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878 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Em França, n´aquelle mesmo anno, não chegou a 352:000 francos!

E este facto, senhores, e este grande povo, certamente que merece toda a attenção da parte do legislador; porque a immensa producção, que vem da sua enorme actividade, não é para ser consumida pelos seus 55.000:000 de habitantes, e sim para a exportação, para facilitar a qual todos os dias constroe novos caminhos de ferro. Assim, ha tres annos, construiu o North-Pacific, que liga S. Francisco a New York (o oceano Pacifico ao Atlantico.) No anno preterito o Canadian-Pacific, que communica o Manitoba e o paiz da Ribeira Vermelha com Montreal e o Canadá (a região central fertilissima dos grandes rios e lagos) directamente com o mar Atlantico. Estas as duas ultimas linhas; porque em dez annos os Estados Unidos construiram 214:000 kilometros de vias ferreas.

Aquellas duas ultimas, o caminho de ferro do North Stern e o Canadian-Pacific, dão serventia e lançam nas costas para o mercado da Europa a producção cerealifera, exuberante, de terras que o homem cultiva agora pela primeira vez. Imagine-se cortado o isthmo do Panamá, e logo os trigos, que sáem da California e vão ao golpho do Mexico, e os trigos do Chili que vem á Europa pelo cabo Horn, logo, digo, hão de abandonar esse roteiro, vindo directamente pelo canal.

Chegarão á Europa em menos de quinze dias, e com grande diminuição nos fretes.

Quando tal succeder, e não será tarde, esses trigos encontrarão o nosso syndicato de moagens, que conservará o preço actual do pão; e, fazendo enormes lucros, arruinará por completo a cultura do trigo nacional.

Note v. exa. e note a camara, que isto não são phantasmagorias.

Desde 1880 que têem diminuido os fretes dos trigos da America; pois entre nós esse facto não fez impressão no mercado da nossa principal subsistencia: o pão continuou a ser vendido pelo mesmo preço. - Continuou a vender-se pelo mesmo preço; mas succedeu porém, um facto que logo indicou que alguma cousa deveria dar-se, que embaratecesse o trigo americano; o nosso começou logo a diminuir de preço. Não encontrando venda no mercado, não tendo procura, (como já mostrei, dando os preços, sempre a decrescer, d´esses trigos) baixou o seu valor.

Que baixassem os fretes depois de 1880, não sou eu que o digo, dil-o o ministro da agricultura em França, na exposição que fez ao parlamento sobre a questão dos cereaes:

«Antes de 1880, diz elle, o trigo, que vinha de Nova-York, Philadelphia, Baltimore, para os differentes portos francezes, pagava de frete por cada 100 kilogrammas 3 francos e 75 centimos; em 1885, dos mesmos portos, 2 francos e 25 centimos.

«Da Austrália, o frete que valia termo medio, em 1880, 7 francos; desceu em 1885 a 4 francos e 25 centimos.

«Das indias, o frete que valia 5 francos em 1880, desce a 2 francos e 25 centimos em 1885.

«Da Russia e do Danubio, o frete que valia 4 francos, desceu a 1 franco e 50 centimos.»

Entre nós não podia deixar de succeder o mesmo facto, que foi geral, e de que beneficiaram os srs. contratadores de farinhas americanas. Eu já quiz, por meios differentes, colher informações fidedignas sobre os fretes que pagavam os importadores de trigos estrangeiros. Pois sabe1 v. exa. o que me succedeu?

Foi ficar sabendo que os trigos americanos saíam em Lisboa muito mais caros que os trigos nacionaes.

Foi verdade. Vou ler a informação que obtive; e farei o calculo tomando a unidade 10 kilogrammas e a unidade alqueire, consoante fez a informação.

Resa assim:

Custo, frete e seguro de 10 kilogrammas de trigo americano, posto em Lisboa, 350 réis.

Custo; frete e seguro de 11 kilogrammas (e uma fracção) do mesmo trigo americano, correspondente ao alqueire de Lisboa, 385 réis.

Armazenagem e direitos, em 10 kilogrammas, 185 réis.

Em 11 kilogramma ou alqueire, 205 réis.

Assim, preço total de 10 kilogrammas de trigo estrangeiro em Lisboa, 350+185=535.

Preço do alqueire 385+205=590.

Assim, o alqueire de trigo custa ao farinador, segundo a sua confissão, 590 réis.

Ora, vendo nós, em 23 de julho d´este anno, os preços correntes do nosso mercado, encontramos o seguinte:

Trigo nacional, rijo lobeiro............. 530 a 550 réis

Trigo nacional, rijo regular............ 480 a 520 »

Trigo nacional, durasio............... 490 a 530 »

Trigo nacional, ribeiro fino............ 500 a 530 »

Trigo nacional, ribeiro regular.......... 480 a 500 »

Trigo nacional, temporão.............. 460 a 480 »

Do nosso trigo, o mais caro vendia-se a 530. A media d´estes preços era 518 réis.

Os srs. farinadores queriam comprar o trigo a 590 réis, e não o queriam a 518 réis!

Dizem que S. Agostinho acreditava, porque era absurdo — quod absurdum credo. Eu não; e maxime, quando, acceitando um tal absurdo, eu iria escarnecer a miseria publica.

Senhores, o tempo foge rapido. Eu concluo.

A fim de que o nosso credito se mantenha, é mister que o pagamento dos juros da divida publica seja feito com pontualidade; e, para esse encargo, uma das principaes fontes da receita é a agricultura.

Prosperando, facil satisfarão os lavradores os impostos devidos; mas, ao inverso, se continuar em decadencia, o pagamento das contribuições ir-se-ha difficultando cada vez mais, até que cesse de todo, vendo-se obrigados os proprietarios a deixar que lhe penhorem os predios.

É o que poderá vir a succeder. Concluí.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi muito comprimentado pelos dignos pares de ambos os lados da camara.}

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): — Sr. presidente, ouvi com toda a attenção o digno par, de quem, ha alguns annos, tenho a honra de ser amigo, e por cuja illustração e talento tenho a maxima consideração.

V. exa. e a camara comprehendem certamente que pelo adiantado da sessão parlamentar e da estação climaterica, eu me vejo forçado a ser o mais conciso possivel em qualquer resposta que tenha de dar.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para responder ao digno par o sr. Hintze Ribeiro, com relação a duas perguntas que s. exa. me dirigiu.

Versaram essas perguntas sobre cereaes e sobre o bacalhau pescado por navios portuguezes;

Começando pela segunda, tenho a dizer que, ao entrar no ministerio, encontrei quatorze ou quinze navios que pescavam bacalhau nos bancos da Terra Nova, e que, mettendo-o no porão, o salgavam e o desembarcavam em Lisboa, pagando o direito estabelecido para o peixe salgado.

Esse direito foi, porém, por portaria do sr. Hintze Ribeiro, quando ministro da fazenda, mandado cobrar como sendo o bacalhau peixe secco.

Ora havia, como digo, quatorze ou quinze barcos empregados n´esta industria.

E se fossemos applicar a esses barcos os direitos que pagam os barcos estrangeiros, a industria da pesca feita pelos portuguezes acabaria Immediatamente. Julgo que não devemos concorrer para que se acabe este ramo de industria nacional.

Por isso, estabeleci por uma portaria, até que as côrtes tomassem qualquer resolução, que continuasse a cobrança