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N.º 65

SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. visconde de Carnide manda para a mesa um parecer da commissão de agricultura. - O sr. Pereira Dias manda para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio da fazenda. Mandou-se expedir. - Entra em discussão o parecer n.° 115, sobre o projecto de lei n.° 77. Foi approvado sem discussão. - Seguidamente foi lido e posto á discussão o parecer n.° 116, sobre o projecto de lei n.° 76. - Usa da palavra o digno par o sr. Fernando Palha. - O sr. Pereira Dias manda para a mesa uma proposta que, depois de lida, foi approvada pela camara. - Usa da palavra o sr. ministro da fazenda. - O sr. visconde de Moreira de Rey manda para a mesa uma proposta, a qual, depois de lida, foi admittida á discussão. - O sr. Francisco de Albuquerque manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda. - Usa da palavra o sr. Hintze Ribeiro, que fica com a palavra reservada para a proxima sessão. - O sr. presidente levanta a sessão, dando para ordem do dia de segunda feira a continuação da de hoje.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, estando presentes 30 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

l.ª Tornando extensivas aos sargentos guarda portas do commando geral de artilheria as vantagens estabelecidas para os officiaes inferiores do exercito no artigo 6.° da carta de lei de 23 de junho de 1880.

As commissões de guerra e de fazenda.

2.ª Approvando as bases pelas quaes deve ser regulado o lançamento e cobrança da contribuição denominada «decima de juros».

A commissão de fazenda.

(Estavam presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros, da marinha e da fazenda.)

Leu-se na mesa o seguinte officio.

Officio do ministerio do reino, remettendo o decreto autographo datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 13 do corrente mez de agosto inclusivamente.

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.° § 4.° e a carta de lei de 24 de julho de 1885 no artigo 7.° § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 13 do corrente mez de agosto inclusivamente.

O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda, em 6 de agosto de 1887. = EL-REi. = José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: - A camara fica inteirada.

O sr. Visconde de Carnide: - Mando para a mesa o parecer da commissão de agricultura, sobre o projecto relativo ao pinhal de Santa Cita.

A imprimir.

O sr. Pereira Dias: - Envio para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio da fazenda.

É do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, me seja enviada com toda a urgencia uma nota das contribuições industriaes e avenças que pagam as fabricas de alcool, estabelecidas em Lisboa e Porto.

Sala das sessões da camara dos dignos pares do reino, em 6 de agosto de 1887. = Pereira Dias.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 115.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 115

Senhores. - Á vossa commissão de negocios externos foi presente o projecto de lei n.° 77 vindo da camara dos senhores deputados, cujas provisões têem por objecto principal deslocar para o orçamento da metropole e especialmente para capitulos referentes ao ministerio dos negocios externos a despeza feita actualmente com os consulados na Africa e Asia por conta dos orçamentos de algumas das nossas provincias ultramarinas e n'elles respectivamente inseridos a titulo de despeza provincial.

Senhores, existe e subsiste de ha muito um deficit, colonial importante, tem, elle, porém, attingido, por diversas circumstancias, n'estes ultimos annos proporções de tamanho vulto, que o facto, da sua prompta e sensivel attenuação começou já de ser considerado por mais de um dos ministros que successivamente têem gerido a pasta da fazenda como um factor de primeira importancia na desejada solução do nosso problema financeiro nacional.

Bem que sem beneficio immediato do thesouro publico, antes e só como acto de justiça, e de restabelecimento da verdade, o primeiro passo a dar no conseguimento de tal attenuação, será o de uma exacta apreciação da importancia real d'esse deficit e a consequente eliminação nos orçamentos das provincias ultramarinas de quantas verbas (e bastas e importantes são) ali figuram erradamente a titulo de despeza colonial.

Se na opinião de muitos e de entre os mais abalisados economistas, não devem figurar nos orçamentos ultramarinos aquellas verbas especialmente destinadas ao pagamento das despezas de soberania, ou ao menos a melhor parte d'ellas, com dobrada rasão d'ali devem riscar-se aquellas

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que como as dos consulados asiaticos e africanos existiriam ainda quando não fossemos possuidores do nosso vasto dominio colonial.

De resto os nossos consules na Asia e na Africa são já ao presente nomeados com referenda unica do ministro dos negocios estrangeiros, de quem exclusivamente são subordinados, sendo aliás notorio que a primeira attribuição das despezas de um consulado ao orçamento de uma provincia ultramarina teve mais em mira prover de prompto, sem acto dictatorial, á necessidade urgente da creação d'esse consulado, do que tornar mais racional e equitativa a distribuição das despezas feitas pela nação com esses orgãos das suas relações diplomaticas e commerciaes.

Isto posto, pelas rasões expendidas e por outras que são obvias; é a vossa commissão de parecer que deveis approvar o projecto de lei a que nos vamos referindo, para que convertido assim em decreto das côrtes geraes possa ser submettido á regia sancção.

Sala das sessões, em 3 de agosto de 1887. = A. de Serpa = J. M. Ponte Horta = J. V. B. du Bocage = A. Costa Lobo = H. de Macedo, relator. - Tem voto do digno par Agostinho de Ornellas.

Projecto de lei n.º 77

Artigo 1.° Os serviços consulares de Portugal ficam todos dependentes da respectiva direcção, no ministerio dos negocios estrangeiros.

§ 1.° Das tabellas de receita e despeza das provincias ultramarinas serão consequentemente eliminadas as verbas relativas aos consulados de Portugal na Africa e na Asia, que ficam respectivamente transferidas do ministerio da marinha e ultramar para o dos negocios estrangeiros e para o mappa da receita geral do estado.

§ 2.° Os vencimentos e despezas do consulados da Africa e Asia serão regulados pela tabella annexa a esta lei, e que d'ella fica fazendo parte, constituindo receita publica o rendimento da feitoria de Bangkok e os emolumentos que pela mesma tabella não ficam pertencendo aos consules e agentes consulares.

§ 3.° O governo poderá modificar, como as circumstancias exigirem, as tabellas dos emolumentos consulares a cobrar em Africa, e decretar a sua applicação, dando conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

§ 4.° As duas primeiras verbas inscriptas no artigo 9.° da actual tabella da despeza do ministerio dos negocios estrangeiros serão acrescentadas com 500$000 réis cada uma.

§ 5.° Emquanto os actuaes consules de Siam e Bombaim exercerem estes cargos, são-lhes mantidos todos os vencimentos que actualmente percebem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contrariada esta.

Palacio das côrtes em 2 de agosto de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = José Maria de Alpoim de Cergueira Borges Cabral, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado, vice-secretario

Tabella a que se refere a lei d'esta data

Consulado no Cabo da Boa Esperança

Consul:

Ordenado........................... 500$000
Verba para despezas de representação.. 3:000$000
Verba para despezas de material e expediente.....................1:000$000

4:500$000

Consulado em Bombaim

Consul:

Ordenado.......................... 500$000
Verba para despezas de representação.. 300$000
Verba para despezas de material e expediente.................. 1:500$000

5:000$000

Chanceller:

Ordenado......................... 300$000
Verba para despezas de representação.. 1:500$000

1.800$000

Consulado em Siam

Consul:

Ordenado.......................... 500$000
Verba para despezas de representação.. 3:000$000
Verba para despezas de material e expediente................ 5:000$000

4:000$000

Consulado em Shangae

Consul:

Ordenado.......................... 500$000
Verba para despezas de representação.. 3:500$00
Verba para despezas de material e expediente................... 500$00

4:500$00

Consulado em Tokio

Consul:

Ordenado.......................... 500$000
Verba para despezas de representação.. 3:500$00
Verba para despezas de material e expediente..................... 1:000$00

D'esta verba sairá a de 360$000 réis para as respectivas despezas no vice-consulado de Yokohama, se para esta cidade não for transferido o consulado geral........................... 5:000$000

Consulado em Zanzibar

Subsidio........................... 4:000$000

Alem dos emolumentos do consulado e metade dos de vice-consulado.

Consulado no Congo

Subsidio........................... 4:000$000

Alem dos emolumentos do consulado e metade dos de vice-consulado.

Palacio das côrtes, em 2 de agosto de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice-secretario.

Foi approvado sem discussão na generalidade e especialidade.

Leu-se na mesa o parecer n.° 116 e é do teor seguinte:

PARECER N.° 116

Senhores. A vossa commissão de fazenda examinou com toda a attenção o projecto de lei n.° 76, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim approvar uma nova pauta geral das alfandegas. São tantos, tão variados e por vezes tão oppostos os interesses que envolve uma reforma de pautas, que nem sempre é facil tentar e levar a bom termo um tal emprehendimento. Muitas vezes, porém, as difficuldades e embaraços que na pratica encontram disposições variadas e interpretações contradictorias, impõem aos poderes publicos a necessidade de, vencendo todos os obstaculos, realisar um melhoramento que geralmente se reclama. É o que n'este momento succede. O projecto agora submettido ao exame do parlamento responde a uma necessidade instante, e sejam quaes forem as-

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divergencias de opinião sobre uma ou outra das modificações n'elle introduzidas, não lhe faltará o applauso pelo serviço valioso que se presta a um ramo importantissimo de serviço publico.

A só circumstancia de desapparecerem os tão variados addicionaes que pesam sobre os direitos principaes, representa um beneficio enorme, porque poupa tempo, evita complicações e não raros enganos altamente prejudiciaes ou para o fisco, ou para o commercio. O actual sr. ministro da fazenda, como o seu digno antecessor, comprehenderam a necessidade de uma nova pauta aduaneira, organisada em condições de mais facil, prompta e clara applicação, e d'ahi a apresentação das duas propostas de 6 de fevereiro de 1886 e de 9 de abril de 1887, que pouco divergem na sua economia.

Seria esta a occasião de apreciar o projecto ora submettido ao vosso exame, comparando-o com a proposta do anno passado e analysando as alterações que se pretende introduzir na legislação em vigor. Essa apreciação, porém, está feita, e larga e proficientemente feita nos relatorios dos srs. ministros da fazenda auctores das propostas de 1886 e 1887, nos pareceres da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados sobre as duas citadas propostas e ainda nos trabalhos valiosos devidos ao conselho superior das alfandegas. É, pois, inutil repetir aqui o que está já dito por auctoridades reconhecidas e merecidamente apreciadas.

Limitar-nos-hemos, pois, a indicar os principaes e incontestaveis melhoramentos que o projecto realisa e que o tornam merecedor de prompta approvação.

Em primeiro logar, como já notámos, desapparecem, sendo encorporados nos direitos, os seguintes addicionaes:

a) 2 por cento ad valorem, crendo por lei de 23 de abril de 1880.

b) 6 por cento ad valorem creado por lei de 27 de abril de 1882.

c) 1/2 por cento ad valorem, creado por lei de 18 de março de 1883.

d) 2 por cento ad valorem, creado por lei de 26 de junho de 1883.

e) 2 por cento ad valorem, creado por lei de 17 de maio de 1878, sobre a exportação do vinho.

f) 3 por cento para emolumentos.

Em segundo logar as 19 classes da pauta, actualmente em vigor, approvada por decreto de 17 de setembro de 1885, ficam reduzidas a 12 classes, já porque os artigos de algumas se distribuem por outras classes, já porque algumas classes se fundem com outras, quando ha perfeita analogia, alargando-se os limites das classes que subsistem.

Em terceiro logar restringe-se sensivelmente o numero de artigos, que de 661, que são na pauta em vigor, passam a 322 na pauta proposta.

Estas tres ordens de modificações são de grande alcance, e ainda para os que não têem por dever e necessidade de acompanhar na pratica este importantissimo ramo de serviço publico, não escapará o quanto devem concorrer para o mais facil, prompto e seguro andamento dos despachos aduaneiros.

Assim a economia da nossa pauta melhora extraordinariamente, e ainda a disposição que fixa para começo da sua execução uma epocha não muito afastada, mas dentro da qual se póde, não só conseguir a publicação do referido diploma, mas ainda a do indice remissivo e explicativo que o completa, é uma nova vantagem muito apreciavel e que se consegue sem prejuizo do thesouro.

N'estes termos a vossa commissão, sem entrar em desenvolvimentos, que seriam inuteis, por serem, como já disse, numerosos e de superior valia os que acompanham e esclarecem completamente o projecto, entende que este deve merecer a vossa approvação para poder ser submettido á real sancção.

Sala da commissão de fazenda, em 3 de agosto de 1887. = A. de Serpa (com declarações] = Hintze Ribeiro (com declarações) = Barros e Sá = Francisco de Albuquerque = H. de Macedo = Conde de Castro = Augusto José da Cunha = Manuel Antonio de Seixas = Frederico Ressano Garcia = Pereira de Miranda, relator.

Projecto de lei n.° 76

Artigo 1.° São approvadas para o continente do reino e ilhas adjacentes as pautas dos direitos de importação, exportação, reexportação e baldeação, que fazem parte d'esta lei, completadas pelas disposições seguintes:

l.ª Fica o governo auctorisado a decretar novas instrucções preliminares da pauta, considerando-se das exaradas na edição official, approvada por decreto de 17 de setembro de 1885, unicamente como materia legislativa:

a) As disposições referentes a clausulas dos tratados de commercio e navegação;

b) As que importam alterações nas taxas dos direitos de entrada, de saída e de consumo, não modificadas por esta lei.

2.ª São abolidos os addicionaes:

a) De 2 por cento ad valorem creado por lei de 23 de abril de 1880;

b) De 6 por cento ad valorem creado por lei de 27 de abril de 1882 na parte que se refere aos direitos de importação e de exportação nas alfandegas;

c) De 1/2 por cento sobre a exportação creado por lei deu 18 de março de 1883;

d) De 3 por cento cobrado sobre os direitos, com1 o titulo de emolumentos, ficando o governo auctorisado a elevar d'esta taxa, arredondando-os, os actuaes direitos da pauta de consumo em Lisboa.

e) De 2 por cento ad valorem creado pela lei de 26 de junho de 1883, para as obras dos portos de Leixões e de Lisboa;

f) A taxa especial de 2 por cento ad valorem sobre a exportação do vinho, creada por lei de 17 de maio de 1878 e regulamento de 19 de dezembro do mesmo anno, modificado por decreto de 17 de setembro de 1885, com referencia ao estabelecimento de um valor medio.

