762 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
frerem com igual rigor os resultados d'esta mesma severidade.
Leu-se na mesa o requerimento mandado pelo sr. conde de Linhares.
É do teor seguinte:
Requerimento
Requeiro com urgencia que, pelo ministerio de, fazenda, se remetta a esta camara a relação das quantias que pelos escrivães de fazenda dos differentes concelhos do reino se teem recebido ou processado ultimamente, em consequencia das ordens severas expedidas aos mencionados escrivães de fazenda pelo exmo. ministro, a fim de se realisar em beneficio do estado o recebimento da consideravel quantia da qual é credor o mesmo estado.
Sala das sessões, 24 de maio de 1880. = Conde de Linhares, par do reino.
O sr. Andrade Corvo: - Pedi a palavra para communicar á camara, em nome do meu amigo, o sr. Serpa Pinto, que elle agradece infinitamente aos poderes publicos os favores que lhe têem dispensado e aquelles que desejavam dispensar-lhe, mas desiste de todos elles, considerando-se bem remunerado com os bons serviços que prestou á patria.
Peço licença á camara para ler uma parte da carta que o sr. Serpa Pinto me dirigiu.
(Leu.)
Peço que estas palavras sejam consignadas na acta da nossa sessão. (Apoiados.)
Leu-se na mesa a parte da carta mandada para a mesa pelo sr. Andrade Corvo, que é do teor seguinte:
"Seja essa desistencia completa, isto é, desisto tambem e sobre tudo do favor que me faria o governo e a camara dos senhores deputados de me dispensarem o tempo de serviço no ultramar que me falta, pedindo eu ao governo que me mande servir no ultramar esse tempo para completar a commissão, segundo a lei, ou que me passe ao posto anterior, se me não julgarem digno de ir servir no ultramar."
O sr. Presidente: - Se o digno par me permitte farei uma observação.
Parecia-me mais regular que se enviasse a carta ao governo; entretanto, s. exa. proporá o que lhe parecer melhor.
Agora, pelo que respeita á parte que se refere á commissão mixta, devo observar que, sendo secretas as suas sessões, não se póde fazer referencia ao que ali se passou.
A desistencia feita pelo sr. Serpa Pinto é um acto de, abnegação que não pertence á camara, e só ao governo, acceitar, e por isso parece-me que o que se deverá fazer é remetter esta carta ao sr. ministro da marinha.
O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, a carta é me dirigida a mim para a fazer conhecer á camara dos dignos pares; não tenho, porém, auctorisação alguma de lhe dar nenhum outro destino; leu-se na mesa, a camara tomou conhecimento da carta, estou satisfeito com isso e fica cumprida a minha missão.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Quando eu pedi
a palavra para um requerimento, era exactamente para perguntar a s. exa. se tinha dado conhecimento á camara do resultado da commissão mixta, pois eu creio que as sessões das commissões são secretas, uma vez que o regimento assim o determina, e por isso os individuos que fazem parta das commissões estão por certa fórma compromettidos a não dizerem o que lá se trata; em todo o caso, o que acontece sempre é que tudo se sabe cá fóra. Pareceu-me, porém, que o sr. Corvo não perguntou qual foi o resultado dos trabalhos da commissão, e creio mesmo que o não pedia perguntar.
Em quanto á carta que s. exa. apresentou, é certo que ella é já do dominio d'esta camara, e portanto da publicidade, e desde que o digno par declara que não tem auctorisação alguma para consentir que a carta seja remettida ao governo, não póde a mesa fazer o contrario; mas eu declaro que, em vista do que se está passando, julguei que o resultado da commissão mixta era publico, e por isso queria dizer que sinto que a um homem que, pelo seu estremado valor, pelo seu arroje e audacia, quiz mostrar que ainda ha portuguezes que relembrem, pelos seus actos, as nossas antigas glorias, se regateie ainda um premio e se leve, por um impulso de generosidade, esse mesmo homem a escrever uma carta d'estas. Isto não se commenta.
O sr. Carlos Bento: - Observa que a carta não é dirigida ao governo, mas que este, como está presente, e a ouviu ler, não ha de ser indifferente ao que n'ella se diz, salvo se se quer considerar como circumstancia aggravante para o sr. Serpa Pinto o facto de ter atravessado a Africa.
Acha triste que o parlamento portuguez se veja obrigado a limitar a avaliação dos serviços prestados por este cavalheiro, quando na Europa, Asia e America são avaliados devidamente pelas auctoridades competentes.
Citou o facto de sir Bartle Frère, governador da colonia do Cabo da Boa Esperança, dizer, referindo-se a um viajante allemão que atravessou a Africa, que era elle o segundo viajante que atravessava a África (o primeiro era Serpa Pinto) sem ser para auferir vantagens commerciaes.
Terminou dizendo que estava bem certo que o governo era bastante portuguez para ter ouvido com indifferença a manifestação de generosidade que se encontrava na carta do intrepido explorador.
O sr. Presidente: - Pareceu-me ouvir pronunciar a palavra injustiça, e se esta se refere ás resoluções da commissão mixta, peço aos dignos pares que não percam de vista que a commissão mixta procedeu conforme as attribuições que lhe dá a lei, que as suas sessões são secretas e que devemos respeitar as suas resoluções. (Apoiados)
Comtudo, sem com isto devassar o que se passou no seio da commissão, posso declarar á camara que não se disse ali cousa alguma que podesse ferir, nem de leve, o justo melindre do sr. major Serpa Pinto; pelo contrario, todos os membros da commissão fizeram justiça aos serviços do benemerito official e manifestaram os melhores desejos de que esses serviços fossem dignamente premiados.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, desejo affirmar mais uma vez, perante a camara dos dignos pares, que o governo tem os mais sinceros desejos de reconhecer, e premiar condignamente, os eminentes serviços do sr. major Serpa Pinto.
Eu já n'esta casa tive a honra de manifestar o meu respeito, a minha admiração pela audacia, pelo valor de animo com que este digno official levou ao cabo a sua arriscada empreza, e pelos serviços prestados por s. exa. ao paiz e á sciencia; e a camara seguramente me faz a justiça de apreciar os meus sentimentos a respeito do nosso valente explorador. (Apoiados.)
Apresentou o governo na camara dos senhores deputados uma proposta ampliando, em relação ao sr. Serpa Pinto, os effeitos da lei vigente e concedendo-lhe desde já, para de alguma fórma remunerar os seus serviços, as vantagens a que só poderia ter direito depois de uma mais longa permanencia no ultramar, e limitou-se a isso, não porque desistisse de lhe dar outro premio, mas porque o poder executivo não tinha competencia para conceder tal dispensa, que só o poder legislativo podia decretar. Foi a proposta do governo approvada na camara dos senhores deputados, e passando a esta camara entenderam os dignos pares que deviam amplial-a, declarando n'essa occasião o governo que, de bom grado, annuia á resolução da camara, que elle esperava seria igualmente acceita na outra casa do parlamento.
Aconteceu, porém, que, tendo a proposta voltado á camara dos senhores deputados, ella não se conformou com a alteração votada pela camara dos dignos pares; e n'es-