, e alem disso em relação ás provincias do norte é o empório de um importantissimo commercio. Fallo dos vinhos. Considerando pois os pedidos de tão distincto municipio, tenho, quero declara-lo bem alto, a maior sympathia pelas suas justas reclamações, e sobretudo quando estas estão ligadas ao futuro da sua bem merecida influencia, e ao progresso da sua riqueza; mas eu devo dizer, sr. presidente, acima de qualquer cidade, acima das cidades do Porto e de Lisboa, antes das melhores e mais nobres cidades do reino, estão os interesses geraes do paiz!

É muito bom que se construa a ponte do Douro; é muito bom que se construa o porto de Leixões; é muito bom que este porto seja ligado por um canal ao rio Douro; é muito bom que o caminho de ferro do Pinhão vá á fronteira; é muito bom que da estacão do Pinheiro se continue a linha até á margem do Douro; é muito bom tudo isto; porem hoje actualmente, neste momento vejo primeiro os interesses da nação e, devo repetir, anteponho a tudo isto o estado financeiro. Embora se diga que as minhas palavras são intempestivas, que as minhas observações não são bem cabidas, é certo que a minha palavra está de accordo com o meu programa politico, sempre o mesmo, e as minhas idéas explicam-se facilmente.

Abro o orçamento e vejo que a receita geral do estado é calculada em 28.649:568$000 réis, notando-se que nesta cifra está incluída a verba de 2.438:000$000 réis de receita extraordinaria, applicada ao caminho de ferro da Beira, e 1.285:644$000 réis, chamados impropriamente compensações de receita, e em vista disto não exagero, dizendo que o déficit ha de ser muito superior a 5.000:000$000 réis, deficit que este governo, sentado nos bancos da opposição, dispondo das intelligencias distinctas, que existem no partido progressista, com muito mais talento do que eu possuo, fulminaria, pedindo todas as cautelas, todos os cuidados, como doente de gravidade a que convem attender!

Sr. presidente, em conformidade com este estado de cousas, facilmente explico as minhas duvidas, e o adiamento, que peço, para os melhoramentos projectados.

Com referencia á nossa situação financeira quaes são os factos?

Ainda na sessão de hontem na camara dos senhores deputados o sr. ministro da fazenda apresentou um projecto de lei para fazer um emprestimo destinado á consolidação da divida fluctuante no valor de 15.500:000$000 réis; estamos a votar todos os dias leis crueis e muito crueis,

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que só se explicam por uma situação anormal, já não fallo das que foram votadas, atacando as materias primas e as fontes de producção; mas refiro-me ás que ainda vamos discutir, refiro-me ao imposto de rendimento, esto projecto que ha de aqui ser examinado com o patriotismo proprio desta camara.

O gabinete tem, portanto, de lançar mão de remédios crueis, que significam pelo menos num dos seus artigos a fraqueza do governo, que, não tendo coragem para propor abertamente o imposto sobre as inscripções, vem com aquelle projecto acobertar o verdadeiro fim da sua notavel proposta!

Sr. presidente, eu desadoro o systema do sr. ministro da fazenda. Escreveu s. exa. no seu relatorio: "Como correctivo ao que teria de injusto, a invariabilidade dos contingentes, os governos e os parlamentos de diversas epochas julgaram que o meio mais adequado de augmentar a contribuição predial consistiria na creação successiva cio addicionaes, disfarçados em parte com o nome de contribuição diversa e excedente na sua totalidade a 62 por cento do principal. Tem por fim a proposta n.° 1 pôr termo á inutil complicação proveniente de um systema ilusório e como tal pouco sustentável."

Sr. presidente, este projecto está já hoje approvado pelas duas casas de parlamento, e, todavia, sr. presidente, apesar de nós o termos votado, os addicionaes tornarão a apparecer, porque o imposto de renda, lançado pobre a propriedade e a industria, não é mais do que um imposto addicional.

E a final, depois de tudo isto, depois de todos estes projectos, depois do systema tributário todo alterado, o sr. ministro no seu relatorio declara-nos ficar um déficit de réis 1.000:000$000! Eu, porem, salvo o devido respeito, calculo que elle ainda ha de ser maior e muito maior.

Insistindo no meu ponto de partida, direi á camara que é necessario que o governo declare, para nós o sabermos, não digo o seu programma, porque esse está ha muito esquecido; mas, em vista das promessas feitas á cidade do Porto, qual é a sua resolução e o seu pensamento.

Ainda ha poucos dias, na camara dos senhores deputados, tratando-se do imposto de rendimento, o sr. ministro da fazenda, respondendo a uma das illustrações daquella casa do parlamento, disse o seguinte: "Posto isto, só nos cumpre para o futuro emprestimo ter em conta os seguintes encargos: os da divida fluctuante, os que provem da construcção do caminho de ferro da Beira, e finalmente os resultados da construcção do caminho de ferro cio Douro, construcção que exigirá até ao Cachão da Balei rã uns réis 900:000$000. Não se ameaçam, pois, os mercados com qualquer outra emissão, que possa tornar monos aceitáveis as condições com que ha de ser negociado o credito futuro ".

Eu pergunto ao governo qual é a sua resolução em vista destes novos pedidos da invicta cidade do Porto? Se elles forem todos attendidos, como é que o governo vae fazer face a todos esses encargos? Será creando nova divida fluctuante, quando vamos fazer sacrificios para pagar aquella que hoje existe!

Sr. presidente, esqueceram-se as primeiras palavras do sr. ministro da fazenda, quando pela primeira vez aqui entrou, esqueceram-se aquellas salutares indicações que s. exa. em um famoso documento escreveu para a associação commercial, e no qual pouco mais ou menos dizia o seguinte: "Qualquer que seja a vantagem de tantos melhoramentos, é necessario pormos prego na roda; não podemos andar tão depressa; não devemos sacrificar só a este intento as finanças do paiz. Este desejo embora muito attendivel, e muito profícuo póde todavia collocar a nação em circumstancias difficeis."

Sr. presidente, apesar de não estar presente o sr. ministro da fazenda, declaro, não tive duvida em me referir a s. exa., pois está presente um membro do gabinete. Como os ministros são solidarios, posso fallar mesmo na ausencia de s. exa.

O sr. ministro da fazenda, com aquella ilustração que todos lho reconhecem, tem-nos muitas vezes citado auctoridades estranhas; mas eu peço licença para lembrar ao governo o que em um paiz importante, como e a Inglaterra, dizia um ministro notavel, respondendo ás exigencias que lhe faziam, as quaes, embora fundadas em doutrina excellente, não deviam, todavia, ser acceitas.

O ministro, a quem estavam a cargo as finanças daquella grande nação, o sr. Lowe, uma das maiores illustrações financeiras, respondia em 1859 o seguinte a uma companhia meteorológica da Escocia, cujos directores o procuraram para lhe pedir uma pequena subvenção no orçamento de 7:500 francos:

"Recuso, disse elle, querem que sejamos economicos? A primeira condição é não pedir ao governo que faça aquillo que os individuos, as corporações, as sociedades podem muito bom fazer por sua conta. Não podemos gastar por esta, forma o dinheiro do thesouro!

"É possivel que tenhaes pousado menos no dinheiro que no apoio do estado? Pois bem, ainda me desagrada mais prodigalisar este apoio do que dar o dinheiro da nação!"

No livro donde tiro estas palavras leio mais:

"É terrivel este chanceller do Echequier, não admitte brincadeiras na questão de fazenda. Vão-lhe fallar em auxílios eleitoraes, põe a andar candidatos e candidaturas, declarando que não admitte precedentes, nem compromissos em t similhantes assumptos."

É assim, sr. presidente, que se é financeiro num paiz como a Inglaterra, e esta a maneira por que faliam e resistem os ministros da fazenda ás reclamações intempestivas, que lhe dirigem.

Portanto, resumindo, e pedindo desculpa á camara do tempo que lhe tomei, peço ao governo que nos diga, quaes são as suas resoluções em relação aos factos, que se teem passado na cidade do Porto, e a sua opinião quanto aos pedidos de despeza, que lhe foram feitos.

O sr. Visconde de S. Januario: - liando para a mesa um parecer das commissões de guerra e fazenda, tendente a beneficiar a classe dos officiaes inferiores do exercito.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao sr. ministro das obras publicas; mas antes disso devo declarar á camara, que o que o sr. condo de Rio Maior acaba de fazer foi uma interpellação ao governo.

O regimento marca o andamento que devem ter as interpellações, mas o governo póde responder desde já, se quizer. Portanto, se o sr. ministro das obras publicas quer agora, dispensando-se o regimento, responder á interpellação do sr. conde de Rio Maior, vou dar a palavra a s. exa., observando-lhe, todavia, que não tem obrigação de responder a uma interpellação quengo lhe foi comunicada com antecipação. Só depois de prevenido a tempo é que s. exa. tem direito a declarar quando está prompto para responder, e a camara então determinará quando essa interpellação deve ter logar.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Saraiva de Carvalho):- Responderei em poucas palavras ao digno par o sr. conde de Rio Maior, por parte do governo.

As idéas do governo em relação á cidade do Porto e ao norte do paiz, são as mesmas que tem em romeno a todo o paiz, e essas idéas constam das propostas por elle apresentadas. O governo mantém essas propostas com aquella s modificações, que de accordo com o governo, teem sido feitas pelas commissões da camara dos senhores deputados. Portanto essas propostas e as modificações nellas feitas, de accordo com o governo, por aquellas commissões, são que traduzem plenamente as idéas do governo.

Nada mais tenho a acrescentar a este respeito.

O sr. Conde de Rio Maior: - Peço a palavra.

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O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao digno par sem consultar a camara se quer, pondo de parte-a discussão do orçamento, que continue a interpellação que foi encetada pelo digno par o sr. conde de Rio Maior.

Os dignos pares que approvam que continue esta interpellação, apesar de não ter sido dada para ordem do dia, tenham a bondade de se levantar.

Procedeu-se á contagem dos dignos pares que se levantaram e que ficaram sentados.

O sr. Presidente: - Tambem voto contra. Em vista do numero dos dignos pares que permittem que continue a interpellação, e dos que são de voto contrario, a camara resolve que não continue a interpellação do sr. conde de Rio Maior.

O sr. Conde de Rio Maior: - Apesar do respeito, que tenho por v. exa. e pelas suas indicações, devo dizer que nunca foi o meu pensamento que uma questão de tranquillidade e ordem publica, sobre que apenas fiz alguma perguntas, fosse considerada como uma interpellação. Entretanto, como preciso dar algumas explicações, peço a v. exa. que me de a palavra no fim da sessão.

O sr. Presidente: - Os dignos pares comprehendem que a minha obrigação é fazer cumprir o regimento. O regimento diz expressamente que as interpellacões serão annunciadas antecipadamente.

O digno par o sr. conde de Rio Maior fez uma interpellação, porque não posso considerar de outro modo as perguntas que s. exa. dirigiu ao sr. ministro das obras publicas, (Apoiados.) e analysou o discurso do sr. ministro da fazenda. Ora isto é rigorosamente uma interpellação. (Apoiados.)

Ora eu não quero a responsabilidade das consequencias do precedente que o digno par quer agora estabelecer, com as melhores intenções de certo.

Vou perguntar á camara se quer que continue a discussão que encetou o digno par o sr. conde de Rio Maior.

Vozes: - Já se votou.

O sr. Presidente: - O que se votou foi que não continuasse a interpellação. Agora o sr. conde de Rio Maior pede a palavra para uma explicação, e eu não quero recusar a palavra a s. exa., mas não lha posso dar sem que a camara o permitia.

O sr. Conde de Rio Maior: - São muito breves as observações que tenho a fazer, e falas-hei, quando v. exa. o determinar, sujeitando-me inteiramente ás indicações de v. exa. e áquellas, que vejo dominar na camara.

portanto não tenho duvida em reservar as minhas reflexões para a proxima sessão.

O sr. Presidente: - Muito bem. Darei ao digno par a palavra no fim da sessão para explicações.

O sr. Vaz Preto: - Julgo que não é interpellação a pergunta que vou fazer ao sr. presidente do conselho. Desejava que s. exa. declarasse se estava já assignado o decreto que manda proceder ás eleições nos circulos que estão vagos. Parece-me que o sr. presidente do conselho disse aqui que esse decreto ia ser assignado, ou o estava já. Se é assim, qual foi a rasão porque não se publicou ainda esse decreto?

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Quando numa das sessões anteriores o digno par me dirigiu algumas perguntas a respeito das intenções do governo ácerca da eleição de deputados pelos circulos que estão vagos, declarei a s. exa. que o governo mandaria proceder com brevidade ao acto eleitoral.

Não posso especificar o dia em que as eleições deverão ter logar, mas posso declarar a s. exa. que ellas hão de effectuar-se no mez de julho.

O sr. Vaz Preto:- Desde que o sr. presidente do conselho de ministros declara que o governo mandará proceder ás eleições pelos circulos que estão vagos no mez de julho, nada mais tenho a dizer a este respeito. Tenho, porem, que fazer uma outra pergunta a s. exa. sobre outro assumpto tambem importante, e por isso seja-me permittido dizer ainda duas palavras.

V. exa. sabe que numa das sessões passadas esta camara modificou um projecto do governo dando um posto de accesso ao major Serpa Pinto. O sr. presidente do conselho e o sr. ministro da guerra acceitaram essa modificação, e até com jubilo se associaram ao pensamento desta camara a tal respeito, compromettendo se quasi o sr. presidente do conselho a fazer acceitar pela camara dos senhores deputados a resolução desta camara.

Ora, tendo a camara dos senhores deputados rejeitado o projecto, pergunto: qual é a situação do governo depois das declarações que fez nesta casa? Como é que o sr. presidente do conselho e o sr. ministro da guerra, sustentam e fazem valer as suas afirmativas na camara dos pares?

