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N.º 68

SESSÃO DE 25 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Francisco Simões Margiochi

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Ordem do dia. - Votação e approvação do parecer da commissão de verificação de poderes, sobre a carta regia que elevou á dignidade de par do reino o deputado Antonio Augusto Pereira de Miranda. - Discussão do parecer n.° 84 sobre o projecto de lei n.° 65, que auctorisa o governo a contrahir um emprestimo até á quantia de 400:000$ 000 réis, para ser exclusivamente applicado na conclusão das obras e melhoramentos publicos nas provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, e nas despezas de regresso á metropole do pessoal empregado n'essas obras, quando findem os prasos dos seus contratos. - O digno par Vaz Preto pergunta se os réis 2.OOO:OOO$OOO, a que montam os emprestimos contrahidos desde 1876 para obras publicas no ultramar, foram todos applicados nas referidas obras. - Resposta do sr. ministro da marinha. - O digno par Costa Lobo (relator do projecto), defende o projecto. - Considerações do sr. visconde de S. Januario. - O digno par Vaz Preto combate o projecto. - Discurso do sr. Andrade Corvo.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo, presentes 26 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

CORRESPONDENCIA

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

l.ª Revogando o artigo 2.° do decreto de 28 de dezembro de 1870, só na parte em que fixa o emolumento de 000 réis por cada carta de saude conferida aos navios de longo curso que a solicitarem, passando-se a pagar 1$000 réis.

ÁS commissões de administração publica e, de fazenda.

2.ª Auctorisando o governo a reorganisar o exercito, repartições e mais estabelecimentos dependentes do ministerio da guerra, a organisar as reservas em conformidade com a carta de lei de 9 de setembro de 1868.

A commissão de guerra.

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 100 exemplares do Relatorio da syndicancia ás obras do Algarve.

Mandou-se distribuir.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministro da marinha.)

O sr. Placido de Abreu: - Mando para a mesa o seguinte requerimento, pedindo esclarecimentos pelo ministerio da fazenda.

(Leu.)

Peço a v. exa. que lhe mande dar o destino competente, a fim de que estas informações que peço que sejam enviadas com toda a urgencia, porquanto está pendente da discussão d'esta camara um projecto, que é um grave attentado contra aquella instituição.

Desejo, pois, que estas informações sejam mandadas á camara a tempo, de serem presentes quando se discutir o projecto a que me referi.

(Leu-se na mesa)

Requeiro que o ministerio da fazenda informe, com a brevidade possivel, ouvida a direcção do monte do official:

1.° Se as disposições do parecer n.° 113 da illustre commissão de fazenda, do qual se mandará um exemplar, vão causar perturbação nas bases essenciaes em que está fundada esta util e benefica instituição, e quaes serão os seus effeitos, sendo approvado;

2.° Se a assembléa geral d'esta instituição foi ouvida ácerca d'esta nova admissão de socios e condições em que o poderiam ser.

Sala da camara 25 de maio de 1880. = Placido de Abreu.

Mandou-se expedir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos passar á ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 93.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Parecer n.° 93

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de verificação de poderes a carta regia, que elevou á dignidade de par do reino o deputado da nação Antonio Augusto Pereira de Miranda, por estar comprehendido na disposição do artigo 1.° da carta de lei de 3 de maio de 1878.

O diploma de nomeação está regular é conforme com as disposições dos artigos 39.°, 74.° e 110.° da carta constitucional; verificando-se igualmente:

1.° Que o par nomeado é cidadão portuguez por nascimento, não tendo perdido ou interrompido essa qualidade;

2.° Que tem mais de trinta annos de idade;

3.° Que está no goso dos seus direitos politicos e civis;

4.° Finalmente que tem desempenhado o mandato popular em mais de oito sessões legislativas ordinarias.

Em vista dos factos que estão provados, e do direito vigente que regula o pariato consignado na lei de 3 de maio de 1878 e no respectivo regulamento approvado na sessão de 7 de janeiro de 1880, a vossa commissão é de parecer, que deve ser approvada a carta regia de 8 de janeiro de 1880, fazendo parte d'esta camara o deputado da nação Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Sala das sessões da commissão de verificação de poderes da camara dos dignos pares do reino, em 18 de maio de 1880. = Vicente Ferreira Novaes = Conde de Castro = Conde de Rio Maior = A. Sarros e Sá = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto, relator.

