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N.º 66

SESSÃO DE 8 DE AGOSTO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. ministro dos negocios estrangeiros justifica a ausencia do seu collega da fazenda. - Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 116, sobre a pauta geral das alfandegas. - Usa da palavra o digno par o sr. Hintze Ribeiro. Replica-lhe o digno par Pereira de Miranda, a quem succede no uso da palavra o sr. conde de Valenças. - Os dignos pares os srs. Franzini, Pinheiro Borges e Telles de Vasconcellos mandam para a mesa varios pareceres de commissões. - Levanta-se a sessão, designa-se a immediata e respectiva ordem do dia.

Á uma hora e meia da tarde, estando presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

Concedendo ao antigo parocho missionario da provincia de Moçambique, padre Bernardo Alves Valente, a titulo de recompensa pelos seus relevantes serviços, a congrua de 320$000 réis.

As commissões de fazenda e do ultramar.

Auctorisando o governo a emprestar á camara municipal de Lisboa a somma de titulos da divida publica na posse da fazenda, necessarios para a mesma camara caucionar emprestimos até á quantia de 600:000$000 réis.

A commissão de fazenda.

(Estava presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros e interino da marinha.)

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do parecer n.° 116, relativo a pauta

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Desejava declarar que o meu collega da fazenda, por motivo de serviço n'uma commissão parlamentar, não poderá talvez comparecer á sessão de hoje, e incumbiu-me de communicar que eu tomarei notas de quaesquer observações feitas durante o debate, ás quaes o governo tenha de responder, se por acaso o illustre relator não se considerar habilitado para esse fim.

O sr. Hintze Ribeiro (S. exa. não reviu): - Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a declaração que acaba de fazer, em nome do seu collega, o sr. ministro da fazenda.

De certo eu não tomaria á má parte a ausencia de s. exa., visto que tem sido sempre tão zelador dos seus deveres n'esta casa do parlamento, e em especial lhe devo a fineza das suas replicas ás observações que lhe tenho dirigido.

Sr. presidente, eu discutia a classe 5.ª da pauta, quando se interrompeu a sessão passada.

Sem mais preambulos, pois, visto não ser intuito meu demorar sem necessidade o andamento da discussão, proseguirei na corrente das considerações em que estava e me foi mister suspender então.

Na classe 5.ª da pauta referia-me eu aos fios de juta.

Pelo tratado de commercio com a França os fios de juta são passivos de um direito de 5 réis por kilogramma.

É claro que este direito não póde ser modificado para mais, emquanto esse tratado subsistir. Por isso, na minha proposta de lei do anno passado, eu consignava o mesmo direito de 5 réis, direito que é mantido, tanto na proposta do sr. ministro da fazenda, como no projecto de lei da outra casa do parlamento.

A lei de 22 de julho de 1885 estabeleceu que os fios de juta, quando tivessem linho, pagariam o mesmo direito de 5 réis. D'ahi vieram largos abusos, porque se fizeram passar como de juta os fios em que avultava sobretudo o linho, até ao ponto em que, por analyses a que se procedeu, se reconheceu em alguns casos entrar a juta no fio apenas com uma percentagem de 2 por cento.

É claro que isto representava um abuso, porque sobre o linho pesa o direito de 163 réis por kilogramma, quando a juta paga apenas o de 5 réis.

Mas o abuso não se dava só, valha a verdade, da parte dos importadores de fio de linho com juta; dava-se tambem na verificação e despacho.

A lei de 22 de julho de 1885 estabeleceu que os fios de juta contendo linho pagariam 5 réis; mas é evidente que desde que predominava o linho e não a juta, o direito devia ser o correspondente ao linho.

Para pôr cobro ao abuso, propoz a commissão de fazenda da outra camara a seguinte modificação: os fios de juta, contendo linho pagam 60 réis, e só os fios exclusivamente de juta pagam 5 réis.

Ora, pergunto eu: Esta modificação resolve a difficuldade?

Pela lei de 22 de julho de 1885 o que havia a apurar era se na juta predominava o linho, para que o producto se considerasse como fio de linho, ou se preponderava a juta, para que elle fosse como tal reputado.

Na primeira hypothese, devia applicar-se o direito do linho; na segunda, o da juta. Mas a destrinça considerou-se difficil na pratica, porque em muitas circumstancias seria quasi impossivel fazer uma perfeita verificação por meio da simples inspecção ocular.

No emtanto, com este projecto, subsiste a difficuldade da mesma fórma.

N'elle, a vantagem ou reducção do direito é para o fio de juta contendo linho, e não para o de linho contendo juta, persistindo conseguintemente a mesma difficuldade em descriminar qual a materia prima predominante, e portanto qual o direito a applicar, se o referente ao fio de linho, se o relativo ao da juta, havendo todavia uma grande margem entre um e outro direito.

Assim, defrontando-se com os mesmos obstaculos, quer a proposta por mim elaborada e pelo sr. ministro acceita, quer apresentada agora pela outra camara, não tenho du-

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vida em dizer que estimaria mais que se houvesse preferido a minha, porque ao menos proviria d'isso uma economia de tempo e de trabalho, evitando-se maior numero de dizeres na pauta, e de distincções na alfandega.

Ha dois artigos comprehendidos na classe 6.ª, que estão na pauta B do tratado de commercio com a França: são os artigos n.ºs 108 e 110, dos quaes o primeiro, segundo esse tratado, apenas devia pagar 20 por cento de direitos, e que pelo actual projecto, descontados os addicionaes, segundo o calculo do sr. relator da outra camara, pagará 21,38 por cento; e o outro, que pagava 25 por cento, 13 passará a pagar, afóra os addicionaes, e pelo mesmo calculo, 26,19 por cento.

Estará errado o calculo dos addicionaes? É possivel.

Mas o que é obvio é que, se o governo francez tivesse á mão o parecer da commissão da camara dos senhores deputados poderia vir com uma reclamação contra estes direitos.

Posto isto, sr. presidente, mais de espaço me tenho ainda de referir á classe 6.ª, que trata das madeiras.

Actualmente, por esta pauta, as vigas e vigotas, barrotes, barrotões, varas, paus e ripas, e bem assim as tábuas de madeira ordinaria, serradas, pagam direitos muito differentes. Assim:

As ripas (cada uma), 20 réis.

As varas e paus (cada um), 40 réis.

Os barrotes e barrotões (por metro), 20 réis.

As vigas e vigotas (por metro), 100 réis.

As tábuas, conforme a sua espessura (por metro), 10, 20, 30 e 40 réis.

Pela minha proposta de lei eu fundia n'um unico todos estes artigos e sujeitava-o a um só direito, ad valorem, de 20 por cento.

O dizer era: madeira não especificada, dizer que o sr. ministro da fazenda adoptou, elevando a percentagem, com os addicionaes, a que eu não attendia, e que s. exa. encorporou, a 23 por cento.

A commissão de fazenda da outra camara alterou, porém, uma e outra proposta, abandonando o direito ad valorem e voltando aos direitos especificos n'estes termos:

Barrotes, barrotões, varas, paus e ripas (cada uma), 37 réis.

Vigas, vigotas e pranchas até á espessura minima de 75 millimetros (por metro cubico), 1$060 réis.

Madeira ordinaria, serrada em tábuas ou folhas (por metro cubico), 2$300 réis.

Mas, sr. presidente, na minha opinião, um dos maiores erros que se podem consignar na pauta que discutimos é o da manutenção de direitos especificos no despacho das madeiras.

Isto não só torna o expediente moroso e difficil, como traz largos inconvenientes para a fiscalisação.

O lançamento dos direitos especificos sobre as madeiras obriga a verificações por medição, sempre contingentes e a miudo abusivas.

A verificação por medição, das madeiras importadas, ou se faz no mar ou em terra.

Ensaiou-se o primeiro systema.

A verificação a bordo devia ser feita por empregados aduaneiros competentes; mas como o pessoal dos empregados não abundava, e não convinha distrahil-o da alfandega, d'ahi resultou que muitas vezes se mandava para essa verificação um simples aspirante da alfandega, e outras até mesmo trabalhadores da companhia braçal, empregados inferiores, sem conhecimentos especiaes, e sujeitos á tentação e ás suggestões dos importadores.

Ninguem imagina como este serviço era feito e os inconvenientes que d'elle resultavam!

Não produzindo este systema bons resultados, passaram as verificações a ser effectuadas em terra, mas fóra da alfandega, formando-se no Aterro grandes medas de madeira, que ainda hoje estão pejando aquelle passeio, e para cuja medição se têem de destacar empregados, que assim se distrahem das suas regulares e assiduas funcções na alfandega.

Reconhecendo-se pois igualmente improficua esta medida, propuz eu no anno passado que os despachos se fizessem cobrando-se os direitos ad valorem, tornando-se assim mais rapido o expediente, de modo que a madeira possa saír directamente das embarcações para os estaleiros.

Diz-se que isso iria prejudicar a industria da serragem.

Ora, sr. presidente, eu entro em duvida se a industria da serragem está de tal modo desenvolvida entre nós e tem uma tão grande importancia que com o fim de a proteger devamos esquecer os abusos e inconvenientes que crescem á sombra da verificação feita pela fórma que deixei indicada.

Mas, a verdade é que nem esse argumento se póde com rasão oppor ao lançamento dos direitos ad valorem.

Porque tudo se póde harmonisar, estabelecendo-se dois direitos differentes; um, mais elevado, de 25 por cento, por exemplo, sobre a madeira serrada, importada do estrangeiro; outro mais baixo, de 20 por cento sobre a outra madeira não especificada.

Porque nem mesmo o inconveniente, que em geral têem os direitos ad valorem, qual o da simulação de valores nas facturas, é para receiar no que respeita ás madeiras, pelas especiaes circumstancias que se dão.

N'esta parte eu lembrarei o que escreveu um distincto empregado aduaneiro, o sr. Pinto de Magalhães, como relator que foi da minha proposta de reforma, de pautas.

No excellente parecer que s. exa. chegou a formular, ponderou o seguinte:

"As circumstancias especiaes d'esta importação não dão logar á simulação de valores falsos, de que resulte prejuizo para o thesouro, pois, sendo a maior parte das madeiras estrangeiras que consumimos procedentes da Suecia e da Noruega, e sendo a madeira n'estes paizes officialmente classificada e marcada, póde com precisão ser conhecida a qualidade, que é sem duvida a principal base para a apreciação do valor, o qual por contraprova se póde tambem conhecer pela importancia do seguro, do frete e do manifesto." _ _

Eu creio pois que, se nós adoptassemos o imposto ad valorem para as madeiras, aproveitariamos bastante.

Eu não desejo prejudicar nenhuma industria, portanto não desejo prejudicar a da serragem; mas desde que tudo se póde conciliar, vou abertamente para o lançamento dos direitos, que mais contribuem para a simplificação das verificações e para a brevidade dos despachos.

É bom, é até necessario, attender aos interesses da industria; o exagero não deve porém ir ao ponto de sobremaneira prejudicar o commercio e o consumo.

Com a madeira em obra dão-se factos realmente curiosos; hoje a madeira trabalhada para obras e edificações vem tão barata da America, da Noruega e da Suecia, que, ainda ha pouco, mandava um proprietario, que eu conheço, e que em differentes pontos tem mandado construir chalets, mandava vir portas já feitas e acabadas; cada porta com todos os seus pertences custava apenas l$500 réis! Mas sabe v. exa. o que aconteceu? Fizeram-lhe greve os operarios e nenhum se prestou a assentar as portas vindas do estrangeiro!

É uma nova especie de monopolio.

É o struggle for life da industria caseira, mas com pesado sacrificio para o consumo, que assim se vê obrigado a adquirir mais caro o que bem melhor e mais barato podia obter.

Ora, eu comprehendo a protecção á industria, mas como incitamento á melhoria dos productos, e como garantia de uma concorrencia proficua.

E da classe 6.ª passarei á classe 7.ª

N'esta começarei por me referir ao gesso calcinado e aos cimentos.

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O direito de importação do gesso calcinado é, ao presente, de 2,5 réis (com os addicionaes 3,82 reis); eu propunha que se baixasse a 1 real; porque este artigo, que aliás é importante e de bastante consumo, tem tido uma importação relativamente inferior, sendo em extremo elevado o direito que o onera.

A estatistica mostra o seguinte:
Quantidade – Kilogr. Valor – réis Direitos - réis

Importação em 1880 33:244 528$000 83$054
Importação em 1886 47:406 688$000 118$515

Por isso julgo que desde que este artigo fosse favorecido com um direito inferior, havia de vir em maior quantidade.

Pelo que toca ao cimento, de que no paiz já ha fabricas, e cuja entrada é ao presente livre, propunha eu o lançamento de um direito de 1,5 réis por kilogramma; o sr. ministro propoz 2 réis e a commissão de fazenda da outra camara elevou ainda mais o imposto, fazendo-o subir a 3 réis.

A importação d’este producto é sobremaneira valiosa, pela larga applicação que elle tem ás obras hydraulicas.

Importou-se:

Em 1885 — 10.320:178 kilogrammas com. O valor de 91:342$000 réis.

Em 1886 — 17.851:904 kilogrammas com o valor de 187:899$000 réis.

Crearam-se entre nós fabricas de cimento, e, julgando eu de manifesta conveniencia protegel-as, propuz que esse artigo, outr’ora livre de direitos, fosse tributado com 1 ½ réis. Mas d’aqui a estabelecer-se o dobro d’isto, francamente, acho prejudicial para o consumo. Nós não devemos ir sobrecarregar demasiado um producto que tem entre nós tão grande applicação.

Os nossos cimentes ainda por emquanto não estão em circumstancias de poder substituir absolutamente, e com vantagem, os melhores cimentos estrangeiros, o de Portland, por exemplo.

É para que a camara veja até onde vae o exagero no direito de 3 réis, que agora se propõe, basta observar que sendo de 8 réis o valor medio, estatistico, d’este producto, esse direito representa uma protecção de cerca de 37,5 por cento.

É por isso que eu prefiro muito a proposta que sobre este assumpto formulei, e não acceito o augmento que propõe o sr. ministro da fazenda.

D’aqui passarei ao carvão.

Por occasião de se discutir o imposto, que em-1880 foi lançado sobre este producto, por iniciativa do actual sr; ministro dos negocios estrangeiros, então ministro da fazenda, levantou-se na camara dos senhores deputados uma larga discussão dizendo-se que o carvão era a materia prima por excellencia de todas as industrias; e mais tarde repetidas reclamações se dirigiram aos poderes publicos, no intuito de abolir de vez o direito do carvão.

Eu ainda não tinha encetado a ardua tarefa de reformar as nossas pautas e já era vivamente instado, até no parlamento, para que propozesse a entrada do carvão livre de direitos, por ser isso de grandissima vantagem para as differentes industrias do paiz.

Effectivamente, na pauta que propuz isentava-se o carvão de qualquer direito.

Não se conformou inteiramente com este alvitre o actual sr. ministro da fazenda; s. exa. propoz a manutenção do direito de 400 réis para o carvão que fosse destinado ao gaz, por isso que se destinava a uma empreza que bem podia pagal-o; e bem assim parado carvão destinado á exploração dos caminhos de ferro, por ahi não subsistirem receios de concorrencia estranha; exceptuando estes dois casos, eximia de direitos todo o outro carvão que se applicasse ás industrias.

A commissão da camara dos senhores deputados estabeleceu primeiro em absoluto o imposto de 400 réis sobre todo o carvão.

