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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 765

o digno par, que se não julga immortal, e que o proprio governo já não exista tambem!

Para o digno par a importancia das despezas calculadas no orçamento não vale nada, porque não significa, a despeza real, mas apenas a despeza orçada! Pois por isso mesmo este livro é o orçamento.

E acaso sabe o digno par de algum outro documento official que valha, não digo já mais, mas tanto como este, para conhecer da organisação de todos os serviços e de quanto pagamos por elles?

(Aparte do sr. Mendonça Cortez que, não se ouviu.)

O digno par, com a insistencia dos seus ápartes, tem por força o intuito de prorogar esta discussão, obrigando-me a mais largas considerações do que aquellas que eu tentava fazer.

Retiro-lhe pois o direito de me interromper, convidando a responder-me, se quizer, quando eu acabar de usar da palavra. Eu creio que é incerta a direcção que se pretende dar aos nossos trabalhos n'esta ultima hora da sessão parlamentar. Provavelmente procura saber-se primeiro o que se passa nas regiões elevadas da nossa politica e que por isso mesmo que são mais elevadas é que ahi se condensam as nuvens que podem, trazer no seu seio os raios e a tempestade.

Devassado, pois, o intuito secreto do digno par, permitta-me que, por precaução, que não importa uma suspeita, mas que póde ser um calculo tambem, eu procure pôr um termo a este colloquio intimo em que tenho estado com o digno par, desde que comecei a responder-lhe,

Dizia eu que para o digno par o orçamento não vale nada ou vale muito pouco. O digno par, como investigador voltemos ao orçamento, do qual me afasto, sem o querer que é dos segredos do passado, verdadeiro mineiro da historia, e que por amor do officio anela ha annos por commissão do governo a estudar e a pôr por ordem todos os velhos documentos dos archivos do tribunal de contas, tem para si que todo o livro, cuja capa não trouxer no pergaminho o sêllo de antiguidade gravado no pó do seculos não vale nada. (Riso.)

Ora este pobre livro, (mostrando o orçamento) que é de hoje, com esta capa franzina de papel de côr, este livro, que vem modestamente da secretaria trazido na mão dos continuos, não póde com effeito deixar de ser para s. exa. um livro de pouca importancia. (Riso.)

E foi sempre assim. E quer a camara ver? Querem saber como s. exa. sacrificou sempre a este sestro fatal de procurar resolver as questões sobre que ha de votar, deixando influenciar o seu espirito, mais pelo estudo dos factos que se deram no passado, do que pelo estudo das condições do meio em que vivemos? Ouçam. Não me atraiçoa facilmente a minha memoira, e eu tinha impresso n'ella o sentimento de surpreza que me dispertou o modo singular porque o digno par significou o seu voto em duas questões que se trataram na camara dos senhores deputados, quando eu tive a honra de comparecer ali como ministro.

Uma d'essas questões versava sob um contrato que o governo celebrara com um certo individuo para o estabelecimento de ostreiras artificiaes.

O contrato não era de iniciativa minha. Encontrei-o submettido á discussão, concordei com o seu pensamento, defendi-o, e tive, entre outros, por seu oppositor, o digno par.

Tendo s. exa. pedido a palavra, começou por dizer: "que já no tempo de D. Affonso IV e de D. João I, a pesca da baleia tinha assumida grande proporção, pois que vemos na carta de lei de 1 de setembro de 1352 e outra de 15 de marco de 1424, que se concedia ã baleiação a differentes individuos. (Riso.)"

Firmada sobre esta citação de direito patrio, a opposição do digno par ao estabelecimento de ostreiras artificiaes, e conhecido o facto de que a baleiação (qual baleiação? É o digno par quem inventa o termo, ou quem o faz resurgir d'entre os neologismos perdidos na noite dos tempos?) passa s. exa.; que não foi interrompido no seu discurso por nenhum recta pronuncia, a affirmar que os cetaceos fugiram da costa de Portugal, caíndo por esse facto (poderá) em desuso a pesca da baleia, (Riso.) O que faltou, porém, ao digno par foi o procurar conhecer a rasão de tal facto. Não a conhece? Pois eu lh'a digo.