Carta regia

Antonio Augusto Pereira de Miranda, antigo deputado da nação. Eu, El-Rei vos envio muito saudar. Tomando em consideração os vossos distinctos merecimentos e qualidades, e attendendo a que pela vossa categoria de deputado da nação era mais de oito sessões legislativas ordinarias, vos achaes comprehendido na disposição do artigo 4.° da carta de lei de 3 de maio de 1878: hei por bem, tendo ouvido o conselho d'estado, nomear-vos par do reino.

O que me pareceu participar-vos para vossa intelligencia e devidos effeitos.

Escripta no paço da Ajuda, em 8 de janeiro de 1880. = EL-REI. = José Luciano de Castro.

Para Antonio Augusto Pereira de Miranda, antigo deputado da nação.

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Documento

Illmo. exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados.- Diz Antonio Augusto Pereira de Miranda, deputado pelo circulo n.° 96, que precisa que v. exa. lh'o mande passar certidão da qual conste em quantas e quaes sessões legislativas o requerente tem tido a honra se ser deputado da nação, e - E. R. M.cê

Lisboa, 5 de maio de 1880. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Passe do que constar. Sala das sessões, 5 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz.

Certifico que das actas e outros documentos existentes no archivo d'esta secretaria, consta que o requerente Antonio Augusto Pereira de Miranda foi eleito deputado ás côrtes para as legislaturas seguintes: para a legislaturas que teve principio em 26 de abril de 1869, e findou, per dissolução, em 20 de janeiro de 1870, havendo durado a primeira sessão desde 26 de abril até 25 de agosto de 1889, e a segunda de 2 a 20 de janeiro de 1870; para a legislatura que teve principio em 31 de março de 1870 o cuja unica sessão durou desde o referido dia 31 de Março até 23 de maio do dito anno; para a legislatura que teve principio em 15 de outubro de 1870 e findou, por dissolução, em 3 de junho de 1871, havendo durado a primeira sessão desde 15 de outubro a 24: de dezembro de 1870, e verificando-se, quanto á segunda, que se abriu em 3 de janeiro de 1871, foi n'esta data adiada para 3 de fevereiro, decorreu até 8 do mesmo mez, foi n'este dia novamente adiada para 11 de março e durou aia 3 de junho, data da dissolução da camara; para a legislatura que teve principio em 22 de julho de 1871 e findou em 2 de abril de 1874, havendo durado a primeira sessão desde 22 de julho a 22 de setembro de 1871, a segunda de 2 de janeiro a 4 de maio de 1872, a terceira de 2 de janeiro a 8 de abril de 1873 e a quarta de 2 de janeiro a 2 de abril de 1874; para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1875 e findou em 4 de maio de 1878, havendo criado a primeira sessão desde 2 de janeiro a 2 de abril de 1875, a segunda de 2 de janeiro a 2 de abril de 1876, a terceira de 2 de janeiro a 2 de abril de 1877 e a quarta de 2 de janeiro a 4 de maio de 1878; para a legislatura que teve principio em 2 de janeiro de 1879 e cuja unica sessão durou desde o referido dia 2 de janeiro até 19 da junho do mesmo anno; finalmente para a actual legislatura, tendo começado a primeira sessão em 2 de janeiro do corrente anno.

Certifico mais que nas legislaturas mencionadas n'esta certidão o requerente exerceu o mandato em todas as sessões legislativas.

E para constar se passou a presente por virtude do despacho lançado no requerimento retro.

Secretaria da camara dos senhores deputados, em 11 de maio de 1880. = O director geral, Jayme Constantino de Freitas Moniz.

O s. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Como nenhum digno par pede a palavra vae proceder-se á votação por espheras.

Procedeu-se á chamada e o sr. presidente, convidou-se dois dignos pares a servirem de escrutinadores.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Entraram na uma da votação 31 espheras brancas e 1 preta, e na da contraprova, 31 espheras pretas e 1 branca.