Depois, creio que depois de larga discussão, reduziu esse imposto a 325 reis-

Quer v. exa. saber qual o argumento com que se contestou agora a liberdade de importação do carvão entre nós?

É o seguinte:

Fez-se um calculo pelo qual se concluiu que o encargo que pesava sobre todas as industrias do paiz por virtude do lançamento do direito de 400 réis sobre o carvão, era apenas de 62:661$275 réis por anno!

Eu acho extraordinario este calculo!

Como foi que se chegou a uma conclusão tão minuciosa que até ás unidades desceu?

Tomou-se por base o inquerito de 1881.

Ora eu devo dizer á camara que o inquerito, a que se procedeu em 1881, no tempo em que eu era ministro das obras publicasse que portanto foi da minha direcção e iniciativa, representa, pela larga copia de dados, informações e esclarecimentos que encerra, um grande auxilio para o estudo das questões economicas entre nós, para a apreciação do estado e do movimento das nossas industrias.

Mas, apesar d’esse inquerito ser um trabalho conscienciosamente feito, e, por isso, de grande e incontestavel importancia, está longe de significar uma estatistica completa da nossa labutação fabril, a ponto de por ella se poder aferir com inteira precisão um calculo, similhante ao que serviu de argumento contra a livre entrada do carvão..

É por isso que eu hão posso considerar rigorosamente exacta a conclusão a que por esse calculo se chegou, e mantenho a opinião de que seria de grande vantagem para as nossas industrias que o carvão ficasse livre de imposto.

Com relação agora a outro artigo, isto é, ás vasilhas de vidro, eu estou perfeitamente de accordo com a modificação que se fez.

Era na verdade uma anomalia considerar como taes só as vasilhas de vidro escuro, como até agora se fazia, para a applicação dos direitos, não estendendo esta classificação ás outras vasilhas por serem de vidro branco.

Se, porém, concordo com esta explicação no dizer, não concordo comtudo com o direito que por esta pauta se estabelece para esses productos, por isso que, sendo o seu valor medio de 39 réis, applicar-se-lhe um direito de 20 réis, o mesmo é que conceder uma protecção superior a 50 por cento.

As vasilhas de vidro pagam actualmente 5 réis, que com os addicionaes perfazem o direito total de 6,58; eu propunha 10 réis para animar a fabricação nacional, e era justo; mas, passar o direito de 5 a 20 réis, como a commissão da camara dos senhores deputados resolveu, acho demasiado.

Não se pense que este producto é pouco importante. A sua importação foi:

Kilogrammas Valor Direitos

Em 1885 1.703:165 66:324$000 8:511$941
Em 1886 1.800:354 68:019$000 9:001$770

E sendo o valor medio de 39 réis, a protecção concedida pelo direito de 20 réis ascende a mais de 50 por cento.

O exagero na protecção prejudica, pois, o consumo e a receita do thesouro.

Com relação á louça de barro de grés, a pauta actualmente em vigor estabelece differentes impostos:

Para a louça de barro fina, 100 réis por kilogramma.

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Para a louça de barro ordinario, 20 réis por kilogramma.

Para a louça de barro grés, fino, 75 réis por kilogramma.

Para a louça de barro grés, ordinario, 2,5 por kilogramma.

Na minha pauta eu incluia tudo isto n’um unico artigo, applicando-lhe o direito de 60 réis, e juntava n’um só todos estes dizeres, porque é difficil na verificação distinguir, em muitos casos, o que se deva entender por louça de barro ou de grés ordinario ou fino.

No projecto que discutimos só para a louça de barro acaba a distincção; essa e a de grés fino fica sujeita ao direito de 100 réis; à de grés ordinario entra nos productos ceramicos não especificados, com o direito de 2 réis.

Ora eu acho sobremaneira elevado o direito de 100 réis indistinctamente applicado a toda a louça de barro, e não acho conveniente a distincção estabelecida para a louça de grés.

Dito isto relativamente á classe 7.ª passarei por sobre a classe 8.ª que trata dos metaes, não porque seja menos importante, mas porque são pequenas as modificações que este projecto faz á minha proposta do anno passado, e essa foi então o resultado de largo estudo no conselho geral das alfandegas onde se procurou pôr cobro a muitas anomalias que ainda ao presente se davam na pauta em vigor.

Passarei, pois, a occupar-me da classe 9.ª «Substanciais alimenticias ».

Em primeiro logar depara-se-me ás considerações que tenho a fazer o artigo 180.°, relativo á manteiga.

Sobre este genero propunha eu 150 réis ide direitos; o sr. ministro da fazenda elevou-o, porém, a 185, direito que a commissão acceitou.

Evidentemente se não fosse difficil distinguir praticamente a manteiga de leite da manteiga de margarina, deveria aquella ser mais beneficiada do que esta, que não raro contem substancias menos apropriadas e nocivas á alimentação.

Mas a difficuldade é grande para a distincção dos dois productos n’uma rapida verificação aduaneira, e por isso ha vantagem na igualdade do direito.

N’esta parte acho que está bem p projecto. Mas o augmento de direito que se estabelecer agora, não irá prejudicar o consumo, ou pelo menos affectal.-o com o encare cimento de um producto que tem tão larga procura? Creio que sim.

De 1871 a 1885 a importação da manteiga variou entre 8,935 e 12,951 quintaes, attingindo 13,188 em 1880; os valores correlativos oscillaram entre 468:000$000 réis e 520:000$000 réis, chegando em 1880 a 712:000$000 réis. Q direito cobrado em 1885 produziu 175:000$000 réis.

Isto mostra o grande consumo que teve. Ora, sendo a manteiga, não direi um genero de primeira necessidade, mas um artigo sobre modo generalisado, pergunto: o augmento do direito respectivo poder-se-ha admittir sem inconveniente,?

Se, com a abundancia de pastos que temos no paiz, sobretudo ao norte, a industria da creação e engorda do gado vaccum tomasse entre nós maior incremento, poderiamos abastecer p nosso mercado de manteiga com grande vantagem da nossa propria saude, da industria agricola e do paiz.

Mas entre nós, sr. presidente, a industria da fabricação da manteiga é puramente incipiente, e por consequencia está muito longe de poder abastecer o enormissimo consumo que tem.

Ora, desde que a manteiga fabricada no paiz não chega para o nosso consumo, temos de a importar, e por isso entendo não ser de vantagem a elevação de direitos sobre este producto, porque reverterá em prejuizo dos consumidores.

Ha outro artigo d’esta classe, que é o da banha e unto, artigo que muito interessa principalmente á creação de gado suino na região do sul do nosso paiz.

O direito, .das gorduras não especificadas, que era de 50 réis e com os addicionaes de réis 60,81, elevava-o eu a 90 réis, tendo em vista proteger a creação de gado suino entre nós, e portanto auxiliar os nossos agricultores do sul; e esta foi tambem a taxa que o sr. ministro da fazenda adoptou.

A commissão de fazenda da outra casa do parlamento elevou-a porém a 100 réis. Ora em primeiro logar, ainda hoje este artigo é de grande importancia, conforme vou demonstrar. A importação dos dois ultimos annos foi:

Kilogrammas Valor Direitos

Em 1885 409:403 78:245$000 20:470$150
Em 1886 484:450 79:131$000 24:222$500

De fórma que com o lançamento do imposto de 100 réis a percentagem do direito de protecção ascende a mais de 50 por cento, o que reputo exagerado; por isso eu desejava que este artigo ficasse sujeito aos 90 réis, que eu propuz, e não a 100 réis, em que agora se tributa.

Dito isto, sr. presidente, ainda n’esta classe tenho de referir-me ao bacalhau.

O bacalhau tem um direito marcado no tratado de commercio com a Suecia; e esse direito é já bem elevado, pois que com os addicionaes representa mais de 50 por cento do valor medio do producto, que aliás é um artigo de largo consumo para os pobres.

Esta questão, porém, tem ainda uma outra face, por onde deve ser encarada; é a da pesca do bacalhau feita por navios nossos. O bacalhau vem dos bancos da Terra Nova não direi completamente fresco, mas com pequeno preparo, é aqui sujeito a um processo de seccagem; e só depois, é lançado no mercado, a par do bacalhau vindo do norte.

A este respeito algumas perguntas teria de fazer ao sr. ministro da fazenda; porém, como s. exa. não está presente, mas sim o sr. Barros Gomes, peço a s. exa. que depois as communique ao seu collega.

Em 1885, quando eu era ministro da fazenda, fui interpellado na camara dos senhores deputados sobre p desenvolvimento que estava tomando entre nós a exploração da pesca do bacalhau, mostrando se quanto isto affectava uma receita que, se bem me recordo, é na escala decrescente a terceira das mais importantes, perguntando-se-me quaes eram as providencias que eu tomava no intuito de garantir os interesses do thesouro. Isto deu logar a que pela; administração geral das alfandegas se expedisse um officio á alfandega do consumo, inquirindo-se-lhe qual o direito a que estava praticamente sujeito o bacalhau vindo no estado de quasi fresco.

A resposta foi que este bacalhau era collectado com o imposto do pescado, isto é, com o imposto de 6,9 réis, emquanto que o, bacalhau vindo do norte pagava, com os addicionaes 40,9 réis.

Ora, aqui ha um correctivo a fazer, e é que o bacalhau fresco pagava pelo peso do estado em que vinha, peso que fica consideravelmente reduzido depois de secco o bacalhau. Mas, ainda assim, a differença de 6,9 réis para 40,9 réis dá uma enormissima margem á especulação.

N’estas circumstancias, eu entendi dever consultar a procuradoria geral da coroa, ácerca do imposto, que deveria pagar o bacalhau pescado e trazido como fresco; se o imposto geral do pescado, se o imposto applicavel ao bacalhau de importação, ordenando ao mesmo tempo que se cobrasse por deposito, ou se garantisse por fiança, a importancia dos direitos correspondentes ao bacalhau, segundo a pauta. Isto deu logar a uma representação dos interessados, ponderando que os seus navios haviam saido, para a pesca, na fé de que só seriam collectados com 6,9 réis, e que portanto seria injusto, obrigal-os inopinadamente a pagar uma importancia superior.

A esta reclamação deferi eu, em 5 de setembro de 1885,

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mas em despacho meramente provisorio, e só até que, ouvida a coroa, eu podesse resolver definitivamente.

Instei logo com a procuradoria geral do corôa para que me desse o seu parecer sobre este assumpto, a fim de uma vez por todas poder determinar o direito a que tinha de ficar sujeito esse bacalhau. A consulta não se demorou. E nessa consulta a procuradoria geral da coroa, ponderando os argumentos que se podiam apresentar du um e de outro lado, concluiu, e concluiu sem hesitações, que o bacalhau pescado por embarcações nossas estava sujeito ao direito do bacalhau estrangeiro, e portanto ao de 40,9 réis, e não ao do pescado, que, como disse, é de 6,9 réis.

Assentado isto, consultei o conselho superior das alfandegas sobre o modo por que se deveria cobrar aquelle direito, attendendo a que o bacalhau que .entrava quasi como fresco tinha relativamente um peso muito superior ao do bacalhau que só era importado depois de perfeitamente secco, não sendo, portanto, justo collectar indistiuctamente um e outro pelo peso e á entrada, e devendo se pelo contrario harmonisar as cousas de uma maneira equitativa e sem prejuizo para ninguem.

A resposta foi que se deviam considerar como armazens alfandegados os depositos em que se recolhesse o bacalhau vindo como fresco, a fim de se lhe poder applicar o direito de 40,9 réis á saída, e já depois de secco.

Forte com a consulta da procuradoria geral da corôa e com a opinião do conselho superior das alfandegas, fiz então baixar uma portaria, com data de 21 de outubro de 1885, determinando ahi que o direito a que segundo a pauta estava sujeito o bacalhau secco, fosse applicavel a todo o outro bacalhau, nas condições que me haviam sido indicadas pelas estações competentes.

A portaria aqui está, posso enviai a ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, se s. exa. a quizer ler.

Diz o seguinte:

«Sua Magestade El-Rei, a quem foram presentes as duvidas suscitadas na alfandega de Lisboa, ácerca do direito applicavel ao bacalhau pescado por navios portuguezes nos bancos da Terra Nova;

«Considerando que o peixe de que se trata por ser importado em salmoura e escalado, está evidentemente comprehendido no grupo designado em o artigo 73.° da pauta geral das alfandegas, e sujeito á taxa de 3$350 réis por 100 kilogrammas;

«Considerando, porém, quanto é justo que nos mercados do paiz e na parte concernente ao imposto se colloque o bacalhau pescado por navios* portuguezes em circumstancias de igualdade ao que se importa já secco e preparado por maneira que entra immediatamente no consumo; o mesmo augusto senhor, conformando-se com a consulta da procuradoria geral da coroa, de 22 de setembro ultimo, e com a do conselho superior das alfandegas de 8 do corrente mez:

«Ha por bem permittir que ao mencionado producto seja applicada a referida taxa de 3$3õO réis por 100 kilogrammas, sómente depois de secco, no caso do importador solicitar esse beneficio, devendo considerar-se, para similhante effeito, como depositos alfandegados, os armazens ou seccadouros em que o peixe estiver arrecadado até ao momento de se realisar o despacho de importação.

«Paço, em 21 de outubro de 1885.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.»

Pouco depois, a associação commercial de Lisboa, sabendo que se tratava da reforma das pautas, dirigiu ao governo uma representação ponderando a conveniencia que havia em attender á industria da pesca do bacalhau, porque empregava embarcações nossas, e desenvolvia assim o nosso movimento mercantil e maritimo.

O conselho superior das alfandegas, tomando conhecimento d’essa representação, entendeu porém dever deixar á iniciativa do governo a resolução d’este assumpto por meio de um projecto de lei especial. E tencionava eu apresental-o, quando caíu o governo de que eu tinha a honra de fazer parte.

O que fez o actual sr. ministro da fazenda? Por uma outra portaria de 14 de abril de 1886, revogou, porque esta é a verdade, a minha portaria de 21 de outubro de 1885, e determinou que até que as côrtes tomassem uma resolução definitiva sobre o assumpto, se voltasse a applicar ao bacalhau, vindo como fresco o direito geral do pescado, e portanto 6,9 réis por kilogramma.

Essa portaria tambem aqui está e a ella me tenho de referir, por isso que os seus considerandos, a meu ver, destoam bastante da rigorosa exactidão dos factos.

Começa a portaria n’estes termos:

«Attendendo ao que a Sua Magestade El-Rei representou a associação commercial de Lisboa ácerca da pesca de bacalhau por navios e pescadores portuguezes;»

A associação commercial tinha, é verdade, formulado, em absoluto, o desejo de que o direito do pescado fosse applicavel ao bacalhau importado em fresco, quando este fosse transportado por navios da nossa praça e tripulados por gente portugueza; mas isto sem distincção de determinados navios ou pescadores; nunca foi intento seu excluir uns e contemplar outros, como logo veremos que fez o sr. ministro da fazenda. E tanto que se exprimia assim:

«Por tudo quanto fica exposto pretende esta associação que a pesca do bacalhau é uma industria que, alem da sympathia que naturalmente inspira, pelo arrojo dos que nella se occupam, tem proporções para tomar subida importancia no paiz, concorrendo em alta escala para o emprego de valiosos capitães e de grande numero de braços; mas o seu lado ainda mais meritorio é a animação que d’ella resultaria para a navegação mercante portugueza, hoje reduzida a um estado tá o decadente que a praça de Lisboa apenas conta 27 navios de vela para navegação no alto mar; e por isso não duvida a associação emittir o voto de que muito seria para desejar que, a bem dos interesses geraes do paiz, a referida industria continuasse a viver ao abrigo da legislação anterior á portaria de 21 de outubro.»