Desejarei ouvir a opinião do governo sobre este assumpto.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Quando nesta casa se tratou o assumpto a que se referiu o digno par, disse eu, se não me falha a memoria, que estava persuadido que a camara dos senhores deputados acceitaria a resolução proposta pela dos dignos pares, da mesma forma que tinha approvado a proposta do governo. Não assisti hontem á sessão da camara dos senhores deputados, mas constou-me que aquella camara adoptou uma resolução em virtude da qual tem de proceder-se á nomeação de uma commissão mixta para tratar" do assumpto e, portanto, á mesma commissão é que pertence resolver definitivamente este negocio.

O sr. Presidente: - Tenho precisão de consultar de novo a camara, porque já passou a meia hora marcada no regimento para tratar qualquer assumpto antes da ordem do dia. Este, a que se referiu o digno par, tem o caracter de uma interpellação, e peço aos srs. ministros que não se esqueçam de que o regimento estabelece o modo por que ellas devem verificar-se.

Vou, pois, consultar a camara sobre se quer que se entre já na ordem do dia.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Vaz Preto: - Peço ao sr. presidente do conselho que compareça amanhã antes da ordem do dia, porque preciso continuar esta, explicação. Isto que eu fiz, tem-se feito centos de vezes. Fallava antes da ordem do dia sobre um assumpto importante; é costume quando se discute qualquer incidente desta ordem, não se passar á ordem do dia sem os srs. ministros responderem. O sr. presidente da camara não quer hoje que continue a discussão, faça pois a sua vontade, e amanhã ou noutra occasião eu exigirei as devidas explicações, e farei valer o meu direito.

O sr. Presidente: - Permitta-me o digno parque lhe diga, que a camara acaba de resolver que se passasse á ordem do dia. (Apoiados.)

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do orçamento do ministerio das obras publicas

O sr. Vaz Preto: - Entrarei na ordem do dia sem preâmbulos, visto que são prohibidos.

Já que o sr. presidente me quer restringir a esphera da discussão, serei o mais breve e conciso, para não provocar mais reclamações da parte de s. exa.

A camara ouviu hontem as reflexões que eu fiz, e a resposta do sr. ministro das obras publicas.

S. exa., não podendo responder ás accusações graves e serias que apresentei, para mostrar que desperdiçava os dinheiros publicos, e que os gastava illegalmente, declarou que eu não discutira o orçamento, mas o bill de indemnidade.

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Pois não discutia eu o orçamento, quando tratava do modo como se despendiam os dinheiros publicos? Não analysei eu com todo o cuidado, e circumstancia da mente, verbas que foram gastas, não attendendo o sr. ministro ás prescripções de leis existentes, esquecendo até os decretos ultimamente publicados pelo governo ácerca de gratificações? Se fallei do bill de indeminidade, foi apenas como incidente, e para mostrar que a tendencia esbanjadora estava por tal forma já inveterada no sr. ministro das obras publicas, que até teve de infringir a lei para despender á sua vontade, e tão irregularmente, que foi forçado a vir pedir um bill de indemnidade ao parlamento! bill que lhe foi concedido na camara dos senhores deputados, mas que, até hoje, escondido nos archivos das commissões desta camara, não tornou a ver a luz do dia J Pois não é discutir o orçamento procurar saber como foram gastos os dinheiros publicos, e procurar acautelar para o futuro os desperdicios. Pois não é discutir o orçamento pedir por inuteis a eliminação de verbas nelle descriptas, e o cerceamento de outras? Assim é suppunha!

As minhas considerações não tiveram outro intuito, e o sr. ministro tanto o reconheceu, que não póde responder á analyse e exame serio a que procedi, porque a sua consciencia vergava sob o peso da incoherencia, da contradição e da injustiça.

S. exa. sentia, como se fosse um espinho agudissimo, a justeza das minhas asseverações, que o feriam dolorosamente, e que eram apreciadas com satisfação pela camara, deixadas de pé, porque não encontrava meio de as repellir, tal era a força de verdade e de justiça que as acompanhava! Nestas circumstancias, numa conjunctura tão difficil, porque a verdade entrava pelos olhos de todos, o sr. ministro limitou se a pegar num papel que leu á camara, pretendendo demonstrar que tinha despendido menos do que despendeu o governo transacto, como se os abusos em menor escala o desculpassem S Não obstante, na sua demonstração apresentou s. exa. cálculos errados, como hei de provar; a base de que se serviu era completamente falsa.

Antes, porem, de entrar nessa questão, preciso dirigir de novo algumas perguntas ao sr. ministro.

Pergunto a s. exa. qual é a lei em que se fundou para fazer a promoção de empregados addidos no .ministerio das obras publicas? Não me consta que exista lei alguma que autorise este facto. Não me consta, nem ha precedente algum que justifique uma promoção para empregados addidos e supranumerarios!

Neste facto, onde está p respeito á lei, á economia e á moralidade?

É um acontecimento altamente escandaloso e abusivo. É um caso novo. Não conheço no systema representativo outro similhante, mas a isenção cabe exclusivamente ao actual ministro das obras publicas, o sr. Saraiva de Carvalho!

Espero que o sr. ministro não me responda com evasivas, que responda precisamente á pergunta que lhe dirigi.

Eu já demonstrei que a promoção que se effectuou foi simplesmente para favorecer addidos que pertenciam ás obras publicas de differentes districtos e que escavara na secretaria do ministerio respectivo e fora dos seus legares. Esta promoção fez-se, deixando de attender aos interesses e direitos dos empregados que estavam nos seus logares e que cumpriam o seu dever, fez-se para premiar aquelles que, abandonando os seus logares, faziam serviços eleitoraes. Perguntei eu tambem qual era a verba, por onde se pagava aquelles addidos? Resposta do sr. ministro: "Aos apontadores paga-se da mesma forma que se paga, aos operarios".

De accordo, isso ninguem o duvida nem contesta durante o tempo em que elles fazem serviço nas direcções dos seus respectivos serviços.

A minha pergunta não é essa. O que eu duvido o que eu contesto, e o que perguunto de novo é por onde se lhe paga quando elles estão, fazendo serviço nas secretarias d'estado?

N'esse caso, os apontadores dos differentes districtos, que fazem serviço de empregados da secretaria das obras publicas, são pagos pelas folhas districtaes, ou por onde são pagos?

Espero que o sr. ministro, sem evasivas nem subterfugios, responda qual é averba destinada ao pagamento destes empregados, que estão fora dos seus logares?

A isto não respondeu o sr, ministro, nem tem querido, e evita dar explicações. É, pois, necessario que uma resposta precisa e clara venha tirar todas as duvidas. Creia. s. exa. que eu não sou parlamentar de hontem, e que não evitará com facilidade a minha argumentação; hei de fecha-lo num circulo de ferro, donde não será facil sair. S. exa. póde deixar e responder ás accusações comprovadas que lhe tenho, feito, por não ter meio de se desculpar; mas, como o meu intuito é só fazer julgar os seus actos pela camara e pelo paiz, parece-me te-lo conseguido completamente.

Sr. presidente, passarei agora a refutar a celebre demonstração do sr. ministro das obras publicas. S. exa. declarou hontem que tinha gasto em gratificações illegaes menos do que o governo transacto, o qual tinha gasto em gratificações, ajudas de custo, e outros quaesquer subsidios a quantia de 40:000$000 réis, e comquanto s. exa. tenha despendido 9:OOQ$000 réis contando com os tres mezes que faltavam para concluir o anno, chegaria a réis 12:000$000, os quaes deduzidos dos 40:000$000 réis resulta uma economia de 28:000$000 réis!

Se isto assim fosse ainda não era mau.
Mas para que a camara reconheça a falsidade da asseveração do sr. ministro, basta mostrar-lhe as contradicções do proprio sr. ministro comsigo mesmo. Aqui diz que fez uma economia de 28:000$000 reis, emquanto os seus antecessores gastaram 40:000$000 réis; e no relatorio que precede o decreto de 30 de julho de 1879 affirma que a economia realisada por s. exa. é de 35:000$000 reis!

"Senhor. - O governo de Vossa Magestade lamenta ter que cercear os proventos de tantos empregados, em parte mal retribuídos, mas não póde eximir-se ao cumprimento das leis, e a fazer nas despezas todas as reduções compativeis com os" preceitos da equidade e as necessidades impreteriveis do serviço publico. Procurando respeitar os direitos e interesses legitimes dos funccionarios, não póde esquecer os dos contribuintes, que constituem a grande maioria da nação.

"Se n'este momento é constrangido a impor sacrificios dolorosos a muitos empregados, não lhe póde ser legitimamente attribuida a responsabilidade da situação anormal, que encontrou creada. Esforçou-se por attender. sem injustiça ás razoaveis exigencias da opinião publica, e confia em que n'um futuro proximo conseguirá, por meio do prudentes reformas, melhorar ao mesmo tempo 03 serviços e a retribuição do funccionalismo, sem menoscabo dos preceitos de economia, que são dever essencialissimo de todos os governos.

"Pelos motivos expostos, e pelos muitos que a sabedoria de Vossa Magestade dispensa, o governo tem a honra de submetter á regia approvação o seguinte projecto de decreto, calculando que do conjuncto das disposições tomadas resulta desde já economia não inferior a 35:000$000 réis annuaes.

"Ministerio das obras publicas, commercio e industria, 30 de julho de 1880. - Anselmo José Braamcamp = José Luciano de Castro = Adriano de Abreu Cardoso Machado = Henrique de Sarros Gomes = João Chrysostomo de Abreu e, Sousa = Marquez de Sabugosa = Augusto Saraiva de Carvalho."

Estas asseverações são feitas pelo sr. Saraiva de Carvalho. Qual dellas é a verdadeira, pois a verdade não póde ser senão uma sobre a mesma affirmativa?

O sr. ministro, respondendo-me, affirma que fez uma eco-

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nomia de 28:000$000 réis, e dirigindo-se ao publico, por um decreto official, assegura que essa economia é de réis 30:000$000.

Não basta só dizer fiz uma economia de tantos contos, é, preciso demonstral-o clara e evidentemente, sem contradicções. Não o fez. Vou eu, pois, provar que tal economia não existiu senão na imaginação phantasiosa do sr. ministro! Vejamos o que se passou, e analysemos os factos como elles são. S. exa. gastou 12:000$000 réis illegalmente; é o proprio sr. ministro que o confessa. Se se juntar a essa verba mais 5:000$000 réis de gratificações que deixou ficar, pelo decreto de, 30 de julho, aos empregados que as receberam anteriormente, perfaz a verba do 17:000$000 réis; se juntarmos a esta verba ainda a verba de réis 180:00$000 de ajudas de custo, que saiu das despezas eventuaes, e que agora entra, no orçamento como despezas permanentes, teremos 35:000$000 réis. Isto é mathematico, não resta a mais leve duvida á face dos documentos.

Portanto, as economias do sr. ministro das obras publicas se algumas houve, pois eu duvido da exactidão dos documentos que s. exa. me mandou, foram apenas de réis 5:000$000, o que equivale a dizer que os abusos continuarão, e que contra lei, os reformadores, os homens da moralidade, gastaram 35:000$000 réis!

Sr. presidente, eu não creio ainda nesta economia dos 5:000$000 réis que resulta dos documentos que me foram fornecidos, porque o sr. ministro das obras publicas tornou permanentes, e por todo o mês, as ajudas do custo, que por decreto de 30 de outubro de 1868 não podiam ser abonadas por mais de quinze dias.

Portanto, a tal economia dos 5:000$000 é ainda muito duvidosa e problematica. O que não é duvidoso, nem problemático, é que os abusos, os escandalos, as illegalidades continuam da mesma forma, não obstante a publicação dos decretos de 26 de junho e de 30 de julho de 1879, publicados pelo actual gabinete para evitar mais irregularidades para o futuro.

Portanto, já v. exa. vê, sr. presidente, que com referencia a gratificações o sr. ministro gastou quasi o mesmo, e quanto a ajudas de custo gastou mais; portanto, os cálculos do sr. ministro não foram verdadeiros; e note a camara, que o que estou dizendo é fundado nas apreciações e affirmativas do sr. ministro, e no documento official publicado no Diario, o decreto de 30 de julho de 1879, porque os outros, os que eu pedi logo no principio, nas primeiras sessões de fevereiro, não os pude obter, apesar de ter o maximo desejo.

Nessa occasião, o primeiro que eu pedi foi justamente a nota das gratificações que se davam antigamente; o segundo, nota das que se davam na actualidade; e o terceiro, a nota das ajudas de custo; e s. exa. não me mandou nada disto. De modo que eu não posso fazer o termo de comparação entre umas e outras, as que s. exa. dava, e as que foram dadas pelos seus antecessores.

Passemos a outro ponto. Eu disse que as ajudas de custo dadas pelo actual governo, que revogou com o decreto de 30 de julho de 1879 o que vigorava, o decreto de 30 de outubro de 1868, são muito maiores do que as que se davam, e eu vou demonstra-lo com a maior facilidade.

Não tenho presente as contas de gerencia, nem as contas de exercicio, nem a relação dos empregados que recebem as gratificações, com as respectivas declarações, para poder fazer ainda melhor a comparação, mas na ausencia de todos estes dados, tenho uns documentos officiaes, não menos valiosos, e que nos indicam bem os pontos de comparação; esses documentos são os orçamentos dos differentes annos.

Vou, pois, servir-me dos orçamentos para demonstrar a v. exa. e á camara, que eu estou expondo a verdade, e que os cálculos que o sr. ministro apresentou, ou para melhor dizer, as suas contas, não significam cousa de valor, nem são a expressão da verdade.