Está, portanto, approvado o parecer por 31 espheras brancas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Participo a v. exa. que Sua Magestade recebe a deputação d'esta camara ámanhã, a uma hora no paço d'Ajuda.

O sr. Presidente: - Em vista da declaração que acaba de lazer o sr. presidente do conselho, convido os dignos pares, que foram nomeados para essa deputação, a comparecerem ámanhã, á uma hora da tarde, no paço d'Ajuda, a fim de apresentarem a Sua Magestade os authographos de decretos das côrtes geraes que têem da receber a sua real sancção.

O sr. Conde de Castro: - O sr. conde de Valbom encarregou-me de participar a v. exa. e á camara, que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão.

O sr. Presidente: - Passâmos á discussão do parecer n.° 84.

Leu-se na mesa.

É o seguinte:

Parecer a.° 84

Senhoras.- As cartas de lei de 12 abril de 1876, 9 de maio de 1878, 23 de junho da 1879 votaram sucessivamente, para obras publicas no ultramar, emprestimos das seguintes sommas:

1876................................ 1.000:000$000
1878................................ 800:000$000
1879................................ 300:000$000
Somma réis..........................2.100:000$000

Estas leis preceituaram que o encargo dos emprestimos fosse pago pelo producto dos impostos que, nas provincias ultramarinas, se cobrassem com applicação especial para obras publicas.

Este preceito não ha possibilidade de que tenha sido executado, em consequencia dos saldos totaes negativos das provincias, a que os emprestimos foram destinados.

Com effeito, segundo o orçamento do ultramar para o anno economico corrente, o deficit total d'essas provincias - Cabo Verde, Angola, Moçambique, S. Thomé - é computado em 240:027$747 réis.

O orçamento do anno proximo calcula o déficit em réis 284:576$513 réis.

Proveitoso seria saber-se qual e como tem sido a applicação dos 2.100:000$000 réis, obtidos por emprestimo.

Todos os documentos existentes na secretaria d'estado vos foram communicados. Mas esses documentos são incompletos e deficientes. E, por cabaes e detalhados que fossem, pouco valor teriam. A fiscalisação, pelo governo da metropole, de obras multiplices, desconnexas e dispersas por terras mui entre-distantes das nossas longinquas possessões, e absoluta e intrinsecamente impossivel.

Quanto ao objecto da sua applicação até 30 de junho de 1878, podereis deixe fazer uma idéa pelo documento que o anno passado vos foi distribuido, e que se intitula - Obras publicas nas possessões portuguezas da Africa - l.ª serie.

Tomando em vulto as despezas de que faz menção esse documento, poderemos classifical-as em tres grupos, e, sem grave incorrecção, formulal-as do seguinte modo em contos de réis:

Pessoal; installação; materiaes de construcção
....................... 610:000$000
Edificios publicos (principalmente reparações) fortalezas, residencia do governador, quarteis, igrejas....................... 167:000$000
Estradas, pontes, telegraphos, esses, portos,
rios, pharoes o pantanos....... 88:000$000

Dos documentos recentemente enviados a esta camara, e ainda não publicados, colhemos os seguintes resultados:

Angola

Despezas feitas na provincial de 1 de julho de 1878 a 30 de junho de 1879:

Pessoal, despezas imprevistas, expediente,
estudos.........t............. 42:058$610
Construcção, conservação, reparação...... 230:969$132

Somma réis....................273:027$742

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Moçambique

Despeza até 30 de junho de 1879 com obras em andamento em 31 de janeiro de 1880:

Pessoal technico...................... 120:810$019
Construcção, expediente, despezas geraes,
estudos............................... 243:336$726
Somma reis........... 364:146$745

Cabo Verde

Despeza de 1 de julho a 31 de dezembro de 1879:
Pessoal.............................. 18:742$925
Material ............................ 6:877$410
Somma reis..:........................ 25:620$335

S. Thomé

Despeza total feita na provincia até 30 de setembro de 1879:

Pessoal technico e administrativo.......19:845$84l
Estudos ................................ 2:774$773
Despezas geraes é depositos de materiaes 49:220$092
Construção......................... 51:148$697
Somma réis......................... 122:994$903

Todos estes dados são parciaes e desencontrados, e não podem, por isso, servir de base a nenhum juizo seguro; todavia é para notar o que se antolha como uma desproporcionada relação entre as despezas pessoaes e as despezas de construcção.