E a isto acresce que a propria associação commercial indo ao encontro dos justos receios que podia haver de que desenvolvendo-se a pesca do bacalhau entre nós, isso cerceasse consideravelmente os redditos do thesouro, pela diminuição no producto dos direitos de importação do bacalhau estrangeiro, propunha a seguinte transacção:

«Se o governo, porém, receiar que por esse modo o conveniente equilibrio - das finanças publicas possa soffrer, a associação em ultimo caso indicaria que ao menos fosse concedida uma protecção representada no pagamento do direito de 10 réis por kilogramma de peixe verde, conforme se tira do porão do navio, direito que equivale proximamente a metade do de 33,6 réis estabelecido pelo artigo 73.° da pauta para o genero estrangeiro; e acha preferivel que o direito fosse referido ao estado verde, pelas dificuldades de verificação a que daria motivo a referencia ao estado secco.»

A associação commercial de Lisboa já pois concordava em que o direito sobre o bacalhau fresco se elevasse a 10 réis, á entrada o que equivalia a 16,7 réis depois de secco.

Mas o pensamento do sr. ministro da fazenda era muito outro, como vamos ver pela continuação da portaria, que segue assim:

«Tendo em vista que não ha legislação precisa e clara sobre o assumpto, e que não estando expressamente revogado o decreto de 6 de novembro de 1830, se presta este diploma a varias interpretações, como foi reconhecido pela procuradoria geral da corôa, em consulta de 22 de dezembro de 1885; podendo entender-se que o mesmo decreto, dando-se ás suas disposições a maxima amplitude, comprehende, na generalidade dos seus preceitos benéficos, a pescaria feita por navios portuguezes no mar largo, em paragens longinquas ou nas costas maritimas de paizes estrangeiros;

«Considerando que, visto ser esta uma das interpreta-

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coes plausiveis do citado decreto, d’ahi resulta que, emquanto o poder legislativo não resolve, como se torna indispensavel, poderá ser applicado á mencionada pesca o imposto de que trata o decreto n.° 5 de 7 de dezembro de 1864 e legislação subsequente:»

Sr. presidente, a procuradoria geral da corôa não hesitou nas suas conclusões, não entendeu que o caso fosse omisso, ou que da legislação em vigor se podessem inferir desencontradas soluções.

Ponderou os argumentos que de um e de outro lado se poderiam formular, para fundamento de opinião, como em geral faz com relação a qualquer assumpto importante, rebatendo uns e acceitando outros, chegou á conclusão terminante de que o bacalhau pescado por navios nossos embora trazido como fresco, estava sujeito ao mesmo direito que pesa sobre o bacalhau estrangeiro.

O dizer da portaria não é, pois, exacto; é mero artificio para chegar a uma conclusão differente.

Continuemos, porém.

Diz ainda a portaria:

«Ha por bem o mesmo augusto senhor restabelecer provisoriamente, até decisão das côrtes, as ordens dimanadas do despacho de 5 de setembro de 1885} para que, sobre o valor do bacalhau pescado por navios portuguezes seja cobrado o imposto do pescado e respectivos addieionaes, em vez da taxa da pauta de importação.»

Assim, a resolução que eu tomara em 21 de outubro de 1885, ficou no esquecimento.

O que o sr. ministro da fazenda fez reviver foi um simples despacho meu, interlocutorio, o de 5 de setembro de 1885, despacho que caducara uma vez tomada aquella resolução.

Sómente a s. exa. não convinha dar como existente essa resolução, contraria ao seu intuito, e por isso foi restaurar um despacho que só de momento tivera rasão de ser, e que de ha muito cessára de produzir effeito.

Para que? Para chegar á seguinte conclusão da sua portaria:

«Ficando, porém, limitada esta providencia apenas aos navios que no anno de 1880 andaram empregados n’aqnella pesca, ou que o tenham requerido até 31 de março preterito, e só ao bacalhau que se apresentar fresco, em salmoura, ou simplesmente salgado e ainda não secco; cumprindo, ás alfandegas, nos termos ordinarios, fiscalisar a possivel exactidão dos valores declarados, que integralmente e sem deducção alguma serão a base da cobrança do referido imposto e seus addicionaes.

«Paço, em 14 de abril de 1886. = Marianno Cyrittc de Carvalho.»

Ora, sr. presidente, isto significa- realmente mais um monopolio que o sr. ministro da fazenda pretendeu estabelecer entre nós; a mesma industria da pesca quando feita em determinados navios portuguezes, e exercida por determinadas pessoas, está sujeita a um imposto de 6,9 róis, õ imposto geral do pescado; quando feita em outros navios, aliás portuguezes tambem, e exercida por outras pessoas, embora para identica especulação, está sujeita a um imposto muito diverso, muito mais elevado, o de 40,9 réis. preceituado na pauta para o bacalhau estrangeiro.

E isto justo? É isto admissivel? Não ó.

E um monopolio que se constitue em favor de uns e em detrimento dos demais, á sombra de uma differença de impostos tão consideravel como a que se dá entre 6,9 réis e 40,9 réis para a mesma unidade de peso.

Pois se uns, pescando, embora com a bandeira portugueza, são obrigados a pagar o direito referente ao bacalhau estrangeiro, quando outros, nas mesmas circumstancias, só são collectados com um direito muito menor, que outra cousa póde isto significar senão um monopolio?

E, o que é mais notavel, um monopolio creado por uma simples portaria do governo!

Porventura, desde que entre nós ha o regimen constitucional, viu-se nunca cousa identica ou analoga nas leis do nosso paiz?

Jamais, por certo.

Porem, o effeito d’essa portaria dizia-se provisorio até que as camaras providenciassem definitivamente sobre este assumpto.

Desejo, pois, saber agora qual o direito que fica pagando o bacalhau pescado em navios da nossa praça: é o que a pauta estatue para o bacalhau estrangeiro ou o que recáe sobre a pesca do peixe fresco nas nossas costas?

É necessario resolver isto de um- modo preciso e claro, saindo-se de um estado de cousas que, provisorio como é, estabelece todavia um monopolio em favor de certas e determinadas pessoas.

De passagem direi que esta industria tanto não correspondeu aos seus fins, que o bacalhau estrangeiro, sem embargo de tal concorrencia, continuou a ser importado em larga escala, como o prova a seguinte estatistica:

Kilogrammas Valor Direitos

Em 1885 23.010,898 1.720:280$000 755:350$000
Em 1886 23.754,821 1.796:164$164 795:786$503

De onde claramente se infere que a importação augmentou, e que, portanto, o bacalhau pescado por embarcações da nossa praça não pôde fazer concorrencia apreciavel ao bacalhau estrangeiro.

Em todo o caso, sr. presidente, o que é indispensavel é que de uma vez para sempre se saiba qual é o direito a que fica sujeito o bacalhau pescado pelas nossas embarcações e vindo ainda por seccar.

Dito isto, passarei d’esta a uma outra questão não menos importante, qual a dos cereaes.

O digno par e meu amigo o sr. Fernando Palha declarou-se nesta camara como competente, na- sua qualidade de lavrador % experimentado, para entrar neste debate. A mim falta-me a auctoridade que provem da experiencia de s. exa.; só tenho o conhecimento e a informação que me dá o estudo dos factos; mas havendo apresentado uma pauta no anno passado, é dever meu ter opinião em tão momentoso assumpto; isso é o que eu vou expor á camara.

Primeiramente, e antes de tudo, é necessario conhecer os elementos desta questão, sob o ponto de vista pautai; para isso temos que attender aos cereaes em grão e aos cereaes em farinha. Vejamos, pois, quaes são os direitos consignados na pauta em vigor, quaes os direitos que eu propuz, quaes os que propoz o sr. ministro da fazenda e quaes as alterações que ás propostas de s. exa. fez a camara dos senhores deputados.

Comecemos pelos cereaes em grão.

Pela pauta actual, e não olhando aos addicionaes, paga: o trigo 10 réis, o milho e o centeio 9 réis, a cevada e a aveia 8 réis.

Na minha proposta do anno passado, juntando-a esses direitos os 6 por cento addicionaes e a taxa complementar de 2 por cento ad valorem, limitei-me a arredondar as cifras do imposto, sem todavia as sobrecarregar.

Assim com os addicionaes, e segundo o proprio calculo da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, o direito sobre o trigo elevava-se a 11,88 réis; eu propuz 12 réis. E similhantemente propuz para o milho s e centeio 11 réis; para a cevada e aveia 10 réis. Em cada um dos direitos s penas mais 2 réis sobre o direito principal, attendendo aos addicionaes que lhe acresciam.

O sr. ministro da fazenda, na sua proposta deste anno, juntou todos estes cereaes sob a denominação de «cereaes em grão», e marcou-lhes indistinctamente, encorporando todos os addicionaes, o direito de 13,5 réis.

A commissão da camara dos senhores deputados elevou ainda o direito sobre o trigo de 13,5 a 15 réis, conservando para todos os outros cereaes o direito de 13,5 réis.

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SESSÃO DE 8 DE AGOSTO DE 1887 861

E finalmente, em virtude da discussão ali, foi pela propria, camara augmentado este direito de 13,5, passando a ser de 14 réis.

No projecto que hoje discutimos, o direito é, para o trigo, de 15 réis por kilogramma, e para os outros cereaes de 14 réis.

Isto no que respeita aos cereaes em grão. Agora, as farinhas.

A farinha de trigo tem actualmente o direito principal de 16 réis que, com todos os addicionaes, sobe a 18,81 réis. Eu propunha o direito de 17 réis, que, descontados os addicionaes que eu incorporei, representava um pouco menos do que aquelle direito principal de 16 réis (approximadamente 15,05 réis).

As farinhas de milho e centeio pagam peia pauta actual o direito de 11 réis (14,3 comidos os addicionaes). Eu arredondava esse direito, fixando-o com os addicionaes que lhe juntei, em 13 réis, o que correspondia-a una direito principal de 11,01 réis.

As farinhas de cevada e aveia estão ao presente sujeitas ao direito principal de 9 réis, que, com todos os addicionaes, sobe a 10,57 réis. Eu arredondava-os para 10 réis o que, tirados os addicionaes, correspondia ao direito principal de 8,79 réis.

O sr. ministro da fazenda propoz, indistinctamente para todas as farinhas, o direito de 20 réis, o que correspondia, descontados os addicionaes, a um direito principal de 16,4 réis. A canora dos senhores deputados elevou a 22 réis o imposto-total sobre as farinhas.

Corollarios: eu arredondava os direitos sobre os cereaes em grão, elevando-os um pouco; arredondava os direitos sobre as farinhas, baixando-os um pouco.

O sr. ministro da fazenda englobou os cereaes em grão, englobou as farinhas, e elevou consideravelmente os direitos tanto sobre aquelles, como sobre estas. A camara dos senhores deputados ainda elevou mais os direitos propostos. O sr. ministro da fazenda, passando de 13,5 réis para 15 réis o do trigo em grão, e para 14 réis o dos outros cereaes em grão; e passando de 20 para 22 réis o direito sobro todas as farinhas.

E portanto, a margem de protecção á industria das moagens, margem resultante da differença entre o direito do trigo em grão e o da farinha de trigo, que actualmente é de 6,93 réis, e que pela minha proposta baixava a 50 réis, tornava a subir pela proposta do sr. ministro da fazenda a 6,5 réis, e maior ficou ainda pela votação da camara dos senhores deputados, subindo 7 réis.

Isto, tendo em attenção os cálculos de addicionaes formulados pela propria commissão de fazenda, da camara dos senhores deputados.

Não discuto aqui se esses addicionaes estão ou não bem calculados. Para o que eu tenho a dizer sobre o assumpto, isso é pouco mais que, secundario.

O que fica apurado, servindo de base os proprios elementos que são fornecidos pelo governo e pela commissão de fazenda da outra casa do parlamento; o que se conclua por uma fórma, irrecusavel, é que ha um augmento, e sobremaneira importante, não sómente nos direitos sobre os cereaes em grão, como tambem nos direitos sobre as farinhas.

Posto isto, começarei pelos cereaes menos importantes: o centeio, a cevada e a aveia. Eu digo menos importantes, porque a importação d'elles é mais pequena, e porque a exportação é quasi nulla. Assim, por exemplo, a importação do centeio em grão foi, em 1835, apenas de 56:024 kilogrammas, com o valor de 1:175$000 réis, cobrando-se de direitos 503$217 réis.

No mesmo anno, a importação da aveia foi ainda menos consideravel; apenas de 2:081 kilogrammas, no valor de 5l$000 réis, produzindo o direito 16$648 réis.

Está claro que não são artigos cuja importação tenha largo alcance.

Já não acontece o mesmo com a cevada em grão pelo que se vê dos seguintes dados estatisticos: a importação foi, em 1885, de 3.333:156 kilogrammas, no valor de 78:017$000 réis, ascendendo os direitos a 26:664$193 réis.

Dos cereaes em grão este é, pois, um dos mais importantes.

Agora as farinhas.

De farinha de cevada não houve importação; a de centeio foi de 2:538 kilogrammas, no valor de 158$000 réis, produzindo o imposto 26$686 réis; a de aveia não passou de 5:863 kilogrammas, com o valor de 160$000 réis, dando para o thesouro 52$767 réis.

E pelo que toca á exportação, foi de todo o ponto insignificante, não excedendo a da cevada em grão 22:153 kilogrammas com o valor de 940$000 réis.

Por consequencia, tanto a importação como a exportação do centeio e da aveia é de tão pequena importancia, que embora o direito seja muito elevado pela proposta que discutimos, isso não influe consideravelmente no nosso problema economico, se bem que por isso não deixe de julgar em extremo elevado o direito que se lhes pretende impor á entrada, e que representa para o centeio em grão 70 por cento sobre o valor, e em farinha 35 por cento; para a aveia em grão 58 por cento e em farinha 81 por cento.

No que respeita, porém, á cevada em grão, como acabo de mostrar, se importa em grande quantidade, acho injustificavel a elevação do direito de 8 a 14 réis por kilogramma, quando a estatistica accusa um valor medio de 23 réis.

D'isto, passemos á questão do milho.

Esta é já uma questão de grave e avantajado interesse.

A importação do milho, de 1874 a 1886, foi a seguinte:

Quintaes Valores contos de réis

1874 37:027 137
1875 158:821 670
1876 484:369 1:720
1877 208:864 758
1878 154:642 450
1879 825:378 2:072
1880 456:918 1:353
1881 203:178 643
1882 212:983 709
1883 281:328 782
1884 417:380 1:080
1885 175:872 416
1886 157:412 316

O que significam estas enormes oscillações de anno para anno, de 1874 para 1876, de 1878 para 1879 e de 1884 para 1886?

Significam que variando sobremaneira a producção das nossas terras, e portanto o resultado das nossas colheitas, as exigencias do consumo determinaram a necessidade de importar do estrangeiro, uma quantidade de milho, ora muito grande ora muito menor, mas sempre avultada.

É facto que se importa bastante milho para as fabricas de distillação, mas em relação ao consumo total não me, parece que essa importação tenha uma grande importancia.

Ora, sendo isto assim, pergunto: póde o estado, sem risco grave e atravez de qualquer contingencia, elevar o imposto sobre o milho em grão de 9 a 14 réis?