3.ª São supprimidos na alfandega de consumo de Lisboa os direitos sobre farinaceos, excepto fava e batatas.

4.ª É o governo auctorisado a reduzir a 100 réis a taxa dos assucares, para os que sejam de producção e proveniencia directa brazileira, se o governo de Sua Magestade o Imperador do Brazil conceder favores especiaes para os generos de producção ou manufactura portugueza n'aquelle imperio.

5.ª Fica o governo auctorisado a fixar, em relação a cada grupo de alfandegas, a quota por milhar, que, em relação aos rendimentos totaes das alfandegas do mesmo grupo, deve ser destinada á distribuição pelos respectivos empregados, na proporção dos seus ordenados, e ás outras despezas mencionadas n'esta lei.

a) Para a fixação d'essa quota o governo tomará por base o producto de 3 por cento dos emolumentos no anno economico de 1885-1886, deduzida a parte que pertencia ao estado dos emolumentos geraes das alfandegas de Lisboa, Porto e consumo de Lisboa, bem como a dos emolumentos sobre os direitos do tabaco importado.

b) O producto d'essa quota continuará sujeito ás contribuições geraes, quer do estado, quer dos municipios ou districtos, que recáem hoje sobre os emolumentos, ao subsidio para o monte pio das alfandegas, aos encargos dos vencimentos de aposentados e ás despezas do expediente e de livros do serviço interno das alfandegas.

c) Cessa a compensação que era dada pelo thesouro e pelas alfandegas de Lisboa e Porto ao cofre dos emolumentos das alfandegas do primeiro grupo.

6.ª É o governo auctorisado, sem augmento de despeza, a organisar, como melhor for para o serviço, o quadro do pessoal das alfandegas, e a applicar as economias que

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d'isto possam resultar ao augmento da força e do material da fiscalização aduaneira.

7.ª O imposto para portos, cuja importancia, para os artigos inscriptos na pauta B, annexa ao tratado com a França, vae mencionada na columna respectiva da pauta de importação que faz parte d'esta lei, continuará a ter a applicação especial que lhe dá o § 4.° do artigo 1.° da lei de 26 de junho de 1883.

8.ª É abolida a tabella B da edição de 1885, nada tendo a pagar de direitos de importação, quer os envolucros exteriores, quer os primeiros envolucros interiores, que evidentemente sirvam para indispensavel acondicionamento das mercadorias, excepto as saccas e saccos em qualquer estado e de quaesquer tecidos, que pagarão, tanto as interiores como as exteriores, 50 por cento ad valorem.

9.ª De dois em dois annos será publicada pelo conselho superior das alfandegas uma nova edição do indice remissivo. O governo, ouvido o conselho superior das alfandegas, poderá anticipar ou adiar a publicação d'este indice.

10.ª (transitoria) As pautas e tabellas que fazem parte d'esta lei começarão a vigorar no dia 1 de outubro do corrente anno, devendo seguir-se para a cobrança dos direitos o preceituado no artigo 1.° e seus paragraphos das instrucções preliminares da edição de 1885 da pauta.

a) São exceptuados do estabelecido n'esta disposição os generos seguintes, dos quaes devem começar a cobrar-se desde a publicação da presente lei no Diario do governo os direitos estabelecidos na pauta de importação por ella approvada:

Fios mixtos de juta e linho.
Canhamaços e grossarias.
Madeiras.
Cereaes não especificados.
Farinha de cereaes.
Assucares.
Café.
Melaço de mel.
Cera.

b) Pelo conselho superior das alfandegas, será publicada até ao dia 25 de setembro do corrente anno uma nova edição da pauta geral, contendo instrucções preliminares, indice remissivo e as mais disposições indispensaveis para a sua perfeita comprehensão e execução.

ll.ª Fica o governo auctorisado até ao dia 31 de janeiro de 1888 a modificar os direitos estabelecidos na pauta que faz parte d'esta lei para o trigo, milho e farinhas, se assim lhe for exigido pelas conveniencias da alimentação publica, sem comtudo poder augmentar a protecção concedida ás ultimas por esta mesma pauta, assim como fica auctorisado a elevar os direitos do alcool o bastante para garantir a industria nacional contra a invasão de igual mercadoria de origem estrangeira.

12.ª (transitori) Logo que comece em vigor a presente pauta restituir-se-ha aos interessados o excesso, sobre os n'ella inscriptos, dos direitos que depositaram por mercadorias despachadas durante o regimen transitorio approvado por carta de lei de 30 de abril de 1887 e prorogado pela carta de lei de 30 de junho do mesmo anno.

13.ª Antes de expirar o praso da execução do actual tratado de commercio com a França o governo apresentará ás côrtes uma proposta fixando os direitos geraes das mercadorias até então sujeitas ao regimen de excepção do mesmo tratado.

14.ª Continúa em vigor o regimen estabelecido pelo artigo 4.° da lei de 27 de dezembro de 1870, para as mercadorias originarias das provincias ultramarinas portuguezas, com excepção do café.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 2 de agosto de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice-secretario.

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PAUTA

Dos direitos de importação a que se refere a lei datada de hoje

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Observação

As obras não especificadas de tecidos, de pellos e de feltros, e as gravatas ou mantinhas, de qualquer feitio, acabadas ou não, serão mencionadas em artigo especial das instrucções preliminares da pauta, sendo tributadas segundo o regimen da edição da pauta, approvada pelo decreto de 17 de setembro de 1885.

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Observações

É mantida a disposição da lei de 15 de maio de 1878, com referencia á exportação das ostras colhidas, até ao anno de 1928, nos bancos naturaes comprehendidos entre o pontal de Cacilhas e Alcochete.

É mantida a lei de 23 de abril de 1880, concernente á cortiça despachada para as ilhas adjacentes e para as provincias ultramarinas.

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Palacio das côrtes, em 2 de agosto de 1887. = Francisco de Barros Coelho e Campos, vice-presidente = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice-secretario.

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O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade.

O sr. Fernando Palha: - Chegou finalmente a occasião de eu poder fallar n'esta casa, sobre um assumpto de fazenda. Não tem sido facil, porque, na realidade, as discussões aqui têem corrido com uma monotonia tal, que me têem feito lembrar as tragedias antigas sujeitas á unidade de tempo e de logar, ou aquellas operas do reportorio velho, em que forçosamente em cada acto se repetia a inevitavel aria, a inevitavel cabaletta, o inevitavel recitativo. A aria aqui tem sido brilhantemente cantada pelo sr. Hintze Ribeiro, a cabaletta pelo sr. Antonio de Serpa, e nem ás vezes tem faltado o recitativo pelo sr. Manuel Vaz.

A tão illustres oradores têem respondido, como era de esperar, o sr. ministro e os relatores dos pareceres, e eu que concordava com todas as disposições das propostas que têem aqui vindo pela iniciativa do sr. ministro da fazenda, nunca tive occasião de pedir a palavra. Felizmente, dá-se agora o caso de poder fallar contra um projecto de fazenda; pois embora eu concorde com a maior parte das disposições da pauta, sou absolutamente contrario a uma que está n'ella inserida.

Pensando d'esta fórma, natural pareceria que eu pedisse a palavra sobre a ordem e mandasse para a mesa uma proposta que importasse a substituição do artigo que julgo dever combater; mas como já sei a sorte que têem as emendas, n'esta altura da sessão, abstenho-me de o fazer, e as minhas considerações serão tomadas ou não em devida conta pelo sr. ministro da fazenda, se achar que valem a pena serem attendidas.

O meu empenho de fallar em questões de fazenda é porque, na minha opinião, d'ellas nos deviamos quasi exclusivamente occupar; e não podendo eu contribuir pela minha parte, nem sequer com um obulo, para a resolução dos problemas financeiros e economicos d'este paiz, quero ao menos ter occasião de cobrir com os meus applausos o homem que tão brilhantemente tem porfiado, durante a sua gerencia, embora curta, para que esses problemas sejam resolvidos satisfatoriamente.

Ha dias, sr. presidente, fallou aqui, com a proficiencia que lhe é propria, o digno par, sr. Carlos Bento, e ao ouvil-o causou-me impressão ver que um homem de idade tão differente da minha, pensava justamente o mesmo que eu; e confesso que n'aquelle momento a impressão que me estava causando era uma impressão de desconsolo, porque, dadas as differenças de idade, era natural que eu, em contrario de s. exa., e visto que me posso ainda chamar rapaz, não désse tanta importancia á questão de fazenda, mas reservasse os meus disvelos para outras que costumam enthusiasmar os homens da minha idade; as grandes questões de administração e de politica geral, que quasi sempre electrisam as assembléas d'esta natureza. Entretanto, não succede assim, é forçoso confessal-o.

O sr. Carlos Bento disse que a primeira questão a resolver era a questão de fazenda, e que se devia resolver de preferencia a qualquer outra e em prejuizo de qualquer outra, porque as boas finanças dão tudo mais, emquanto que tudo mais não dá equilibrio financeiro. Concordo plenamente. Para mim o celebre aphorismo do barão Louis: "Dae-me boa politica, dar-vos hei boas finanças", só é verdadeiro se ao inverso se disser: "Dae-me boas finanças, que teremos immediatamente boa politica".

O sr. Carlos Bento lamentou na mesma occasião que os ministros da fazenda não tivessem a importancia que deviam ter, pois estavam sempre sujeitos ás imposições e exigencias dos seus collegas. Outro ponto em que tambem concordo.

Eu desejaria que o ministro da fazenda fosse, na nossa organisação politica, um ente áparte, um ente privilegiado que tivesse apenas o nome de ministro, que em politica fosse verdadeiramente um Origenes.

Entre nós, e não admira dada a importancia da missão que o ministro da fazenda tem a desempenhar, é este cargo confiado sempre a um dos homens que maior nome tem na politica, e que por consequencia mais sujeito está aos ataques da opposição e menos esperança póde ter de serem respeitadas as suas medidas e discutidos os seus alvitres com o sangue frio que raras vezes acompanha a paixão partidaria.

Deveria ser completamente o contrario; o ministro da fazenda devia ser estranho ás luctas dos partidos, devia ser respeitado por todos, e para com os seus collegas devia ser investido de uma verdadeira dictadura, de fórma que em materia de despezas, o seu veto fosse absoluto e só revogavel pelo parlamento, porque hoje por maiores que sejam os seus esforços, se elle põe, são os collegas que dispõem e muitas vezes desfazem com uma pennada o trabalho de muitos annos.

O meu ideal é difficil de realisar. Ministro como eu o quereria, no estado actual da nossa organisação politica, só o teriamos se o importassemos; francez ou inglez como no Egypto.

Isto é impossivel e para o remediar eu desejaria, e fal-o-ía se não tivesse receio de eivar com uma nota de ridiculo os negocios da fazenda publica, que alguem apresentasse e que o parlamento votasse uma proposta de reforma do regimento d'esta e da outra camara em que se obrigasse todo o deputado, todo o par do reino, todo o ministro que tem de fallar no parlamento a dirigir-se primeiro que tudo á presidencia dizendo: sr. presidente, o encargo da divida é tanto, a receita é tanto, os deficits dos tres annos anteriores são taes, é necessario equilibrar o orçamento.

Dito isto, pedissem os melhoramentos que quizessem e repicassem o campanario á vontade pois, era de esperar que receiosos de patentear a contradicção que forçosamente havia de existir entre o exordio e a narração dos seus discursos se mostrassem menos zelosos de melhoramentos locaes, menos anciosos por melhorar a sorte dos enfermeiros ou dos sargentos.

E talvez fosse possivel, sr. presidente, que ao cabo de algum tempo este regimen nos levasse ao ponto de acharmos em nós a força para imitarmos um paiz, que a todos póde servir de lição, a Italia, que quando se viu em situação parecida com aquella em que nós nos vemos ha tanto tempo não hesitou em fazer todos os sacrificios indo buscar até ao pão que todos comem os recursos necessarios para equilibrar as suas finanças, embora continuasse a sua organisação militar, o seu desenvolmento economico, de fórma que chegasse, como chegou, a conquistar o logar que lhe pertencia entre as nações européas.

Não admira, pois, sr. presidente, que pensando eu como penso a respeito da fazenda publica emquanto conservar um logar n'esta ou na outra casa do parlamento, a minha tendencia seja dar um apoio incondicional ao ministro da fazenda, sempre que o veja trabalhar sinceramente para equilibrar as finanças publicas.

E menos é para admirar que pensando eu assim a respeito de todos os ministros pense do mesmo modo com respeito ao actual ministro da fazenda, porque sr. presidente, eu não espero ter em ministro algum a confiança que tenho no sr. Marianno de Carvalho, por isso que não é provavel que eu possa adquirir de nenhum o conhecimento que tenho de s. exa. Ha circumstancias que não se repetem.

Esse conhecimento adquiri-o quando ambos luctavamos juntos, e em tal aperto que, a exemplo de um celebre rei de França que tinha o filho por companheiro de armas e ao seu lado combatia, tivemos tambem de gritar: guarda-te á esquerda, guarda-te á direita.

Esse conhecimento adquiri-o, tendo-me associado com s. exa. cheio de duvidas e suspeitas, porque, tendo já a esse tempo a calumnia vibrado contra elle os seus dardos mais venenosos, e não tendo eu conhecimento pessoal do

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homem com quem me ligava, nenhum da seus actos deixou de me merecer miudo e severo exame.

Durante perto de dois annos vivemos n'estas circumstancias, e dois annos, sr. presidente, é periodo sufficiente para dois homens se conhecerem.

Saí d'este convivio com uma profunda admiração pelo seu incomparavel talento, admiração que partilho com os seus amigos e adversarios, com um indizivel espanto da sua inexcedivel faculdade de trabalho e espirito de observação, a nenhum outro igual, e com um profundo respeito pela sua honestidade inconcussa, que não julgo a minha superior, e n'isto digo tudo.