Actualmente, porém, o que é certo é que está gasto todo o dinheiro dos emprestimos.

Tal é a situação que se refere o projecto de lei n.° 65, vindo da camara dos senhores deputados e da iniciativa do governo, sujeito ao exame das vossas commissões do ultramar e de fazenda.

O governo entende que se não póde continuar o systema seguido, de onerar perenemente os orçamentos da metropole com emprestimos para obras publicas nas provincias da Africa. Entende elle igualmente que sobre estás se não devem lançar encargos, sem a creação da receita correspondente.

As vossas commissões dão pleno assentimento a estes principios.

Em relação ao primeiro, observareis que servia elle de fundamento ás leis que auctorisaram os emprestimos contrahidos.

O segundo é a expressão de uma verdade trivial, que a nossa legislação tem mais de uma vez convertido com preceito positivo; preceito, todavia, mais frequentemente recordado pela infracção do que pela observancia.

E esta verdade é sobretudo momentosa, quando o encargo a satisfizer é o juro de um emprestimo. Porque a falta, de receita para o cobrir importa a necessidade de um novo emprestimo para esse fim, e abre a perspectiva illimitada de uma serie superveniente de emprestimos a juros compostos, que rapidamente se avolumam em onus imcomportavel para a extenuada fazenda, que a principio encontrou n'este expediente um momentaneo allivio.

O projecto de lei, submettido ao nosso exame, é a realisação dos salutares principios adoptados pelo governo, e ao mesmo tempo a demonstração dos inconvenientes que acabâmos de referir, inherentes ao procedimento contrario.

Por elle se propõe que seja auctorisado o emprestimo de 400:000$000 réis, com encargo, comprehendendo a amortisação, não excedente a 7 por cento ao anno. Este encargo é o mesmo dos anteriores emprestimos, dos quaes este emprestimo é tambem a consequencia.

Como vereis da nota particularisada, que acompanha a proposta do governo, 287:000$000 reis são requeridos para cumprimento dos contratos celebrados com o pessoal das obras publicas das provincias da Africa.

Os restantes 113:000$000 são indispensaveis para preparar á transição da situação actual para aquella em que o serviço das obras publicas fique inteiramente a cargo das provincias ultramarinas. Seria na verdade altamente inconveniente que se suspendessem de golpe as obras em via de andamento, e se perdessem as quantiosas sommas n'ellas despendidas.

Determina mais o projecto de lei, que os encargos d'este e dos emprestimos anteriores para obras publicas, fiquem a cargo da metropole, e que as quantias equivalentes, que deveriam nos termos das leis precedentes ser a satisfação d'esses encargos, constituam receita especial com a applicação a obras e melhoramentos publicos nas respectivas provincias do ultramar.

Comtudo, a somma total dos desembolsos feitos pelo thesouro na satisfação dos ditos encargos, será sempre considerada como divida das provincias á metropole, e exigivel de cada uma, na devida proporção, quando as suas circumstancias financeiras lhe permittirem o pagamento.

Estas disposições são prescriptas por uma irremediavel necessidade.

A receita das provincias ultramarinas, destinada ao pagamento dos encargos dos emprestimos, era a procedente do imposto especial para obras publicas. No orçamento para o corrente anno a receita d'esse imposto vem computada em 111:000$000 réis; no do proximo futuro anno em 97:750$000 réis.

Approvado este projecto de lei, o encargo dos quatro emprestimos será de 175:000$000 réis. Fica, pois, muito áquem d'esta somma o rendimento do imposto para obras publicas.

Mas, ainda quando fosse elle empregado em satisfazer, pela sua importancia, uma parte dos encargos dos emprestimos, essa applicação é obvio que seria puramente phantastica. Porquanto havendo o deficit avultado, que mencionámos, nos redditos do ultramar, o thesouro não faria senão apropriar por um titulo o que seria constrangido a entregar por outro.

Assim, e para que as provincias ultramarinas não fiquem fallidas de todos os recursos para continuar as suas obras publicas, a metropole sujeita-se a tomar sobre si, nos termos apontados, os encargos d'este e anteriores emprestimos.