Por um lado parece ser isto uma protecção á nossa agricultura.

O milho tem baixado de valor lá fóra, e baixado bastante; e, para que o nosso milho possa snpportar a concorrencia do milho estrangeiro, a agricultura pede que o direito se eleve.

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Mas, sr. presidente, quando o estado das nossas colheitas for precario, será esse augmento um: beneficio para o paiz? Parece-me que não.

Pois sendo o milho um genero de primeira necessidade, e demonstrado como está que nós não produzimos tanto quanto o consumo exige, e muito menos quando as colheitas escasseiam, não será arriscado elevar em absoluto o imposto sobre o milho, que assim difficulta e encarece a alimentação publica?

Quantas vezes se têem os governos visto forçados a favorecer, e até a promover por meios directos a vinda de milho estrangeiro, por não o haver no paiz?

Porventura se pôde então, sem risco e sem responsabilidade, fixar absolutamente um direito tão alto? Se sobrevier uma crise em que seja necessario acudir á alimentação das classes pobres, será admissivel, será mesmo toleravel o pesado imposto de 14 réis por kilogramma? Porque então já não tem rasão de ser a idéa da protecção á agricultura, desde que, esta, esgotados os seus productos, apresenta ao consumo um deficit que forçoso é preencher, sob pena de reduzir á fome as classes mais indigentes.

Ê verdade que o governo pede, n'este projecto de lei, uma auctorisação para modificar os direitos dos cereaes, no intuito de sé precaver contra alguma eventualidade que se de e que possa mesmo fazer perigar a ordem publica. Mas, em primeiro logar, uma auctorisação é uma questão de confiança, e os grandes problemas economicos não podem ficar indefinidamente confiados á iniciativa e á resolução dos governos. E depois, ainda mesmo que todos confiássemos muito no actual governo, e tal confiança não posso eu ter, como a auctorisação subsiste apenas por um limitado praso, é claro que não resolve as difficuldades que possam sobrevir.

Do milho, passemos ao trigo.

Pelo que diz respeito aos direitos de importação d'este artigo nós temos a attender aos interesses da agricultura, aos da industria da moagem e aos do consumo.

A agricultura queixa-se amargamente de que sendo baixos os direitos sobre os trigos estrangeiros, impossivel lhe é manter a concorrencia, e portanto sustentar o amanho das terras, por isso que o seu trigo cada vez mais se depreciará. E contra isso pede ella aos poderes publicos que tomem providencias.

Tem rasão a agricultura?

N'esta parte tem, manifestamente.

Basta compulsar as estatisticas da importação do trigo nos seguintes annos:

Quantidade mil quintaes Valor contos de réis

1873 213 970
1875 688 3:320
1879 876 4:558
1882 1:973 5:569
1884 1:037 3:878
1885 1:024 3:578
1886 1:028 4:269

O que quer dizer este enorme augmento nas quantidades de importação?

Quer dizer que a nossa industria de moagens se tem exercido muito mais com os trigos vindos do estrangeiro, do que com os produzidos no paiz. Quer dizer que á medida que a importação dos productos alheios tem augmentado, menos se têem aproveitado os productos das nossas terras.

E para isto tem tambem contribuido a consideravel e relativa diminuição no valor e portanto no preço dos trigos estrangeiros, o que ainda mais dificulta a concorrencia dos trigos nacionaes, e os deprecia no seu valor de mercado. Essa diminuição bem patente se torna na estatistica que acabamos de ler.

Em 1875, os 688:000 quintaes que importámos, valiam 3:320$000. réis.

Em 1885, o valor de 1.024:000 quintaes era de .reis 3:5780000.

Em 1886, elevando-se a importação ácerca do dobro do que foi em 1875, o valor apenas se representava por uma differença a mais relativamente pequena, era de réis 4.269:000$000.

N'estes ultimos dez annos, o preço medio dos trigos estrangeiros tem notavelmente baixado.

Por um lado, o maior aproveitamento do trigo estrangeiro; por outro lado a baixa do valor medio da importação; tudo tem concorrido para que o nosso trigo não tenha sido devidamente aproveitado e esteja por um preço baixo; sem duvida pouco remunerador.

Tem pois rasão de queixa a agricultura em presença d'estes factos?

Tem evidentemente.

O que pede a agricultura para a sua vida, para o seu movimento e para a sua exploração?

Pede que se dê um preço remunerador aos productos do seu capital e ao seu trabalho. Para isso invoca-se a protecção da lei.

Ao lado da agricultura temos a industria.

A industria, essa subdivide-se; vae desde a moagem até á venda do pão; mas o elemento principal, a que mais temos de attender n'esta questão, para devidamente a apreciar, é a moagem; é este o elemento fabril mais importante.

Ora, o interesse da moagem está em que o trigo de que se serve de maior percentagem de farinha, maior lucro na revenda do producto depois de manipulado, e que este se accomode melhor ao gosto e paladar do consumidor e portanto á procura do consumo.

Para isso lhe é absolutamente indifferente que o trigo, como materia prima da moagem, venha do estrangeiro ou seja producção nacional. Aqui o patriotismo cede o passo ao interesse.

Temos, finalmente, o consumo, temos a questão do pão.

O consumidor deseja a boa qualidade dó pão e que o preço ou se mantenha ou baixe.

Nós já não podemos voltar ao tempo do pão escuro, porque hoje de certo já não seria acceitavel.

Ora, sendo estes os differentes pontos de vista a encarar, vejamos como sé póde resolver o problema, devendo eu pela minha parte observar que para mim o elemento mais attendivel de todos é o que respeita á vida da nossa agricultura

Eu confesso que fiquei tristissimamente impressionado com o que disse aqui o digno par, o meu amigo, o sr. Fernando Palha.

S. exa. concluiu, depois de um discurso cheio de resultados e de experiencias proprias, que não havia meio de resolver este problema, senão derramando a instrucção agricola e tornando barato o capital.

Ora, sr. presidente, eu tambem desejo a instrucção agricola e sobremaneira o capital barato para a agricultura, mas não basta essa justissima aspiração para de prompto se resolver o problema.

Se estivessemos á espera de que o nosso povo se instruisse agricolamente para que esse problema se resolvesse, entretanto muitos morreriam de fome.

O capital barato é sem duvida o novo desideratum, mas não é de resolução facil.

Eu vejo presente um amigo meu, que muito respeito, o digno par o sr. Andrade Corvo, que em 1867 fez uma tentativa verdadeiramente generosa no intuito de facultar capitaes baratos á nossa agricultura, por meio de bancos agricolas.

O fim era nobilissimo.

A sua tentativa representava uma alta aspiração social; mas não vingou por infelicidade de todos; e não vingou

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SESSÃO DE 8 DE AGOSTO DE 1887 863

porque o credito precisa de garantias, e as alfaias agricolas não foram consideradas como uma garantia segura.

Permittiu-se então que as misericordias fundassem bancos agricolas, que emprestassem dinheiro aos lavradores sobre a garantia das alfaias agricolas, as quaes ficavam-na mão do proprio lavrador e que podiam ser destruidas, resultando d'aqui o desapparecimento de similhante garantia.

A medida naufragou.

Então basta que formulemos o desejo de que haja capitaes baratos?

Não basta.

Se vamos esperar que as condições do nosso credito barateiem até o ponto de se poder estender á agricultura em condições acceitaveis para ella, tarde ou nunca veremos o problema resolvido.

Não basta, pois, a meu ver, fallar-se no derramamento da instrucção agricola, não basta fallar-se no barateamento dos capitães para que possamos nutrir a esperança de aplanar as difficuldades em que uma tão complexa questão ao presente se enreda.

E necessario mais alguma cousa, é preciso attingir uma medida mais efficaz.

Estará o meio na elevação do direito que pesa sobre o trigo em grão que vem do estrangeiro?

Bastará augmentar esse direito, para annular a concorrencia estrangeira ao trigo nacional?

Se eu me convencesse de que bastava isso, francamente declaro que votaria essa medida, ainda mesmo que o consumo encarecesse; mas não me convenço de que seja esse o remedio.

Sr. presidente, esta questão tem sido tratada em todos os parlamentos, e eu não sei de homem politico que com mais auctoridade e com mais rude desprendimento a trata-se que o principe de Bismarck.

O que elle disse no parlamento allemão, quando ahi era violentamente atacado por defender a elevação dos direitos sobre o trigo estrangeiro, parece especialmente applicavel a Portugal.

Dizia elle, com aquella rudeza de phrase e sinceridade de opinião que o caracterisam:

"Temos conseguido proteger muito; os salarios augmentam. Ha prosperidade sob este regimen, com excepção da agricultura... Em todos os ramos, de ha cincoenta annos tudo tem augmentado tres vezes. Os nossos vestuarios, pagamos tres vezes o que pagavamos ha cincoenta annos. Só o producto agricola está no mesmo preço, mesmo mais baixo do que ha cincoenta, trinta ou vinte annos annos; na agricultura só uma cousa tem subido: as despezas de producção, os impostos que são elevados. Como póde pretender-se que o agricultor tenha prosperado? E paciente, cala-se e por isso o têem esquecido. Os bons enfants nada exigem e por isso nada lhes dá. O deputado diz que o estado nada póde fazer ao agricultor; isso quer dizer: morra a agricultura, porque a resistencia será inutil contra as concorrencias ruinosas; comprar-se-ha as terras a preço vil, e os compradores não poderão resistir. O que faz o estado? Esmaga a agricultura com os seus impostos e outras contribuições. É possivel que uma tal situação continue? Quanto a mim, penso que o estado deve reparar uma injustiça, e fazer pagar pelo estrangeiro, lançando um imposto sobre as importações d'este ultimo."

E quando o accusavam de ter mudado de opinião, dizia Bismarck com a aspereza que lhe é peculiar:

"Mr. Remberger esforçou-se por me pôr em contradicção commigo mesmo, citando antigos discursos meus; era bem inutil, nem isso altera em cousa alguma a situação. Ha muita gente que em toda a sua vida nunca teve mais do que uma idéa; esses nunca estão em contradicção, mas eu não pertenço a esse numero; pelo contrario, eu aprendo sempre."

E quando lhe diziam: "Mas se augmenta o preço o trigo, augmenta o preço do pão," exclamava Bismarck:

"Eu desejo que o preço augmente; eu acho até necessario que suba. Sim, ouvi, e não percaes uma palavra; é necessario que se ouça."

Perfeitamente de accordo; as palavras de Bismarck gostosamente rapetiria eu, se me convencesse que em Portugal, como na Allemanha, o meio era esse. Não me convenço porém de que assim seja, e vou dizer por que.

Que trigo produzimos nós?

Na maxima parte, trigos rijos.

Que trigos se moem nas nossas fabricas?

Na maxima parte, trigos molles.

Trigos molles, que mandam vir do estrangeiro.

Nestas circumstancias, é evidente que não está o remedio na elevação dos direitos sobre o trigo estrangeiro, porque se mais caro o recebem, mais caro o vendem; e não deixam de mandar vir o trigo estrangeiro, porque não estão montadas, nem em circumstancias de poder, com vantagem moer o trigo nacional.

Traduz-se, por consequencia esse augmento de direitos no augmento do preço do pão, sem correspondente beneficio para a nossa agricultura.

E emquanto houver uma margem igual á que já hoje existe, e ainda mais á que hoje se propõe, entre o direito do trigo e o dá farinha, as fabricas, não podendo moer o nosso trigo rijo, e não tendo nada a receiar da concorreu, da das farinhas estrangeiras, hão de continuar, como já disse, a mandar vir o trigo molle estrangeiro, embora lhe custe mais caro.

Se mais caro comprasse, mais caro venderia.

Sabe v. exa. o que d'aqui resulta?

Um manifesto conflicto entre a agricultura e a industria da moagem. A agricultura debalde pede protecção, para que lhe acceitem os seus productos, a industria da moagem continúa a não lh'a acceitar.:

Não será a industria da moagem uma industria como, qualquer outra e a que tambem se deve protecção?

Por certo que é, e merece-a realmente, mas em termos rascaveis, nunca por fórma que em conflicto aberto com a, nossa agricultura, que bem mais importante é para o paiz, hajamos de sacrificar esta, deixando-a á merce das fabricas de moagem.

Esse conflicto não resolve, como me parece ter demonstrado com a medida aqui proposta, isto é, com uma simples elevação nos direitos do trigo em grão, pois que as fabricas de moagem, acobertadas com uma parallela devoção sobre os direitos da farinha estrangeira, e desaffrontadas assim de qualquer estranha concorrencia, continuarão a desaproveitar o trigo nacional que é rijo, e a mandar vir ò trigo estrangeiro que é molle, visto que é esse o que pelos seus machinismos e processos de industria estão habilitados a moer, e dirão como ao presente que o trigo rijo só dá pão escuro que o consumo já não acceita, e que se o preço da farinha encarece, a culpa é do estado que lança pesados tributos sobre a importação, do trigo que mais convem para o nosso pão.

E desde que o conflicto se não resolve por essa fórma, necessario é procurar uma solução efficaz.

Qual é? É a que naturalmente resulta do que tenho expendido. E reformar a nossa industria de moagem, fazendo com que os actuaes machinismos e processos sejam substituidos por outros mais adequados, de modo que, sem prejuizo do consumo se possa moer o trigo rijo.

É isto impossivel? Não é, póde até conseguir-se com vantagem, pois que, segundo as proprias declarações do sr. ministro da fazenda, e segundo informações pue pude colher, o trigo rijo póde dar uma farinha tão alva como o trigo molle, e em percentagem igual e até superior á do trigo americano, porque ao passo que a d'este é geralmente de 75 por cento, a do nosso trigo rijo póde ser de 82 por

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cento. Tudo depende das machinas a empregar, e dos processos fabris a seguir.

Onde está, pois, resolução do problema?

Está em remodelar os apparelhos e o systema de moagem, e só n'isto.

Como alcançar essa remodelação?

Será promovendo o agrupamento de um certo numero de lavradores do nosso, paiz, com o fim de manterem uma fabrica destinada a moerem trigo nacional em condições de ser acceito?

Não o creio, e não creio, porque cada um tem o seu modo de vida, um lavrador difficilmente se resolve a converter-se n'um industrial. São diversos os seus habitos, é outro o seu campo de exploração.

Será então montando o estado uma fabrica, por sua conta, e fazendo assim concorrencia com os trigos rijos ás fabricas actuaes?

Eu francamente não acceito a bem que o estado seja fabricante; não é esta a sua missão; sempre que se possa, pois, deixar a industria, á iniciativa particular, se me afigura sobremaneira conveniente.

Mas não sendo tambem este o meio de conseguir o desejado fim, qual será?

Poderia o estado, sem propriamente montar uma fabrica por sua conta, auxiliar todavia uma empreza, constituida no especial, intento de aproveitar para a farinação os nossos trigos rijos, e auxilial-a com uma determinada garantia de consumo, como por exemplo a da padaria militar?

Francamente, não julgo isso sufficiente; acredito pouco em que, com esse mero expediente, se alcance das demais fabricas de moagem a reforma dos seus processos e dos seus machinismos.

Mas emfim qual será o meio?

O meio está, a meu ver, na margem entre o imposto do trigo e o da farinha.