Ora, pensando eu d'este modo a respeito do sr. Marianno de Carvalho, parece contradictorio que, fallando pela primeira vez sobre uma questão de fazenda, falle contra o sr. Marianno de Carvalho. Pois, embora o pareça, não ha contradicção. Prezo tanto o bom nome do sr. ministro da fazenda, é tal o meu desejo de auxiliar a sua administração, que o quero defender até contra si proprio.

O sr. Marianno de Carvalho não é perfeito. Tem defeitos; e não seria homem se os não tivesse. E um dos seus defeitos é a fraqueza; fraqueza que o leva muitas vezes, embora elle veja qual o caminho que deveria seguir, a não poder resistir á pressão que sobre elle exercem.

Pois é d'essa fraqueza que o quero defender; quero ver se, dando-lhe o espectaculo, hoje raro, de um agricultor que se não chora, lhe incuto a coragem de seguir só a sua rasão.

Não contrarío, porém, o projecto de lei, nem entro na discussão da generalidade da pauta, nem na de todos os seus artigos em especial. E não entro por não me considerar com competencia para o fazer, e por me faltar o tempo para a adquirir.

Voto, pois, o projecto, e voto porque, confiando na competencia dos que n'elle collaboraram, certo estou que haviam de ter attendido ás necessidades fiscaes, e essas são as primeiras a attender, mas voto, certo tambem que voto contra os meus principios.

Embora a escola a que pertenço esteja hoje fóra da moda, como ainda não vi factos que contradissessem as suas doutrinas não a renego; sou e creio que já agora serei sempre livre cambista.

Para mim protecção, economicamente fallando, significa extorsão e atrophia.

Extorsão, porque ella não é mais do que a formula com que se vae buscar a um o producto do seu trabalho, para com elle se ir remunerar exageradamente o trabalho de outro, o modo de obrigar a comprar mau e caro o que se poderia ter bom e barato, a arte de ir legalmente tirar da algibeira de um para metter na algibeira de outro.

Atrophia, porque atrophiadas ficam as industrias que só com ella contam, porque a sua sorte é muito parecida com a das creanças educadas com demasiadas cautelas e excessivos abafos, as quaes chegam a homens sem poderem supportar o ar livre e tudo lhes faz mal. Por consequencia, segundo o meu modo de ver, a protecção, logo que chegue a impedir a legitima concorrencia, ao passo que prejudica o estado é contraria aos interesses das proprias industrias, as quaes fiadas n'ella e não tendo nada que as estimule ao aperfeiçoamento, morrem de anemia.

Não quero dizer com isto que eu seja absolutamente contrario á protecção. Não, pois o que eu sou, e sou-o em tudo, é opportunista; vejo o ideal, para elle caminho, mas não pretendo realisal-o de improviso; posso parar, contanto que não me forcem a recuar.

Comprehendo que ha casos, que ha occasiões, em que se não deve desarmar completamente o paiz perante a concorrencia estrangeira; admitto que para crear industrias, que tenham as probabilidades de vida, para as não deixar asphixiar á nascença, é necessario defendel-as com a protecção; mas o que não posso admittir é que essa protecção seja permanente e passe alem do seu periodo de infancia ou de adolescencia.

Portanto, se eu algum dia tivesse de regular o assumpto, quando concedesse a protecção havia de fixar ao mesmo tempo o praso em que seria diminuida, e aquelle em que cessaria por completo, porque assim amparava as industrias ao principio e no seu momento critico, e incitava-as, ou antes obrigava-as, a apurarem-se nos seus processos, a diminuir os seus gastos, visto que sabiam que em determinada epocha só com isso podiam contar. Dava, por exemplo, o direito protector por dez annos, diminuia esse direito nos seguintes dez annos, etc., até que por fim o fazia desapparecer, mantendo o direito fiscal.

As nossas industrias acham-se n'um estado de marasmo de que só assim poderiam saír. Comprehende-se, por exemplo, que a industria nacional dos lanificios que tem proporções para produzir, pelo menos, tão barato como a dos outros paizes, que tem tido uma protecção de seculos, se sobresalte, clame e ameace logo que vê baixar um pouco o imposto sobre os productos estrangeiros?

Sr. presidente, sobre os principios em que a actual reforma da pauta assenta, nada mais direi.

Fallarei unicamente sobre um ponto a que quero restringir a minha argumentação e sobre o qual julgo ninguem me poderá contestar a competencia que para tudo mais me falta.

Sou agricultor, e nada mais; sou-o por vontade e por acaso: nasci agricultor pois pertenço a uma familia que tudo deve á agricultura. Devo portanto conhecer a origem dos queixumes dos agricultores; quando a agricultura tem rasão para se queixar e quando a não tem.

Ha cento e cincoenta annos que á terra deve a minha familia a sua fortuna, o seu bem estar e com isso, a situação que tem occupado na sociedade portugueza; eu proprio devo-lhe o logar que estou occupando n'esta casa; não serei eu, pois, eu que sou o ultimo da minha raça, que me hei de mostrar ingrato para com a terra a quem tudo devo, não serei eu que hei de dizer mal d'ella, pelo contrario, venho defendel-a das calumnias que lhe querem assacar.

Conheço bem a propriedade, sei o que ella valeu n'outra epocha, e o que ella vale hoje; essas mesmas herdades que foram base da fortuna dos meus indaguei-lhe a historia e vejo que o que ha cem annos valia 10 vale hoje 100 ou 120, isto é, o valor da terra subiu n'uma proporção muito maior do que o valor da moeda; isto é que é innegavel; quer dizer: a propriedade n'este ultimo seculo tem não só sustentado as gerações que d'ella têem vivido, mas tem crescido em valor e rendimento o sufficiente para alimentar novas gerações com todas as exigencias, que o viver moderno reclama.

Sei, sr. presidente, que ha excepções a este facto e para essas não ha leis, não ha protecções que possam evitar que ellas se dêem. Como evitar, por exemplo, que sendo uma planta atacada por molestia mortal que a destroe, como o foram os castanheiros e como o está sendo a vinha, essa destruição aniquile o valor da propriedade, faça desapparecer por completo o capital accumulado e cause a ruina de quem d'elle vivia?

Conheço, pois, os habitos dos agricultores portuguezes, o valor e rasão das suas repetidas queixas e para demonstrar a exactidão das minhas observações não preciso ir buscar exemplos fóra do meio que sempre me tem cercado.

Se a camara me dá licença contar-lhe-hei duas anecdotas succedidas com pessoas de minha familia: meu avô, que era como todos os da sua raça um agricultor, era ao mesmo tempo amigo intimo de Mousinho da Silveira; encontravam-se quasi todos os dias, eram communs os seus pensamentos, não havia segredos entre um e outro; a este amigo tão intimo, queixava-se meu avô constantemente dos seus prejuizos; se chovia era a chuva que lhe levava 6:000$000, 8:000$000 e 10:000$000 réis; se fazia sol, era

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0 sol que lhe queimava 6:000$000, 8:000$000 e 10:000$000 réis, e tantas vezes se queixou que Mousinho da Silveira teve um anno a curiosidade de ir notando os prejuizos do amigo e diariamente os ir sommando; findas as colheitas attingiam muitas dezenas de contos de réis. Mousinho da Silveira quando veiu a proposito, disse-lhe, então tiveste um pessimo anno, foram grandes os teus prejuizos; o sr. José Pereira Palha, meu avô, respondeu, como assim? estás enganado as colheitas foram regulares e não perdi; perdeste retorquiu Mousinho da Silveira e em prova da sua asserção, exhibiu a conta que pacientemente elaborára. A Verdade era que não tinha perdido, pelo menos n'aquelle anno, visto que á agricultura deveu a sua ruina, não por falta de protecção, mas pelas contingencias que lhe são inherentes e porque tendo, até depois dos cincoenta annos, occupado um logar na magistratura, quando se dedicou á lavoura nem tinha a pratica nem os conhecimentos necessarios para d'ella tirar bom proveito.

Nas mesmas terras, nas mesmas propriedades em que meu avô comprometteu o seu patrimonio, quasi na mesma epocha, meu tio Antonio, que muitos n'esta casa conheceram, e se o conheceram sabem que foi um dos mais intelligentes agricultores do nosso paiz, fez do nada e pela lavoura uma fortuna superior a 400:000$000 réis, pois este homem com quem eu convivi muitos annos, posso dizer durante dez annos da minha vida, por que elle falleceu quando eu tinha vinte e comquanto já antes vivesse com elle, só dos dez annos em diante é que conscientemente o conheci, nunca o vi se não chorando-se, lamentando-se a todas as horas e por todas as differenças climatericas.

Se chovia mais de tres dias deixava de beber agua, e uma vez que a chuva era mais abundante, vi-o chegar á janella, e de punho fechado dizer, "é cobardia bater em quem não se póde defender". Pois, já o disse, pela lavoura constituiu uma fortuna solida e no seu testamento recommendava ao filho que nunca deixasse de ser lavrador.

Ora aqui está o que são muitas vezes os queixumes dos lavradores, ou dos agricultores; e não quero com isto dizer que todos são sem fundamento, mas não se queixem da falta de protecção.

Queixem-se da falta de intelligencia com que a terra é cultivada, queixem-se das contingencias naturaes a todas as industrias, e mais frequentes na agricola que depende de agentes que escapam á acção do homem, de motores que se não regulam com manometros, mas não da falta de protecção por parte dos governos, pois nunca lhes poderá servir para remedio dos seus males.

E que não eram só os agricultores de outro tempo que se queixavam sem rasão póde o sr. ministro da fazenda conhecel-o até dos factos passados ha pouco n'esta camara. São hoje o que foram sempre.

Sinto que o sr. Vaz Preto não esteja presente, porque desejo referir-me a algumas palavras por s. exa. pronunciadas n'uma das ultimas sessões.

Como o meu fim, porém, é apenas discutir uma asserção sua, asserção a meu ver perfeitamente gratuita, e filha de um inexacto conhecimento das necessidades de uma industria, eu não hesito em fallar na sua ausencia.

O sr. Vaz Preto, n'uma das sessões d'esta camara, pediu ao sr. ministro da fazenda que acabasse com o drawback do azeite, destinado ás fabricas de sardinhas conservadas, affirmando que elle só servia para disfarçar o contrabando por isso que em Portugal ha azeite tão bom como o importado e de que os fabricantes se podem servir.

Ora o que s. exa. pedia era pura e simplesmente a ruina de uma industria importante, a ruina por conseguinte de uma parte da riqueza nacional, e fazia este pedido sem fundamento.

É facil dizer que temos azeite igual ao melhor francez ou italiano, tão facil que não conheço productor a quem o não tenha ouvido, mas é difficil demonstral-o, pelo menos para a quantidade que as fabricas precisam.

Para ser verdade era necessario primeiro que houvesse onde o fazer e eu devo dizer que não conheço lagares mais detestaveis do que são geralmente os nossos, e o que é verdade é que os azeites portuguezes, por mais privilegiada que seja a região onde elles se produzem, por mais calcareo que seja o terreno d'essa região, emquanto forem fabricados n'essas nojentas pocilgas a que se dá o nome de lagares, hão de ser sempre inferiores aos azeites francezes e italianos. E são-n'o hoje não só porque são fabricados em peiores condições, mas porque pelos processos usados contêem materias differentes d'aquellas que contêem os azeites francezes e italianos, e que não conteriam se os processos fossem iguaes.

Para ter bom azeite é preciso que elle seja bem fabricado, e geralmente não o podemos fabricar peior.

Digo geralmente porque felizmente ha excepções; fabrica-o bem o digno par o sr. Margiochi aqui presente, segundo me consta, fabricava-o Alexandre Herculano, e depois d'elle outros lhe têem seguido o exemplo e a lição, mas apesar de todas estas excepções a quantidade produzida está longe de poder supprir as necessidades da industria. E não seria difficil obtel-o se em vez de injustificados queixumes como os do sr. Manuel Vaz, s. exa. e os demais pro-ductores se quizessem dar ao trabalho facil de transformar o seu producto.

Facil disse, porque se em Portugal se não póde levar a perfeição ao ponto que se tem levado em Italia onde a fabricação do azeite deixa de ter o caracter de uma industria accessoria da agricultura para ser explorada com a largueza de uma industria vivendo sobre si, pode-se, comtudo, fabricando nos lagares actuaes, beneficiados, obter uma perfeição relativa que habilite a vender mais caro e sobretudo com mais facilidade.

E o que é mais notavel, o que torna mais absurda a incuria dos productores, é que o processo custa mais barato que o que actualmente empregam.

Para fabricar bem gasta-se menos dinheiro.

Poupa-se sal, porque a azeitona não deve ser entulhada, poupam-se braços, porque a apanha deve ser muito mais demorada e poupa-se lenha porque as caldas ou se supprimem ou são menos, e apenas se augmentam os braços no lagar para evitar que os utensilios que servem ao azeite ordinario ou de segunda qualidade, não sejam confundidos com os que servem, ao de primeira, e tudo isto dá em resultado que a fabricação sáe muito mais barata e que uma parte do producto se vende muito mais cara sem prejudicar o preço do restante.

Não gosto de affirmar sem provase, n'este caso posso-as dar tão completas que não me dispenso de as produzir. Fabrico o meu azeite pelo processo que acabo de indicar e tenho presentes duas contas de venda que escolhi ao acaso, apenas com o cuidado de que tivessem datas approximadas.

Em 14 de março vendi 4:505 kilogrammas de azeite ordinario á rasão de 1$400 réis os 10 kilogrammas o que corresponde a 2$184 réis o almude de 17 litros, (e fallo em almudes porque supponho que aos que me escutam succede o mesmo que me succede a mim, isto é que educado a apreciar o valor da mercadoria pela medida antiga preciso sempre reportar-me a ella para fazer idéa exacta do preço); em 9 de abril, vinte e seis dias depois, vendi 2:495 kilogrammas fino á rasão de 1$800 réis os 10 kilogrammas ou 2$809 réis o almude, quer dizer com uma differença de 625 réis em almude, devida não a ter mudado o estado do mercado, que era o mesmo, mas á qualidade do genero.