O actual governo está no poder ha um anno; tem, por consequencia, dois orçamentos, o de 1879-1880 e o de 1880-1881, e quer v. exa. ver o que diz o orçamento de 1879-1880, comparado com o de 1878-1879? Diz o seguinte:

[VER VALORES DA TABELA NA IMAGEM]


Por consequencia, o sr. ministro das obras publicas gastou a mais, cifra redonda, 41:000$000 réis, apesar de se dizer respeitador da economia!

Comparando os differentes serviços nestes dois annos reconhece-se bem a differença. Até com a verba de empregados addidos, aposentados e jubilados gastou o sr. Saraiva de Carvalho roais 3:887$264 réis, e com os empregados dos telegraphos 1:401$400 réis!

E tudo isto para quê?

Para que os abusos, as irregularidades, continuassem em maior escala, para que as economias fossem só palavras sonoras, sem valor nem sentido, atiradas ao vento! O confronto dos orçamentos prova que o governo, no anno de 1879-1880, despendeu muito mais do que o governo anterior, que elle accusava pelos seus desperdicios.

Vamos ao segundo orçamento de 1880-1881, comparemo-lo aos dois antecedentes e examinemo-lo com o maximo cuidado, visto estar annotado pelo sr. Saraiva de Carvalho.

Confrontemo-lo com o de 1879-1880 e depois com o outro dos regeneradores: com o de 1878-1879.

[VER VALORES DA TABELA NA IMAGEM]

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Ao todo, o governo propõe gastar a mais do que se gastou no anno passado, cifra redonda, 60:000$000 réis. Juntando a estes os 41.000:000$000 réis que o governo, no seu orçamento do anno passado, despendeu no pessoal empregado nos serviços designados nas notas que li, perfaz réis 101:000$000, 41:000$000 dos quaes já o governo gastou a mais do que o governo transacto na sua administração.
Sendo assim, como na realidade é, não admira, sr. presidente, que o sr. ministro das obras publicas diga que ainda não gastou os 40:000$000 réis para que está auctorisado pelo decreto de 30 de julho de 1879, auctorisação esta que se póde dizer que s. exa. deu a si mesmo.

Está claro, que s. exa. pretende gastar a mais do que o outro governo 101:000$000 réis, nos differentes serviços e em ajudas de custo tiradas de outras verbas fora da auctorisação que se tinha dado a si mesmo.

Parece-me, sr. presidente, que tenho provado a evidencia, que s. exa. não fez economias, e que não faz senão despezas a mais na importancia de 101:000$000 réis.

Ha uma outra pergunta a que eu desejava que o sr. ministro das obras publicas me respondesse. É a seguinte:

Como é que o administrador das matas, ao mesmo tempo que recebia uma gratificação de 300$000 réis pela syndicancia a que estava procedendo no Algarve, recebia, em quanto lá esteve, a gratificação de 254$150 réis como administrador das matas, que não administrava, afora estas, outras, como lente etc., de forma que percebia por mez duzentos e tantos mil réis, mais do que a maior parte dos servidores do estado das mais elevadas categorias?

Estas gratificações foram e são dadas pelo sr. ministro das obras publicas. Veja a camara o modo por que se dão gratificações aos afilhados e amigos!

A um empregado que está oito mezes no Algarve, dá-se uma boa gratificação, recebendo ao mesmo tempo outra pelo serviço da direcção das imatas, sem lá estar! Esta invenção de economisar, deve-se ao actual sr. ministro das obras publicas!

Sr. presidente, tenho-me referido só ás gratificações que foram publicadas no Diario a meu requerimento. Parecei-me que essa nota é deficiente, porque muitas outras gratificações são dadas e não se faz ali menção d'ellas, por exemplo, as que são dadas ao actual administrador das matas.

Duvido pois, e duvido com rasão, das famigeradas economias que o sr. ministro diz ter feito, quer quando muito reduzir-se-iam a 5.OOO$OOO réis.

Era conveniente que o sr. ministro fosse mais explicito a este respeito, eu desejo ouvir s. exa. sobre o assumpto, desejando ao mesmo tempo que me diga, e para este ponto chamo a attenção dos proprietarios que aqui têem assento para que saibam e aprendam o methodo economico de pagar aos trabalhadores) quantos mezes no anno trabalham os taes resineiros, para os quaes o sr. ministro declara que é necessario uma verba de 4:000$000 réis; e qual é a lei em que s. exa. se fundou para dar a gratificação de réis 860$000 a operarios que trabalham tres mezes no anno, e cuja trabalho custa 4:000$000 réis.

Sr. presidente, vou concluir as minhas observações respondendo a umas palavras e reflexões notaveis do sr. ministro das obras publicas.

O sr. ministro das obras publicas, quando eu o censurai por ter dado gratificações tendo combatido tanto as faltas e erros do governo transacto, fazendo s. exa. agora o mesmo, s. exa. respondeu o seguinte, phrases textuaes que não accusava nem censurava os ministros transactos "que fazia apenas a sua photographia."

É exactamente a photographia do sr. ministro das obras publicas que eu hei de fazer quando aqui vier o negocio do caminho de ferro de Torres Vedras e Pombal.

Tenho preparada a machina com grande força e os traços hão de ficar bem característicos. S. exa. disse num aparte, que "não disse que fazia a photographia dos ministros transactos, mas sim a do seu orçamento", eu tambem não digo que farei a photographia do sr. ministro das obras publicas, mas sim a photographia do negocio do caminho de ferro de Torres Vedras, e tenho concluido.

O sr. Mendonça Cortez: - Antes de começar as reflexões que tenho de fazer á camara, peço-lhe a ella e a v. exa. vénia pela insufficiencia e desatavio do meu dizer singelo e despretencioso. E cumpre-me acrescentar, não porque o julgue necessario para v. exa. que me conhece de ha muitos annos, mas por aquelles dos meus collegas perante os quaes não goso do mesmo merito, que embora a minha posição politica nesta casa seja clara e definida, ao lado do governo, sem ambages nem reticências, comtudo nem na presente discussão, nem n'aquellas em que tenha de tomar a palavra, nunca sacrificarei a verdade e a justiça, a mais decidida sympathia pela politica da actual situação, nem ainda ás mais instantes suggestões de inalterável amisade para com as pessoas de alguns dos srs. ministros.

Dito isto vou procurar responder ao digno par o sr. Vaz Preto, não obstante já o sr. ministro das obras publicas lhe haver respondido, na minha opinião de um modo cabal, e aproveitarei o ensejo para tambem dizer alguma cousa com referencia ás palavras graciosas do digno par o sr. visconde de Chancelleiros, para responder ao qual quasi exclusivamente eu hontem havia pedido a palavra, por me parecer que s. exa. laborava em dois equivocos.

O primeiro d'esses equivocos foi confundir as contas apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas com o orçamento apresentado tambem por s. exa; o segundo foi confundir a minha humilissima pessoa como membro da commissão de fazenda com a de relator do projecto em discussão.

Sr. presidente, como o sr. Vaz Preto assegurou que o sr. ministro das obras publica? não havia respondido ás suas observações, embora o mesmo sr. ministro houvesse de facto respondido, no meu modo de ver, cabalmente a s. exa., apresentarei algumas ponderações sobre os pontos tocados pelo sr. ministro, e farei as observações que julgar a proposito ás afirmativas gratuitas do digno par.

Perguntou s. exa. em que lei se havia fundado o sr. ministro das obras publicas para praticar uns certos actos, e afastando-se largamente do programa do partido progressista, atacando ao mesmo tempo não só as leis geraes de administração pública, mas a lei fundamental do estado.

Devo responder ao digno par que a lei em que se fundou o sr. ministro foi aquella que está acima de todas, que a todas subordina, foi a lei da boa administração publica, a lei da equidade, a lei da salvação publica.
(Movimento do lado esquerdo da camara.)
Vejo que de um lado da camara se levanta relutância contra esta minha asserção.

Se for necessario, sr. presidente, demonstrarei que os documentos e os factos publicos auctorisam a minha affirmava.

O sr. Vaz Preto, com admiração minha, asseverou ainda que havia de provar, e levar até á evidencia, que os cálculos apresentados no orçamento em discussão provavam ser inexactas as contas que o sr. ministro aqui nos leu na ultima sessão.

Ora, como é que o digno par quer contestar contas de qualquer especie, quer sejam de gerencia, quer de exercicio, baseando-se apenas em cálculos feitos no orçamento? É ilógico; é impossivel!

S. exa. asseverou tambem, com satisfação indicadora de que lhe parecia impossivel ser contradictado, que as matas não renderam o sufficiente para o seu custeio; mas não attentou que as fontes aonde foi haurir aquella errada asserção, não podem merecer credito, nem podem contradizer as certas e positivas que o sr. ministro aqui nos apontou.

Alem destas asserções, não ouvi que o digno par apre-

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sentasse outras, que na sessão anterior não tivessem sido cabalmente respondidas pelo nobre ministro das obras publicas. Notarei tambem algumas dellas.

O sr. Vaz Preto asseverou hontem que o sr. ministro das obras publicas tinha promovido os addidos do seu ministerio.

Ha aqui um estranho equivoco da parte do digno par. A promoção não se póde dar senão admittindo relação hierarchia entre categorias, mas no caso sujeito, não viu o digno par que tal relação não existia; não observou até que ella era impossivel? O sr. ministro nomeou, conservou é facto; mas não promoveu, porque não podia promover, porque a promoção era impossivel, era absurda.

O sr. ministro das obras publicas, entrando naquelle ministerio, achou as leis postas de lado no que respeitava á nomeação de um certo pessoal, excedidas. O que havia de fazer? Despedir violentamente o pessoal em excesso, desorganisando ainda mais o serviço já compromettido com as nomeações superabundantes? Ampliando com essas demissões em massa a crise a que allude no seu relatorio ao decreto de 30 de julho de 1879? Não fez isso. Ainda bem, louvo o por isso.

Preferiu manter esse pessoal em excesso, aproveitar-lhe as aptidões, respeitar o facto consummado, e a pouco e pouco introduzir a ordem e regularidade na situação anómala daquelle pessoal, sem violencias nem rigores, legaes é certo, mas duras e crueis para muitas familias, não é menos certo.

Aqui está o que o sr. ministro fez, aqui está a doutrina que seguiu, que tantos rigores merece agora aos dignos pares, mas que o ministro não occultou nem occulta; pois que ella já vem no relatorio do decreto de 30 de julho de 1879.

(Aparte do sr. Vaz Preto.)
O digno par não tem rasão.

É necessario que nos entendamos. O que seguramente não posso tolerar é que as minhas palavras sejam invertidas. O que eu disse, o que digo, é que o sr. ministro das obras publicas não promoveu, porque a promoção na hypothese era um facto impossivel e até absurdo. O sr. ministro nomeou, conservou, regularisou, mas não promoveu.

S. exa. entendeu que devia, regularisar, tanto quanto era possivel, o facto anomalo que encontrava.

Bem sabia que o não conseguia sem que o rigor da legalidade sofresse, por isso propoz o bill de indemnidade, visto haver conservado aquelles empregados, mas ao menos não foi deshumano, não foi cruel, não foi legalmente feroz.

O digno par, o sr. Vaz Preto, observou tambem a respeito dos apontadores, que o sr. ministro, em vez de os enviar para os districtos a que pertenciam, os promovera. Mas s. exa. não notou que continuava ainda laborando no mesmo equivoco a respeito dessas pretendidas promoções. Assegurou s. exa. que este facto era attentatorio, não sei de que principies sociaes, não sei de que leis de grave e fundamental interesse social!

Mas pergunto: qual foi essa lei de salvação publica, essa lei verdadeiramente fundamental que o sr. ministro das obras publicas infringiu com essas nomeações, que poderemos chamar ad hoc, nomeações especiaes, nomeações unicamente destinadas a remediar uma situação anormal que o ministro encontrou e cuja responsabilidade era precipua de administrações anteriores?

Feriu o sr. ministro graves interesses particulares regularisando ordenados, gratificações, proventos, etc., a um certo numero de funccionarios aos quaes os seus anteces1 sores haviam deixado, por um abuso lastimoso de iniciativa ministerial, adquirir direito a serem contemplados no orçamento do estado, para onde os deixaram, entrar pela porta falsa, pelo postigo de auxiliares, coadjuvantes, serventes, etc., etc.

Como o sr. ministro das obras publicas lesou o thesouro, vou dizel-o á camara, apoiando-me nos dados estatisticos fornecidos pelos documentos officiaes assignados pelo sr. Serpa e pelo irmão do sr. visconde de Chancelleiros, o sr. Lourenço de Carvalho.

O sr. ministro das obras publicas lesou o thesouro, baixando o pedido, que em 21 de outubro de 1876 o sr. Avelino, e em 4 de janeiro de 1877 o sr. Serpa, faziam de 3.097:000$000 réis; que em 8 de março de 1878 o sr. Lourenço de Carvalho e o sr. Serpa faziam de 4.682:000$000 réis; que na mesma data os mesmos cavalheiros faziam de 3.476:000$000 réis; que em 21 de novembro de 1878 o sr. Lourenço de Carvalho, e em 9 de janeiro de 1879 o sr. Serpa faziam de 3.554:000$000 réis para despezas ordinarias no ministerio das obras publicas, para réis 2.443:000$000, que o actual sr. ministro pediu em 19 de novembro de 1879 e 13 de janeiro de 1880 e 2.434:000$000 réis que pede no n.° 8.° do artigo 1.° do projecto de lei que discutimos.

De certo é lesar gravemente o thesouro pedir-lhe menos para despezas ordinarias neste ministerio 654:000$000, 1.033:000$000, 1.111:000$000 ou 2.239:000$000 réis.

Aqui tem a camara como é que o sr. ministro das obras publicas veiu fazer periclitar a situação do thesouro, pedindo 600, 1:000 ou 2:000 e tantos contos menos do que tinham pedido os ministros anteriores.