Por essa margem ser grande, e desaffrontar completamente da concorrencia estrangeira as nossas fabricas de moagem, é que estas têem podido dictar a lei á agricultura. Na modificação d'essa margem está para o governo a mais poderosa arma de que se póde servir para obrigar as fabricas a collocar-se em circumstancias de, no seu proprio interesse, poderem ir buscar os trigos nacionaes, de preferencia aos estrangeiros, para materia prima da sua industria.

E para este ponto chamo eu muito especialmente a attenção do sr. ministro da fazenda.

A margem entre o imposto do trigo e o da farinha, é actualmente, como principiei por demonstrar, de 6,93 réis por kilogramma; pela minha proposta seria de 5 réis, e por este projecto consoante vem da camara dos senhores deputados é de 7 réis.

Ora, emquanto as fabricas tiverem uma margem de 7 réis, entre o imposto do trigo e o da farinha, será impossivel conseguir d'ellas que reformem o seu systema de moagem, de modo que possam moer o trigo nacional, em logar do que vem do estrangeiro.

Nenhum interesse tem n'isso.

Pode, á primeira vista parecer que o remedio não está na diminuição d'essa margem, porque se acaso se baixar muito o imposto sobre as farinhas, o resultado, será importarem-se as farinhas do estrangeiro, acabando-se assim toda a espectativa de lucro para o trigo nacional; por que, emfim, hoje, ainda que pouco e mal, este trigo é aproveitado; vindo as farinhas do estrangeiros, cessaria de todo a sua procura.

Mas é que eu não quero abastecer o nosso mercado com as farinhas estrangeiras: quero tão só criar um estimulo bastante forte para que as nossas fabricas se remodelem no seu systema de moagem, para que collocadas no dilemma de, perante um direito elevado sobre o trigo estrangeiro em grão, e um direito menos protector sobre ás fabricas estrangeiras, - ou teimarem em manter os seus actuaes, processos de fabricação, e então verem a ruina á porta, pois que só poderiam moer o trigo molle estrangeiro que lhes saía caro, e não se habilitavam a moer com vantagem o trigo rijo que tinham de casa, sendo-lhes assim impossivel concorrer com as fabricas estrangeiras, que em larga escala viriam; ou pelo contrario, e no seu proprio interesse, fazerem um sacrificio de momento, mandarem vir outras machinas e lançarem mão de novos processos, moendo o nosso trigo rijo, dispensando-se assim de recorrer ao trigo estrangeiro, que lhes sairia mais caro, e podendo depois, tendo por si e não contra si a agricultura do paiz, invocar, e com rasão o valimento dos poderes publicos, na sua concorrencia com as farinhas estrangeiras; collocadòs n'este dilemma, digo, obtem por este segundo alvitre, e não mais insistam na insustentavel pretensão de ao seu interesse de agora sacrificarem o interesse bem mais attendivel da agricultura portugueza.

Nenhuma indisposição me leva, é claro, a fallar assim das nossas fabricas de moagens: representam uma industria, e uma industria necessaria; mas para que essa industria seja verdadeiramente proveitosa ao paiz, e bem mereça a protecção do estado, é forçoso, é indispensavel, que os interesses em justa harmonia se coadunem com os da nossa agricultura.

Para isso, já que voluntariamente se nos prestam a dar os necessarios passos, que o estado as encaminha para o que eu reputo do interesse de todos.

E esse é precisamente um dos fins da pauta: regular a concorrencia, de fórma que convenientemente se estabeleça; e facilitar o benefico aproveitamento das nossas forças economicas mais vitaes.

Por isso eu perguntaria ao sr. ministro da fazenda se a auctorisação que s. exa. pediu ao parlamento no que toca á modificação dos impostos sobre os cereaes, n'uma especie de escala movel, e sem augmentar a protecção sobre as farinhas, estrangeiras, se inspirou na ordem de considerações, que eu acabo de expender, e que se me afiguram de todo o ponto justas.

S. exa. não está presente, e por isso me não póde responder, mas em todo o caso a minha opinião fica franca e sinceramente consignada.

Deixando a questão dos cereaes, referir-me-hei apenas de passagem a alguns direitos lançados sobre diversas substancias alimenticias, e, entre ellas, sobre o arroz, que, conforme leio, fica pagando de direitos 86 réis, quando pela minha proposta só pagaria 20 réis.

Eu desejava perguntar ao sr. ministro da fazenda se n'estes 36 réis está incluido o real de agua, pois não o vejo consignado na tabella D. Não sendo assim, é consideravel a differença dos direitos.

S. exa. não póde Contestar quanto é prejudicial a cultura do arroz entre nós, pois que apresentou uma proposta de lei tendente a lançar um pesado e progressivo imposto sobre essa cultura, consoante as zonas em que ella só desse.

Mas, por outro lado, vi augmentar os direitos sobre o arroz estrangeiro, e ir animar ainda mais a sua cultura no paiz, e portanto contrariar a idéa que se acha no seu projecto de lei.

Ha ainda n'esta classe, alguns direitos que eu reputo excessivos. Assim, a favaj que actualmente paga 9,5 réis, passa a pagar 13,5 réis; mais 50 por cento de augmento. As feculas, para que eu propunha o direito de 50 réis, ficarão oneradas com 60 réis, e ainda, e á parte, se estabelece uma taxa de 90 réis sobre o amido em pedra.

Deixando, porém, esses artigos, referir-me-hei á questão do assucar.

Ao presente, os artigos concernentes ao assucar expressam-se d'esta fórma:

Assucar refinado 120 réis (140,05 com os addicionaes).

Assucar não refinado 90 réis (100,49 com os addicionaes).

Ora, sr. presidente, esta classificação é manifestamente

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insustentavel, em primeiro logar, porque em Portugal não ha propriamente refinações de assucar, e em segundo logar porque o assucar mais limpo que importamos, vem preparado segundo os processos mais novos, que não são os da refinação.

E já v. exa. vê que, não havendo assucar refinado aqui ou importado de fóra, não se comprehende que se estabeleça um direito especial e mais elevado para o refinado e outro mais baixo para o não refinado.

Para, até certo ponto, obviar a este absurdo, adoptou-se entre nós o systema da classificação por typos, segundo a escala hollandeza. Até um determinado typo, o assucar pagava a taxa inferior; d'este typo para cima ficava sujeito á taxa mais alta.

A verificação do assucar para os effeitos d'esta classificação deu, porém, resultados sobremaneira divergentes e arbitrarios. Porque, entre typos muito distanciados, era relativamente facil a destrinça, entre typos similhantes extremamente difficil. E por isso praticamente se levantaram muitas contestações que á evidencia demonstraram quanto o systema era contingente na sua base.

E a consequencia foi abandonar-se esse systema, dando isso logar a que todo o assucar, com insignificantissimas excepções, fosse classificado como não refinado, pagando o direito mais baixo.

É o que a estatistica mostra nos seguintes termos:

Quantidade Kilogrammas Valor Réis

1885 assucar refinado 23:804 2:964$000
1885 assucar não refinado 22.550:798 1.625:148$000
1886 assucar refinado 10:840 1:378$000
1886 assucar não refinado 24.151:299 1.715:095$000

Por isso eu propunha no anno passado que o assucar vindo do Brazil pagasse 90 réis, e todo o outro 100 réis. Era este, sr. presidente, um meio que eu adoptava, e, a meu ver, de largo alcance pelo que dizia respeito ao commercio, e até mesmo á navegação para o Brazil.

O sr. ministro da fazenda, porém, resuscitando a questão dos typos, propoz que o assucar areado pelo systema portuguez pagasse 140 réis, o assucar superior ao typo 20 da escala hollandeza 120 réis, e o não especificado no réis. A commissão de fazenda da camara dos senhores deputados junta os dois primeiros dizeres em um só artigo com o direito de 135 réis, e manteve os no réis para o assucar não especificado.

Eu continuo a dizer que acho praticamente impossivel uma rigorosa distincção dos assucares apresentados a despacho, sobre a base dos typos da escala hollandeza, e que isso dará como unico resultado o entrar a quasi totalidade do assucar como não especificado, e portanto, com o direito mais baixo.

Pelo que toca ao assucar vindo do Brazil, o sr. ministro da fazenda não acceitou para elle a fixação desde já de um direito inferior, limitando-se a pedir uma auctorisação que o habilite a reduzir a 100 réis o direito sobre o assucar d'essa proveniencia, se, em consequencia das negociações em que entrar a esse respeito com o Brazil, obtiver em troca concessões que nos sejam favoraveis.

Convenho em que seria para nós de muita vantagem o poder obter do Brazil, a troco de uma reducção na taxa do assucar, beneficios importantes para o nosso commercio, para a nossa industria, ou mesmo para as nossas letras.

Bem desejaria eu que o Brazil fizesse comnosco um tratado sobre propriedade litteraria ou uma convenção sobre marcas de fabricas; mas a experiencia e as tentativas de muitos annos, poucas esperanças me dão de o conseguirmos, e por isso como a maior importação, do, assucar d'aquella procedencia, não beneficia só o Brazil, mas muito directamente aproveita ao nosso paiz, mais, acertado me pareceria estabelecer-se a reducção na pauta independentemente de quaesquer negociações, em que, francamente, tenho pouca confiança.

Tratemos agora do café.

Os direitos consignados, na pauta actual, sobre-o café, são: sobre o café torrado 140 réis, que com os addicionaes se elevam a 150,13 réis; eu propunha 160 réis, o governo, e com elle a outra camara, propõe 240 réis; sobre o café em grão, 120 réis, com os addicionaes 136,43 réis; eu fixava o direito em 130 réis, o sr. ministro da fazenda propoz 140 réis, a commissão de fazenda da, outra camara 150 réis, e a final votou-se ali que o proveniente do ultramar pagasse 80 réis, e todo o outro 150 réis.

Estes direitos, são na verdade elevados em relação a um genero de tão largo consumo.

Afigura-se-me que fora mais vantajoso e economico baixar antes um pouco e dentro de certos limites os direitos estabelecidos n'este artigo.

Pelo que toca ao café torrado, a differença é consideravel pois que eu propunha 160 réis e a taxa foi elevada a 240 réis.

Mas, como a camara sabe não é esta importação que tem valor, pois quasi todo o café vem simplesmente em casca ou descascado.

Em 1886 o valor do café torrado que se importou não foi alem de 699$000 réis.

Mas sobre o outro café a elevação a 150 réis, não dando sequer ao café do ultramar o beneficio dos 50 por cento de reducção, é que realmente se torna pesado. Porque tão grande é o consumo que os direitos cobrados em 1885 attingiram 173:000$000 réis.

Em relação ao azeite de oliveira, estou perfeitamente de accordo, em que cessando o tratado de commercio com a Hespanha, onde se estipulou o direito de 500 réis se eleva a 700 réis, protegendo-se, assim o azeite de producção nacional.

A camara sabe que quando negociámos o tratado de commercio com a Hespanha fizemos concessões mutuas.

Obtivemos vantagem na questão das pescarias, em troca estabelecemos impostos relativamente mais moderados sobre o aceite de oliveira.

Findo o tratado, não ha rasão para que esses impostos se mantenham, quando do seu rasoavel augmento provem mais larga remuneração para a nossa agricultura.

Pelo que diz respeito ao alcool, tambem estou de accordo na auctorisação que pede o sr. ministro da fazenda, de até á proxima sessão parlamentar, poder se necessario for, alevantar o direito actual para assim defender a nossa industria, e muito especialmente o ramo mais importante da cultura nos Açores, contra uma possivel invasão do productos allemães determinada pelo draubuck ultimamente concedido a esses productos.

O que eu espero é que s. exa. estudará seriamente no intervallo das sessões parlamentares o grave problema da fabricação do alcool entre nós, a fim de sobre elle podermos, com inteiro conhecimento e elementos de apreciação, tomar mais tarde uma definitiva resolução.

Por agora o que havia de urgente era defender a industria e a agricultura no caso do dranwack allemão pretender avassallar os nossos mercados.

Da classe IO.3 pouco direi; apenas farei referencia ao papel de escrever que hoje paga, com os nddicionaes, 117,59 réis, direito que o sr. ministro da fazenda, eleva a 120 réis, e para que eu estabelecia uma distincção que me parecia ser a mais apropriada, separando o papel continuo e em rolo, que sujeitava ao imposto de 60 réis, do papel cortado que pagaria 100 réis.

Isto no intuito de obstar á fraude, que em prejuizo das nossas fabricas e do thesouro, se tem introduzido de mandar vir o papel por cortar, como só não fôra para escrever, pagando assim apenas o direito de 10 réis, mas cortando-o depois, e vendendo-o como papel de escripta.

Vejo que o alvitre por mim proposto não, foi acceito

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pelo governo, o que realmente sinto, por se me representar de verdadeiro alcance pratico.

Ainda com respeito ao papel pintado observarei quanto é exagerado o direito que se propõe.

O direito actual, com os addicionaes, é de 62,41 réis;, eu fixava-o em 60 réis; o sr. ministro da fazenda propoz 65 réis; a commissão de fazenda da outra camara 70 réis, e a final o que ali se votou foram 90 réis.

A protecção assim concedida ás nossas fabricas é realmente exagerada.

Na classe 1 L.º, pelo que toca aos tabacos, abstenho-me de fazer algumas, considerações, por este artigo estar sujeito a uma lei que ha de ser discutida brevemente aqui.

Relativamente á pauta de expor tacão, muito desejára eu que de todo se abolisse o direito que onera a saida dos nossos vinhos, que seguramente constituem um dos nossos mais importantes ramos de commercio.

Facilitar o seu desenvolvimento seria ao mesmo tempo animar a nossa vinicultura e dar força a uma das mais copiosas fontes de riqueza no paiz.

Ainda ha dois anhos era grande a procura dos nossos vinhos por parte da França, com decidida vantagem para nós.

N'este ultimo anno essa procura diminuiu bastante, é verdade, mas devemos ver que por causas especiaes e de occasião.

A colheita foi larga, mas de menos boa qualidade, sendo que, por este motivo, e por se acharem já abertos os nossos portos e os da França ás procedencias da Hespanha e da Italia, tendo cessado já o perigo do cholera morbus, bem como pelo alto preço que pelos seus vinhos pediram ao principio os lavradores, e talvez por se ter suspeitado de alguns vinhos, embora poucos, haviam sido viciados no anno anterior, o certo é que os vinhos d'este ultimo anno têem estado, na sua maior parte, sem venda. E se alguns ultimamente se venderam, foi por preço bem differente dos que se obteve em 1885.

Em resumo, e para concluir, sr. presidente, eu enteado que n'uma revisão de pautas, que prende com todas as questões economicas e com os interesses não só da agricultura, mas da industria e do commercio, devemos attender aos elementos mais importantes da nossa producção e do nosso consumo.

Pelo que toca á agricultura, estimaria muito ver desenvolvida entre nós a creação dos gados, o que seria de incontestavel vantagem para o paiz e que, alem da carne, nos daria productos tão apreciaveis como a lã, a gordura, a manteiga.

Em relação aos nossos vinhos, desejaria que essa cultura podesse prosperar, acabando-se com o direito de exportação que ao presente pesa sobre elles.

A producção dos nossos cereaes muito em attenção a devemos ter, curando pelos meios mais praticos, do seu justo aproveitamento e remuneração.

Para os chamados generos coloniaes a indispensavel protecção, como incitamento ao trabalho e ao cultivo mais nossas possessões.