E isto é tanto mais para apreciar quanto é certo que o genero que vendi mais caro foi o que produzi mais barato, aquelle com que não gastei nem sal nem lenha.

Estes preços, sr. presidente, são remuneradores, tanto o primeiro como o segundo e tambem me é facil demonstral-o.

A propriedade a que me refiro produziu na colheita passada 3:129 decalitros ou 1:840 almudes de 17 litros, ou

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ainda 73 pipas e 15 almudes de azeite, do qual 991 decalitros de azeite fino. Despendi com elle, incluindo apanha, compra de utensilios e despezas, de lagar 1:214$380 réis que divididos por 1:840 dá uma despeza de custo por almude de 659 réis e por consequencia um lucro de 1$525 réis para o azeite ordinario e de 2$140 réis para o fino. Ninguem poderá dizer que o lucro não é remunerador.

Dirão que n'um anno de menor producção as despezas não podem ser relativamente tão pequenas; é exacto, mas é certo tambem que nunca podem crescer de fórma que façam desapparecer o lucro por completo e a media deve ainda ser elevada.

O meu azeite fino foi vendido em parte, a uma fabrica de conserva de sardinha em Setubal; quer dizer, justamente a uma d'essas que o sr. Manuel Vaz accusa de contrabando, e que com certeza lh'o compraria se s. exa. o fabricasse igual, pois eu não sou um ente privilegiado, nem uso de quaesquer artificios para vender o meu genero; pelo contrario o meu processo é simples, mando-o para o mercado de Lisboa e vendo-o pelos preços correntes ao primeiro comprador que apparece.

Se o digno par o sr. Vaz Preto, fabricasse o seu azeite da mesma fórma que eu fabrico, se fabricasse duas qualidades de azeite, estou certo de que a primeira qualidade teria no mercado um preço tão elevado como o meu e talvez mais porque eu não tenho tempo para tratar dos meus negocios e por isso tenho de os entregar a intermediarios que nem sempre os zelarão como eu faria.

Trouxe para a discussão estes elementos para provar com um exemplo palpavel para toda a camara, que nem sempre os queixumes são justificados, e não hesitei em contrapor a minha asserção á do sr. Vaz Preto, porque embora a minha auctoridade como proprietario seja menor do que a de s. exa. que é um proprietario muito mais importante do que eu, como agricultor é muito maior porque s. exa. segundo me consta não cultiva por sua conta senão os olivaes, o mais está entregue a rendeiros, e eu não tenho por assim dizer um palmo de terra que não seja cultivado por mim ou pelos meus agentes.

Termino este incidente e vou entrar propriamente no assumpto que está em discussão.

Sr. presidente, ao ler a parte do parecer que sobre a pauta deu a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados que se refere a trigo cheguei a esperar com justificada rasão que n'um documento em que se lêem as phrases que vou referir se não aconselharia o augmento de direito.

(Leu.)

"Estará esse remedio na pauta aduaneira? Afoutamente respondemos que não está, nem só, nem principalmente na pauta.

"Alem da concorrencia pelo preço, ha inacceitação pela qualidade. Tambem a pauta não póde dictar leis ás exigencias do consumo, nem modificar os habitos nem os gostos.

"Pede-se, porém, de prompto um remedio e nenhum dos que se podem dar definitivos é susceptivel de rapida execução e dos immediatos effeitos de que se carece, por isso a vossa commissão modificou, de accordo com o governo, a proposta augmentando o direito do trigo de réis 1,5 e correspondentemente o das farinhas."

E não canso a camara mais com a leitura de um documento que possue e de que já tem conhecimento. Estes trechos me bastam para poder dizer sr. presidente, que a conclusão logica d'estas premissas era a commissão e o ministro aconselharem a respectiva camara a que não mechesse nos direitos do trigo, visto que sobejamente tinham demonstrado que o remedio que s. exa. quereria dar aos males da agricultura não estava no real e meio que é insignificante e ineficaz.

Mas s. exa. tem centenares de amigos que provavelmente lhe diziam que era necessario fazer alguma cousa para a agricultura e s. exa. para satisfazer esses desejos lançou sobre o trigo um real e meio.

Ora, não é difficil demonstrar que este augmento de imposto, que esta protecção é desnecessaria, inutil e perigosa.

O que mais me preoccupa é a terceira qualificação; ao perigo e que é urgente acudir, porque a falta de necessidade e a inutilidade em si propias têem o seu remedio.

Eu não pretendo convencer o sr. ministro da fazenda, porque sei que s. exa. pensa exactamente como eu e não podia deixar de pensar assim, e não se convence quem está convencido.

Eu desejarei sempre no meu adversario uma idéa completamente opposta á minha, porque, se está de boa fé, posso ter esperança de lhe demonstrar o erro em que vive, e de o ver converter-se á boa doutrina; mas quando o meu adversario está tão possuido como eu do que defendo, e, por outras rasões, entende e quer seguir outro caminho, todo o esforço é inutil, todo o tempo é perdido.

E, pois, ingrata a minha tarefa, mas não a deixarei em meio, porque ao menos quero ficar com a consciencia tranquilla, lembrando-me que a tempo avisei do perigo.

O imposto que se vae lançar é desnecessario, e para o provar não cansarei a camara, a exemplo do que vi fazer na outra casa do parlamento, descendo a minuciosidades sobre trigo e a cifras sobre o fabrico de pão, mais scientificas do que convincentes. Estes detalhes que têem o seu logar em trabalhos de maior folego, aqui têem o defeito de não poderem facilmente conciliar a attenção, e por consequencia de prejudicarem, em vez de auxiliarem o raciocinio.

Basta-me, em traços geraes, dizer que entre nós ha tres qualidades de terra que produzem trigo; as que produzem trigos molles ou ribeiros, as que os produzem rijos com bom resultado, e finalmente as que, improprias para a producção, são ainda assim semeadas com rijos.

Ora, as primeiras produzem em geral mais de dez sementes; chegam, em casos muito excepcionaes, a sessenta, e algumas ha que conservam largos annos producções elevadissimas.

Um exemplo podia eu citar aqui de uma terra, não muito pequena, pois mede 12 moios, ou 60 hectares que, arroteada ha já alguns annos, semeada todos os annos, ainda não deixou de produzir mais de trinta sementes; e outras da mesma natureza conheço no Ribatejo que, com trinta annos e mais de cultivo, conservam uma media de producção que se mantem entre dezeseis e vinte sementes. Os trigos d'esta origem, sr. presidente, acham facilmente comprador, e são pelos farinadores preferidos ao trigo americano, quando, por circumstancias climatericas, não são tão maus que compral-os é comprar semeas e não farinha, como succedeu no anno passado, e o que não póde ser remediado pela protecção.

Ora, é claro que, n'estas circumstancias, não precisa a cultura d'estas terras protecção alguma. Mesmo com preços muito inferiores aos actuaes, a cultura continuará a ser remuneradora.

(N'este ponto pediu a palavra o digno par o sr. Pinheiro Borges.)

Eu vejo que o digno par o sr. Pinheiro Borges pediu a palavra; mas, esperando que s. exa. me não leve a mal a minha temeridade, eu atrevo-me a dizer que me parece ter advinhado o que o digno par vae dizer, e por isso, não contando eu tomar novamente parte na discussão, direi a s. exa. que, se me vae apresentar o exemplo de tão frequentes e numerosas ruinas nos agricultores do Ribatejo, attente bem nas causas que as motivaram, e verá que ou não são devidas ao mau resultado da cultura, ou pelo menos o não são á exiguidade dos preços.

Quanto ás terras que produzem trigo rijo em boas condições, a maior parte d'ellas, como por exemplo as terras de Beja, produzem mais de dez sementes, havendo-as que

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chegam a quinze e dezeseis, e, segundo me dizem, algumas ha que chegam a produzir de vinte a trinta.

Não precisam tambem estas terras de protecção, porque, se os lavradores têem o bom senso de escolherem as qualidades mais procuradas, as mais rijas, como os lobeiros, toda a producção é empregada na fabricação de massas no paiz, não chegando mesmo para o consumo todo o trigo que produzem, e sendo necessario todos os annos importar de Marrocos e da India saldos importantes.

Ainda não ha duas horas que um dos principaes fabricantes de Lisboa me informou que os seus agentes lhe diziam que este anno, sendo grande a producção, talvez chegue.

N'estes ultimos annos o preço d'estes trigos tem sido sempre superior ao preço dos molles, chegando a vender-se a 540 e 650 réis, quando estes só obtêem 480 e 520 réis. Quasi todas as terras do Alemtejo são susceptiveis de produzirem trigos d'esta natureza, e se a producção não é maior, se chegamos a importar, é porque os lavradores fogem d'elle com o pretexto futil de ser muito trabalhosa á debulha, preferindo ficar com o outro nos celeiros.

Restam as terras que eu classifiquei em terceiro logar, aquellas que não produzem mais de seis sementes, e isto é, por assim dizer, a excepção, pois que a maior parte d'ellas não dá mais de tres, quatro e cinco sementes de trigo rijo tambem.

Comtudo, estas terras não dão prejuizo. Parece paradoxo, mas não o é. Cultivar trigo com similhante resultado seria um acto de loucura, se este cultivo não fosse motivado por causas estranhas, se não fosse como é, uma cultura accessoria destinada tão sómente a beneficiar montados, olivaes ou pastagens.

Eu, por exemplo, se não tivesse oliveiras e montados, não semearia um bago de trigo; mas tendo que lavrar os arvoredos, tendo de fazer uma despeza necessaria, tudo quanto vier d'ali é ganho, e o que eu penso, pensam tambem os que, como eu, têem terras em taes condições, e que, por mais que se faça, não produzem mais de duas ou tres sementes. Considerando só em relação á producção cerealifera, nem sei calcular qual a protecção que precisariam para pagarem ao cultor.

E não se diga que muita região ha onde não existem arvoredos, e onde, por consequencia, esta theoria falha.

Ainda assim não é exacto. A freguezia de S. Braz do Regedor, uma das mais ricas do districto de Evora, pouco arvoredo tem, mas em compensação é uma das regiões de pastagens mais privilegiadas que conheço; produz pessimamente em cereaes, e comtudo cultivam-se, porque a pastagem no Alemtejo precisa ser renovada com a lavoura. As terras de mato que só produzem com roças, amanho baratissimo, dão pouquissimo em trigo; mas, se de tempos a tempos se se não roçarem e lavrarem, nem uma febra de herva produzirão.

Conclusão: a protecção é desnecessaria aos terrenos que produzem trigos ribeiros e aos proprios para o cultivo dos rijos, porque, salvos os desastres causados pela intemperie, e que a protecção não póde remediar, a cultura paga largamente; é desnecessaria aos terrenos menos productivos, porque a cultura n'elles é o accessorio e não o principal, é meio, não é fim.

Eu fallo, sr. presidente, do que conheço. É possivel que na parte do norte do paiz, que eu conheço pouco, estas circumstancias não sejam verdadeiras; mas na parte que eu conheço, que é o Alemtejo e a Extremadura, affirmo que o são; são-n'o até mesmo para a região de Lisboa, que tanto se chora, onde ha terras que posso apontar, como por exemplo tudo quanto vae desde de Belem até á ponte de Algés, onde as producções de quinze e dezeseis sementes não são raras.

Agora passo a demonstrar que é inutil o novo imposto.

Em primeiro logar, Portugal não produz, nunca produziu e nunca ha de produzir trigo sufficiente para se alimentar; e isto não é cousa nova; quando aqui entrou Filippe II, e que reuniu côrtes em Thomar, o primeiro capitulo d'essas côrtes é a resposta ao pedido dos povos que supplicavam ao conquistador, não que fechasse a raia aos trigos de Castella, como hoje se lhe pediria, mas pelo contrario que permittisse que entrassem livremente em Portugal, visto não haver trigo sufficiente para se alimentar.

O que acontecia então, e que se podia julgar excepcional pela falta de braços que as emprezas gloriosas nos tinham roubado, aconteceu sempre.

Ora se não podemos produzir a quantidade necessaria, o que succede?

Succede que é preciso importar, e o importador, seja qual for a protecção ha de preferir sempre o trigo estrangeiro ao trigo nacional, porque é superior, sempre uniforme e mais barato.

Se como na Hungria a producção fosse sufficiente para o consumo do paiz ainda se podia esperar que, não se tendo o gosto acostumado ao pão fabricado exclusivamente com trigos moles, podesse manter-se o fabrico com a mistura dos nossos trigos, mas como a contraria é que é verdade, como não se anda para traz, e digam os sabios o que quizerem a respeito da melhor alimentação dada pela farinha de trigo rijo, o facto é que quem uma vez se acostumou ao pão branco, fofo, leve e facilmente dirigivel, feito com trigo molle, não quer outro, se os fabricantes moerem trigo rijo não teriam a quem vender a farinha. O proprio padeiro recusa-se a empregal-a e é tal a pratica que já tem, que basta o fabricante misturar 10 por cento de trigo rijo para a marca lhe ser rejeitada; e a rasão é simples: panifica-se com trigo molle em menos de metade do tempo do que com trigo rijo, e o tempo é dinheiro.

A uniformidade da qualidade que os nossos trigos não têem e que se encontra nos americanos é outra rasão, e forte, de preferencia. Nada mais apreciavel para uma industria do que poder contar sempre com a mesma materia prima, e na quantidade que precisa; é afastar uma contingencia, e dispensar combinações sempre falliveis; é poder calcular com exactidão a producção a obter. Entre nós as qualidades são quasi tantas como os conselhos. Finalmente comprando trigos americanos, embora mais caros, faz o fabricante uma economia, porque lhe é necessario muito menos capital circulante.

Todos sabem que o nosso lavrador quando vende o seu trigo, precisa que lh'o paguem immediatamente, pois muitas vezes já deve o que recebe da colheita, emquanto que os americanos com os seus habitos de confiança commercial mandam os seus carregamentos com saques, nunca inferiores a tres mezes; por consequencia, o industrial quando tem de pagar o preço do trigo, já tem recebido a sua importancia, com a venda da farinha.