Com todos os visos de probabilidade os cetaceos fugiram para longe das costas de Portugal para escaparem ao barbaro imposto com o qual vexâmos a mais arriscada e a mais desgraçada das industrias - o imposto do pescado. (Riso.)

Provo ainda com outra citação o inveterado amor do digno par pelas investigações historicas. Discutia-se, a 21 de abril de 1871, a contribuição pessoal. Usando da palavra na discussão d'este projecto disse s. exa.: "Os economistas
desde a classe dos athenienses, em que nos falla Pollux (não se sabe ao certo quem seja este Pollux, seguramente, porém, não era o irmão de Castor) até ás indicationes dos romanos, até ao projecto do sr. ministro da fazenda (Eia! que salto! Para saltos d'estes não ha gymnastica de espirito que no slivre de uma quéda fatal.- (Riso.) não têem ainda achado meio para conhecer a fortuna senão a declaração do contribuinte."

Sim, senhor, faz gosto ver tanta sciencia e tão bem aproveitada! (Riso.) Offereço ao digno par estes apontamentos, e trago-lh'os relembrados para sua instrucção e proveito, (se acaso os esqueceu já) e peço-lhe que os empregue na digno par, desde que comecei a responder-lhe, proxima discussão do projecto sobre o imposto do rendimento. Vem talhados de molde para essa discussão.

Voltemos ao orçamento, do qual me afasto, sem o querer e contra o que a mim mesmo prometi, para me occupar n'estes parenthesis, abertos ao acaso, da personalidade do digno, que me aviva com as suas interrupções a memoria das referencias com que me honrou no seu discurso.

Voltemos ao orçamento, que eu não conheço apenas pela capa, e cujo valor póde ser diverso d'aquelle que a capa inculca. Não têem rasão o digno par, a capa que faz o livro, como não é tambem o capello que faz o doutor, e, muitas vezes tambem, o luxo de erudição que faz o sabio. A este respeito me acode agora á memoria uma anecdota, que tem toda a applicação para o caso, e que eu peço licença ao sr. marquez de Valladas para citar. (Pausa.)

O sr. Marquez de Vallada (que acaba de entrar na sala e que está junto á presidencia}: - V. exa. falla commigo? Como? Deseja que eu peça a palavra?

O Orador: - Eu não desejo que v. exa. falle, comquanto tenha sempre muito prazer em o ouvir; não podia, entretanto, pedir a ninguem que intervisse n'um debate que parece ter as considerações de um repto parlamentar. Pedi apenas licença para referir uma anecdota ao digno par, que com tanta propriedade tem feito d'ellas applicação mais de uma vez aos casos sujeitos á discussão. Conta-se (e o facto é contemporaneo) que um certo diplomata, residente em Roma, tem por habito visitar todos os bazares de antiguidades, vendo, indagando, inquerindo de tudo, sem, todavia, comprar cousa alguma. D'elle dizem os romanos: Tutto vede, poco compra, meno paga. Ora do digno par, que, se não visita os bazares de antiguidades, frequenta com assiduidade os archivos e as bibliothecas e todos os vastos repositorios da historia e do saber humano, com propriedade se diria tambem: tudo lê, pouco ensina e nada aprende. (Hilaridade.)

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez, que não se ouviu.)

Sim, senhor, póde julgar-se obrigado a entrar neste campo; tão obrigado como eu julgo, por exemplo, a declarar qual foi o orçamento que eu apresentei á camara e a que o digno par se referiu como meu orçamento, Qual foi elle?

(Interrupção do sr. Mendonça Cortez.)

Estive nó ministerio tres a quatro mezes, discuti peran-