Aqui tem v. exa. o grave crime que praticou o sr. ministro das obras publicas, e que tanto incommoda o sr. visconde de Chancelleiros, o sr. Vaz Preto. e os dignos pares que os apoiam, e que obriga s. exas. a levantarem-se iracundos ou irónicos contra a audaciosa economia do nobre ministro, e que eu, sr. presidente, tive a audacia de, a despeito do sobrecenho hostil de s. exas, defender e apoiar.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - É para ouvir de mais longe.

O Orador: - E eu estimo que s. exa. o ouvisse de mais perto.

Continuou o digno par asseverando que o sr. ministro das obras publicas nenhuma economia havia feito, nem projecto, algum importante havia trazido á camara.

Sr. presidente, eu não desejo incorrer na indignação dos dignos pares, os srs. Vaz Preto, visconde de Chancelleiros e outros collegas que os acompanham, ainda assim lembro a s. exas. a reforma dos correios e telegraphos, o caminho de ferro da Figueira, que ficou de graça.

(Observação do sr. visconde de Chancelleiros, que se não ouviu.)

Pois eu desejarei que s. exa. me venha provar isso que diz, e então fallaremos.

É já que me decidi a arrostar com a indignação dos dignos pares, apresentarei ainda um outro facto que, embora não tenha a sympathia de s. exas, prova comtudo, por mais que os dignos pares o pretendam negar, a rasgada e intelligente iniciativa do sr. ministro das obras publicas; fallo do projecto do caminho de ferro de Lisboa a Pombal, e conto, ouso contar, se me dão licença, que hei de mostrar, quando se discutir esse assumpto, que é um dos mais vantajosos dos contratos de caminhos de ferro portuguezes.

(Observação do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)

Pois eu dou essa boa nova ao digno par, e mais uma vez ficará sabendo que não teve rasão.

Mas, proseguindo, sr. presidente, no que ia dizendo, assevero que, quando aquelle projecto do caminho de Pombal vier á discussão espero demonstrar aos dignos pares, sem ter comtudo a vaidade de os querer convencer, que o caminho de ferro de Lisboa a Pombal é um dos contratos mais vantajosos entre todos os de caminhos de ferro portuguezes, incluindo os celebres caminhos de ferro do Alemtejo.

Disse o digno par, o sr. Vaz Preto, que o sr. ministro das obras publicas, com tão pequeno numero de empregados, como era aquelle que s. exa. poderia ter escusado do

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serviço, não aggravaria a crise do trabalho; o digno par dizendo isto, não reparou que tirava das palavras do relatorio do sr. ministro das obras publicas uma illação diversa da que realmente se deve tirar.

Pois o que diz o relatorio?

Diz o seguinte:

"O governo de Vossa Magestade tem rasões poderosas para não despedir um pessoal tão numeroso como aquelle que se acha fora das condições legaes, porque iria multiplicar o numero dos braços desempregados no momento em que o paiz está luctando com uma crise de trabalho, que cumpre não aggravar."

Ora, sr. presidente, quaesquer destas asserções são demonstradas pelos factos, que todos reconhecem.

Havia ou não crise em 1879?

Havia de certo: como já a tinha havido em 1878 e como ainda hoje a ha.

Portanto, as apreciações do ministro eram verdadeiras; a elle e ao governo em geral - corria o dever de não aggravarem essa crise com demissões em massa ou multiplicadas.

Quem é que póde deixar de confessar que um unico empregado que fosse demittido concorria para aggravar a crise, por isso que esse empregado teria os seus dependentes, a quem a demissão delle, seria nociva, isto é, que peiorariam de circumstancias, que pelo seu mal estar especial augmentariam, aggravariam o mal estar geral, a crise?

Ora, se a demissão de um unico empregado concorreria por tal forma para o aggravamento da crise, é evidente que os 20, 50, 100 ou 150 empregados que fossem demitidos, iriam de certo aggravar muito a situação.

Posto isto, creio que o digno par não leu com sufficiente attenção o relatorio do decreto; porque aliás, se reparasse no que ali se diz, não poderiam as mesmas considerações que acaba de fazer, deixar de assaltar o seu espirito, impedindo-o de avançar asserção tão gratuita.
(Aparte do sr. Vaz Preto.)

Sr. presidente, mas quantas vezes quer o digno par que eu lhe repita que o orçamento não é senão um calculo, lima apreciação para um exercicio futuro?

A epocha a que o digno par se está referindo é a do exercicio do anno economico futuro, porque o orçamento é para 1880-1881, e o decreto refere-se ao anno economico presente, 1879-1880.

Assevera o digno par que o decreto apresentado pelo sr. ministro das obras publicas não é serio, não tem seriedade.

Eu desejaria perguntar a s. exa, se me fosse permittido, quaes eram os elementos psychologicos, os elementos críticos que s. exa. julga indispensaveis para chamar serio a um documento.

Demonstração cabal de estudo; grande sinceridade na exposição deduzida da propria contextura, generosos sentimentos de seria moralidade, tudo isso se acha no decreto do ministro.

(Interrupção do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)

Será esse o criterio do digno par, o meu é differente!

Hão acha s. exa. serio este decreto, e achou serios os. orçamentos que approvou desde 1872 a 1876, que todos teem as bellezas, que vou indicar á camara. Por exemplo: no orçamento de 1872-1873, approvado por s. exa, ha um exagero de calculo, approximadamente de 130 por cento; no de 1873-1874, tambem approvado pelo digno par, um outro de 200 por cento; no de 1874-1875, 250 por cento; no de 1875-1876, 320 por cento; no de 1876-1877, 400 por cento.

Note a camara que o criterio do digno par se ia alargando com a exageração orçamental, para a ir acceitando sem reluctancia cada vez mais nedia e volumosa.

Ahi tem v. exa., sr. presidente, como o digno par adestrava o seu criterio de economico e financeiro!

Censurou tambem o digno par ao sr. ministro das obras publicas por ter mandado a s. exa. documentos deficientes, que não o podiam esclarecer na questão que pretendia tratar. Esta accusação não quero dizer que seja contradictoria, mas é seguramente variação do criterio de s. exa.

Umas vezes, o digno par accusa o sr. ministro das obras publicas por ter iniciativa de mais, outras vezes porque tem iniciativa de menos.

S. exa. queixa-se de que o sr. ministro das obras publicas não lhe mandasse os documentos de que necessitava, e ao mesmo tempo diz que recebeu tanta quantidade de documentos, tantos cartapacios, segundo a phrase pittoresca de s. exa., que só depois de muitos mezes podia chegar ao conhecimento d'elles.

(Interrupção do sr. Vaz Preto, que não se ouviu.)

Em que ficamos? Mandou, ou não mandou? Satisfazem, ou não satisfazem?

Creio que o digno par o que queria era que os documentos viessem preparados e promptos para s. exa. poder fazer sem trabalho algum, a seu talante, as arguições que entendesse; mas o digno par não teve a cautela de manifestar claramente esse seu desejo ao sr. ministro das obras publicas; porque, se o houvesse declarado, se tivesse dito ao sr. ministro que queria os documentos convenientemente preparados, para s. exa. poder atacar bem o governo, o sr. ministro, que é homem muito generoso, de certo teria accedido a esse seu desejo!

Accusou tambem o digno par o sr. Vaz Preto ao sr. ministro das obras publicas... accusou, não digo bem; s. exa. perguntou apenas, mas com tal intimativa, que manifestava claramente qual era a sua idéa, se o sr. ministro entendia que os 40:000$000 réis pedidos no decreto de 30 de julho lhe bastariam ou não.

O sr. ministro respondeu afirmativamente, mas s. exa. não se satisfez com essa resposta, e como continuou a affirmar que o sr. ministro não tem feito economias no seu ministerio, vejo-me obrigado, ainda com grave risco de fatigar a camara, a ler-lhe uns poucos de algarismos que provam que o digno par, por mais largueza que pretenda dar ao seu criterio, não poderá chegar a outras conclusões senão áquellas que natural e logicamente se evidenciam da comparação rigorosa dos factos, isto é que o ministro economisou e que o digno par se enganou.

Assim nas matas em ajudas de custo, gratificações e forragens em 1878-1879, despendeu-se 4:248$655 réis, e o actual ministro até 1 de abril passado, gastou apenas réis 2:999$015, e até o fim do anno economico conta gastar mais 999$000 réis.

Donde se vê que no anno de 1878-1879 tendo-se consumido nestas despezas 4:248$655 reis,, no presente só se gastará cerca de 3:998$684 réis. Logo economisa 249$971 réis.

Peço licença ao sr. visconde de Chancelleiros para mencionar estas diminutas verbas de 1 real e 5 réis, etc., mas que quer ò sr.. visconde? É necessario descer a estas minuciosidades para convencer o sr. Vaz Preto.

Nas gratificações dos trabalhos geodésicos em 1878-1879 gastou-se 706$150 réis, e o actual ministro até 1 de abril passado gastou só 390$950 réis, e até o fim do anno economico conta despender mais 130$319 réis. Donde resulta que economisou 184$881 réis, um real com licença do meu collega o digno par, o sr. visconde de Chancelleiros..

Vê-se, pois, que o ministro realisa uma economia real e se as cousas "continuarem no mesmo estado que até hoje realisará uma mais importante de alguns contos de réis.

O. sr. Visconde de Chancelleiros: - Ouçam!

O Orador: - Ouçam, diz o digno par, pois eu logo tambem pedirei que ouçam.

No correio geral em 1878-1879 consumiu-se em gratificações 1:793$955 réis, e o actual ministro até 1 de abril de 1880. gastou apenas 1:031$405 réis, e até o fim do anno

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economico conta gastar mais 343$300 réis. Do que resultará a economia de 418$750 réis.

Nas comedorias do ministerio das obras publicas, que no anno de 1878-1879 consumiram 5:193$600 réis, o sr. ministro achou meio de evitar essa despeza, (e agora peço eu que ouçam) fazendo uma economia de 5:193$600 réis.

Nas ajudas de custo pagas aos engenheiros pelo serviço no campo, tambem o sr. ministro economisou cerca de réis 3:000$000.

Nas ajudas de custo do ministerio, em geral, despendeu-se em 1878-1879, 28:468$400 réis; o ministro actual até 1 de abril passado havia gasto apenas 4:653$400 réis, e conta até o fim do presente anno economico despender mais apenas 1:206$302 réis, vindo portanto, nesta parte, a realisar uma economia de cerca de 22:608$748 réis, que comas economias que acabei de indicar perfaz a economia notavel de 31:655$95O réis.

Ora no relatorio de 30 de julho de 1879, dizia o sr. ministro no fim:

"Pelos motivos expostos, e pelos muitos que a sabedoria de Vossa Magestade dispensa, o governo tem a honra de submetter á regia approvaçao o seguinte projecto de decreto, calculando que do conjuncto das disposições tomadas resulta desde já economia não inferior a 35:O0O$000 réis annuaes ".

Vê-se que cumpriu a sua promessa, ou, o que vale o mesmo, vê-se que o seu calculo era consciencioso.

Mas se isto é unicamente nestas economias, já vê v. exa. o que será nas que o governo tenciona fazer. Se a estas economias, que são immediatas, se addicionarem as realizáveis desde já pela reforma dos correios e telegraphos, e as que destes serviços no futuro devem provir, acharemos uma reducção do despeza que montará a cerca de réis 95:000$000.

E isto apesar do ter havido noutros serviços augmento de despeza.

Aqui tem v. exa. e a camara a prova cabal de que o sr. ministro foi sincero e leal no seu relatorio de 30 de julho de 1879. E se alguns dos dignos pares hesita em o acreditar, peco-lhes que leiam o relatorio do projecto que approvámos sobre reforma de correios, e que me digam sobre que têem duvida.

Peço de novo que ouçam.

O digno par o sr. Vaz Preto, continuando nas suas censuras, affirmou, referindo-se particularmente ás matas, que n'ellas se gastam 52:000$000 réis, quando ellas rendem apenas 41:000$000 réis, e que, portanto, havendo uma differença de 11:000$000 réis contra o estado, era má administração, era verdadeiro desperdicio continuar esse serviço na mão do governo.

Mas eu peco licença ao digno par para lhe observar que está laborando num equivoco, porque as matas não renderam o que s. exa. diz, baseando-se nas verbas calculadas no orçamento de 1880-1881.

Os cálculos do orçamento, embora feitos segundo os preceitos estabelecidos no regulamento geral da contabilidade, nem por isso deixam de ser cálculos, apreciações mais ou menos falliveis.

As unicas contas publicadas, que s. exa. podia consultar sobre o assumpto, porque não póde ainda haver outras, são as do exercicio de 1877-1878. Nessas contas verá que a receita orçada para as inatas foi de 43:000$000 réis, e a que se liquidou foi de 46:000$000 réis; em quanto que a despeza liquidada no mesmo exercicio foi de 48:256$000 réis, o que dá um déficit de 2:000$000 e tantos mil réis, e não o que s. exa. lhe attribuiu.

Não posso deixar de continuar nas minhas considerações, pedindo vénia á camara.

(Aparte do sr. Vaz Preto que não se ouviu.}

Diz o digno par que prova contra o sr. ministro o que acabo de dizer das matas, porque as matas renderam mais, e, se gastou menos do que estava calculado, o governo não devia ter augmentado o orçamento da despeza e diminuido o da receita.

S. exa. queixa-se d'isto, e eu louvo o sr. ministro, porque seria muito para desejar que todos os governos deste paiz tivessem procedido assim.

É por isto, que, não só nesta occasião, mas em todas as outras que tiver de tomar a palavra, terei de referir-me com algum desfavor á situação passada, porque fazia o contrario.

Quando tratava das receitas exagerava-as, quando tratava das despezas, pelo raciocinio inverso, mas seguindo o mesmo principio, attenuava-as.

Este governo não procede assim, e por esse motivo é que tem o meu apoio. Temos um déficit enorme, e se o governo não fallasse a verdade ás camaras e ao paiz, era provavel que umas e outro continuassem a illudir-se sobre o verdadeiro estado da fazenda publica, fazendo-a periclitar cada vez mais.