Conclusão: a medida é inutil, porque só conseguirá subir de 16 réis em alqueire o preço de trigos ribeiros, que o não precisam, e deixará os rijos na mesma situação; facilmente vendaveis quando proprios para massas, com difficil venda para pão.

Falta-me finalmente demonstrar que o imposto é perigoso, e creio que não é difficil fazel o.

Ha sempre perigo em tocar na alimentação do pobre.

Bem sei que o governo pede auctorisação para logo que suba o preço do pão, poder baixar o direito das farinhas; mas eu pergunto a s. exa. o sr. ministro da fazenda se tem absoluta confiança em que baixando o direito baixará tambem o preço do pão; e pergunto-lhe mais, se quer ír até ao ponto de o taxar, unico remedio que se me antolha efficaz. Dispenso-o da resposta que sei de antemão, pois não creio que haja quem nos queira fazer voltar aos tempos dos mesteres.

É preciso não esquecer que, elevado uma vez o preço de um genero, buscam-se mil pretextos para manter a elevação.

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O pão, a despeito da diminuição do direito do trigo, ha de conservar o preço alto.

O pretexto não faltará, e eu estou já a prever qual ha de ser.

V. exa. sabe perfeitamente que para fabricar pão é indispensavel o mato. O consumo do mato, em Lisboa principalmente, é importantissimo, e é muito provavel que d'aqui a alguns dias esse combustivel se cote por preço superior ao actual, em virtude das obras do porto de Lisboa.

O mato, que até agora era depositado em varios pontos do Aterro, ha de ser deslocado para mais longe, e é evidente que o preço dos transportes ha de augmentar proporcionalmente á distancia percorrida, e aqui está o pretexto prompto, embora seja em parte ficticio, para a baixa do pão não corresponder á baixa do direito.

Repito, pois, que no commercio, uma vez elevado o preço de um genero, muito difficil se torna o retrocesso á cotação anterior, a não ser que se dê a concorrencia; mas esta não apparecerá de certo, porque todos os fabricantes são por igual interessados na sustentação do preço que, a pretexto do aggravamento dos direitos do trigo, fixarem ao pão.

Creio ter demonstrado que a faculdade que o governo se reserva é completamente inutil, e quer-me parecer que os clamores da agricultura portugueza não são rasão bastante para se proceder tão levianamente em assumpto tão melindroso. (Apoiados.)

Não me preoccupa a alimentação de todos os que comem pão; mas sim a d'aquelles que não comem senão pão; e ha muitos. Para esses uma differença de 10 réis em kilogramma importa uma perturbação profunda nos seus orçamentos semanaes, porque os orçamentos das classes operarias são feitos semanalmente, quando não são feitos dia a dia.

Aqui tem, pois, a camara, o que eu penso a respeito do augmento dos direitos sobre o trigo, e muito estimarei que as minhas previsões se não realisem.

Sei que na outra camara houve quem se lembrasse de aconselhar ao governo, como remedio para a crise cerealifera, o estabelecimento de uma fabrica nacional em que se moessem os trigos rijos. Folgo de ver que o governo não tenha acceitado esse alvitre, porque estou convencido que as despezas haviam de ser de tal ordem, que o estado havia de ficar sem compensação dos sacrificios que fazia.

(Interrupção que se não ouviu.}

São muito bonitos os orçamentos em livros, e as theorias são em geral magnificas, mas quando se chega á pratica vê-se que o resultado é muito diverso d'aquelle que se esperava.

Diz-se que são formidaveis os lucros da industria das moagens. Creio que são effectivamente remuneradores, mas não tão grandes como a muita gente se afigura, e sujeitos a diversas contingencias.

O lucro é grande, mas para chegar a esse resultado é necessario um enorme capital circulante, para chegar a esse lucro é necessario empate enorme em trigos e farinhas, porque, se não as venderem a credito, não têem quem lh'as compre. De um fabricante sei eu, em Lisboa, a quem um só freguez devia ha tempo constantemente 90:000$000 réis. O negociante era Manuel José Gomes e o freguez Eduardo Conceição e Silva, que tinha a fabrica de bolacha de Santo Amaro. O seu consumo mensal era na importancia de 30:000$000 réis, e como pagava a tres me-zes, o resultado era que a fabrica de Manuel José Gomes tinha um empate de 90:000$000 réis de capital, só para o consumo d'aquelle freguez. Não sei se hoje ainda succede o mesmo, mas é provavel.

As contingencias são muitas, porque embora o lucro final seja grande como é o resultado de um pequeno ganho multiplicado por um enorme coefficiente, qualquer desleixo, qualquer descuido o faz desapparecer. Nem todos que têem exercido a industria da moagem colheram esses beneficios tão cubiçados.

É negocio que depende de uma grande pratica, de conhecimentos especiaes e de uma vigilancia incessante. Não é facil achar quem o administre.

Ninguem ignora que a fabrica de Santa Iria, por exemplo, por circumstancias diversas, só ha pouco começou a dar resultados apreciaveis; um estabelecimento de caridade que por sua conta emprehendeu a moagem teve uma perda total e a fabrica de João de Brito, a mais antiga, durante muitos annos não tirou lucros, e nunca chegou ao grau de prosperidade que têem obtido Manuel José Gomes e Bellos e Formigaes.

Estes são os que despertam todas as invejas, os seus lucros são os que offuscam os lavradores.

Pois, sr. presidente, se têem sido grandes os lucros obtidos por estes industriaes, é porque reuniam qualidades difficeis de encontrar, e se as qualidades dos individuos, os seus esforços e as suas virtudes são necessarias para desculpar a sua prosperidade, ninguem como elles merece desculpa.

Manuel José Gomes foi um dos vultos mais sympathicos da nossa geração. Nasceu pobre, na ultima classe da sociedade. Era, em rapaz, garoto, de uma fragata; mas intelligentissimo, porque não podia chegar ao que chegou senão com muita intelligencia.

O barco em que navegava rio acima e rio abaixo, fazia fretes para Villa Franca, para Azambuja, para Benavente ou para Santarem. N'essas viagens com as sobras dos seus magros salarios comprava acertadamente um ou dois saccos de trigo que em Lisboa revendia com lucro, dos saccos passou aos moios e dos moios passou aos barcos.

Com o pequeno capital junto por esta fórma, foi arrendar moinhos de vento e de agua na Outra Banda. Chegou a ser proprietario ou rendeiro de quasi todos os que lá havia.

Já senhor de uma boa fortuna, mandou, o que poucos fariam, educar seus filhos em Inglaterra; mas mandou-os educar para moleiros, o que menos ainda fariam.

Quando voltaram, disseram ao pae. "Tudo que está aqui não presta para nada, é necessario deitar tudo fóra". E aquelle homem, já velho, que real a real edificára honesta e trabalhosamente a sua fortuna, aquelle homem que devia suppor-se superior na sua esphera, teve a rara coragem de obedecer ás indicações dos filhos e de comprometter quanto possuia, 200:000$000 réis, na construcção e montagem de uma nova fabrica. Quando a inaugurou, ouvi-lh'o muita vez, nada lhe restava alem do credito, que era grande. Colheu, o fructo da sua intelligencia, chegou a ter lucros annuaes, dizem, superiores a 100:000$000 réis. Santos lucros.

Homens como este, tão raros entre nós, apontam-se como exemplo do que póde valer o trabalho e a força de vontade, não se lhe regateiam os louvores, não se lhe inveja a fortuna, porque seria desanimar os que lhe queiram seguir a lição

E estes lucros que são enormes deixam de o parecer quando se provar que são obtidos com um movimento a que nunca chegou industria nenhuma em Portugal, com vendas de 240:000$000 réis de farinha por mez, não ganhando cousa alguma em metade d'essa venda. Era tal a sua freguezia que precisava mandar moer metade do que produzia, e sobre essa metade nenhum ou quasi nenhum lucro auferia.

Mas podiam todos ganhar como elle?

Manuel José Gomes, que nasceu por assim dizer a avaliar trigo e a fazer farinha, que, pegando n'um punhado de genero, dizia qual o seu rendimento, passava os dias no escriptorio, as manhãs e as noites na fabrica, dando ordens, examinando tudo que entrava e tudo que saía, não dando descanso nem a si nem aos outros; era um trabalhador incansavel.

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Obrigou os filhos a uma tal intensidade de trabalho que no fim de algum tempo comprometteu-lhes a saude. Caros lucros.

A historia de Bellos e Formigaes é muito parecida; tinham o mesmo conhecimento do genero com que lidavam o mesmo amor ao trabalho, e comtudo só se resolveram a montar a sua fabrica de moagem depois de verem o exemplo do seu vizinho.

Não eram por certo os agentes do governo que se fossem collocar á frente de uma empreza d'esta ordem, que haviam de alcançar lucros por esta fórma. Basta ver o que acontece com os talhos municipaes, em que a camara tem melhores condições do que ninguem para poder ganhar, se todavia ainda no anno passado em que as condições do mercado não podiam ser mais favoraveis, ao menos durante seis mezes, teve uma perda de 5:000$000 réis. E porque é isto? E porque a camara tem de recorrer, para este serviço, a agentes intermediarios que pouco se importam que ella perca ou não e que por conseguinte administram mal. Não quero dizer que não appareça um ou outro que emprega todo o zêlo e actividade para bem servir a camara; porém, esses consideram-se excepções.

E porque se ha de recorrer ao governo? Se os agricultores estão convencidos que se póde com vantagem montar uma fabrica para moer os trigos nacionaes, porque o não fazem? Não têem capitaes?

Quem tem terras tem sempre meio de obter os capitaes que precisar para explorar uma industria.

Eu bem sei que os pequenos não podem entrar n'este caminho; mas se ha tantos grandes que se choram, que se associem e reunam, e depois nos dirão os resultados que tiraram e as facilidades que encontraram.

Ninguem queira inferir das minhas palavras que eu julgo que nenhuma protecção merece e precisa a agricultura, que d'ella se deve despreoccupar completamente o governo. Não, o meu pensamento não é esse; deve dar-se-lhe protecção mas não é esta, não é a das pautas, não é a que faz com que se venda caro, é a que habilita a vender barato ganhando.

Quer o governo entrar n'esse caminho? Muito tem que fazer.

Comece por desenvolver a instrucção agricola, não só a que por ahi vejo dar em institutos, quintas modelos ou com agronomos officiaes, mas a instrucção pratica dada com o exemplo, indo por assim dizer, metter pelos olhos dentro ao agricultor o que é bem feito e o que é mal feito.

Assim como ha já uma instituição de escolas moveis que com excellentes resultados tem andado de terra em terra ensinando instrucção primaria, porque se não ha de seguir o mesmo processo para o ensino agricola, porque se não ha de mandar a casa do agricultor, e com a sua annuencia, a sitio onde todos possam ver e todos aproveitar, o pratico, não fazer experiencias duvidosas, mas ap-plicar processos já experimentados, podar bem onde se póda mal, alqueivar onde apenas se arranha a terra, adubar onde os adubos são desconhecidos.

O sr. Margiochi: - Punham-nos de lá para fóra a pau.

O Orador: - Não punham. É verdade que o agricultor é muito rotineiro; resiste á palavra, resiste ao livro, mas não resiste ao exemplo; em vendo o vizinho colher dez onde elle só colheu um, imita immediatamente o vizinho.

Já n'outra occasião contei á camara o que me succedeu quando quiz introduzir as charruas vinhateiras na região onde tinha vinhas. De principio chamavam-me parvo, diziam que eu destruíra em vez de cultivar, mas quando viram que a producção era melhor, que o serviço era mais bem feito e mais barato, deixaram de me correr á pedra, e todos imitaram o meu exemplo.

Na agricultura, como em todas as industrias, tudo depende de saber ou não saber tirar dos elementos da terra, das forças naturaes, intelligente e opportunamente, o proveito que podem dar.

Eu já aqui apresentei um exemplo que fui buscar á minha propria familia.

Meu avô abandonando o fôro para se dedicar á lavoura arruinou-se e deixou dividas de centenares de contos de réis; meu tio Antonio, nas mesmas terras, fez uma grande fortuna; o que prova é que um sabia cultivar e tirar da terra o que ella póde dar, outro, não menos intelligente, mas com outras aptidões, escravo da rotina e não sabendo d'ella emancipar-se, fez da terra o sorvedouro de tudo quanto tinha.

Um só facto torna o exemplo frisante.

Quando meu tio Antonio, farto de ter olivaes e de não ter azeite, mandou metter os machados ás oliveiras, o pae que n'isto via um attentado ás suas idéas sobre a cultura da oliveira deu-lhe uma tal descompostura que só um filho a podia ter ouvido.

Uma provincia inteira, o Alemtejo, está hoje mostrando que a terra só é ingrata para quem d'ella não cuida. Em vinte annos a propriedade tem ali, por assim dizer, passado completamente de mãos, e o resultado é que o que d'antes, nas mãos dos antigos donos e seus rendeiros, eram charnecas, são hoje herdades valiosissimas; o trabalho do homem tudo transformou.

Facilitem-se, pois, os conhecimentos agricolas, ensine-se o lavrador e veremos em breve a transformação ser geral.

A melhor protecção que se póde conceder ao agricultor depois da instrucção, é facilitar-lhe capital barato.

Trate o governo de envidar todos os seus esforços no intuito de concorrer para que o agricultor possa, quando queira melhorar as suas officinas, ir buscar o capital que precisa e que o obtenha em boas condições, e se o poder, conseguir, de certo que lhe presta um, serviço muito mais valioso do que a mesquinha protecção que agora lhe quer dar.

Mas esse credito não soube creal-o antes de ter espalhado a instrucção que o agricultor precisa.

Antes d'isso é inutil estar a confiar capitaes a quem não sabe tirar d'elles proveito.

Antes d'isso o esforço será improficuo, porque o Credito mais se baseia na confiança pessoal, que merece o devedor, do que no valor do penhor que póde offerecer; o banqueiro prefere sempre, e com rasão, confiar o seu dinheiro a quem sabe que o vae empregar intelligentemente, do que a quem lhe dá segura hypothese, mas ao mesmo tempo lhe não paga em dia.