Para as nossas industrias, a necessaria protecção tambem, sobretudo para as que têem fundas raizes entre nós, e nos ramos de producção que mais interessam á nossa prosperidade economica, quando sem essa protecção não possam sustentar a concorrencia e desenvolver-se. Mas sempre nos rasoaveis limites de uma concorrencia regular e leal, porque sem ella nem as industrias se apeafeiçoam, nem a riqueza se desenvolve. E sempre tendo em vista os legitimos interesses do commercio e do consumo.

Pelo que toca ao thesouro, eu não me abalançaria a propor uma pauta que fosse inteiramente proteccionista ou inteiramente livre cambista, porque nem sempre uma elevação de impostos produz maior receita para o thesouro e nem sempre o abaixamento d'elles se traduz n'um prejuizo e n'um desfalque.

As pautas aduaneiras têem forçosamente de ser opportunistas. Não podem inspirar-se em principios absolutos. Formulam-se em harmonia com as circumstancias peculiares ao viver economico do paiz a que se apropriam.

Tenho dito.

O sr. Franzini: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de marinha.

Foram a imprimir.

O sr. Pereira de Miranda (relator): - Declara que a sua missão está muito simplificada, e que vae responder ao orador precedente, só por consideração para com s. exa., visto como este nem outros dignos pares haviam discordado da idéa fundamental do projecto, porém unicamente de alguns dos seus accidentes.

Sustenta depois que a auctorisação pedida pelo governo a fim de poder decretar novas instrucções preliminares de pauta, em vez de ampla, é pelo contrario limitada, e não offerece perigo algum, ponderado que essas instrucções cumpre organisal as ao conselho superior de commercio, o qual, pelo seu caracter integerrimo jamais fôra capaz de dar o seu voto a que se inserisse na pauta quaesquer disposições menos convenientes.

Quanto a outra auctorisação, attinente a ser organisado o quadro do pessoal das alfandegas, igualmente a dá por limitada, attento se tratar apenas de adoptar esse pessoal, segundo melhor convier ao serviço, pois que em algumas alfandegas é elle excessivo, quando n'outras está sacrificado a um movimento extraordinario.

Relativamente a considerar o sr. Hintze Ribeiro a elevação dos direitos sobre o gado vaccum como um aggravamento para a carne do consumo do paiz, faz ver que essa elevação tem unicamente por intuito equiparar o nosso direito ao da pauta hespanhola, sendo todavia que poderá ser alterado, ao negociar-se um novo tratado de commercio com a Hespanha.

Examina qual a importancia da importação e exportação do gado vaccum nos ultimos annos, inferindo que o commercio d'este artigo tem desapparecido, por se abastecer a Inglaterra de carnes vindas da America.

Lê depois varios documentos e faz diversas reflexões, a fim de provar que o imposto sobre o carvão, sem affectar nenhuma ordem de interesses, nos dá uma receita de réis 90:000$000.

O mesmo processo observa relativamente ao imposto sobre o assucar, justificando o que ácerca d'este artigo de consumo dispõe a pauta.

Sm seguida ventila rapidamente a questão do alcool, dando por acertadas as medidas que o projecto adopta para a cobrança dos seus respectivos direitos.

Reportando-se ao imposto do milho e trigo, afigura-se-lhe ser este um problema sobremodo complexo e a que não poderá nunca dar solução unicamente a pauta.

Discreteia largamente ácerca do valor da terra e do genero, concluindo por elle ter sensivelmente descido.

Remata, emfim, alludindo ao nosso vinho, feito ainda segundo os processos antigos, ao revez dos vinhos hespanhoes, já fabricados a sabor dos consumidores e preferidos em todos os mercados; bem como ao nosso azeite, cuja carestia entende não poder competir com a barateza do azeite de outras nações, estando por isso tambem este genero de commercio tão depreciado entre nós.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Valenças: - Sr. presidente, pela primeira vez ergo hoje a minha voz n'esta casa, e em circumstancias difficeis, porquanto fallo depois do sr. Hintze Ribeiro, homem de grande illustração, que foi meu discipulo e é agora meu mestre, e igualmente depois do sr. Pereira de Miranda, cuja competencia, em questões aduaneiras é assás reconhecida: eis porque não começarei, sem que primeiro peça venia aos meus dignos collegas n'esta casa do parlamento.

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Tão illustres são as suas tradições, de tal peso os nomes dos proceres, de quem tenho a honra de ser co-legislador, que eu me furtaria a um dever, se não fizesse appello á sua benevolencia, impetrando-lhes a attenção que a propria generosidade e policia urbana me podem conceder, mas que certamente não mereço. É o que faço.

Senhores, temos em discussão a reforma das pautas.

Depois da ultima organisação alfandegaria haviam nascido tantas industrias novas, e peiorado as circumtancias de tanta outra, acrescendo a urgencia de reger e augmentar as receitas publicas, que de ha muito se esperava uma reforma aduaneira, e que a melhor seria a que viesse por completo dar satisfação ás necessidades economicas, mercantis e agricolas, que nos ultimos dez annos se têem experimentado em Portugal.

Assim, começarei louvando ao sr. ministro da fazenda por haver trazido ao parlamento esta sua reforma. Já o seu illustre antecessor mostrára a conveniencia d'ella, argumentando com as modificações tributarias, leis especiaes e novos tratados feitos com as nações estrangeiras; o que tudo havia enredado a pauta, fazendo-a prolixa, desconnexa, difficil na applicação. É certo que a edição pautal de 14 de setembro de 1885, abrangendo as prescripções do ultimo tratado de commercio com a França, havia reunido em tomo essas modificações e leis, coordenando, simplificando. Mas, o que não podia uma compilação, ainda que methodica, era fazer alterações consoante ás necessidades publicas, consoante aos principios da boa administração, isto é, os que se inspiram no movimento social moderno, onde um outro mundo, ao envez do antigo, de tantas especies de industrias e um grande commercio transformaram as condições da vida local de cada povo e as da vida da Europa em geral.

N'estes intuitos, eu o creio, e os factos o demonstram, não tendo sido discutida a reforma das pautas de 6 de fevereiro de 1886, trouxe o sr. Marianno de Carvalho, com as propostas de fazenda, a sua reforma aduaneira.

Senhres, a presente reforma, ainda que, no dizer de s. exa., em seus traços principaes, seja modelada pela do seu antecessor, é intuitivo que em muitos e importantantes, maxime depois do estudo e emendas nas commissões de fazenda das duas camaras, é intuitivo, repito, que ao presente differe não pouco do projecto que veiu ao parlamento em 1886.

A necessidade de augmentar a receita do estado, razão fiscal; a necessidade de proteger a industria da nação da concorrencia das industrias similares estrangeiras, direitos protectores; e a conveniencia de simplificar serviços, para a melhor cobrança e arrecadação dos dinheiros publicos, administração; estas as tres razões principaes e unicas que explicam as dissimilhanças e differenças.

Comecemos pela ultima: conveniencia de simplificar serviços.

Foi esta a causa por que o sr. ministro da fazenda, como elle proprio declara, eliminou das pautas os generos isentos de direitos de importação e onerados tão sómente com o imposto de 2 por cento ad valorem (artigo 1.° § 3.° da lei de 26 de junho de 1883), para os descrever em tabella especial, onde agora estão reduzidos a setenta e dois artigos; foi esta rasão por que fez agrupamentos dos outros productos que pagam os direitos geraes especificos ou ad valorem, para melhor os classificar, reduzindo destarte, em seu projecto, os artigos da pauta a 331. (Supprime 330 da pauta vigente e 109 da proposta de 1886; no projecto da commissão da camara dos deputados ficam aquelles 331 reduzidos a 321). Finalmente, foi ainda pela conveniencia de simplificar serviços que adoptou o principio da unidade das taxas, concentrando todos os addicionaes n'um direito unico, facil de conhecer pela simples inspecção.

Estas reformações, que uma vez feitas, trazem á lembrança a anecdota do ovo de Colombo; são todavia importantes.

Realisando-as, o sr. ministro da fazenda facilitou as transacções do commercio, pois assim nem é difficil a contagem dos direitos; é breve o despacho das mercadorias, sendo de facil conhecimento o quantitativo do imposto sobre cada uma d'ellas. Fôra em parte iniciado um tal systema pelo seu illustre antecessor. E, como já disse, aconselhado a boa administração, porque favorece o expediente das casas fiscaes, a brevidade dos despachos e a prompta documentação da receita. Foi de justiça o ampliar igual preceito ás mercadorias originarias de paizes com quem celebrámos tratados de commercio, e nas quaes separou, especificando-as, as taxas contratadas do addicional para emolumentos e imposto para portos.

Ainda que eu não esteja pelos tratados de commercio, é certo, emquanto vigorarem, que devem ser cumpridos. N'este assumpto, verse claramente, pela proposta n.° 4, não terem sido offendidas as convenções diplomaticas. E a demonstração encontra-se no procedimento de s. exa. explicado no seu relatorio, onde é para louvar a lhaneza por que desce a estas minucias.

Foi este o systema empregado para simplificar os serviços, e com o proposito de conseguir a boa administração aduaneira.

Emquanto ás idéas economicas, que dominam a nova pauta, é dever confessar que foram as idéas proteccionistas. S. exa. declarou hontem n'esta casa que fôra opportunista. É certo; mas opportunista protector. N'este ponto folgo de ter ensejo mais uma vez para louvar o meu illustre amigo, porquanto, quer em seu primitivo projecto da pauta, ou acceitando das commissões emendas importantes, muitas das quaes foram o assumpto de representações dirigidas ao parlamento, n'esta parte, repito, o sr. ministro da fazenda quiz favorecer, animar, desenvolver o trabalho portuguez; isto é, a industria, a agricultura, o commercio e a navegação nacional, cobrindo-os directamente contra a concorrencia do trabalho estrangeiro.

No estado de adiantamento da sciencia economica, que filha da observação, tira a sua lei suprema dos factos, eu cuido ser desnecessario demonstrar que s. exa., procedendo d'este modo, manifestou um alto criterio.

Todavia, porque um digno par, o sr. Fernando Palha, aqui veiu exaltar a liberdade de commercio, que foi o thema de toda a sua argumentação, occorre-me o dever, como homem d0este tempo, de lhe impugnar as suas idéas.

Senhores, os aphorismos da economia politica orthodoxa são hoje ruinas! A Europa viu-se um dia animada das mais risonhas esperanças; e succedeu isto, quando uma pleiade notavel de homens de talento, á frente dos quaes davam a voz de cominando Michel Chevalier e Bastiat, dominaram a opinião publica, submettendo os governos, a imprensa e os povos, Foi uma cruzada brilhante, que Rossi pagou com a vida, e Robert Peel, vendo morrer-lhe a popularidade!

E qual o resultado?

Á promessa do baixo preço, das substancias alimentares respondeu-lhes a carestia das subsistencias. Imputavam ao systema protector, a carencia do trabalho, a penuria, a crise da terra e das industrias; e tudo isso se via repetindo periodicamente. Tinham coma certo que a liberdade commercial daria o descer progressivo de armamentos e marinhas de guerra; e, quando Rqbert Peel vinha de fazer passar nas duas camaras a liberdade da cereaes, foi mesmo então, que elle propunha ao parlamento novos subsidios para a frota britannica. Ateimavam que, terminando o systema protector, viria o acabamento do systema colonial; que aos economistas se afigura um outro molde da mesma theoria; e a Inglaterra, afiançada a suas tradições, continua conquistando por todos os pontos do globo. Affirmavam que, se uma nação industrial e commerciante seguisse o laisser-faire, logo todos os povos, possuidos d'esta liberdade, iriam com enthusiasmo para a mesma politica;

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e bem ao contrario succedeu, porque na Europa e na America todas as nações as vemos hoje na guerra das pautas! Finalmente, haviam proclamado a restricção dos governos em suas attribuições, até o, limite de só manterem a ordem e; a segurança, isto é, julgar, e combater, concorrendo no prelio, um illustre varão da igreja, o padre Ventura de Raulica; e eis que, volvido meio seculo, por toda a parte no mundo, e maxime nos povos da liberdade individual, do individualismo, como a Inglaterra e a America, vemos o estado, alargando-se em attribuições, em poder, em força, e dedicando-se a obras monumentaes e emprezas que, nem o individuo, nem a associação, pedem realisar; porque, consoante já disse na outra camara, a vida do homem e das associações é breve; e só não morrem os povos.

D'esta'rte, senhores, assim julga a liberdade de commercio a historia politica e social do mundo moderno.

E taes os motivos por que, tocante ao lado economico, acho fundamento e rasão ao systema protector seguido nas pautas.

Eu, sr. presidente, sou pela protecção a um determinado ramo de industria. E penso d'esta maneira, porque a protecção, garantindo lucros ao industrial protegido, não affrouxa nem impede os progressos e aperfeiçoamentos da sua industria: pelo contrario, estimula-os.

E estimula-os, porque os ganhos de uma industria protegida levarão para ella os capitaes e os braços. Chegará assim a concorrencia que melhora o producto e ha de embaratecel-o.

Devo eu proseguir?

Senhores, como pertencemos a uma epocha essencialmente positiva, consenti-me um outro exemplo tirado da rasão dos acontecimentos.

Houve um tempo em que os americanos só enviavam á Europa as materias primas do seu paiz, recebendo em permutação as substancias manufacturadas. Finda a guerra separatista, porém, ao olharem a sua espantosa divida publica, sobrecarregaram os productos estrangeiros de enormes direitos de importação.

Nasceram d'aqui tantas vantagens que as suas manufacturas logo se multiplicaram e desenvolveram consideravelmente.

Hoje, não só estão em circumstancias de vencer a concorrencia estrangeira nos mercados americanos, em que são protegidos pelos direitos aduaneiros, mas até mandam os seus productos fabris aos mercados da Asia, da Australia e da Europa, onde disputam a vantagem os artefactos inglezes, franceses ou allemães. Passo a ler o que a este respeito diz um jornal contemporaneo:

"É principalmente nos Estados da Nova Inglaterra, e nas cidades, que se concentram as grandes fabricas. Ahi se produzem estofos de lã e algodão, rivalisando com os da Inglaterra; sedas como as de Lyon e Zurich; sapataria, objectos de couro, quinquilharias, armas, machinas de costura, que ainda nenhum outro fabricante até agora póde exceder em barateza e perfeição; relogoarias como na Suissaouno Franch Conté; instrumentos mechanicos, e machinas a vapor, vigorosas e ageis. O Massachussets é e primeiro estado da união americana emquanto ás fiações e estofos de lã e algodão. O Connecticut occupa o mesmo logar emquanto ás sedas; e a perfeição das fitas de seda de Patterson, na New-Jersey, conquistou para esta cidade o titulo bem merecido de - a Lyon dos Estados-Unidos. Alem destas manufacturas propriamente ditas, vêem-se junto do Atlantico numerosas moagens, que exportam para a Europa prodigiosa quantidade de barricas e saccos de farinha.

"A Pensylvania, graças ás minas de carvão de pedra e de ferro que ali se encontram, tem grandes fornos e forjas consideraveis. Pitsbourg, confluente do Alleghany e do Monongahéla, que, reunindo-se, formam o Ohio, merece ser comparada com Birmingham e Scheffield pela sua actividade metallurgica; e tem já mais de 100:000 habitantes. Philadelphia, é a primeira cidade manufactureira da União e a segunda pela sua população, graças ás diversas fabricas que ali existem para os trabalhos metallicos, para fiações, manufacturas de estofos e confecções. Pitsbourg e Philadelphia fabricam locomotivas para toda a America, e para alguns paizes estrangeiros.

