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862 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Mas, sr. presidente, quando o estado das nossas colheitas for precario, será esse augmento um: beneficio para o paiz? Parece-me que não.

Pois sendo o milho um genero de primeira necessidade, e demonstrado como está que nós não produzimos tanto quanto o consumo exige, e muito menos quando as colheitas escasseiam, não será arriscado elevar em absoluto o imposto sobre o milho, que assim difficulta e encarece a alimentação publica?

Quantas vezes se têem os governos visto forçados a favorecer, e até a promover por meios directos a vinda de milho estrangeiro, por não o haver no paiz?

Porventura se pôde então, sem risco e sem responsabilidade, fixar absolutamente um direito tão alto? Se sobrevier uma crise em que seja necessario acudir á alimentação das classes pobres, será admissivel, será mesmo toleravel o pesado imposto de 14 réis por kilogramma? Porque então já não tem rasão de ser a idéa da protecção á agricultura, desde que, esta, esgotados os seus productos, apresenta ao consumo um deficit que forçoso é preencher, sob pena de reduzir á fome as classes mais indigentes.

Ê verdade que o governo pede, n'este projecto de lei, uma auctorisação para modificar os direitos dos cereaes, no intuito de sé precaver contra alguma eventualidade que se de e que possa mesmo fazer perigar a ordem publica. Mas, em primeiro logar, uma auctorisação é uma questão de confiança, e os grandes problemas economicos não podem ficar indefinidamente confiados á iniciativa e á resolução dos governos. E depois, ainda mesmo que todos confiássemos muito no actual governo, e tal confiança não posso eu ter, como a auctorisação subsiste apenas por um limitado praso, é claro que não resolve as difficuldades que possam sobrevir.

Do milho, passemos ao trigo.

Pelo que diz respeito aos direitos de importação d'este artigo nós temos a attender aos interesses da agricultura, aos da industria da moagem e aos do consumo.

A agricultura queixa-se amargamente de que sendo baixos os direitos sobre os trigos estrangeiros, impossivel lhe é manter a concorrencia, e portanto sustentar o amanho das terras, por isso que o seu trigo cada vez mais se depreciará. E contra isso pede ella aos poderes publicos que tomem providencias.

Tem rasão a agricultura?

N'esta parte tem, manifestamente.

Basta compulsar as estatisticas da importação do trigo nos seguintes annos:

Quantidade mil quintaes Valor contos de réis

1873 213 970
1875 688 3:320
1879 876 4:558
1882 1:973 5:569
1884 1:037 3:878
1885 1:024 3:578
1886 1:028 4:269

O que quer dizer este enorme augmento nas quantidades de importação?

Quer dizer que a nossa industria de moagens se tem exercido muito mais com os trigos vindos do estrangeiro, do que com os produzidos no paiz. Quer dizer que á medida que a importação dos productos alheios tem augmentado, menos se têem aproveitado os productos das nossas terras.

E para isto tem tambem contribuido a consideravel e relativa diminuição no valor e portanto no preço dos trigos estrangeiros, o que ainda mais dificulta a concorrencia dos trigos nacionaes, e os deprecia no seu valor de mercado. Essa diminuição bem patente se torna na estatistica que acabamos de ler.

Em 1875, os 688:000 quintaes que importámos, valiam 3:320$000. réis.

Em 1885, o valor de 1.024:000 quintaes era de .reis 3:5780000.

Em 1886, elevando-se a importação ácerca do dobro do que foi em 1875, o valor apenas se representava por uma differença a mais relativamente pequena, era de réis 4.269:000$000.

N'estes ultimos dez annos, o preço medio dos trigos estrangeiros tem notavelmente baixado.

Por um lado, o maior aproveitamento do trigo estrangeiro; por outro lado a baixa do valor medio da importação; tudo tem concorrido para que o nosso trigo não tenha sido devidamente aproveitado e esteja por um preço baixo; sem duvida pouco remunerador.

Tem pois rasão de queixa a agricultura em presença d'estes factos?

Tem evidentemente.

O que pede a agricultura para a sua vida, para o seu movimento e para a sua exploração?

Pede que se dê um preço remunerador aos productos do seu capital e ao seu trabalho. Para isso invoca-se a protecção da lei.

Ao lado da agricultura temos a industria.

A industria, essa subdivide-se; vae desde a moagem até á venda do pão; mas o elemento principal, a que mais temos de attender n'esta questão, para devidamente a apreciar, é a moagem; é este o elemento fabril mais importante.

Ora, o interesse da moagem está em que o trigo de que se serve de maior percentagem de farinha, maior lucro na revenda do producto depois de manipulado, e que este se accomode melhor ao gosto e paladar do consumidor e portanto á procura do consumo.

Para isso lhe é absolutamente indifferente que o trigo, como materia prima da moagem, venha do estrangeiro ou seja producção nacional. Aqui o patriotismo cede o passo ao interesse.

Temos, finalmente, o consumo, temos a questão do pão.

O consumidor deseja a boa qualidade dó pão e que o preço ou se mantenha ou baixe.

Nós já não podemos voltar ao tempo do pão escuro, porque hoje de certo já não seria acceitavel.

Ora, sendo estes os differentes pontos de vista a encarar, vejamos como sé póde resolver o problema, devendo eu pela minha parte observar que para mim o elemento mais attendivel de todos é o que respeita á vida da nossa agricultura

Eu confesso que fiquei tristissimamente impressionado com o que disse aqui o digno par, o meu amigo, o sr. Fernando Palha.

S. exa. concluiu, depois de um discurso cheio de resultados e de experiencias proprias, que não havia meio de resolver este problema, senão derramando a instrucção agricola e tornando barato o capital.

Ora, sr. presidente, eu tambem desejo a instrucção agricola e sobremaneira o capital barato para a agricultura, mas não basta essa justissima aspiração para de prompto se resolver o problema.

Se estivessemos á espera de que o nosso povo se instruisse agricolamente para que esse problema se resolvesse, entretanto muitos morreriam de fome.

O capital barato é sem duvida o novo desideratum, mas não é de resolução facil.

Eu vejo presente um amigo meu, que muito respeito, o digno par o sr. Andrade Corvo, que em 1867 fez uma tentativa verdadeiramente generosa no intuito de facultar capitaes baratos á nossa agricultura, por meio de bancos agricolas.

O fim era nobilissimo.

A sua tentativa representava uma alta aspiração social; mas não vingou por infelicidade de todos; e não vingou