Eu sinto que não haja um banco que faça transacções hypothecarias de modo que o proprietario de prompto podésse ter o dinheiro que precisasse, sem prender por longos annos a propriedade.

Uma remodelação do credito predial podia n'este sentido fazer um grande serviço, e já em tempos me occupei de achar a fórma por que se poderia, sem alterar a indole d'aquelle estabelecimento, realisar este fim; isto é, obter rapidamente e em boas condições dinheiro a curto praso em hypotheca.

Os outros bancos recusam-se a fazer emprestimos d'este genero, e com rasão, porque a natureza das suas transacções, a sua indole e o credito de que precisam não consentem que o seu capital esteja empregado de fórma que de prompto o não possam realisar.

A hypotheca tem esse defeito: se o devedor não paga é moroso o processo de realisar a divida.

Esse inconveniente desappareceria por esta fórma: o proprietario depois de ter feito avaliar pelo banco predial o seu predio, hypothecava-lh'o pelo maximo, segundo os estatutos do banco, e registava em seu favor a hypotheca; em troca o banco, mediante uma ligeira commissão, dava-lhe um titulo, pelo qual se obrigava dentro de um praso

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convencionado a realisar o emprestimo nas condições ordinarias.

Com esse titulo e uma simples procuração poderia então o proprietario levantar em qualquer outro estabelecimento e nas condições ordinarias do mercado o capital que precisasse, não podendo os bancos hesitar em realisar estas transacções, cuja garantia seriam as obrigações prediaes de facil realisação.

Por esta fórma qualquer poderia ter, por assim dizer, em carteira, uma parte da sua propriedade e com ella o meio facil de realisar capitaes quando os necessitasse.

Na America o titulo de propriedade é indossavel, tem o valor registado e negoceia-se como qualquer outro titulo mobiliario.

Entre nós seria difficil implantar este regimen tão contrario á estabilidade que segundo as nossas idéas deve ter a propriedade immobiliaria, mas estou convencido que o meio termo que se obtinha com o meu alvitre havia de dar bom resultado, e em relação á agricultura muitas vezes havia de facilitar melhoramentos que não se emprehendem por ser difficil realisar para elles o capital necessario.

Ainda outras medidas tem o governo ao seu alcance com que muito beneficiaria a agricultura.

Veja, por exemplo, se nos póde dotar com um bom cadastro, veja se póde acabar com as desigualdades a que dão logar as actuaes matrizes.

Cito ainda o meu exemplo porque é conveniente, e porque nenhum outro posso citar com mais auctoridade.

O ramo de propriedades que possuo no districto de Beja e que têem um rendimento nunca superior a 6:000$000 réis, tendo por vezes baixado a menos de 4:000$000 réis, paga de contribuição mais de 2:000$000 réis; em compensação, e agora peço segredo ao sr. ministro da fazenda, as propriedades que tenho no districto de Evora, e que nunca rendem menos de 2:000$000 réis pagam approximadamente 600$000 réis.

O sr. ministro póde sem escrupulo prometter-me segredo o porque o estado nada perde commigo, visto que se n'um districto pago a metade do que rasoavelmente devia pagar a somma do que pago nos dois dá quantia muito superior á que era justo que pagasse.

As desigualdades, provenientes da fórma completam ente arbitraria por que as avaliações são feitas, chegam a ponto que n'uma pequena herdade que está em parte no concelho da Vidigueira e parte no da Cuba com olival n'um e n'outro, tem, no primeiro, avaliado o rendimento collectavel de cada oliveira em 50 réis, no segundo, em 2$250 réis!

Tenha o governo meio de fazer cessar estes absurdos, e creia que fará mais felizes do que com o seu real e meio da pauta.

E não são só medidas de interesse geral de que póde, lançar mão, ha medidas locaes com que póde melhorar muito as circumstancias de regiões importantes.

Chamo a sua attenção para as tarifas do caminho de ferro do sul e dir-me-ha depois se é justo, se é rasoavel que um caminho de ferro, atravessando uma região que precisa ser desenvolvida, para que é necessario chamar braços, e que devia ser na mão do estado mais um instrumento d'esse desenvolvimento do que uma fonte de receita transporte mais caro do que todos os outros, e de fórma que não ha producto que possa vir concorrer com os dos outros pontos do reino em igualdade de circumstancias?

Se do Alemtejo passarmos para o Ribatejo lembro-lhe a companhia das Lezirias que bem merece particular attenção.

Fez-se para esta companhia uma lei de excepção; consentiu-se que uma massa enorme de propriedades ficasse nas suas mãos, a despeito das leis de desarmotisação e a pretexto de que só uma companhia poderosa poderia conservar e melhorar as obras do Tejo, necessarias para o bom regimen das aguas e para defeza das inundações; fez-se mais e sempre com o mesmo pretexto, deu-se-lhe direitos magestaticos entregando-se-lhe o oneroso imposto das fabricas.

Como tem a companhia cumprido o seu contrato, porque foi um verdadeiro contrato bi-lateral?

Quem tiver conhecido o Ribatejo de ha trinta annos, e quem o for ver hoje, não o reconhece.

Esgotos que se faziam por quatro e cinco portas de agua estão hoje reduzidos a uma só, e essa as mais das vezes em mau estado; esteiros que eram navegaveis e que por consequencia davam facil saída ás aguas estão pela maior parte açoriados; poderosissimos vallados indispensavel defeza das inundações, e que dividiam o campo em verdadeiros compartimentos estanques, desappareceram por completo ou estão tão arruinados que de nada servem, de fórma que qualquer bochecho de agua é sufficiente para fazer uma cheia.

Parece-me que o remedio está indicado. Se não se quer obrigar a companhia a liquidar, reassuma o governo a administração das obras de esgoto, lance á companhia o imposto que os demais proprietarios pagam e restabeleça, embora com sacrificio, o que os antigos com tanto trabalho tinham feito, e estou convencido que até a propria companhia com isto lucrará, achando mais facilmente rendeiros para as suas terras, que hoje já lhe vão faltando.

Com estas e outras medidas de similhante natureza dará o governo muito mais efficaz protecção á agricultura portugueza do que com a elevação de quaesquer direitos; e comtudo se de todos lançar mão, se ainda lhe juntar as que outros mais competentes do que eu lhe podem indicar, terá apesar de tudo de dizer aos agricultores: Deus super omnia, porque não ha protecção que valha contra as más condições climatericas; que n'uma hora fazem desvanecer as mais fagueiras esperanças, não ha leis que obstem a que o Tejo, quando sáia do seu leito arraste em valados capital que levou annos a juntar.

Em 1876 vi eu levar a cheia, a um só proprietario, 50:000$000 réis de vallados que representavam 25 por cento do valor da propriedade; contra isto não ha protecção nem leis efficazes.

Vou terminar, sr. presidente, e concluo pedindo desculpa á camara de por tanto tempo, mais do que tencionava, lhe ter occupado a attenção.

Repito que nenhuma proposta mando para a mesa porque na altura em que está a sessão sei bem que nem seria enviada á commissão, e por isso só me resta renovar os meus votos para que se não realisem as minhas previsões e que em breve me possam demonstrar que nenhuma rasão tinha no que disse.

Tenho dito.

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, mando para a mesa, com urgencia, a seguinte proposta.

"Proponho que a sessão de hoje seja prorogada até ás seis horas, e que de segunda feira em diante, se abram as sessões á uma hora e terminem ás cinco. = Pereira Dias."

Consultada a camara foi approvada a proposta do digno par.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Disse que concordava com muitas das observações apresentadas pelo digno par, mas julga acautelados os interesses do consumo e procurará obviar a quaesquer inconvenientes que porventura possam derivar do augmento dos direitos sobre o trigo estrangeiro, augmento que a classe agricola reclamára insistentemente, e que depois de meditado estudo se reconheceu não haver risco em lhe conceder.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Fez varías considerações, e mandou para a mesa uma proposta, que tratou de justificar. O digno par arreceia-se da subida do preço do pão e dos conluios que para este fim se possam formar, e quer que o governo fique armado de auctorisa-

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ção mais ampla do que vem indicada no projecto de lei, para se defender e defender o consumidor.

(O discurso será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo digno par o sr. visconde Moreira de Rey.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

" Proponho que seja auctorisado o governo a adoptar quaesquer, medidas por mais energicas que sejam, a fim de obstar á subida do preço do pão no intervallo das sessões parlamentares. = Visconde de Moreira de Rey."

Foi admittida, e foi posta em discussão conjunctamente com o projecto.

O sr. Francisco de Albuquerque: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, que auctorisa a venda do pinhal de Santa Cita.

Foi a imprimir.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, o projecto que actualmente discutimos é sem duvida o de mais largo alcance economico que o governo tem apresentado n'esta sessão, por isso mesmo que se prende com as forças mais vivas do paiz; a agricultura, a industria, o commercio, todos os ramos, emfim, do trabalho e da actividade social têem aqui a sua manifestação.

Por isso mesmo, sr. presidente, é para sentir que um projecto d'esta importancia venha no fim de uma sessão legislativa, já longa e laboriosa, quando mal se podem discutir todas as questões com o maduro exame que ellas exigem.

O sr. Fernando Palha fallou durante uma hora, e muito bem, com aquella energia de convicção e com aquelle accentuado de phrase que lhe são proprios, ácerca de uma das muitas questões contidas n'este projecto.

Se quizessemos entrar n'uma apreciação larga de todos os assumptos, aiuda os mais urgentes, que aqui se podem discutir, imagine a camara até onde nos levaria essa apreciação. Pela minha parte não tenho em vista senão o cumprimento do meu dever.

A camara sabe que em 1886 eu tive a honra de apresentar ao parlamento, como ministro, uma proposta de lei reformando a pauta geral das alfandegas, e que essa proposta serviu de base ao projecto que actualmente discutimos.

A proposta de 1886 foi por mim elaborada, com o valiosissimo concurso do conselho superior das alfandegas, onde artigo a artigo se debateu.

E ás reclamações que se apresentaram, e que julguei deverem ser attendidas em beneficio de diversos ramos do trabalho nacional, procurei obtemperar, transigindo em alguns pontos, sem todavia perder de vista os legitimos interesses do fisco.

Para simplificar o expediente aduaneiro era effectivamente muito necessaria a reforma pautal; por isso, e sem embargo dos reparos que o projecto da nova pauta me suscita, eu o approvo na sua generalidade, isto é, na sua idéa primordial.

As proprias sentenças do tribunal do contencioso fiscal têem dado logar a muitas anomalias, a que convem pôr cobro, mediante os preceitos mais simples e claros.

A multiplicidade dos impostos e a complicada numenclatura dos artigos, causam dia a dia graves embaraços ao despacho e ao movimento do commercio.

Temos diversos addicionaes, e como ao mesmo tempo ha excepções para a applicação d'esses impostos, tudo isto traz grande difficuldade á escripturação e produz confusão e interpretações diversas na applicação e na pratica.

Por isso, sr. presidente, eu voto o pensamento fundamental do projecto; e embora muitas das suas disposições me não satisfaçam, comprehendo que até certo ponto estamos inhibidos, pelo tratado de commercio com a França, de fazer uma remodelação completa da pauta; porque é vidente que esse tratado tolhe em muitos pontos a nossa Liberdade de acção.

Já depois d'esse tratado houve em 1885 uma reedição da pauta, que simplificou bastante os trabalhos de verificação e despacho das alfandegas.

É certo que ha artigos que não podem alterar-se, como ha dizeres que não podem deixar de existir, e portanto a revisão não foi nem podia ser tão completa, quanto eu desejára; mas nem por isso deixou de prestar um assignalado serviço.

Depois, uma pauta tem de inspirar-se nas circumstancias da epocha em que se faz. E a corrente das idéas muda.

Quantas vezes, nas discussões d'esta e da outra casa do parlamento, se apregoou a conveniencia de harmonisar a nossa pauta com os dizeres e os preceitos da pauta hespanhola, o que importaria em muitos casos caminhar mais para o principio generico da baixa dos impostos; e todavia, n'este projecto, muito pelo contrario, se accentua o pensamento de outorgar ás nossas industrias uma mais subida protecção.

Este projecto não obedece a uma determinada escola de principios, não traduz em todos os seus dictames uma preestabelecida orientação doutrinaria, procurou antes amoldar-se ás condições essenciaes da nossa vida economica, e, em absoluto, não será por isso que eu censure o sr. ministro da fazenda; tambem por mim entendo que uma revisão de pautas é uma questão essencialmente pratica; póde haver maior ou menor tendencia para a liberdade, ou para a protecção, mas no desdobramento dos seus artigos, sempre uma pauta se deve inspirar no conhecimento e na experiencia das circumstancias especiaes do paiz a que tem de se applicar.

Uma pauta é, por sua natureza, opportunista.

Uma observação me cumpre todavia fazer, em minha propria defeza.

Prevendo as reclamações que de todos os lados costumam apparecer, quando se trata de uma reforma pautal, e desejando prevenil-as e evital-as quanto possivel na reforma que emprehendi, quando ministro da fazenda, entendi dever para isso recorrer, como de facto recorri, ao trabalho assiduo de uma corporação intelligente, e, com tanta auctoridade no assumpto como o conselho superior das alfandegas.

Tivemos juntos repetidas conferencias, até se elaborar o projecto de lei que apresentei no anno passado.

Convencia-me eu de ter dado assim um grande passo para o melhoramento do nosso regimen tributario e aduaneiro.

em embargo d'isso, como infelizmente n'este paiz, o facciosismo partidario nada respeita e tudo ataca, ainda mal o meu projecto era publicado, e já a opposição rompia, na imprensa e no parlamento, em violenta diatribe, clamando que todos os impostos eram augmentados e que sobre as classes pobres e os generos mais necessarios á vida íam recaír os mais pesados tributos; e assim, a fundo atacaram aquelle projecto... quando mal teriam tido tempo de o lerem.

Foi uma celeuma, foi um turbilhão de invectivas contra a pauta que eu propunha.

Aconteceu que, poucos dias depois, teve o governo de pedir a sua demissão; e perguntado o actual sr. ministro da fazenda sobre quaes as suas idéas em administração de fazenda, uma das suas primeiras respostas foi... que traria ao parlamento uma revisão de pautas, moldada nas bases da que eu havia proposto.