Mas voltando ás matas e ao alcance que a sua administração occasiona, se o digno par entrasse em alguns estudos estatisticos minuciosos sobre a receita e a despeza de diversos estabelecimentos publicos, veria que ha muitos que o estado julga ter toda a conveniencia administrar elle proprio, e que entretanto lhe trazem uma despeza maior do que a receita que produzem; e eu vou citar alguns, que podem servir de exemplo.

Por exemplo, a academia real das sciencias tem uma receita apenas de 900$QOO réis, e occasiona uma despeza de 13:570$000 réis; a imprensa nacional de Lisboa e de Coimbra tem uma receita de 179:000$000 réis, e uma despeza de 185:000$000 réis; a casa da moeda e papel sellado tem uma receita de 4:200$000 réis, e uma despeza de 56:339$000 réis; o arsenal do exercito e fabrica da pólvora consomem ao estado 167:000$000 réis, e rendem-lhe apenas 33:000;$000 réis; o arsenal da marinha despende 361:000$000 reis,- e rende sómente 3:300$000 réis, e muitos outros exemplos que eu poderia adduzir. - Ora em vista disto não sei como o digno par se admira de que o governo conserve as matas, simplesmente porque ellas rendem menos do que a somma que o estado gasta com ellas.

E as vantagens indirectas que dessa administração pelo estado se originam? Vantagens que todos conhecem e que me parece ocioso lembrar á camara.

Referiu-se o digno par ao administrador das matas e s. exa. mostrou-se admirado de quanto esse funcionário faz de interesses.

Sr. presidente, creio que v. exa. e a camara me farão a justiça de acreditar que eu não desejaria defender a nomeação de qualquer funccionario, se entendesse que ella havia sido de qualquer maneira illegal; assim como de que eu não viria defender perante a camara actos menos legitimos de qualquer funccionario, ou que em favor delle fossem auctorisados por qualquer ministro. Limitar-me-hei, pois, abstrahindo do nome do funccionario, a examinar se os serviços que ao actual administrador geral das matas teem sido incumbidos, têem ou não sido satisfactoriamente desempenhados, e por que titulo elle recebe os seus vencimentos.

Este funccionario a que s. exa. se referiu effectuou uma verdadeira syndicancia, e note-se que o sr. ministro das obras publicas não o remunerou como havendo desempenhado uma syndicancia, mas simplesmente como se estivera em inspecção, dando-lhe 4$5OO réis por dia. Todos conhecem se esse serviço foi ou não bem desempenhado. O mesmo funccionario tem desempenhado as funcções do magisterio superior; ao passo que actualmente desempenha as funcções de administrador geral das matas.

A questão, creio eu, não é se recebe pouco ou muito, mas se desempenha ou não as funcções inherentes, e se a remuneração que percebe é a que legalmente corresponde ás funcções que exerce.

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O digno par não de devia admirar que elle tem r recebido remuneração por todos estes serviços, porque sabe perfeitamente que nunca taes serviços foram desempenhados gratuitamente.
Sr. Presidente, eu sou obrigado a sair da consideração das questões geraes para entrar em algumas particularidades que elucidam o assumpto; apontarei simplesmente aquellas que entendo serem indispensaveis para o caso.

Este logar de administrador das matas tinha de vencimento, pelo decreto de 7 de julho de 1847, 996$960 réis. Depois, pelo despacho ministerial de 20 de julho de 1857 foi-lhe arbitrada uma gratificação de 360$000 réis, e mais tarde, por outro despacho ministerial, de 13 de julho do 1865, acrescentou-se a estes vencimentos ainda uma outra gratificação de 300$000 réis, vindo assim este funccionario a perceber de vencimentos de differente denominação l:636$95O réis.

Posteriormente foi exonerado do cargo, perdendo, portanto, os vencimentos, mas readmittido pelo decreto de 1 de agosto de 1870 com todos os seus vencimentos, nelles foi mantido por todos os cavalheiros que desde aquella epocha teem gerido a pasta de obras publicas os srs. camara Leme, Carlos Bento, marquez d'Avila, visconde de Chancelleiros, Antonio Cardoso Avelino, Lourenço de Carvalho e Barro s e Cunha. Actualmente áquelle cargo é abonado apenas o soldo respectivo da patente militar o a gratificação correspondente.

Ora, os cavalheiros, em todo o ponto respeitaveis, que teem sido ministros das obras publicas desde 18G5, teem mantido este estado de cousas, acceitando os factos consumados, prova isso que mante-lo não é revoltante parcialidade politica, como se pretende insinuar, mas necessidade de organismo burocrático reconhecido e justificado por differentes situações politicas que a isso teem ligado a sua responsabilidade. E não me consta de documento algum parlamentar que indique que s. exas. tenham levantado a sua voz contra o que já nesse tempo poderia ser alcunhado de abuso.

O sr. ministro procurou extirpar, tanto quanto pôde, os, abusos, transformando num cifrão cortado aquella verba, que era já um facto acceito no orçamento do seu ministerio. Onde a parcialidade, onde a injustiça?

Asseverou o digno par que o decreto de 30 de julho de 1879, aqui foi s. exa. severo em demasia, severo, não, porque emfim a severidade suppõe quasi sempre uma ligação lógica e justa entre os principios e as consequencias; o eu sinceramente contesto a ligação lógica e a justiça absoluta e relativa das censuras de s. exa.

Dizia o digno par que o decreto de 30 de julho de 1879 fora verdadeiramente poeira levantada pelo governo. Posto que não tenha nada de offensiva, sinto servir-me da expressão: "Não é verdade". O governo não pretendeu enganar ninguem; expoz claramente quaes os seus intuitos, qual o estado em que tinha encontrado o serviço do ministerio das obras publicas; individuo cada um dos diversos ramos desse serviço, apontando os cargos ou vencimentos que o respectivo ministro reputava illegaes, e dizendo ao chefe do poder executivo que convinha legalisa-los e como.

Se isto não é sinceridade, se não é franqueza, não sei realmente o que seja sinceridade, o que seja franqueza, na governação publica; e creio até que os dignos pares se acharão singularmente embaraçados em nos explicarem o que serão estas duas grandes qualidades governativas. Quando o sr. ministro das obras publicas tomou conta da sua pasta, encontrou apontadores, serventes, coadjuvantes, emfim, uma afinidade de pequenos funccionarios, cujo numero montava a 150, pouco mais, pouco menos.

E esses empregados tinham entrado pela porta larga das nomeações legaes?

Não; mas tinham entrado pelo postigo, que em varias gerências se havia aberto, talvez interpretando apenas as necessidades do serviço, de auxiliares, coadjutores, serventes, etc.,

Que havia de fazer o ministro das obras publicas? Demittir esses empregados reduzindo-os evidentemente á miseria, actuando de uma maneira deploravel sobre as suas finanças particulares directamente, e indirectamente sobre as da sociedade portugueza?

Ora eu assevero aos dignos pares que apoiaram o sr. Vaz Preto, e de quem devo por isso suppor s. exa. expunha as idéas, que notem que eu sinto não conhecer palavras suficientemente enérgicas para elogiar condignamente o sr. ministro pela maneira por que s. exa. procedeu com relação a esses empregados que encontrou a mais, que poderia cruamente demittir, mas que não demitiu.

O que o sr. ministro fez foi tudo em harmonia com os principies da moralidade, respeitando os direitos adquiridos e tendo em vista os dictames da humanidade e larga, prudencia de estadista. Isto é censuravel? Pois o digno par não sabe que todos os actos do poder executivo, bem como os do poder legislativo, devem- respeitar os grandes e fundamentaes principies juridicos!

Não sabe s. exa. que estão neste caso os direitos adquiridos, os factos consumados?

Não sabe que desse respeito encontra em toda a historia politica deste paiz milhares de provas, se exceptuarmos as epochas de revolução, como é lógico?

Para que levantar accusações tão injustas e infundadas?

Sustento eu, portanto, que o sr. ministro das obras publicas, tendo sempre em vista fazer vingar os altos principios da moralidade publica e do prudencia governativa, se guiou pelos nobres sentimentos de humanidade, conservando os empregados que tinha encontrado no seu ministerio, alem dos quadros legaes.

Mas observa o sr. Vaz Preto que estes ministros, que na opposição accusavam a situação transacta por admittir tão crescido pessoal nos serviços publicos, não deviam, subindo ao poder, conservar todo esse pessoal.

Mas que tem uma cousa com a outra?

Accusamos a situação transacta não por ter mantido os funccionarios que encontrara, mas por admittir outros, alem dos quadros legaes, pelo precedente que deixava estabelecer, pelo direito que abusiva e subrepticiamente deixava adquirir.

Onde está aqui a contradicção?

Censurámos o abuso, mas aceitamos corajosamente as suas consequencias que previmos, e procurámos remediar o mal, impedindo a repetição do facto, e providenciando para que de futuro as cousas entrassem em melhor caminho. É por isso que o decreto sobre as gratificações é prova mais cabal do culto que o actual governo presta á moralidade politica.

É tambem a demonstração mais lógica da justiça Já sua critica, quando opposição. Vós que não adivinhastes este, nem possuis aquella, sois incompetentes para nos apodardes de contradictorios.

Pois o que fez o governo com aquelle decreto? Coarctou o proprio arbitrio, moralisou o facto anomalo que encontrou. É este o seu crime?

Abençoado seja!

O sr. ministro das obras publicas não foz nomeação alguma que lhe não tivesse sido indicada pelos empregados competentes; portanto, s. exa., em vez de proceder de uma maneira caprichosamente arbitraria, fez o que devia fazer.

O digno par, referindo-se ao bill, atacava o sr. ministro com phrases energicas, talvez mais do que deveria, afirmando que s. exa. vergava debaixo não sei de que principios constitucionaes, moraes, juridicos, e não sei que mais, e que por isso se não atrevia a trazer a esta camara o bill de indemnidade.

O sr. Vaz Preto: - Não me servi desse palavriado.

O Orador: - S. exa. não se serviu deste palavriado está visto (Risos) mas serviu-se do outro mais forte, (Riso.)

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Sr. presidente, folgo ver estas demonstrações da hilaridade do digno, par e dos que o acompanham, que me provam exuberantemente que s. exas. não acham os principios sociaes tão offendidos, que façam no seu espirito a impressão que faziam a todo o homem de bem, sincero e honesto, se porventura elles tivessem sido offendidos e como s. exas. queriam fazel-o demonstrar nas suas palavras!

O riso de s. exas demonstra que s. exas declamavam apenas e pró forma.

Mas? sr. presidente, dizia eu que estranhava que o digno par tivesse censurado o sr. ministro, por s. exa. não ter já trazido aqui o bill de indemnidade a que chamou immoral; pois o digno par não sabe que esse bill já foi votado na outra casa do parlamento, e quem lhe deu então auctoridade para assim censurar a outra camará? Por que principio da constituição? As duas camaras teem tantos direitos uma como a outra, e s. exa. não tem auctoridade nenhuma para aventar sobre o proceder da outra camara uma tal apreciação de desfavor, empregando phrase tão desagradavel.

O sr. Vaz Preto: - Perdoe-me v. exa., eu o que notei foi que, tendo sido votado o bill na outra casa do parlamento, e tendo o governo maioria nesta, não tivesse tido ainda a coragem de o apresentar aqui.

O Orador: - Folgo muito com a declaração do digno par, e como foram inseridas no Diario da camara as palavras de s. exa., assim o deve ser a sua rectificação; e por isso fico satisfeito.

Sr. presidente, creio que ao digno par o sr. Vaz Preto nada mais tenho que responder; e por isso permitta-me s. exa. que neste momento me dirija ao - sr. visconde de Chancelleiros e que note a s. exa., que pensei ser realmente a mim que s. exa. se dirigia com estranheza, quando censurava a exactidão minuciosa de 10 réis das contas apresentadas pelo sr. ministro das obras publicas, contas e não cálculos orçamentaes.

S. exa. deu-me uma qualidade, que eu não tinha, a de relator deste projecto, qualidade que ha pouco se disse que eu usurpara. Não sou eu o relator deste projecto, mas sim um outro digno par, que por motivos muito attendiveis e honrosos não deseja tomar parte nesta discussão.

Estou usando da palavra, como o podia fazer qualquer membro da commissão de obras publicas, como o podia fazer qualquer membro da commissão de fazenda, como podia fazel-o emfim qualquer membro d'esta camara; e se entro no debate é porque, tendo assistido na commissão de fazenda á discussão deste assumpto, naturalmente me achava habilitado a discuti-lo perante a camara, ou porque emfim assim tive vontade de usar do meu indescutivel direito.

Notei porem que, tendo eu dado apenas alguns apoiados e não sei se proferido alguns apartes durante esta discussão, naturalmente, com a voz que a natureza me deu, notei com admiração, repito, que com isso tivesse incommodado o sr. visconde de Chancelleiros, quando, eu até experimento grande prazer ouvindo, não os apartes mas tambem, e então muito mais, os discursos de s. exa., que produzem no meu espirito os mesmos effeitos que a leitura da immortal composição humoristica de Erasmo, a mesma impressão que a leitura das graciosas e profundas producções criticas de Diderot Lesage, etc.

Admirou-me, portanto, que s. exa. se tivesse incommodado com os meus apartes; tanto mais que se elles fossem inconvenientes, ou não fossem permittidos pelo nosso regimento, v. exa., sr. presidente, sendo tão zeloso pela sua observancia, como grave e experimentando parlamentar que é; seguramente me teria chamado á ordem.

Mas voltando a occupar-me do orçamento, observarei ao digno par o sr. visconde de Chancelleiros, que interrompeu o sr. ministro das obras publicas, repetindo ironicamente as palavras dez réis, observarei a s. exa. que tratando-se de contas e não de cálculos o sr, ministro podia citar não só 10 réis, mas até 2 ou 3 réis; porque toda a gente sabe que a unidade da nossa contabilidade é o real.

