DIARIO DÁ CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
767 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
companhias, que é de uso chamar poderosas, mesmo quando essa acção se apoia e se firma no preceito expresso da lei ou dos contratos.
Sabe a camara que em toda a extensão da linha ferrea do norte, desde Sacavem até ás proximidades de Santarem, se encontra de um e do outro lado d'ella, quasi sem interrupção, uma facha de terreno de nivel inferior ao da linha ferrea e ao dos terrenos marginaes, e por isso mesmo contendo e demorando em si, como uma valia sem esgoto, todas as aguas pluviaes e de infiltração, constituindo com ellas uma especie de pantano artificial, altamente nocivo á saude publica e extremamente desagradavel para quem percorre alinha no meio d'aquellas emanações miasmaticas.
A superficie occupada por este pantano é, se a memoria me não falha, de 66 hectares. Pelo contrato estava a companhia obrigada a fazer os aterros convenientes para levantar o nivel d'aquella facha de terreno.
Nomearam-se commissões para estudar esta questão, que prende com a questão do regimen das aguas do Tejo e dos terrenos marginaes do rio.
Lembro-me até que de uma d'estas commissões fez parte o meu particular amigo, e collega, que aqui está sentado ao meu lado, o sr. dr. Thomás de Carvalho.
Expediram-se pelo ministerio das obras publicas até á epocha em que ahi entrei, dezeseis portarias, e creio que do meu tempo duas, insistindo para com a companhia a que cumprisse com a obrigação em que estava pelo contrato de proceder áquelles trabalhos.
Estamos em 1880, novas portarias se terão talvez expedido, o pantano lá está, e póde mais, e tem mais energia e mais força do que os governos que o tem querido matar.
Ha de dizer-se, portanto, que pôde e vale mais a companhia, sem a força do direito e da lei, que o proprio governo, que governa com ella e por ella.
(Interrupção do sr. Mendonça Cortez que se não ouviu.}
De certo d'este facto me cabe tambem uma parte ainda que pequena de responsabilidade. Não a nego, nem me furto a ella.
Sabe, porém, v. exa., sr. presidente, que o governo a que v. exa. presidia em 1871, quando a companhia se achava luctando com graves difficuldades, quando as condições technicas da linha eram desgraçadissimas, quando o fiscal do governo, o sr. Aguiar, de cuja energia de animo todos damos testemunho, se achava sobresaltado com os accidentes de descarrillamentos quasi diarios, com o triste estado em que se encontravam quasi todas as pontes por falta de arrebites; sabe v. exa. que a respeito da dependencia em que se podia suppor o governo d'aquella epocha com referencia á companhia, se expediu uma portaria energica mandando á companhia que se procedesse immediatamente aos trabalhos da reparação da linha, sob pena d'ella lhe ser confiscada, e fazel-os o governo por conta e responsabilidade da mesma companhia.
Este facto tambem póde o digno par registral-o na sua memoria, e fazer-me assumir a parte de responsabilidade que n'elle me cabe.
Cito outro para a edificação do digno par.
Gritou-se contra os arrozaes, foi em consequencia das apprehensões que tinha levantado no publico esta debatida questão estudada, perfeitamente estudada, no celebre relatorio de 1858, que se publicou, a previdente lei de 1866, devida á iniciativa do sr. Corvo.
A despeito das disposições d'esta lei, os arrozaes continuaram reagindo contra ellas, e protegida essa reacção pelo interesse individual e pelas questões eleitoraes.
Bem; está presente o nosso respeitavel collega o sr. José Augusto Braamcamp, elle que diga, como presidente da junta dos melhoramentos sanitarios, que auxilio encontrou da parte do governo em 1871, e como, sem grande apparato e sem ostentação, foi possivel extinguir, só no districto de Leiria, umas poucas de centenas de hectares de pantano artificial creado para cultura do arroz.
Fiz rapidamente referencia, na passada sessão, ao facto de se haver conservado na secção 7.ª a verba de despeza com subsidios para concertos e reparações de igrejas. Nada respondeu a tal respeito o digno par, e creio mesmo que nem s. exa. o sr. ministro.
Pois bem; essa verba de despeza injustificavel em 1871 ainda o é mais hoje que rege o novo codigo administrativo, que dota as juntas de parochia com os meios necessarios para a conservação e reparação das fabricas das igrejas parochiaes.
Na secção 6.ª do capitulo 9.° addicionam-se os ordenados dos empregados fóra do quadro, nos termos da lei de 11 de maio de 1872, etc., etc., com a qualificação de ex-administrador do pinhal de tal, ex-escrivão das matas de tal, ex-patrão dos saveiros, ex-mestre dos alcatroeiros, etc., etc.
Fica-se com effeito surprehendido com taes qualificações negativas. (Riso.)
Se toda esta gente perdeu a qualificação antiga por ser hoje outra a sua collocação, porque, se lhe não dá uma qualificação nova? Significará isso que não têem hoje uma occupação determinada? Póde dizer-m'o o digno par a quem respondo, e poder-m'o-ha dizer sem o recurso obrigado ás suas costumadas investigações historicas? (Riso.)
(Aparte do sr. Mendonça Cortez.)
Eu acceito a luva. Se o digno par me provocar com as suas referencias pessoaes, não lhe respondo, porque tenho a consciencia da sua superioridade; se, porém, se limitar a discutir estas questões, hei de responder-lhe, e cá tenho entre mãos a grande arma. (Mostrando o orçamento.)
Uma voz: - É um bacamarte.
O Orador: - Pois será, mas o bacamarte ainda póde ser hoje uma arma de combate. (Riso.)
Tambem peço ao digno par, que tomou com tanto calor a defeza do orçamento do ministerio das obras publicas, que me diga como se explica que com a quinta regional de Cintra se gastassem 22:100$000 réis. A agricultura é uma sciencia essencialmente experimental.
Ensinam-se os melhores processos para a exploração da terra, já se vê subordinados á condição de que se explora a terra para obter um certo lucro d'essa exploração. Processos os mais perfeitos, os mais conformes com os principios da sciencia e que importarem, como resultado immediato de sua applicação, uma perda real, rejeitam-se como não sendo praticos, como não podendo conduzir ao fim a que se propõe a agricultura como sciencia experimental. No orçamento anterior vinha calculada a despeza da quinta regional em 8:500$000 réis. A differença a mais entre essa despeza e a do orçamento actual é justificada especialmente pelo novo processo de cultura, por meio do vapor.
Ora, pergunto: tendo a quinta regional de superficie creio que 170 hectares, sendo a sua receita 5:200$000 réis, como o affirmam os taes chamados documentos do ministerio das obras publicas, e sendo a sua despeza réis 22:100$000, figurando n'ella a cultura a vapor por réis 8:250$000, damos acaso ao paiz a segurança de que os processos de exploração agricola ali seguidos sejam real e experimentalmente praticos?
Responda por mim o digno par.
Sr. presidente, podem estes factos, que o orçamento accusa, e que provocam da minha parte um certo reparo, e sobre os quaes arrisco estas considerações, ter uma certa explicação. O que é facto, porém, é que o orçamento lh'a não dá. Se o que disse sobre a tapada do Campo Grande mereceu ao que parece, a contestação do sr. ministro, o que é facto é que o que eu disse está no orçamento, é o que o orçamento accusa.
Desenganemo-nos, sr. presidente, disse o, e repito-o, e não me cansarei de o repetir, não teremos orçamento ver-