Como tudo mudára de aspecto!

Mas cousa ainda mais notavel. Eu era arguido por avolumar os impostos, e sobretudo os que recaíam sobre os generos de mais largo consumo; e, todavia, basta ler o projecto que agora temos diante de nós para se ver que mais elevados são, em geral, os direitos que o actual sr. ministro da fazenda propõe, e que precisamente sobre os

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generos de maior consumo, e que mais affectam as classes pobres, como o trigo, o milho, as farinhas, o café, o assucar, a manteiga e outros... se lança mais pesado tributo!

Porque na minha pauta, a apparente elevação de direitos provinha de que com o direito principal se fundiam os addicionaes, o que, representava uma simplificação, mas não um augmento; ao passo que na pauta que vamos discutir, não é só a englobação dos addicionaes que determina o augmento das taxas.

A par d'isto, o sr. ministro da fazenda, sabe muito bem que é incompleta a sua revisão pautal, porque não comprehende a tabella dos impostos do consumo, e essa não póde s. exa. deixar de a remodelar mais tarde porque é impreterivel essa remodelação, embora mais de espaço a queira fazer de accordo com a camara municipal de Lisboa.

Pelo que toca á pauta de importação e exportação, a classificação agora adoptada é approximadamente a minha. Na especificação dos direitos, eu comprehendia n'um só, marcando a taxa que julgava mais apropriada, o direito geral da pauta antiga, os 2 por cento ad valorem, creados pela lei de 1880, e os 6 por cento addicionaes, estabelecidos pela lei de 6 de abril de 1882. Não incorporava o imposto de 3 por cento para emolumentos por terem uma applicação especial, devendo todavia advertir que logo na primeira reunião da commissão de fazenda em 1886 se resolveu considerar a media do producto dos emolumentos nos ultimos tres annos, como sendo o maximo do imposto a distribuir pelos empregados aduaneiros, revertendo toda a differença a mais para o estado, a fim de, com incremento das receitas e a incorporação dos addicionaes, não exagerar a retribuição já hoje bastante remuneradora, que a esses empregados se attribue.

E tambem não incorporava o imposto ad valorem, até 2 por cento para portos e barras, porque só como imposto local e distincto se póde applicar aos artigos comprehendidos no tratado de commercio com a França, ao presente generalisado ás demais nações.

O sr. ministro da fazenda julgou, porém, dever juntar n'um só todos esses direitos, e a este respeito diz o projecto que estamos discutindo o seguinte:

"2.ª São abolidos os addicionaes:

"a) De 2 por cento ad valorem creado por lei de 23 de abril de 1880;

"b) De 6 por cento ad valorem creado por lei de 27 de abril de 1882 na parte que se refere aos direitos de importação e de exportação nas alfandegas;

"c) De 1/2 Por cento sobre a exportação creado por lei de 18 de março de 1883;

"d} De 3 por cento cobrado sobre os direitos, com o titulo de emolumentos, ficando o governo auctorisado a elevar d'esta taxa, arredondando-os, os actuaes direitos da pauta de consumo em Lisboa;

"e) De 2 por cento ad valorem creado pela lei de 26 de junho de 1883, para as obras dos portos de Leixões e de Lisboa;

"f) A taxa especial de 2 por cento ad valorem sobre a exportação do vinho, creada por lei de 17 de maio de 1878 e regulamento de 19 de dezembro do mesmo anno, modificado por decreto de 17 de setembro de 1885, com referencia ao estabelecimento de um valor medio."

Ora o artigo que acabo de ler diz que os addicionaes ficam abolidos, mas nas tabellas encontra-se a pauta B com a seguinte inscripção:

"Dos artigos livres de direitos de importação, mas sujeitos ao imposto de 2 por cento ad valorem para portos e barras a que se refere a lei datada de hoje."

De fórma que por um lado declara-se que fica abolido o imposto de 2 por cento ad valorem, e por outro esse imposto subsiste como se vê da pauta B d'este projecto.

Mais ainda: as columnas da pauta de importação, concernentes aos direitos, inscrevem-se assim:

Columna l.ª - Direitos convencionaes.
Columna 2.ª - 3 por cento para emolumentos.
Columna 3.ª - Imposto para portos.
Columna 4.ª - Total dos direitos.

De fórma que a mesma que supprime os impostos de 3 por cento para emolumentos e de 2 por cento para portos, os especifica depois como estando em vigor! Eu deixava de fóra o imposto até 2 por cento para portos e barras porque, uma vez incorporado e fundido com os demais, iria augmentar os direitos estabelecidos na pauta convencional, o que daria logar a fundada reclamação das potencias estrangeiras, ao passo que subsistindo á parte, como tributo de applicação local, pelo proprio tratado se mantinha.

O sr. ministro da fazenda, querendo a todo o custo juntar os differentes impostos em um só, vê-se na necessidade de para isso abrir na pauta differentes columnas, em que, no que respeita aos differentes artigos da pauta B, tem primeiro de mencionar em separado a importancia do direito convencional e a do imposto para barras e portos, e só em columna final os agrupa.

Assim, francamente, a differença e portanto a vantagem da sua pauta para a minha é mais illusoria do que real. E ficam contradictorias as disposições e os dizeres, como ha pouco observei.

Ainda com respeito ao imposto para portos, devo dizer que o que se preceituou na lei de 1883 foi que este imposto poderia ascender até 2 por cento, á medida que as obras dos portos de Lisboa e de Leixões reclamassem esse augmento.

Ora essas obras até hoje não têem reclamado similhante augmento, e portanto, é claro que não é cumprimento de tal lei, nem para desde já acudir á construcção de taes obras, que o sr. ministro da fazenda póde lançar por inteiro um imposto, que na verdade é muito importante, e que, tal como foi votado, só gradual e successivamente se podia ir elevando.

0 que isto significa, pois, é que esse tributo cobrando-se na sua totalidade, representa, por agora, e em toda a differença no exigido para aquelles portos, um novo imposto que s. exa. lança sobre quasi todos os artigos da nossa importação.

Afóra isto, sr. presidente, ha n'este projecto de lei auctorisações que eu não posso votar.

Ha um artigo que diz o seguinte:

"1.ª Fica o governo auctorisado a decretar novas instrucções preliminares da pauta, considerando-se das exaradas na edição official, approvada por decreto de 17 de setembro de 1885, unicamente como materia legislativa:

"a) As disposições referentes a clausulas dos tratados de commercio e navegação;

"b) As que importam alterações nas taxas dos direitos de entrada, de saída e de consumo não modificadas por esta lei."

Em tudo mais ampla liberdade de acção para o governo. Eu não quero suppor que quem, como o sr. ministro da fazenda com tanto affinco tem procurado fazer approvar este projecto de lei, haja de fazer depois, um uso prejudicial da auctorisação que pede; mas a verdade é que ella é sobremaneira latitudinaria, e desnecessariamente porque bem podia s. exa. deixar claramente formulado qual o seu proposito n'este assumpto.

Alem d'esta auctorisação, uma outra ha ainda, que vem como escondida em todo este projecto de lei. É aquella em que o governo pede para ficar habilitado a, sem augmento de despeza, organisar como melhor entender os quadros do pessoal de todas as alfandegas do paiz.

N'esta parte parecia-me melhor que s. exa. encontrando uma reforma já feita, desde que julgasse necessaria qualquer modificação nos quadros, viesse expor ao parlamento

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SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1887 851

as suas opiniões n'este sentido em vez de pedir uma auctorisação cujo alcance não conhecemos, e que portanto, ignorâmos até onde chegará.

Outras auctorisações pede s. exa., a que eu mais de espaço me referirei logo, como são as relativas á modificação dos direitos sobre o alcool, sobre os cereaes e farinhas, e sobre o assucar proveniente do Brazil.

Por agora, sr. presidente, concluirei esta primeira parte das minhas observações dizendo com franqueza que acho este trabalho benefico e de alcance para o paiz, muito longe, todavia, de considerar um trabalho bem acabado e completo.

Ha dizeres pautaes, por tal modo redigidos, que embaraçam o lançamento dos impostos, e, portanto, o expediente aduaneiro.

S. exa. podia pelo menos ter arredondado muitos dos direitos pautaes que inscreveu, de fórma a tornar mais facil a sua contagem e applicação, podia ter feito esse arredondamento supprimindo quanto possivel as pequenas unidades, com grande vantagem para a contabilidade e para a estatistica. S. exa. não se deu a esse trabalho que muito abreviaria os despachos, e que em muitos casos poderia fazer sem embargo do tratado com a França, com cujos preceitos aliás eu sei que o sr. ministro da fazenda não está muito de accordo.

S. exa. por certo se reserva para mais tarde, quando julgar o paiz desprendido d'esse compromisso, formular então mais definitivamente umas pautas como a experiencia tiver mostrado mais consentaneo com os interesses geraes. Mas isso é mais uma prova de que é apenas provisoria a reforma pautal que n'este momento discutimos.

Dito isto, sr. presidente, vou succintamente entrar na apreciação de alguns artigos das differentes classes da pauta, ácerca dos quaes tenho duvidas a apresentar e impugnações a fazer.

Na classe l.ª estabelece-se o direito sobre o gado vaccum.

O direito actual é de 340 réis por cabeça, que com os addicionaes se eleva a 928,04 réis.

Eu propunha a suppressão d'esse direito; o sr. ministro da fazenda igualmente a propoz.

A commissão de fazenda da camara dos senhores deputados guindou, porém, o direito já excitante a 2$485 réis; e a final o projecto veiu da outra casa do parlamento com o direito de 2$500 réis.

Esta questão é a meu ver importante, porque se prende com valiosos interesses da industria agricola - a creação e a engorda dos gados - com o nosso commercio de exportação, e com o consumo de carne no paiz.

Se fosse fiscal o pensamento d'esta proposta, poderia argumentar-se que accusando a estatistica da importação do gado vaccum, em 1880, uma entrada de 52:109 cabeças, applicando se-lhe o direito de 2$500 réis, obteriamos 130:072$500 réis.

Mas nem com um direito alto, a importação como base do commercio, se manteria, nem a questão póde ser principalmente encarada por este lado.

O fim a que visa o projecto n'esta parte, é evidentemente proteger a industria da criação de gado; mas o que se dá com esta industria não se dá com a da engorda.

Para aquella, quanto mais alto for o direito protector, maior lucro poderá obter; ao passo que para esta é mui diversa, pois que a recriação consiste sobre tudo em importar de Hespanha gado magro e barato, para depois de engordado nos pastos se exportar para a Inglaterra, vendendo-se por maior preço. Quanto mais alto for o direito de importação, mais o custo da materia prima d'esta industria fará diminuir as probabilidades de remuneração.

Por outro lado, deve attender-se á circumstancia de que é grande a differença entre a importação e a exportação. Em 1880 ainda a importação era de 34:773 cabeças, e a exportação de 17:434; mas a desproporção, já então grande, pois que a exportação era apenas de metade, de anno para anno se tem accentuado mais, até que em 1886 a importação attingiu 52:109 cabeças, ao passo que a exportação desceu a 6:361.

Ora, desde que a exportação diminue, e apesar d'isso a importação augmenta, evidente se torna, uma grande parte do producto importado é absorvido pelo consumo. N'estas circumstancias, o direito que em todo o caso se me afigura excessivo, pois que sendo 19$788 réis o valor medio, por cabeça, da importação em 1886, os 2$500 réis de imposto reresentam cerca de 13 por cento, esse direito póde vir affectar sobremaneira o consumo.

Porque se o consumo absorve a grande massa de importação do gado vaccum, é claro que um direito tão pesado ha de sensivelmente influir no preço da carne.

Em relação á engorda do gado mostram as estatisticas que a importação tem subido em valor, e descido em quantidade, o que prova que essa industria está decadente, e que o gado de Hespanha vem agora mais, gordo e preparado para o consumo do que d'antes.

A isenção do direito poderia, pois, alevantar essa industria; o augmento do imposto completamente a aniquila.

E com recriação do gado vaccum se beneficiava sobremaneira o nosso commercio de exportação.

Todos sabem que o paiz para onde principalmente se exporta d'aqui o gado vaccum é a Inglaterra; e tambem ninguem ignora que temos luctado ultimamente com grandes difficuldades para acreditarmos ali este producto. Chegou a tal ponto a desconfiança, que por parte da Inglaterra se manifesta pelo morbo que ali diziam affectar o nosso gado que, todo o que d'aqui para lá ía, era immediatamente abatido á entrada.

E por mais esforços que Portugal haja feito para desvanecer essa suspeita, não o tem conseguido, tornando assim sobremaneira difficil sustentar a concorrencia com as carnes que artificialmente conservadas em uma baixa temperatura se exportam da America.

Por tudo isto, eu muito receio que o consideravel augmento no imposto de importação, que agora se propõe, vá ao mesmo tempo affectar o consumo encarecendo o preço da carne, abater ainda mais a industria da recriação do gado, e tornar mais difficil, se possivel fosse, o commercio da exportação.

No que respeita ao gado suino, o direito que pelo tratado de commercio com a Hespanha, era de 90 réis por cabeça e com os addicionaes 180 réis, sobe, por este projecto, a 1$520 réis.

Aqui não se dá o mesmo, que com o gado vaccum, porque a exportação tem sido e é muito superior á importação, mas o que me parece é que se este augmento se propõe com o intuito de proteger a nossa industria, bem póde acontecer que esse resultado se não alcance, porque tão alto é o imposto que convida á fraude, o descaminho ha de tentar-se em grande escala e a nossa raia é extensa e difficil de guardar.

Em vez de beneficiarmos a criação do gado suino nos nossos montados do Alemtejo, póde ser que, pelo exagero a prejudiquemos.

Ha ainda n'esta classe um outro artigo, que é o cebo, materia prima para o fabrico de sabão, que eu na minha pauta deixava livre, porque o incluia no artigo dos despojos e productos de animaes, e que julgo se inclue agora no artigo 19.° oleos e gorduras, com o direito de 10 réis. Este direito que por um lado vae affectar a industria do sabão, não creio que por outro lado possa estimular a engorda do gado.