Ora, o sr. visconde de Chancelleiros, quando foi ministro, publicou alguns documentos onde se lêem, não só 10 réis mas 3 e 6 réis. Cito-lhe apenas, para refrescar a memoria de s. exa., as contas do ministerio das obras publicas de 1871-1872, pag. 15, notas.

Não são apenas 10 réis; são 3, 6, 7 e 8 réis.

O que eu digo ao digno par, é que nesse tempo, embora a moeda variasse de valor, o real valia relativamente então o que vale hoje. S. exa. em 31 de maio de 1871 pretendeu legalisar a auctorisação de despezas que não estavam legalisadas, nas seguintes verbas: 8:850$836 réis, e seis réis 350:600$873 réis, e tres réis.

E note v. exa. que não eram leis que approvassem contas; eram leis de cálculos orçamentaes.

Feitas estas simples observações, nada mais tenho a dizer, agradecendo á camara a benevolencia que me dispensou. No entanto, se o julgar necessario, pedirei de novo a palavra.

O sr. Placido de Abreu: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

Leu-se na mesa, e mandou-se imprimir.

0 sr. Franzini: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.

Leu-se, na mesa, e mandou-se imprimir.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. presidente, ao contrario do que me acontece sempre nesta casa, aqui me tem v. exa. com este volumoso livro diante de mim, com todos estes pareceres, com todas estas notas, ás quaes tenho de me referir, e parecendo assim querer protestar com todos estes apercebimentos e preparativos para a lucta de palavra que sou obrigado a sustentar com o digno par; que não sou improvisador, que não tenho direito ao diploma de repentista que s. exa. acaba de me passar, e que talvez sob a influencia da consideração de que valem os seus meritos de homem positivo, que firma e apoia em factos as suas asserções, eu me vejo hoje obrigado a recorrer, tambem a factos, a citar tambem algarismos e a provar ao digno par que a minha insistencia em o imitar é ainda maior do que aquella que s. exa. poz em me seguir o exemplo. Procurarei ser tão positivista, como o digno par procurou ser improvisador.

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez, que se não ouviu.)

Sim, senhor. O digno par improvisa facilmente sobre assumptos que aliás se não prestam a improviso. Improvisa cálculos, o que é de certo mais difficil do que improvisar phrases.

Antes de tudo, porem, primeiro que tudo, algumas palavras de deferencia pessoal para com o digno par, que as merece por todos os titulos.

Começo por declarar a s. exa. que não fiz referencia a nenhum dos seus apartes. Creio mesmo não lhos haver ouvido. Notei sim a insistencia dos seus apoiados, quando o illustre ministro das obras publicas, respondendo ao digno par o sr. Vaz Preto, contrapunha cifras aos cálculos de s. exa. Pareceu-me então notavel essa insistencia e interpretei-a lisonjeiramente para o digno par, porque suppuz que, apoiando com tanta intimativa o illustre ministro, não apoiava apenas o que elle dizia, mas o que o proprio digno par teria dito se usasse da palavra. (Riso.)

E de passagem lembrarei a s. exa. que, alem de par do reino e de relator, creio que eventual, deste projecto, é tambem um distincto professor de finanças, que procurando eu trazer ao debate com a minha referencia aos seus apoiados a palavra auctorisada do digno par, e alem de auctorisada inspirada tambem pelo sentimento generoso de defender a causa do governo, eu não fiz senão abrir ensejo ao digno par para fazer prova da elevação do seu espirito e da firmeza da sua fé politica, dando até azo a que s. exa. explicasse e desenvolvesse as questões levantadas pelo digno

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par o sr. Vaz Preto, e que o illustre ministro deixara sem resposta.

Se o digno par encontrou um certo sabor humoristico nesta minha referencia, feita aliás nos termos da mais singela observação, foi e ainda mal uma infelicidade para mim, e não menos tambem para o digno par, que assim foi levado a fazer um certo confronto entre as modestas qualidades do meu espirito e as do de escriptores, cuja individualidade é celebrada pelo conceito universal.

Erasmo, eu? Mas sabe acaso o digno par quem foi Erasmo?

Erasmo fez o elogio da loucura, e eu o que tenho feito, ou antes o que tenho tentado fazer, é a cenoura dos desacertos que o digno par justifica e defende. (Hilaridade.)

Erasmo, porque fui irreverente para com os apoiados de s. exa!

Reprehendo-me por essa irreverencia; accuso-me de ter tão facil e nervosa a minha susceptibilidade, que chegasse a senti-la melindrada por aquellas demonstrações de assentimento. Mas é que com effeito os apoiados do digno par ao discurso do illustre ministro seriam justificados se cada phrase desse discurso fosse um conceito. Como, porem, s. exa. fallava de contas, citava contas e cada periodo terminava por uma conta, os apoiados do digno par, recaindo sempre sobre a fracção dos 30, dos 50, dos 6O réis, (Riso.) ficavam em tão estranho relevo, que..., francamente, diante daquella insistencia risum teneatis, amici? (Hilaridade.)

Dada esta pequena explicação, que devo ao digno par por todos os titulos, e que não desdiz da delicadeza e cortezia com que s. exa. se referiu nas ultimas palavras do seu discurso á minha pessoa, passo a entrar na questão do orçamento, questão da qual, como já por vezes declarei á camara, eu não tinha tenção alguma de me occupar, e á qual sou chamado pelo digno par, que com notavel clareza procurou provar que o orçamento apresentado pelo illustre ministro das obras publicas é inferior na despeza calculada aos orçamentos apresentados pelos seus antecessores no periodo destes ultimos annos.

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez que se não ouviu.)

Perdão, vamos a definir as cousas como ellas são.

O digno par fez o confronto do orçamento em discussão com os outros orçamentos e afirmou que neste se reduzira a despeza.

Interpretou decretos e portarias, invocou a lei da salvação publica e os direitos adquiridos para justificar o acto pelo qual o illustre ministro das obras publicas deu collocação definitiva a empregados que a não tinham, augmentando assim a verba de despeza que até hoje se fazia com o pessoal do mesmo ministerio.

Vejamos, pois, se isso é assim, e se o orçamento diz o mesmo que o digno par affirma.

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez.)

O digno par tem licença para me interromper quando e como quizer, não me desviará por isso do caminho que pretendo seguir. Aconselhar-lhe-ia, porem, que o não fizesse. Arrisca-se assim a quebrar o fio ás minhas idéas e talvez elle lhe podesse servir, como o de Ariadne ao celebre grego, para encontrar a saída do labyrintho de contas em que o digno par se envolveu, justificando as verbas d'este orçamento com as contas correntes dos ministerios transactos, e os decretos o, portarias do actual ministro das obras publicas, com a lei suprema da salvação publica.

O pr. Mendonça Cortez: - Muito obrigado.

O Orador: - Bem, se lhe não serve este fio, dou-lhe licença para e quebrar. Demais que o digno par tom muitos outros á sua disposição. Esteve tecendo-os habilmente, e eu via-o passear dentro delles como a aranha na propria teia. (Hilaridade.)

Affirmou o illustre ministro das obras publicas, afirmação apoiada tambem pelo digno par a quem estou, respondendo, que, como homenagem do respeito pela publicidade, o orçamento que apresentara ao parlamento era o mais claro e o mais verdadeiro dos orçamentas.

Contrapunha s. exa. esta asserção á que havia formulado o digno par, o sr. Vaz Preto, quando accusava o governo de não dar á publicidade todos os documentos que se lhe pediam, e de não justificar devidamente os factos sobre os quaes o digno par pedia ao governo explicações.

Bem, pois o orçamento o mais claro, o mais perfeito e o mais verdadeiro, que o é na opinião do ministro que o apresentou, do digno par o sr. Cortez, que o estudou e que o defende, e que sabe bem, porque ainda ha pouco acabou de o affirmar, que a primeira condição de clareza do orçamento deriva da individuação das suas verbas, pois esse orçamento, saiba-o com surpreza a camara, é aquelle em que veia conglobadas verbas de despeza que por lei se deveriam individuar e que por este orçamento têem uma dotação muito superior á dos anteriores. (Apoiados.)

A despeza calculada para o exercicio de 1878-1879 era de 3.476:000$000 réis. Para o exercicio de 1879-1880 era de 3.554:000$000 réis.

A differença a mais era, pois, do 78:000$000 réis, conta redonda. A despeza calculada no orçamento para o exercicio de 1880-1881 é de 6.606:000$000 réis; logo ha um excesso de despeza neste orçamento de 3.052:000$000 réis.

Se dahi deduzirmos a importancia da subvenção do caminho de ferro da Beira Alta, despeza auctorisada pela carta de lei de 8 de agosto de 1878, na importancia de réis 2.438:000$000, fica ainda um excesso de despeza no orçamento actual comparado com o anterior do 614:000$000 réis.

Póde dizer o digno par que as despezas no exercicio do 1879-1880 excederam muito as previsões das despezas orçamentaes daquelle anno. Quem nos diz, porem, que não succeda o mesmo com relação ás despezas orçadas para o exercicio do 1880-1881? Tenho a notar ao digno par que eu estou fazendo referencia ás contas do orçamento sem as modificações a que me referirei depois, e que lhe foram feitas na votação da lei do despeza da outra casa do parlamento.

Não improviso algarismos, assevero-o ao digno par que podia levar a exageração do meu espirito improvisador até a faculdade rara de improvisar cálculos e de fazer improvisamente addições e subtrações. O que digo e o que afirmo di-lo e affirma-o o orçamento qualquer que seja a auctoridade e importancia que esse documento possa valer para o digno par.

Aponto as sommas em numeros redondos, o não é porque despreze as fracções minimas a que o digno par dá tanta importancia e que podem te-la efectivamente quando são factores de um calculo, das não a expressão do seu resultado.

O sr. Mendonça Cortez: - Eu não comparei os orçamentos ordinarios e extraordinarios; referi me ás contas. O digno par póde comparar orçamentos; mas a base da minha argumentação não foi essa, nem o podia ser, porque dahi nada se conclue.

O Orador:- Descanse o digno par, hei de fallar do orçamento ordinario e do extraordinario. Se é agradavel ao digno par que neste orçamento venha calculada a despeza ordinaria em menos 1.114:000$000 réis do que no orçamento anterior, não o é igualmente o ter de acceitar sem contestação o facto de que neste mesmo orçamento passaram avolumadas para as despezas extraordinarias verbas do despezas que nos orçamentos anteriores figuravam sempre nas despezas ordinarias.

No capitulo 7.° secção 6.ª do orçamento da receita e da despeza para o exercicio de 1879-1880 vem calculada para obras de melhoramentos de portos e rios, obras hydraulicas, etc., a verba de 120:000$000 réis. No orçamento actual passa para a despeza extraordinaria esta verba, mas

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com o augmento de 130:000$000 réis; isto é, na importancia de 250:000$000 réis que a camara dos senhores deputados reduziu a 210:000$000 réis.

Na secção ll.ª do mesmo capitulo vinha a despeza calculada com obras e reparações dos paços reaes, paços episcopaes, monumentos historicos e igrejas parochiaes, etc., calculada no orçamento anterior a este em 176:000$000. réis; no orçamento que discutimos passa a ser secção 8.ª a que era secção ll.ª no outro orçamento, a designação das verbas de despeza é a mesma, mas a dotação para ellas, sem que se saiba o como e porque, é muito superior, porque passando de 176:000$000 réis a 250:000$000 réis, isto e, mais 74:000$O0O réis do que no orçamento anterior.

O respeito, porém, pelo regimen da publicidade, pela clareza, pela individuação de cada verba de despeza, segundo o intuito confessado pelo illustre ministro e apoiado pelo digno par, é tal que, por exemplo, para as obras e reparações dos paços reaes votou a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados que fosse calculada a verba de 6:000$000 réis, em harmonia com o que havia determinado a carta de lei de 11 de fevereiro de 1862; era já isto uma individuação, e, a despeito disso, apparece ainda neste orçamento e vem proposta na lei de despeza que estamos discutindo, essa verba, conglobada com todas as outras, para as quaes, aliás, a camara vota um augmento de receita, sem saber o que se gastou nem com os paços reaes, nem com os paços episcopaes nem com os monumentos historicos, nem com as igrejas parochiaes, nem com nenhuma das verbas de despeza, de que não conhece senão apenas e simplesmente a designação generica d'ellas! Póde isto merecer, e merece, com eifeito, os applausos enthusiastas do digno par, traduzidos naquelle kyrie, eleison de apoiados seguidos que todos lhe ouvimos, a mim, sinceramente o confesso, nem isto me enthusiasma, nem me commove.

Sejamos, porem, leaes na nossa argumentação e prestemos a devida homenagem aos bons desejos com que o illustre ministro, para esclarecimento da camara e do paiz, chega a descrever (e aqui com minuciosissima individuação) algumas diminuições de despeza no orçamento actual. A camara verá com que respeito se guarda o rigor das cifras e se descrevem as fracções as mais insignificantes. E quando digo as mais insignificantes, tranquilise-se a consciencia, do digno par, não é, repito-o de novo, porque em qualquer calculo seja desprezivel qualquer fracção. Eu sei bem a que podem sommar as pequenas unidades multiplicadas por si mesmo, e o digno par, que é bastante philosopho para comprehender e aceitar, como distracção dos seus ocios litterarios, o jogo do xadrez, é tambem um espirito bastante illustrado e bastante anedótico para comprehender e conhecer o engenhoso artificio com que o inventor de tal jogo inculcava ao rei generoso o premio da sua invenção. Inutil é, pois, o fazer-me lembrado que em documentos que firmei com o meu nome apparecem tambem verbas que não são expressão de numeros redondos.