Julgâmos, pois, justificadas todas as disposições do projecto de lei.

Entretanto, apesar de que os principios que lhe servem de fundamento são de uma evidencia quasi intuitiva, e convencidos como estamos de que constituem elles a unica segura carta de guia para a administração financeira das colonias, é impossivel deixar de reconhecer que são elles a cada momento impugnados, não directamente, porque o absurdo seria demasiado transparente, mas nos appellos quotidianamente endereçados ao estado para o emprego dos seus haveres e do seu credito no adiantamento d'aquellas regiões.

E é notavel, senhores, que o resultado final das reclamações d'este genero se resolva na continuação d'aquelle systema, que a experiencia colonial das nações, - e nenhuma outra nação a tem mais antiga, mais gloriosa e mais desgraçada que a nossa, tem constantemente reprovado.

Esse systema é o da intervenção do estado.

Durante seculo e meio o nosso dominio colonial, não fatiando da America, estendeu-se por todo o litoral que se dilata desde ás praias de Ceuta até ás praias de Macau. Dominavamos na Africa. Tivemos o commercio exclusivo de todas as riquezas da Asia, dos productos mineraes, agricolas e manufacturados dos vastos territorios da Arabia, da Persia, da India, da China e do Japão. E, por fim, todo esse imperio se esvaiu, deixando o nosso paiz desfallecido, despovoado, ignorante, pobre e convertido n'uma charneca,

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entresachada de raras lavouras. E o que é que esterilisou tão abalisados esforços? Do dominio comprehende se a perda, logo que maiores forças nol-o disputassem. Mas que não restasse nenhum cumulo de riqueza, de sciencia, de esforço, de civilisação, - como se explica? Pela intervenção do estado.

O estado construia ou fretava os navios, e fazia a navegação; tratava o commercio; promovia e regulava a emigração; fundava as colonias; erigia e reparava as igrejas, os hospitaes, os estaleiros, as feitorias, os armazens; e obra publica que elle não fizesse, não a fazia, mais ninguem. As secretarias d'estado, no Terreiro do Paço, pagavam não só o governador, o juiz, o soldado, o missionario e o explorador, mas tambem o piloto e o mercador; ou antes eram ellas tudo isto conjunctamente. A casa da India convertia em soldado o jornaleiro e o mesteiral, e os capitães em negociantes. Foi o estado que desprezou a escala, as bahias e os ares temperados do cabo da Boa Esperança, que cedeu a ilha de Bombaim, o melhor porto da India, e que fez uma capital de. Moçambique, desde logo appellidada o cemiterio de Portugal. Um só commercio que o estado deixou livre, e esse o unico que prosperou, foi a escravatura. Uma só colonia que o estado descurou: e essa é o Brazil.

Transcorramos dois seculos, e cheguemos aos nossos dias. Do vasto imperio colonial, nada mais nos restava, alem das ruinas do oriente, que as possessões africanas e o seu prospero trafico da escravatura.

Mas a civilisação não permittia que está infamia continuasse, e o decreto de 10 de dezembro de 1836 prescreveu a sua .inteira abolição.

Não podia, porém, o estado, na conformidade do velho systema, desamparar os interesses das colonias.. "Promo vamos na Africa, dizia o relatorio do decreto, a colonisação dos europeus, o desenvolvimento da sua industria, o emprego dos seus capitães; e, n'uma curta serie de annos, tiraremos os grandes resultados que outr'ora obtivemos das nossas colonias".

Como o estado entendeu, então é depois, que se devia effectuar esta empreza, não cabe o relatal-a nos estreitos limites que a pratica tem assignado a estes pareceres. É um regimen que ainda vigora em parte, e apenas o apontamos como uma das breves considerações, ou antes lembranças, feitas á vossa illustração. Bastará, recordar-vos que foi uma rede de prohibições, monopolios, protecções, favores differenciaes, compridas pautas e pesados direitos. Só a pauta de Angola tinha 567 artigos. E tudo com o fim de promover a prosperidade das colonias e da metropole! E bem sabeis que não eram esses homens publicos, que representavam é estado, nem tyranicos, nem ignorantes, nem machiavelicos. Eram estadistas favoneados pela aura popular, esclarecidos e pensadores, sincera e honradamente empenhados no cumprimento do seu dever. Mas acreditavam na preeminencia do estado para aquillo em que o estado tem muito escassa competencia.