Entre interesses oppostos, buscou-se um direito que, afinal, se a nenhum prejudica essencialmente, tambem a nenhum realmente aproveita.

Passando ás classes seguintes, da 2.ª á 5.º, que comprehendem os artigos de lã, seda, algodão e linho, as modificações estabelecidas por esta pauta não são de grande alcance.

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852 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Algumas ha, até, que eu acceito, como são: a suppressão da faculdade, até aqui concedida, de cortar na alfandega os tecidos de algodão e de seda destinados a chapéus de chuva; e a equiparação da téla á obra de malha e ponto de meia.

Esta ultima modificação, em que eu já havia concordado antes de saír do ministerio, acceito-a unicamente por não desejar prejudicar uma industria que existe entre nós, largamente desenvolvida, e especialmente na cidade do Porto, se bem que o alto direito sobre a tela tem dado logar a repetidos descaminhos na nossa raia.

E dito isto, entrarei, embora ligeiramente, na apreciação da classe 2.ª

O relatorio do projecto de lei na outra casa do parlamento diz que se não fizeram modificações ao que o sr. ministro propoz, a não serem aquellas a que já me referi, quanto ao córte dos tecidos na alfandega.

Assim, diz o relatorio:

"A não ser a já indicada suppressão do n.° 38 da proposta, tecidos para cobertura de chapéus de chuva, nenhuma outra alteração se fez n'esta classe relativamente á proposta do governo."

Se, porém, compararmos o projecto que foi votado na camara dos senhores deputados com a proposta do sr. ministro da fazenda, encontrâmos differenças verdadeiramente sensiveis.

Taes são:

Proposta minha proposta do sr. ministro da fazenda Proposta da camara dos deputados

N.° 25 - fio de bordar branco 1$200 1$200 1$305
N.° 26 - fio de bordar, tinto 2$000 2$000 2$120
N.° 33 - pannos, cazimiras, etc. 1$500 1$600 1$610
N.° 39 - ligas e cintas 1$500 1$600 1$615
N.º 41 - obra de malha 1$300 1$375 1$405

Por aqui se vê quanto, a despeito da affirmação em contrario, a proposta do sr. ministro da fazenda foi objecto de emendas importantes na commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, em artigos de largo consumo, e de subido valor para o commercio.

Sei perfeitamente que os acrescimos votados têem por fim proteger a industria; mas é necessario não levar essa protecção ao exagero, mesmo porque ás vezes é indispensavel o estimulo da concorrencia estrangeira para o aperfeiçoamento dos productos nacionaes.

Ora vejamos.

Eu propunha para o fio branco 1$200 réis, e para o tinto 2$000 réis; ambos estes direitos foram adoptados pelo sr. ministro da fazenda.

A commissão da outra camara elevou, porém, o primeiro d'esses direitos a 1$305 réis, e o segundo a 2$120 réis, augmento que é consideravel, e que de modo algum vejo justificado.

Tanto mais que esses artigos, se por um lado são já productos, por outro são materias primas de industria, a que tambem convem attender.

E que notavel prurido de deformar a pauta! Nos artigos que especifiquei, os direitos por mim propostos todos se expressavam em numeros redondos; eram assim faceis de applicar e de escripturar; os da commissão da outra camara? Todos arrevezados! De l$200 réis passa-se para l$305 réis, de 2$000 réis para 2$120 réis, de 1$500 réis para 1$610 réis, de 1$500 para 1$615 réis, de 1$300 réis para 1$405 reis!

E por este modelo se redigiu quasi toda a pauta! E porque? Porque se descobriu uma celebre formula, travessura da mathematica, para no direito total se destrinçar o direito principal dos addicionaes, mas formula que, por infelicidade, não raro apparece errada na sua applicação e, tão complicada sempre, que nem o sr. ministro da fazenda, que aliás é um distinctissimo mathematico, se entende com ella!

É por isso os direitos pautaes, mesmo os que não recáem sobre os artigos incluidos no tratado de commercio com a França, sáem hirtos nas suas unidades.

Com um pouco menos de mathematica... talvez se fizesse uma melhor pauta.

Mas emfim, continuemos.

Os pannos, cazimiras e cassinetas são agora tributados com 1$610 réis.

Este artigo foi, em fins de 1885, assumpto de controversia no conselho superior das alfandegas; o meu collega e amigo o sr. Aguiar deve lembrar-se bem d'essa discussão.

Resolveu-se então que o direito fosse de 1$500 réis. Foi quasi uma conquista a reducção d'este direito; e todos a final estavam de accordo; os proprios industriaes haviam transigido, e o commercio e o consumo muito tinha a lucrar.

Mas veiu o sr. ministro da fazenda, e propoz l$600 réis, logo após a commissão da outra camara 1$610 réis!

Francamente, acho um retrocesso.

A industria tem-se aperfeiçoado; com o direito de 1$5OO réis, póde bem luctar com a concorrencia estrangeira; rasão não ha para de novo o elevar.

E era a mim que se accusava de lançar na pauta impostos gravosos sobre os artigos de maior consumo!

Sobre as ligas e cintas e a obra de malha já os direitos de 1$500 réis e de 1$300 réis se não podiam reputar baixos.

Como meio de reprimir as fraudes que tão repetidamente se têem feito, mais convinha a reducção do que o augmento. Mas agora foi pelo augmento que se optou, elevando-se os direitos a 1$615 réis e a 1$405 réis, o que nem se póde justificar pelo estado das industrias, nem pelas conveniencias da fiscalisação aduaneira.

Pouco direi ácerca da classe 3.ª, que trata das sedas.

É certo que, ao presente, está decadente a industria da seda.

É sobremaneira restricto o movimento fabril, e mal podem os nossos productos competir com os estrangeiros.

Demais, quasi todos os artigos d'esta classe foram comprehendidos no tratado de commercio com a França; por isso nem a minha proposta do anno passado, nem a que ha pouco apresentou o sr. ministro da fazenda, podiam conter disposições importantes; a pouco mais se reduzem do que á juncção dos addicionaes.

N'esta parte, a commissão da outra camara, ainda em obediencia á tal formula a que me referi, fez ligeiras modificações nos direitos, mas, como era de prever, quasi sempre com o triste resultado de os tornar mais extravagantes. Assim o sr. ministro da fazenda propunha o direito de 270 réis para um artefacto; a commissão emendou para 288 réis. Propunha para outro 6$460; a commissão elevou-o a 6$467 réis.

O que era de 7$500 réis passou a ser de 7$795 réis. E por aqui se ficou a iniciativa parlamentar.

Francamente, não é d'este modo que pela revisão se melhora uma pauta.

Em relação á classe 4.ª algumas observações tenho a fazer pelo que toca ao fio branco. O direito que eu propunha era de 150 réis, o direito proposto pelo sr. ministro da fazenda, e que a outra camara votou, é de 235 réis.

Não vejo rasão para o augmento.

Creio antes que o estado da nossa industria é bastante prospero para que possâmos reduzir um pouco o direito. Isto não quer dizer que a minha tendencia seja contra a elevação dos direitos em geral, e muito menos contra a rasoavel protecção que á industria se deve. Não sou livre cambista. As minhas idéas fundamentaes em materia de pautas claramente as expressei no meu relatorio do anno passado. Mas entendo que a protecção tem por fim, não crear monopolios, antes sim habilitar as nossas industrias para o grande certamen da concorrencia.

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SESSÃO DE 6 DE AGOSTO DE 1887 853

Por isso a protecção deve ir diminuindo, á medida que as industrias vão ganhando alento e forças.

No direito de 150 réis sobre o fio branco de algodão, que é por si uma larga materia prima de industria, todos no conselho superior das alfandegas haviam concordado, depois de ouvidos e consultados os industriaes.

Os tecidos abertos pagam actualmente 1$100 réis; eu propunha 800 réis; o governo e a camara dos senhores deputados fixaram o direito em 1$180 réis, o que na verdade se me afigura exagerado.

Mas é sobretudo em relação aos tecidos tapados, aos algodões crus, que mais me afasto do projecto em discussão.

Foi tambem um dos assumptos mais vivamente debatidos no conselho superior das alfandegas.

Parece á primeira vista de somenos alcance, por que o direito actual é de 125, e com os addicionaes de 146,17 (se pela formula o calculo está certo) e propondo eu 140 réis, o governo 150 réis e a commissão da outra camara 160 réis, pequenas se afiguram as modificações. Pois são enormes, attendendo ao preço do artefacto e ás quantidades de importação. São taes que 10 réis, para mais ou para menos, bastam para affectar o commercio, a industria ou o consumo.

O movimento da importação, a partir de 1861, traduz-se n'estes algarismos:

Valores Direitos

Quintaes contos de réis contos de réis

1861 29:714 1:469,3 299,4
1865 18:449 1:565.3 186.8
1866 22:872 2:267 372,7
1867 26:531 1:910,5 372,7
1868 26:522 1:869,6 270
1869 25:419 1:452,3 258,6
1870 29:690 2:029,4 303,9
1871 25:998 1:737,5 323,7
1872 31:872 2:064,8 395,8
1873 35:973 2:586,7 448,3
1874 33:026 1:454,1 411,7
1875 37:545 1:647,7 468,7
1876 36:694 1:447,3 459,5
1877 38:571 1:444,2 481,7
1878 37:090 1:343,7 463,5
1879 33:575 1:138,2 419,7
1880 31:449 1:173,4 392,1
1881 33:502 1:208,9 417,5
1882 27:724 977,7 346,5
1883 27:776 985,6 347,2
1884 26:605 954,2 332,5
1885 30:982 1:044,7 387,2
1886 31:623 1:009,4 395,2

E agora pergunto: está hoje a nossa industria em circumstancias de precisar, não já que se mantenha o direito actual, mas que se eleve, a fim de poder concorrer com os artefactos estrangeiros?

Está porventura menos desenvolvida e aperfeiçoada do que estava ha alguns annos?

Evidentemente não está.

Viveu até 1873 com o simples direito pautal de 125 réis. E a importação do estrangeiro não era até então maior, antes menor do que foi de então por diante.

m 1873 estabeleceu-se a taxa complementar de 1/2 por cento ad valorem, que veiu acrescer áquelle direito. Mas não foi por especial reclamação d'esta industria que essa taxa se lançou.

Lançou-se por virtude de uma medida geral, como um tributo que recaía sobre todos os demais artigos da pauta; tributo nascido de uma conveniencia fiscal, e não da necessidade de singularmente proteger a nossa fabricação de pannos crus. Mas foi mais uma protecção.

Em 1880 elevou-se a taxa complementar a 20 por cento.

Foi ainda uma medida reclamada pelas urgencias do thesouro, e não pelas reclamações da industria. Essa continuava a viver. Mas foi mais uma protecção que ficou.

Em 1882 crearam-se os 6 por cento addicionaes.

Vieram incidir sobre quasi todos os impostos já existentes; acresceram, pois, aos direitos pautaes; esta industria nada havia reclamado; mas o augmento total do direito foi ainda uma protecção.

Pois então a fabricação dos pannos crus póde viver até 1873 com o direito de 125 réis; viu-se beneficiada com os successivos augmentos d'esse direito, sem nada reclamar, e agora, que tem progredido e medrado, é que precisa de um direito mais elevado? É claro que não precisa.

Com o direito de 140 réis tinha amplas condições de vida. E é absurdo dar a um fabrico uma protecção tão injustificada, quando os seus productos são materia prima indispensavel a outras industrias.

Quer v. exa. saber qual tem sido o valor medio d'estes tecidos? Eu tenho sempre um grande escrupulo em me referir a valores medios, porque infelizmente as nossas estatisticas não são perfeitas e por vezes as declarações que lhes servem de base podem distanciar-se algum tanto longe da verdade. Mas n'este caso, a differença não póde influir na conclusão a que vou chegar.

O valor medio estatistico dos pannos crus de algodão foi em 1882 de 352 réis e em 1885 de 338 réis, de fórma que em relação a este valor, o direito pautal representa uma protecção de mais de 37 por cento!

Pois não é absurdo elevar acima de 37 por cento a protecção a uma industria, que se acha em pleno estado de desenvolvimento, a uma das industrias cujos artefactos são mais bem acabados, e que entre nós mais se tem aperfeiçoado, em vez de reduzirmos tal protecção a limites rasoaveis, taes que, sem prejuizo para o thesouro nem para o consumo, essa industria possa progredir mantendo e sustentando a sua concorrencia com a fabricação estrangeira?

Ninguem com boas rasões o contestará.

Na classe 5.ª, em que me cumpria entrar e que trata do linho, começarei por me referir aos fios de juta, artigo a respeito do qual se propõe n'este projecto um novo direito, que eu estou longe de approvar.

Mas, sr. presidente, a camara desejará talvez que se dê a sessão de hoje por terminada, pois que só á ultima hora é que se deliberou que a sessão se prolongasse, e por isso, se v. exa. o deseja, ficarei com a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - Em vista das observações do digno par, dou por terminada a sessão.

A proxima sessão é segunda feira.

Ordem do dia, a continuação da que estava dada para hoje, ficando com a palavra reservada o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e trinta e minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 6 de agosto de 1887

Exmos. srs.: Antonio José de Barros e Sá; Condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, da Folgosa, de Margaride, de Paraty, da Praia e de Monforte, de Valenças, das Alcaçovas; Viscondes, de Benalcanfor, de Bivar, de Borges de Castro, de Carnide, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho; Adriano Machado, Agostinho Lourenço, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Antunes Guerreiro, Couto Monteiro, Oliveira Monteiro, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Testa, Pinheiro Borges, Barjona de Freitas, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de

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854 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Albuquerque, Costa e Silva, Margiochi, Ressano Garcia, Barro e Gomes, Henrique de Macedo, Jayme Moniz, Candido de Moraes, Ferreira Lapa, Holbeche, Valladas, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Sá Carneiro, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Seixas, Pereira Dias, Franzini, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Thomás de Carvalho, Calheiros e Menezes, José Pereira, Serra e Moura, Melicio.

Redactor = Carrilho Garcia.

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