(Interrupção que se não percebeu.}

Se o digno par e os seus pares, porque ainda que todos aqui sejamos pares, são mais propriamente seus pares aquelles que têem a indole e feição politica do meu illustre interruptor, se querem intercallar neste meu discurso, as suas observações dão me com isso um grande prazer e tanto quanto possive1 procurarei responder-lhes.

Sim, senhor, naquelle orçamento, que o digno par diz ser o meu orçamento, apparecem verbas que se não cifram em numeros redondos; se, porem, em qualquer capitulo do orçamento se propozesse uma verba superior á votada nos orçamentos anteriores, esteja o digno par certo e os seus collegas, que eu teria sempre justificado devidamente esse augmento de despeza.

Fe-lo o illustre ministro, ou fá-lo agora o digno par com relação á despeza calculada a mais neste orçamento nas verbas a que me referi? De certo que não.

Pois ouviu alguem essas explicações quando ainda ha pouco votámos a auctorisação para se despender com os portos e rios e diversas obras os 100:000$000 pedidos pelo illustre ministro?

Disse-se: esgotou-se a verba votada no orçamento; necessito para a continuação das obras começadas de mais estes meios, e votaram-se.

O que fizemos então, fazemo-lo agora, e com a mesma rasão. Ha poucos dias votamos a auctorisação pedida sem esclarecimentos, hoje votamos o augmento de despeza sem justificação. E pensa-se, e julga-se, e crê-se que não votamos nenhuma verba de despeza sem que seja justificada por circumstancias imperiosas e conhecida a sua applicação pelos cálculos de um orçamento documentado! Não é assim; o ministro pede mais 100:000$000 réis alem da dotação do orçamento para a conclusão de umas certas obras que elle affirma não estarem concluidas, e cujo desenvolvimento ninguem conhece, e votam-se. Augmenta a dotação para certos serviços que não vem definidos nem especificados no orçamento, com sommas importantes, e a camara vota-as, e na generalidade da lei da despeza não discute a auctorisação ampla para o governo despender a seu bello prazer quantias importantes, que aliás teria regateado se fossem pedidas por um projecto especial para um fim definido!

E não querem que se diga que nestas condições o orçamento não vale nada, que esta discussão pró forma é uma ficção constitucional de todas a mais esteril no systema parlamentar?

Desculpe-me v. exa., sr. presidente, a sem ceremonia com que estou tratando este famoso documento (mostrando o orçamento} que é, que devia ser o primeiro de todos os documentos, para estudar e comprehender por elle a organisação de todos os serviços, a sua dotação correspondente, as relações da nossa receita com a nossa despeza, quer dizer, as relações das forças vivas do paiz, naquilo em que ellas contribuem para a constituição do estado, com os serviços que este lhes presta em troca desses encargos; em uma palavra, o unico livro que diz o que é o paiz, o que vale o paiz, o que é e o que vale o systema politico e o systema economico que o regem.

Depois desta afirmativa quer v. exa. ver (e comprehenderá facilmente quanto me é doloroso confessa-lo á camara) quer v. exa. ver qual é a primeira palavra do orçamento das obras publicas, a primeira verba pela qual se inculca uma differença a menos na despeza deste orçamento com referenciarão anterior?

"Secretaria de estado. - Artigo 2.°- Secção 7.ª - Quadro do pessoal civil do ministerio. - Elimina-se um dia na pensão ao correio a pé, que deixa de abonar-se por não ser bissexto o anno economico. $128"

(Hilariedade.}

Desta economia, creio eu, não tornará responsavel o digno par a quem me refiro, o illustre ministro. De certo que s. exa. não vae affirmar que o governo actual por economia inventara os annos não bissextos. (Riso.) Neste ponto, sinceramente não temos a censurar a falta de individuação, de minúcia, e de detalhe nas economias que trouxe ao orçamento o facto de não ser bissexto o futuro anno economico. Somam ellas, salvo erro, 215$000 réis, o se o anno não deixasse de ser bissexto apenas para os correios a pé e para outros empregados de pequena categoria e o deixasse de ser igualmente para todos os outros, santo Deus! A quanto subiria essa economia? Nem talvez o digno par mo possa dizer.

(Aparte do sr. Mendonça Cortez.}

Venha, venha essa explicação. O digno par ha de forçosamente te-la guardada nalgum escaninho da sua memoria. Ha de dar rasão deste facto, como já a deu da ubiquidade do empregado sobre cuja cabeça se accumulam as

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gratificações, e sobre cujos hombros pesa a responsabilidade de varias commissões de diversos serviços exercidos era diversos logares.

(Aparte do sr. Mendonça Cortez.)

S. exa, que explica, tudo ha de começar por .explicar como se pedem mais 74:000$000 réis para diversas obras, incluindo ás das igrejas parochiaes, verba que foi por mim tirada do orçamento para ser resposta nelle pelo meu successor, para ser conservada lá pelos illustres ministros, que se lhe têem succedido até hoje,- sem que se saiba a rasão desse facto, e sem que o illustre ministro a tenha dado, á não ser que eu attribua a s. exa. ou á sua inspiração as palavras que a tal respeito me foram dirigidas pela imprensa.

(Signal negativo do sr. ministro das obras publicas.)

Bem, passemos de largo sobre esta referencia, que aliás eu tive já occasião de explicar á camara, fazendo interprete dessas explicações, perante o illustre ministro das obras publicas, o seu collega, do reino. No orçamento que eu apresentei perante as commissões da camara dos senhores deputados, e que depois. foi apresentado pelo meu successor ao parlamento, havia reduzido a verba das despesas eventuaes de 20:.000$000 a 12:000$000 réis. Apparece neste orçamento calculada a despeza em 15:000$000 réis.

Justifica-se isto? Como e com que rasão? O orçamento diz que os empregados temporarios, que percebiam pelas obras das estradas e pelas despezas eventuaes, passam a receber pela verba relativa aos empregados addidos e fora dos quadros; logo o arbitrio do ministro na applicação e distribuição da somma votada para despezas eventuaes fica tendo uma margem mais larga.

Não prova este facto que essa somma podia ser reduzida? Porque se não reduziu pois? Por que necessidade se justifica a conservação d'esta verba no orçamento, na importancia em que ella vem calculada?

O digno par fallou largamente sobre matas. Já lá vamos. O digno par, porem, que sabe tudo, sabe em que condições encontrei aquelle serviço e como elle vinha descripto sem expressão de verdade no orçamento. Já o disse e já o affirmei. A camara não perdeu de idéa de certo o famoso escrivão do pinhal de Azambuja, que nada escrevia; o celebre thesoureiro, que nada enthesourava; e aquella barca, que não existia de ha muitos annos senão para ser descripta no orçamento.

(Internação que não se ouviu.)

Eu trabalhei sempre para que o orçamento fosse a expressão da verdade, e havia de o conseguir se a minha permanencia no ministerio houvesse sido mais longa. Entretanto, nesse curto período procurei, seguindo até o exemplo de v. exa. como o meu predecessor, organisar os serviços e cumprir com a lei. Lembra-se v. exa., por exemplo, do modo arbitrário por que eram concedidos os subsídios para a construcção das estradas municipaes? V. exa. procurou por todos os meios que fossem executadas as disposições da lei de 15 de julho de 1862, Foram-no. Convocaram-se extraordinariamente as juntas geraes, votaram-se os meios para dotação do cofre da viação districtal, e do meu tempo, posso assevera-lo, nenhum subsidio foi concedido para a construcção de nenhuma estrada senão cumpridos rigorosamente os preceitos- da lei.

E, a este respeito, permitia-se-me que eu pergunte agora: justifica-se nas circumstancias actuaes a verba de réis 300:000$000 consignada no orçamento para subsidio a estradas municipaes? Pois se fallamos tanto de economias, se são tão difficeis as circumstancias do thesouro, se o imposto directo está tão desigualmente distribuído, como o accusam os ultimos trabalhos sobre o serviço das contribuições directas, comprehende-se que, sem injustiça absoluta, e seguramente com. injustiça relativa, saia dos cofres da receita geral do estado um subsidio qualquer para qualquer obra municipal, embora era cumprimento da lei, emquanto se não corrigirem os defeitos do nosso systema tributário e emquanto não melhorarem as condições do thesouro? Sinceramente creio que é uma questão a considerar pensada e reflectidamente.

Em todo o caso, nisso como era muitas outras cousas damos uma singular prova da anarchia em que temos todos os serviços. Pagamos pelo orçamento geral do estado subsidio para a construcção de estradas, que são de facto melhoramentos locaes, ao passo que constituímos por outro lado impostos locaes para dotação de melhoramentos locaes que não recebem subsidio nenhum doestado. Taes são as obras de melhoramentos de diversos portos e barras.

Mais ainda. Luctamos com um déficit enorme, com uma divida fluctuante avultadissima, e jazem sem applicação centos de contos de réis nos cofres da viação municipal, e ainda nos cofres onde se arrecadara os impostos locaes com um fim marcado na lei, mas em cumprimento do qual não tiveram ainda em muitos dos casos a applicação devida.

Se este facto prova que não auctorisamos a construcção de obras locaes sem a dotação correspondente, provamos por outro lado com o orçamento na mão que os grandes emprehendimentos da nossa regeneração material têem sido decretados, sem que ao lado dos encargos que elles trazem, se ponha a receita para lhes fazer face.

Dahi, e principalmente dahi, deriva a grande rasão do nosso desequilíbrio financeiro.

Ainda o orçamento actual inculca este facto aggravado pelas circumstancias que o mesmo orçamento accusa, e dá delle sobejas e seguras provas.

Outra rasão da nossa desorganisação financeira deriva de que sanccionamos pela lei do orçamento em muitos casos as infracções de outras leis.

A lei preceitua uma cousa, o orçamento auctorisa outra.

Lembra-se v. exa., sr. presidente, que ha poucos dias,, dizendo eu algumas palavras sobre o orçamento do ministerio da guerra, affirmei que era incomprehensivel e injustificável que, nas condições em que temos o nosso exercito, gastássemos com elle 4.300:000$000 réis. Dir-me-hão: não é com o exercito. Bem, mas é com o ministerio da guerra, que não teríamos se não tivéssemos exercito.

Por essa occasião não citei factos que me acudiam á memoria e com que eu teria abonado e justificado as minhas considerações, se a hora o permittisse.

Entre esses citarei um: o quadro de generaes de brigada é para o estado maior de engenheria e artilheria de 7, de cavallaria é de infanteria de l5. Os 15 estão na conformidade, da lei, mas alem disso ha distribuídos pelas outras armas mais 12 generaes promovidos alem do quadro. Consta isto de um documento publico, insuspeito peia sua procedência para o governo.

N'este e noutros factos idênticos está a rasão da grande despeza que fazemos com um exercito muitíssimo inferior em força ao da Bélgica, que custa muito menos, e ao da Suissa, cuja organisação militar, pelas circumstancias excepcionaes daquelle paiz, não nos podia servir de modelo, mas cuja despeza é tambem muito inferior ao do nosso.

Aproveito ainda este ensejo para insistir novamente contra a idéa absurdamente desorganisadora que inspirou o projecto apresentado pelo sr. ministro da guerra, permitindo a remissão por 60$000 réis e por 80$000 réis aos recrutas em divida e aos refractarios.

Por tal projecto vamos apenas dar um premio aos que desobedeceram ao preceito da lei, e, o que ainda é peior, augmentar o déficit em que todos os districtos estão com relação á percentagem que lhes cabe no contingente do recrutamento militar esquecendo até que pela lei o indivíduo que serve indevidamente no exercito tem acção civil de indemnisação sobre os bens do refractario que elle substituo.

Estas considerações; se parecem de todo o ponto estra-

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nhãs á discussão sobre o orçamento do ministerio dás obras publicas, não o são com effeito, e provam pelo menos uma rasão de affinidade próxima entre os dois ministérios: a de esquecerem ambos a lei, embora o ministerio das obras publicas tenha como atenuante d’esse facto a circunstancia de se deixar reger pela lei de salvação publica, como affirmou o digno par o sr. Cortez, respondendo ao digno par o sr. Vaz Preto, que de certo se não deixa seduzir pela eloquencia do digno par, nem pelas suas allegações e conceitos peregrinos.

E voltando-me ainda para s. exa. com a deferencia e consideração que lhe é devida, e com a insistencia do desejo que nutro de o trazer a bom caminho (porque, espero-o em Deus, s. exa. não torna a defender o orçamento do ministerio das obras publicas), permitta-me o digno par que lhe diga, que nem convenceu o digno par o sr. Vaz Preto, nem o assoberbou com as rasões que foi pedir ao enthusiasmo da sua fé politica. Não valia a pena tamanho denodo.

O digno par não veiu para o debate empunhando o flexível florete com que se esgrime nestas luctas da palavra. Foi-se á sua panoplia, arrancou de lá da pesada espada de combate, veiu para p campo- animado do desejo de vencer ou morrer, e, receiando ainda das suas próprias forças, fez rodar solemnente atraz de si a artilheria grossa, que é a ultima ratio n’estas luctas extremas. (Hilaridade.)

Quando julgou desfeitos os argumentos do sr. Vaz Preto, começou a cantar os louvores da situação que apoia e defende.

«Eu sou, exclama o digno par, a favor deste ministerio, porque faz caminhos de ferro de graça!»

E admirou-se de que o sr. Vaz Preto se risse! Riu-se da graça. (Hilaridade.)

E continuou: «Quando vier á discussão o caminho de ferro de Torres Vedras eu provarei á camara que este contrato é o melhor de quantos contratos se têem feito em Portugal sobre caminhos de ferro».

Ora, eu pergunto a s. exa: tambem é relator deste projecto?

O sr. Mendonça Cortez: - Sim, senhor.

O Orador:—Pois dou por isso os meus sinceros parabéns ao digno par, ao governo e á maioria, que têem nesta questão um tão hábil defensor.