"Fóra d'esta região manufactureira, - Chicago - e Cincinatti possuem grandes estabelecimentos para abater rezes e preparar os diversos productos d'este commercio, que são expedidos para todas as partes do mundo. Nas plantações da Luiziania cultiva-se em extraordinarias proporções a canna do assucar. Nos bosques da Carolina prepara-se o alcatrão, a therebentina e o pez. O Maine tem numerosas serralherias e importantes estabelecimentos para construcções maritimas. Chicago fabrica machinas agricolas, que são exportadas para toda a parte.

"Uma pequena cidade do Illinois, Elgin, fabrica mechanicamente relogios por meio de processos tão aperfeiçoados, que a producção chega a ser de um relógio por cada dia e por cada operario.

"A industria da pesca exerce-se activamente em todas as costas. O estado de Delaware, entre as bahias do mesmo nome e de Chesapeake, é particularmente favorecido sob este ponto de vista. Em nenhuma parte do mundo está tão desenvolvida a ostreicultura, como em Chesapeake onde se colhem annualmente milhões e milhões de ostras. Ao longo das costas do Oregon e do territorio de Washington perseguem-se as phocas. Os Estados-Unidos exportam, alem d'isso, para a Europa, lagostas, salmões e outros peixes de conserva, em latas."

Assim, é de notar, comquanto seja um paiz da maxima liberdade, que a America tem as suas pautas proteccionistas; e que, á sombra d'ellas, viu crescer as operações industriaes e mercantis em todos os seus estados. E isto não succedeu apenas n'aquelle grande povo; por igual succedeu em todos os estados da Europa.

A prova é facil. O ministro francez da agricultura, Meline, dizia na camara dos deputados, em sessão de 10 de fevereiro de 1880:

"O movimento das trocas, que se traduz pela somma das importações e exportações, era na America, em 1872, de l milhar, 103:000 dollars; foi em 1882, de 1 milhar, 457 milhões de dollars. Em dez annos um augmento de quasi 2:500 milhões de francos. É assim que diminue o movimento das trocas n'este paiz proteccionista.

"Na Allemanha, a evolução proteccionista é mais recente, e as comparações não podem ir tão longe. Tomemos, todavia, o anno de 1872 em que a cifra das trocas era de 5,582.000:000 de marcos; pois em 1882 elevou-se a 6.320.000:000. É assim que diminuiram as trocas!

"Na Austria-Hungria, o movimento das transacções, que era, em 1872, de 1,000.000:000 de florins, subia em 1882 a 1,000.414:000 florins.

"Na Russia, em 1874, era de 851.000:000 de rublos; elevou-se em 1881 a 957.000:000.

"Por igual succedeu na Italia. Montava a 2,109.000:000 em 1877; encontramol-o em 2,579.000:000 em 1883.

"A mesma demonstração se póde fazer, apesar do augmento dos direitos, em referencia á exportação somente, em todos estes povos."

Sr. presidente, n'um paiz, como este, em que os rendimentos aduaneiros são a primeira e a mais importante fonte de receita geral do estado, é de ver que, sendo proteccionistas com justo criterio, as pautas augmentam a receita; cumprindo-se d'este modo a terceira rasão, que presidiu á sua reforma: - a rasão fiscal.

Descerei, ainda que de carreira, a alguns exemplos, servindo-me, para defender as pautas, visto que o espaço de tempo é limitado, d'aquelles de que lançou mão o sr. Hintze Ribeiro para as combater. Um dos exemplos é trazido de nossas industrias; outro, da nossa agricultura. E fal-o-hei

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assim, para que demonstre não ter sido a rasão fiscal empregada sem criterio.

No que diz respeito ás industrias, tomemos o exemplo que foi citado: tecidos de algodão.

O direito sobre o algodão cru, da pauta vigente, subia com os addicionaes a 100,242 réis por kilogramma. Propunha a reforma do sr. ministro da fazenda 150 réis, desprezando a fracção decimal 0,242. A commissão de fazenda, porém, obteve o direito de 160 réis; o que representa a melhoria de 9,758 réis.

Este augmento foi de primeira justiça: porque o fabrico dos pannos de algodão cru tem, entre nós, já dispendido um grande material fabril; tem, alem de tudo, a sua aprendizagem feita; e mais a boa fama de seus artefactos.

Hoje, em Portugal, possuimos sete grandes fabricas a vapor de tecelagem de algodão; e são ellas:

A companhia lisbonense, em Alcantara, que fia e tece annualmente cerca de 500:000 kilogrammas;

A companhia de Xabregas, que fia e tece 350:000 kilogrammas;

A fabrica de Thomar, que fia e tece 350:000 kilogrammas;

A fabrica de Alcobaça, que fia e tece 300:000 kilogrammas;

À fabrica de Salgueiros, no Porto, que fia e tece 400:000 kilogrammas;

A de fiação portuense, que fia e tece 250:000 kilogrammas;

A de tecidos do Porto, que fia e tece 200:000 kilogrammas.

Alem d'estas, existem no Porto mais tres fabricas, que tão sómente fiam o algodão para vender, em fio, aos fabricantes de teares mechanicos, que são innumeros n'aquella cidade. Em Lisboa tambem existe uma fabrica, a Santa Martha, que só fia e vende aos tecelões manuaes.

Aquellas grandes fabricas fornecem abundantemente o nosso mercado de algodões crus; todavia, artefactos do mesmo genero e maior barateza, ainda se importam da Inglaterra em grande quantidade. Os nossos, porém, excedem, aos algodões inglezes, porque são puros, sem gomma e de maior duração.

Os de proveniencia ingleza vêm ao mercado portuguez com um preparo especial que lhes dá aspecto de mais fortes que os nossos; mas, logo que são lavados, perdem a gomma, isto é, a consistencia e são de pouca dura. Ainda se vendem por preço inferior ao preço dos algodões nacionaes; mas, como se consomem mais rapidamente, ficam por, isso mais caros. Eis o motivo porque já hoje no exercito e nos hospitaes tão sómente são admittidos nas arrematações os pannos portuguezes; mas os fornecedores illudem a prescripção administrativa, entregando muita vez pannos inglezes, imitando os nossos.

Assim, vê-se que o direito sobe no melhor ensejo; pois que, vendendo-se os algodões estrangeiros a preço inferior ao dos nossos, a differença do preço consente a elevação do direito, sem que abandonam o mercado; d'este modo continuará a nação a receber o direito aduaneiro. Alem de que, estabelecida a igualdade na concorrencia, os consumidores darão primazia ao producto nacional, porque, como já demonstrei, aquelle é mais somenos; o que obrigará os algodões inglezes, não a retrahirem-se do mercado, mas a aperfeiçoarem a sua confecção, permitta-se-me o gallicismo; o que tudo, pela concorrencia, trará a melhoria dos nossos. Assim, por isto, e porque, existindo no paiz sete fabricas a vapor de tecelagem de algodão, bem como muitas outras manuaes, ellas garantem ao consumidor, pela concorrencia que entre si as rivalisa, não só os melhores pannos crus, mas tambem pelo melhor preço; assim, repito, o augmento do imposto surgiu no melhor ensejo, porque garante a existencia e aperfeiçoamento d'esta importante industria; e, alem de tudo, affiança a subsistencia de muitos operarios.

Devo declarar que não nos referimos aqui aos pannos brancos proprios para estamparia. Esses não se fabricam no paiz.

Pagam actualmente 150 réis que, com os addicionaes, corresponde a 182 réis. O sr. ministro da fazenda propoz 190 réis. A commissão, porém, andou acertadamente, propondo sómente 185 réis, pois que são materia prima para as fabricas de estamparia, que, pelo tratado com a França, soffreram a reducção do direito de 650 réis em kilogramma a 500 réis. Isto é mais um exemplo de que a protecção da nova pauta se fez com justo criterio.

Relativo á nossa agricultura, a expiração do tratado com a Hespanha permittiu ao governo e á commissão modificar as taxas convencionaes, contra que o agricultor portuguez reclamára.

Assim, á importação do gado vaccum, como se vê logo na l.ª classe, foi lançada sobre cada cabeça a taxa de 2$500 réis. Ao mesmo tempo foi abolida a taxa de exportação do gado vaccum pelos portos maritimos, nos termos da representação feita ao parlamento pelos exportadores de gado do Porto.

Outros direitos foram modificados; exemplo: o do azeite, que subiu de 500 a 700 réis.

Taes medidas, aconselhando-as a experiencia e crise de nossa agricultura, hão de certamente influir, com outras de não menos alcance, para que ella se erga do seu abatimento.

É de primeira intuição que se deve proteger a cria é selecção das raças bovinas, que as temos genuinamente portuguezas.

Para trabalho, isto é, para os trabalhos agricolas e de tracção, temos as raças mirandeza e alemtejana. Com iguaes aptidões, a do Ribatejo; e na parte das duas Beiras a confinar com a Hespanha, em que predominam os typos salamanquinos e malcatenhos.

Ainda que não sejam de ceva, aquellas duas raças abastecem, todavia, os matadouros da provincia, e a sua carne é de excellente qualidade.

Das raças alemtejana e da fronteira das Beiras, o gado é pequeno, soffredor, resistente, sobrio, proprio d'aquellas duas regiões tão escassas de pastagens.

Temos para ceva a barrosã, a arougueza e do Caramulo, que não deixam tambem de ser raças de trabalho. Da barrosa e arouqueza, a primeira encontra-se por todo o Minho até suburbios do Porto; a segunda no districto de Aveiro. O centro de producção da terceira é a serra do Caramulo e Valle de Besteiros. Os animaes desta raça, aptos para os trabalhos agricoias e pesados transportes, têem igualmente condições de engorda, que os tornam aptos para a exportação.

Segundo informam os jornaes da provincia, é de preferencia na estação de Mangualde, em a linha da Beira Alta, que embarcam para o estrangeiro muitos centos d'essas rezes.

Raças leiteiras, temos duas: uma propriamente nossa, a jarmelista; outra nacionalisada, a turina.

A primeira, sendo convenientemente explorada, póde dar productos lactigenos de primeira qualidade, e que tornem dispensaveis os de fabrico estrangeiro; a segunda, cujo leite é menos proprio para os lactigenos, é todavia abundante e superior para a alimentação.

Possuindo nós estas raças bovinas, o que tem acontecido?

Pelo mappa eloquente publicado no relatorio da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, vê-se que nos ultimos seis annos tem crescido constantemente a importação do gado vaccum, e diminuido a nossa exportação. E a tal ponto, que em 1886 importavamos 52:109 cabeças, no valor de 1.031:160$000. réis, e exportavamos tão sómente 6:361 cabeças, no valor de réis 556:825$000!

"Ha, pois, diz o relatorio, um excesso de importação,

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que necessariamente suffocará a industria nacional da creação dos gados, se continuar a poder fazer-se livremente; e tanto mais, quanto em mais proximas condições de se abater esse gado der entrada no nosso paiz."

Diz bem o illustre relator; porque já hoje o valor medio d'essas rezes importadas está a significar, como se vê pelo mesmo mappa que a importação se inclina a introduzir no paiz, não os novilhos principalmente, mas os bois feitos, isto é, as rezes gordas.

Assim, trazendo-nos a importação não sómente os novilhos, mas rezes feitas, d'aqui vem dois grandes inconvenientes para o lavrador: o boi serve-lhe sómente para o trabalho, e, se o quizer vender encontra á rez estrangeira a disputar-lhe o seu unico mercado, porque se lhe difficultou o mercado da exportação. E por isto mesmo que hoje dispensa a introducção dos novilhos gallegos. Para quê? Se elle, recreando, não tem mercado sufficiente, pois que diminuiu a exportação! Demais, os novilhos sómente viriam concorrer á venda das crias, que não póde sustentar.

Com o imposto sobre a importação do gado vaccum, indistinctamente, será favorecido o creador e o recreador.

Cuido ter demonstrado,, com estas reflexões, a justiça do proceder do governo, acceitando as emendas da nova pauta. Outras considerações se me offereciam agora; como, porém, o meu objectivo é outro, dou-me pressa em entrar no assumpto para que pedi a palavra, isto é, a questão dos cereaes. Farei algumas reflexões sobre os n.ºs 187.° e 189.° da classe 9.ª da pauta.

Estabeleçamos primeiramente o estado da questão.

Segundo a pauta geral das alfandegas, nova edição official, contendo as alterações occorridas até setembro de 1880, o trigo estrangeiro paga de direitos de importação 10 réis por cada kilogramma.

Alem d'isto paga tambem:

a) a taxa complementar ad valorem, creada e acrescida por lei de 18 de março de 1873 e de 23 de abril de 1880; isto é, 2 por cento sobre o valor de 10 kilogrammas de trigo;

b) é imposto movei ad valorem (ao presente 2 por cento) para as obras do porto de Lisboa e Leixões, creado por lei de 26 de junho de 1883;

c) 3 por cento sobre os direitos de importação, ou a percentagem que, para divisão dos emolumentos, se cobra nas differentes alfandegas do paiz;

d) e finalmente, o addicional de 6 por cento, instituido por lei de 27 de abril de 1882, e chamado imposto de cobrança, sobre os direitos de importação, taxa complementar, e imposto movei ad valorem.

Assim, suppondo que a media do preço de 10 kilogrammas de trigo é de 370 réis, no que nos não afastámos muito da verdade, e que se fixou o imposto movei em 2 por cento, o que o trigo estrangeiro paga realmente pela pauta é, por cada 10 kilogrammas:

Direitos de importação 100 réis

2 porcento, taxa complementar sobre o valor da mercadoria ou ad valorem. 7,4 réis

2 por cento, imposto movei ad valorem. 7,4 réis

6 por cento sobre o direito addicional 6,88 "

3 por cento de emolumentos sobre o direito 3,00 réis

ou 124,68 "

Dividindo este resultado por 10, vê-se que um kilogramma paga 12,46 réis.

0 sr. Hintze Ribeiro, englobando em um só, com a reducção ou o augmento que julgou conveniente, o direito estrictamente pautal, a taxa complementar ad valorem de 2 por cento, e o addicional de 6 por cento, conservou o imposto movel ad valorem até 2 por conto e a percentagem de 3 por cento, propondo na pauta o direito de 12 réis por cada kilogramma de trigo importado.

Assim, partindo da media de 370 réis, preço de 10 kilogrammas de trigo, e attendendo a que, por occasião das propostas do sr. Hintze Ribeiro, era de 0,66 o imposto movei ad valorem, 10 kilogrammas de trigo, segundo essas propostas, ficariam pagando:

Direito 120 réis
0,66 imposto movei, desprezando os millesimos 2,44 "
3 por cento de emolumentos sobre o direito. 3,60 "
Ou 126,04 "

Mas, para calcular com exactidão o que pagaria o trigo no momento actual, conforme a proposta do sr. Hintze Ribeiro, devemos entrar no calculo com os 2 por cento do imposto movei, e não com os 0,66. Assim, elevando a 2 por cento o imposto movei, como já se começou a pagar, teremos:

Direito 120 réis
2 por cento, imposto movei 7,4 "
3 por cento de emolumentos sobre o direito 3,60 "
Ou 131,00 "

Logo, cada kilogramma psigaria 13,1 réis.

Conforme a proposta n.° 4 do actual sr. ministro da fazenda (relatorio etc., pag. 66, artigo 3.°), é abolido o imposto addicional de 2 por cento ad valorem, o de 6 por cento, o de 3 por cento e o de 2 por cento para as obras do porto de Lisboa e Leixões, elevando-se os direitos de importação do trigo a 13,5 réis por cada kilogramma de trigo (pauta, pag. 70 do relatorio).