Eu não tenho opinião formada sobre a questão e espero pelos pareceres das diversas commissões para illustração do meu espirito e para determinar por elles a minha convicção.

Ainda bem que temos um relator azado para a circumstancia. O digno par não deixará de seguir o exemplo que já abriu como relator no projecto da reforma do correio. Teremos um relatorio com referencia obrigada a tudo quanto em todos os paízes se tem feito sobre caminhos de ferro, a todos os contratos que se têem celebrado em Portugal, espécie de índice remissivo de toda a legislação sobre obras publicas; emfim, para encurtar rasões, um verdadeiro cartapácio (Riso.) que ha de asphyxiar e matar sob o seu peso toda a discussão.

O sr. Mendonça Cortez: — V. Exa. não o leu.

O Orador: — Pois de certo que o nau li. Quem é que o poderia ler? Quem é que rio remanso do seu gabinete, pegando de um documento d’aquelles cheio de números de referencia a artigos de lei revogados, homologados, interpretados, um parecer onde se vêem mais algarismos do que letras, quem tem, quem quer o digno par que tenha a coragem do o ler? Oh! sr. presidente! mas aquillo não é um parecer, é uma apoplexia pairando sobre a cabeça de quem o quizer decifrar. (Hilaridade de toda a assemblea.)

Longe de mim e bem longe o intuito de provocar com as considerações que estou fazendo a hilaridade da assemblea. A v. exa. a quem devo tanta consideração e respeito, e reconhecimento tambem, porque foi v. exa. um dos poucos homens que têem tentado vencer a minha natural reuctancia em me assentar n’aquellas cadeiras, (apontando para as do ministerio) que todos dizem que são o leito de Procusto, e para mira o não foram, que todos dizem que têem espinhos, e que para mim os não tiveram, (tão rápida foi a minha permanencia nellas) a v. exa., pois, como meu presidente que foi, e como meu presidente que é, dirigindo com tão severa imparcialidade os trabalhos desta camara, devo eu a solemne declaração de que é involuntária e inconscientemente que eu concorro para estas demonstrações de alacridade, que aliás são um desafogo permittido como expressão de um sentimento, que nem é offensivo do decoro desta camara, nem da dignidade de nenhum dos seus membros.

Eu não quero fazer rir a camara, e se tivesse nas vibrações da minha palavra aquellas notas plangentes que só a eloquencia póde ferir, preferia faze-la chorar sobre as nossas desgraças, a faze-la rir dos nossos desacertos.

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez.)

E ainda o digno par com a sua insistencia em que sou humorístico! Pelo amor de Deus, deixe-me em santa paz tal qual sou, tal qual o digno par pensa que eu sou. Cada qual tem o seu feitio. (Riso.)

Duas palavras ainda sobre a questão das matas, visto que a hora o permute. Vamos ás matas, não para sacudir de lá as bestas feras, que, coitadas, nem sequer têem nesses dominios oficie se acoitem, mas para acompanhar o digno par na sua digressão pelas nossas florestas. S. exa. fallou-nos das matas, da exploração das matas, do rendimento das matas, e affirmou em conclusão que ellas não davam perda para o thesouro. O orçamento não diz isso; mas vejamos o que diz o orçamento:

Despeza com as matas 52:862$000
Receita das matas 41:600$000
Déficit 11:262$000

Aqui tem a camara qual o rendimento das matas.

O sr. Mendonça Cortez: - Eu não disse isso.

O Orador: — Se o não disse o digno par, di-lo o orçamento.

(Interrupção que não se ouviu.}

Oh! senhores! Pois o orçamento não vale nada! Então fechemos o orçamento.. O que me admira é que o digno par exprima tão, desafogadamente o seu desprezo pelo ornamento,- e se haja encarregado de ser o relator officioso d’elle.

Pois o que é facto é que a perda accusada no orçamento é ainda inferior á perda real, porque entre as verbas de despeza não vem consignadas todas as que o serviço exige. Exemplifiquemos: o administrador geral das matas não percebe pelo capitulo 13.° do orçamento, que é o que se refere a matas nacionaes. O que, porem, altera em tudo o calculo de orçamento é que elle se refere apenas á conta corrente da administração geral do estado entra no calculo o juro do capital a explorar.

Ora, o calculo de pessoa competente, firmado e apoiado em dados estatisticos seguros, estudados com intelligencia e com o sincero intuito de conhecer a verdade, provia, que o valor da nossa massa florestal é de 1.464:000$000 réis, e acrescido esse valor com o do solo que ella occupa, do 247:000$000 réis, temos uma cifra de 1.716:000$000 réis, cujo juro não entra na conta corrente do estado com as matas. Como se assevera, pois, que as matas não duo perda?

Estará de certo lembrada a camara de que o sr. ministro da fazenda affirmou aqui que pessoa para s. exa. de toda a fé e competencia, e que pela indole dos seus estudos tem toda a auctoridade de opinião, lhe aconselha a alienação de toda a massa florestal pertencente ao estado. S. exa. proprio emitiu essa opinião no seu relatorio. A do

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actual administrador geral das matas, opinião igualmente auctorisada, vejo eu que se inclina tambem no sentido da alienação, pelo menos d’aquelles pinhaes e inatas que comprehendem uma área relativamente pequena. Acostas condições não deixa de ser um pouco singular a afirmativa do illustre ministro das obras publicas na outra casa do parlamento.

S. exa. declarou que tinha entre mãos um trabalho sobre a reforma do nosso regimen florestal, que apresentaria ao parlamento na próxima sessão. Assegurou que a ninguem dera conhecimento d’esse trabalho, declarado que, se houvesse sido feita n’este, casa, teria provocado ao digno par uma longa serie de apoiados. (Riso.)

Pois bem, esta declaração implica com a do illustre ministro da fazenda. Valem ou não valem as matas? Rendem ou não rendem as matas? Alienamos, ou deixamos de alienar as matas?

É isto o que convem saber. Sabe, ou podo dize-lo o digno par?

O que é incontestável é que, a querer conservar o nosso dominio florestal devemos modificar radicalmente o regimen da sua administração. O que ha é absurdo e incomprehensivel, o que o orçamento inculca e define é mau que absurdo, é ridículo.

Abramos ao acaso o orçamento. (Leu.) Aqui estamos com a administração da tapada do Campo Grande. Com o pessoal que guarda a tapada e que fiscalisa os trabalhos d’ella gastámos 452$600 réis. Com o pessoal que trabalha, com os jornaleiros que cavam, que sacham, que regam, que plantam 918$900 réis e com compra de papel e lápis 229$040 réis. (Riso.) É isto possivel? Não, de certo. Ha falta, por força, de individuação, de qualquer outra despeza nesta ultima verba; mas, emfim, é isto o que o orçamento diz.

Sr. presidente, o supremo dever do parlamento é fiscalisar a applicação das receitas publicas, não o exerce, nem póde exercer de certo sem orçamentos documentados, e neste que estamos discutindo, a despeito dos bons desejos do illustre ministro das obras publicas, claramente significados em uma das ultimas sessões, a despeito das asserções do digo par, o sr. Cortez, quer a camara ver em que se cifram es documentos? Aqui os tem todos nesta única pagina onde se lê uma única palavra - documentos - sem que acompanhe documentos alguns. De sorte que se são estes os documentos eu, rasgando esta pagina, (Rasga a pagina.) e posso rasga-la porque o orçamento é meu, dobrando- a muito dobradinha, guardo-a (Mette-a no bolso.) e vou eu com todos os documentos do ministerio das obras publicas mettidos na algibeira. (Riso.) Ora, pelo amor de Deus, e fallamos em discussão do orçamento!

Sr. presidente está a bater a hora, e como não quero ficar com a palavra para a sessão seguinte, ponho ponto nas minhas considerações e na minha resposta ao digno par. Não tinha o intuito de discutir, nem tenho a pretensão de haver discutido o orçamento do ministerio das obras publicas. No principio da discussão declarei que não tomaria parte nella e accusei as rasões da minha abstensão. Resumo-as com uma phrase: julgo-a inutil! A discussão do orçamento não póde ser uma verdade, senão quando deixarmos de trazer falseados todos os principios sobre que assenta a pratica verdadeira, leal e sincera do systema representativo. Ou eu me engano muito, ou posso affirmar com segurança que já não é cedo, mas que dentro em pouco póde ser tarde, para mudar de rumo, para seguir caminho diverso, desafogando a acção dos poderes publicos de todas estas intrigas, de todas estas pretensões, de todas quantas dependências a têem coagido e obrigado a transigir, com interesses pequenos, com paixões pequeníssimas, que com certeza não subiram até nós se a politica estivesse nas regiões superiores e serenas onde tudo se decide pelo que é nobre, pelo que é justo e pelo que é de direito
Afasto da minha imaginação todas as idéas que a assaltam de súbito e que n’este momento estão passando diante do meu espirito, como borboletas que vem attrahidas, não pela luz d’elle, mas pela luz da verdade. Vejo-as, estou vendo-as passar diante de mim, como vejo ir subindo, por essas escadas que levam á mesa a que v. exa. preside, esse formigueiro de projectos.. . Não o vêem? Pois lá vae subindo de vagar, como quem lhe custa a andar, e como quem tem medo de apparecer. Lá vão empurrados, uns feia má vontade, ou antes, pela vontade contrariada do governo, outros pela dependência de interesses, outros pela força das circumstancias, muitos pelos compromissos de occasião, e todos custando mais ao thesouro do que o pobre thesouro pode dar. Aquelle pobre thesouro, sr. presidente, segundo as forças do qual o governo secundará, segundo um projecto votado, a iniciativa patriótica á qual se deve a celebração do centenário de Camões.

Sou por aquelle projecto. Quem o não será? Accender no espirito de um povo o enthusiasmo pelas tradições da nossa historia, relembrando o nome de quem as tornou immorredouras, é dizermos ao mundo que ainda vivemos e que temos n’ellas a primeira rasão de vida, porque dellas nos vem a mais forte rasão da nossa autonomia. Approvo a idéa, teria votado o projecto, se estivesse presente, e te-lo-ia até additado. Ninguem com consciencia deixaria de acceitar e de prestar por tal forma homenagem á memoria daquelle a quem Emilio Castellar acaba de chamar o Homero da navegação.

Lembremo-nos, porem, de que as luctas da liberdade, se não tiveram ainda o seu cantor, tiveram já os seus martyres e os seus apóstolos, e que, á hora talvez em que approvámos aquelle projecto, iam es representantes de um dos mais honrosos nomes da nossa historia liberal, do nome de Fernandes Thomás, bater ás portas do parlamento portuguez pedindo uma esmola.

Creio que lha não havemos de regatear, e que a opinião que se gloria de fazer reviver na memoria do povo o nome d’aquelles que celebraram as tradições gloriosas da nossa historia, não ha de negar o seu concurso e apoio ao acto pelos quaes os poderes publicos provam que respeitam e acatam com reconhecimento, os serviços d’aquelles que tanto trabalharam por implantar no paiz o regimen liberal.

Sr. presidente, são acanhados os horisontes da nossa politica. São pequenas as paixões que nella se agitar. Pois bem, se ellas se oppõem a que sejamos justos para com os vivos, que não obste a que o sejamos com aquelles cuja memoria tem direito a que a imparcialidade da historiei os julgue pelo seu proprio merecimento.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares e senhores deputados.)

O sr. Presidente: — Como a hora está á dar, amanhã concederei a palavra ao sr. conde de Rio Maior, que a pediu no principio da sessão para dar explicações.

Agora vae-se ler uma mensagem da camara dos senhores deputados, que se refere a negocio urgente.

Leu-se na mesa.

É do theor seguinte.

Um officio da presidência da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim crear uma contribuição gerai do rendimento.

A commissão de fazenda.

Leu-se o seguinte:

Officio da presidência da camara dos senhores deputados communicando não haver aquella camara podido convir nas alterações feitas pela e nina rã CMS dignos pares na proposição de lei, que garante a Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, a efectividade do posto de major, e remetendo copia da resolução tomada por a mesma camara, em sessão de hontem para ser este negocio submetido a discussão de uma commissão mixta.

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O sr. Presidente:— O artigo 5.° da lei de 27 de julho de 1849 diz o seguinte:

«Compete ao presidente da camara dos pares designar e fazer constar a ambas as camaras o dia e a hora da primeira reunião da commissão mixta, que terá logar na casa das sessões da camara dos pares, emquanto não houver uma sala destinada para a reunião das côrtes geraes, e servirão de secretários um par e um deputado, eleitos pela commissão, ou quando esta não queira eleger, nomeados pelo presidente da commissão.»

Já os dignos pares vêem que as reuniões da commissão mixta hão de ter logar nesta casa, e então pergunto á camara se quer começar amanhã a sessão á uma hora para se fechar ás quatro, a fim de poder funccionar a commissão mixta.

Assim se resolveu.

O sr. Conde de Samodães: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o imposto de rendimento.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Presidente: — Na primeira parte da ordem do dia de amanhã hão de eleger-se sete membros effectivos e quatro supplentes para formarem parte da commissão mixta.

Previno, pois, os dignos pares que a sessão começa amanhã (22 do corrente) á uma hora da tarde, e que a ordem do dia é a eleição dos membros que devem fazer parte da commissão mixta, e a continuação da ordem do dia que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 21 de maio de 1880

Exmos. srs.: Duques, d’Avila e de Bolama, de Loulé; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Évora; Condes, de Avilez, de Cabral, de Castro, da Fonte Nova, de Linhares, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, da Torre, de Valbom, de Bomfim, de Gouveia; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, de Soares Franco, de Valmor; Barão de Ancede: Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Gonçalves Mamede, Braamcamp, Andrade, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Costa Cardoso, Mexia Salema, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Castro Guimarães, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Eugenio de Almeida, Pinto Bastos, Mello e Gouveia, Barjona de Freitas.

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