Logo, se a proposta da pauta do sr. Hintze Ribeiro onerava cada kilogramma com 13,1 réis, vê-se, desde já, que a pauta do sr. Marianno tão sómente eleva esse direito com 0,4 do real em cada kilogramma, pois 13,5-13,1=0,4.

Affirma, porém, o mesmo sr. ministro (pag. 31 do relatorio), que a taxa do trigo apenas soffre, pelo arredondamento, uma elevação insignificante de 0,2 de real. Como obteve s. exa. este resultado?

Seria comparando a sua taxa com os direitos que paga o trigo pela pauta de 1880? Não póde ser; porque, tendo nós obtido que, por essa pauta, 10 kilogrammas de trigo pagam 12-1,68 réis, ou 12,46 réis o kilogramma, a differença para 135 réis, ou 13,5 réis o kilogramma, (proposta do sr. ministro da fazenda) é de 10,32 réis, ou de 1 real e uma fracção (1,032) por cajá kilogramma, e não de 0,2, como s. exa. affirma.

Seria comparando a sua taxa com os 131 réis, que se obtem pelo calculo do sr. Hintze Ribeiro? Tambem não; porque a differença para 135 réis é de 4 réis em 10 kilogrammas, ou a de 0,4 do real por cada kilogramma.

Para encontrarmos a differença de 0,2 do real, apresentada pelo sr. Marianno do Carvalho, é necessario elevar a media do preço de 10 kilogrammas de trigo, unico elemento variavel n'esta operação, a 450 réis, o que não é verdadeiro, ou antes, é exageradissimo.

Seja, porém, como for, pela proposta do sr. ministro da fazenda, tal era o estado da questão: cada kilogramma de trigo importado pagava um direito de 13,5 réis e cada kilogramma de farinha 21 réis, ou, tomando uma unidade superior, cada 10 kilogrammas de trigo pagavam 135 réis, e cada 10 kilogrammas de farinha 210 réis.

Pelo artigo 6.° da sua proposta acaba igualmente o illustre ministro da fazenda, nas alfandegas de consumo de Lisboa, com o direito sobre os farinaceos, exceptuando fava e batatas. D'este modo supprirae, em favor da agricultura dos cereaes, os 54 réis que paravam cada 10 kilogrammas de trigo, ou melhor, os 540 réis, que augmentavam o preço

1 No seu tempo ainda se não pagavam 2 por cento. Pagam-se ha dois ou tres mezes. Fixou-se-lhe o maximo até 2 por cento.

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de cada 100 kilogrammas, quando á venda no mercado de Lisboa.

Era este o estado da questão, repetimos, quando ã proposta da reforma das pautas foi á commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, que elevou a 15 réis por kilogramma o direito do trigo, e a 22 réis o da farinha, ficando o governo auctorisado até 31 de janeiro de 1888, a modificar o imposto do trigo e o da farinha, conforme as circumstancias, não podendo baixar de 13,6 réis por kilogramma a taxa d'aquelle nem em caso algum augmentar a actual protecção dada á farinha.

Antes de discutir a auctorisação que foi concedida ao sr. ministro da fazenda pela, camara da senhores deputados, discussão que julgo necessaria, porque ella dirá e aconselhará o procedimento futuro do governo, perguntarei:

Mas qual a base, ou antes, quaes os elementos de que se serviram a commissão e o sr. ministro da fazenda para estabelecerem estes direitos?

O relatorio da commissão da camara dos senhores deputados não diz qual é fundamento d'aquelle quantitativo. O sr. ministro da fazenda tambem não explica quaes as rasões que o demoveram a acceital-o. O que ahi, no relatorio, se explica, é a razão porque se não estabeleceu um direito maior sobre o trigo estrangeiro; o que ahi se mostra é que tal imposto será inefficaz, ao presente, pois que as moagens nacionaes não possuem os apparelhos convenientes para reduzir a farinha branca os trigos rijos do paiz. Assim, que seria inutil elevar o direito sobre o trigo estrangeiro. pois ainda n'este caso as fabricas de moagens, faltando-lhes o machinismo, não consumiriam o nosso trigo portuguez.

Mas então, perguntarei eu, para que elevar a 15 réis o direito sobre cada kilogramma do trigo estrangeira, se elle, esse direito, não é protector da industria nacional?

Procedendo d'este modo, o governo, a commissão o a camara não fizeram mais cio que encarecer o pão; e certamente contra as suas proprias intenções e contra a vontade de todos.

E digo encarecer, porque se o trigo portuguez não estabelece concorrencia; se as fabricas continuam a gastar, para o reduzir a farinha, o trigo estrangeiro: como este agora paga mais do que pela antiga pauta de 1885, mais cara será a farinha, mais caro será o preço do pão. D'este modo se aggravou o que se queria remediar, pois que os proprietarios das fabricas de moagens continuam a consumir o trigo estrangeiro, com prejuizo do nacional, que elles não podem moer.

Mas, sr. presidente, será isto verdade, será verdade que as fabricas não podem moer o nosso trigo rijo?

Vejamos. Tenho aqui uma carta de um dos principaes fabricantes de farinhas de Lisboa, o sr. José Antonio dos Reis, que diz o seguinte: "Tambem lhe devo observar que todas as fabricas têem apparelhos para moerem trigos rijos, todos elles se consomem; os chamados lobeiros applicam-se para as massas, porque se reputam, em geral, por 10 a 15 por cento a mais do valor do trigo molle, e d'este é que é a maior producção; dos durazios, que servem para fazer farinha, tambem acham prompta venda quando os possuidores se querem sujeitar ao preço que elles Valem, que é mais superior, porque se não póde pagar por mais o que vale menos. Esta é a verdade, e creia o meu amigo que muito se tem mentido a respeito dos trigos rijos, para armar ao effeito. Para o meu amigo ficar convencido se as fabricas estão ou não habilitadas a moer trigos rijos, basta asseverar-lhe que tem vindo uma boa porção de carrega mentos da Índia com muitos milhares de kilogrammas de trigo rijo. e muito mais rijo do que o nosso, e cá se tem moido, e tem-se gasto a farinha d'elle. Parece me que são bem eloquentes estes factos".

Realmente, estes [...] são eloquentes, e provam que os fabricantes têem, por confissão de um d'elles, machinas para moerem trigos ainda mais rijos que os nossos, taes são os da India.

N'estas circumstancias, senhores, ou nós não havemos de dar credito ás informações dos fabricantes; por contradictorias, e então outras rasões hão de influir em nosso espirito n'esta questão dos trigos, ou, preferindo e dando ouvidos á informação official, isto é, á da commissão de fazenda, havemos de concluir que a imposição de 15 réis em cada kilogramma é disposição que, sem favorecer o agricultor, conserva o monopolio dos fabricantes e terá nociva ao consumidor.

Mas, acrescenta a commissão, se tal acontecer, ou melhor, se isso continuar, o governo desce o direito sobre as farinhas. Sim, mas logo que isso succeder, elles, os fabricantes, mandam vir as farinhas e desprezam ainda o trigo nacional.

E note-se que no mercado interno são elles que fazem o preço, porque não existe a concorrencia que poderia embaratecel o.

Sr. presidente, a questão dos cereaes deve ser tratada de outro modo; acima das paixões particulares ou interesses de poucos fabricantes, escutando os queixumes e as miserias de uma grande parte do paiz.

Se a agricultura portugueza estivesse prospera e só soffressem os agricultores de cereaes, o estado podia usar de palliativos; mas não é assim. As circumstancias não o permittem. O governo não póde usar de palliativos. Vejamos.

Sr. presidente, em nossas provindas., debaixo de um céu encantador, que, por igual; veste de luz as cousas alegres ou as tristes, as da natureza e as do espirito, não póde esconder-se a miseria grande e a não somenos ignorancia. A quem entra em Lisboa, regressando da provincia, é que mais pungente se antolha a realidade!

Trazem se os ouvidos cheios das conversas sobre as más colheitas, sobre o augmento dos impostas, sobre os salarios altos, sobre a moléstia dos arvoredos e outras desgraças, por vezes, aggravadas pela má administração de funccionarios que não executam a lei, ou a executam tarde e a más horas; trazem se os ouvidos cheios das conversas sobre o errado proceder na hygiene das familias; sobre a viciada educação que ministram a seus filhos, a começar no povo até áquelles que têem algum remedio para viver; pois que lá todos querem servir nas cidades, na dependencia dos particulares ou do estado; e quem attenta em tudo isto, considerando no homem não apenas um eleitor, mas uma força, a maior de todas - pois ahi está a material e a intelligente, o musculo e a vontade que o move - e depois encontra a cidade de Lisboa com seus elegantes monumentos, a faina maritima do seu Tejo, o conforto de suas largas ruas, animadas, brilhantes de luzes, com Suas paixões politicas e artisticas, espectaculos variados e sua grande solidariedade defensiva, que a manifesta nos seus magnificos estabelecimentos de previdencia e caridade, e outros economicos e de policia; quem compara o de onde chegou e a enorme capital onde está, em que o silvo da locomotiva responde ao paquete do Tejo. acudindo com o álerta da terra ao alerta do mar, grito da civilisação que, constante, responde á chamada presente! Quem compara o de onde veiu e o aonde está, cuido eu, se o não demove apenas a superflua e ligeira apparencia das cousas, antes a reflexa comparação dos factos; cuido, chegará á comprehensão de que este é um estado anormal, que não constitue a boa hygiene civil e salutar de um povo. E então que lhe apparece um dever a cumprir: e é, se tem voz ou recursos para tanto, o de chamar a attenção dos poderes publicos e de todo o paiz para este estado de cousas.

Senhores, as provincias de Portugal soffrem, e muito, no momento em que estou fallando. Lá vereis o palacio solarengo a desmoronar-se, a cair, porque já ahi não vive a nobreza agricola, que as leis da desamortisação, os impostos crescentes e por ultimo a crise cerealifera, fizeram rui-

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872 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

nas. Ao lado d'elle encontrareis aldeias; mas pobrissimas, de aspeito miseravel; e mais longe o casal solitario, onde é pessima a alimentação, grande a pallidez no" rostos da limitada familia, e onde falta o braço vigoroso da juventude, que a escassez da retribuição levou para os centros populosos, as cidades; ou a emigração para a America do Sul,

Ahi ouvireis contar da precaria situação dos agricultores; e comtudo isto ireis compondo uma tela em claro-escuro, onde a figura principal, esfaimada, é a crise cerealifera. É um quadro triste, sombrio, de figuras descoradas, serias, de melancolia immensa, quaes as da nossa antiga escola gothica.

Em verdade, senhores, nunca entre nós, as circumstancias da agricultura chegaram a este ponto, ao estado em que hoje a vemos.

O beneficio da agricultura vem-lhe das estações; e todos sabem dos phenomenos meteorologicos, que a sciencia cuida de investigar, e que têem influido entre nós e em toda a Europa, transformando as estações do anno, sempre desfavoraveis ao lavrador.

Todos sabem de como varias molestias, surgindo cada dia novas, destruiram plantações feraces e uteis. Afóra o Alemtejo, grande parte das vinhas têem sido atacadas da phyloxera.

Na primeira camara alguns deputados, n'esta alguns dignos pares, fallando sobre o assumpto, para elle têem chamado a attenção do governo, pedindo, e com urgencia, postos de vigia com pessoal habilitado, a fim de evitar, pelas competentes pesquizas e tratamento da molestia, que a phylloxera devaste completamente o plantio de importantes regiões. O sr. ministro das obras publicas, em parte já attendeu a esses pedidos, creando estações anti-phylloxericas em differentes pontos do paiz, facilitando por preços modicos o sulfureto de carbone. Mas as circumstancias da industria vinicola são para alarmar; pois, não tendo os nossos governos dado a devida e merecida protecção aos cereaes, o capital agricola tem-se empregado todo no plantio dos bacellos.

É isto hoje um facto saliente em todas as provincias de Portugal, e até mesmo em grande parte do Alemtejo, onde, no dizer de A. Herculano, "a charneca vae fugindo para o horisonte." É um facto que merece a mais seria attenção, porque aquelle plantio, que ultimamente muito augmentou, tem feito rarear os matos, que são necessarios para os estrumes; e alem d'isso, se a phylloxera o inutilisa, então virá a crise da industria vinicola accrescer á crise dos cereaes, e a ruina do agricultor será completa.

Já agora os castanheiros e outras arvores, que davam seus fructos e lenha ao consumo, vão progressivamente extinguindo-se. E nos mezes de julho e agosto de cada anno que a molestia se apresenta, com maior força, lavrando a eito. Algumas folhas amarellecem, depois todas, e em poucos dias fica secca a arvore.

Não fallarei da molestia das oliveiras, conhecida dos agricultores, e que elles combatem fazendo cedo a colheita e o esmagamento da azeitona; e limpando as arvores do musgo e lichens, que lhes adherem da casca velha, fendida, e dos ramos mortos. Não fallarei dos olivedos, senão para dizer que o azeite, que muito interesse dava ao lavrador, tem diminuido de Apreço, em rasão da grande concorrencia do petroleo, que é muito mais barato.

Alem do que, depois de 1870 não temos uma safra de azeite.

Outro ramo de industria,, intimamente ligado com a agricultura, qual é o da creação do gado, tende a declinar de modo assustador.

A Inglaterra era a primeira consumidora do nosso gado bovino; mas, annos ha, sendo abastecida pela America, successsivamente tem ido a diminuir a exportação do gado de Portugal, resultando do que a excessiva diminuição de preço, e o desanimo dos creadores.

Certamente os novos direitos de importação sobre o azeite e os gados (vaccum e poreino), e o ser livre de direitos a exportação do gado vaccum, virão melhorar este estado de cousas. Mas as circumstancias do agricultor não deixam por isso de ser precarias. Originadas da falta de protecção, e sendo geraes toda a agricultura, não se debellam, que não seja por um conjuncto de medidas combinadas, e que, é de urgencia, acudam sem demora pela nossa primeva e principal industria.

Sr. presidente, como já deu a hora de encerrar a sessão, eu peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.

O sr. Pinheiro Borges: - Mando para a mesa um parecer das commissões de guerra, de fazenda e de marinha reunidas.

Foi a imprimir.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Mando para a mesa um parecer da commissão administrativa.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem vinda da camara dos senhores deputados.

Leu-se o seguinte:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo o processo contra o deputado o sr. José de Azevedo Castello Branco.

A commissão de legislação.

O sr. Presidente: - Peço á commissão de legislação que queira ter a bondade de se reunir com urgencia para tomar na devida consideração este assumpto.

A ordem do dia para a proxima sessão, que é ámanhã, 9 do corrente, é a continuação da que estava dada para hoje e mais os pareceres n.ºs 109, 114, 117 e 121.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 8 de agosto de 1887

Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá, João de Andrade Corvo; Condes de Alté, de Castro, de Margaride, de Paraty, de Valenças; Viscondes de Benalcanfor, de Vivar, de Borges de Castro; Adriano Machado, Agostinho Lourenço, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Antunes Guerreiro, Senna, Oliveira Monteiro, Costa Lobo, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Carlos Testa, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de Albuquerque, Margiochi, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Candido de Moraes, Holbeche, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Lobo de Avila, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Bucage, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Franzini, M. Osorio Cabral, Jayme Moniz, Melicio.

Redactor - Ulpio Veiga.

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