Eis, em summa, a historia da intervenção do estado na civilisação- colonial. E d'esta nossa historia têem os estranhos colhido proveitosa lição. Nós é que somos renitentes em aprender, até á nossa custa. "Que o monopolio commercial de populosas e ferteis colonias escrevia ha um seculo Adam Smith, não basta a estabelecer, nem sequer a manter, a industria fabril de qualquer paiz, está sufficientemente demonstrado pelos exemplos de Hespanha e Portugal". Pois este é ainda hoje o principio sobre que se estriba a legislação aduaneira da nossa Africa occidental.

O mesmo grande mestre, aproveitando ainda a historia para demonstração da sempre malefica interferencia do estado nos negocios coloniaes, chegava á seguinte conclusão: "Por uma maneira, e, só por esta, tem a Europa contribuido para o engrandecimento das colonias. Magna virum mater! Gerou e formou os homens capazes de levar a cabo tão grandes emprezas, e de lançar os alicerces de tão vasto imperio. E nenhuma outra parte do mundo ha, cuja civilisação seja capaz de formar, ou de facto tenha formado, similhantes homens. Ás colonias devem á policia da Europa a educação e largas vistas de seus esforçados e aventurosos, fundadores; e, das mais ricas e importantes, apenas outra cousa lhe deverão algumas."

Em rasão do seu passado historico, o problema colonial é hoje, no nosso paiz, de uma complicação extrema.

Portugal consagra um grande affecto ás suas colonias; affecto que se deriva da recordação de antigos feitos, do desejo de readquirir, a importancia social que lhe nega a pequenez do seu territorio, e, da nobre ambição de ser util á causa da civilisação. .

Estes sentimentos são dignos de respeito. Mas devem regular-se pelos dictames da rasão.

A vastidão daquelles longinquos dominios, que se dilatam por mais de 500 leguas de costa; os sertões inexplorados; a selvageria, vizinha da animalidade, dos indigenas; longos e caudalosos rios, mas pouco prestaveis á navegação; o litoral miasmatico; vales e chans paludosas; o solo rico de mineraes e de uma feracidade prodigiosa, coberto de vegetação luxuriante e impervia; calores torridos; o clima insalubre de febres e anemias; e, em geral, uma desproporção, que assombra, entre as forças da natureza e as forças do homem: por outro lado, na metropole a escassez de braços, aggravada pela emigração para o Brazil que, sem barbara injustiça, não poderia ser tolhida nem desviada, a falta de capitães, os paramos incultos da Extremadura e do Alemtejo, a grande penuria de obras publicas, uma divida enorme, um deficit persistente: tal é o complexo de formidaveis difficuldades que se nos antepõem.

Não são ellas invenciveis. Mas a sua resolução não se ha de esperar do estado, mas da liberdade.

A sciencia da governação é uma sciencia experimental: e, se ha experiencia provada, é a de que a ingerencia dos governos da metropole nunca conseguiu civilisar as colonias.

A energia individual é a unica força productora do bem. A confiança nas proprias forças a condição essencial de todo o melhoramento. E estas qualidades são, sobretudo, necessarias nas regiões onde a natureza se ostenta com todo o apparato do seu tremendo poder. Foi a energia e a confiança propria que fez os homens de prol, a gente esforçada e varonil, como dos nossos primeiros grandes descobridores dizia um poeta, seu contemporaneo e familiar. Não foram os cabedaes do thesouro, mas os proprios esforços dos colonos, que fundaram o que outr'ora foram opulentas dependencias e hoje são grandes nações, os Estados Unidos e Brazil. Não com subsidios do thesouro, mas com os recursos individuaes, que se cortam as madeiras, se aram os campos e se lavram as minas do Canadá, e que se criam os rebanhos e manadas, que fazem a riqueza da Australia: e é com os impostos que a sua industria lhes fornece que essas colonias abrem as suas estradas e desdobram os seus telegraphos. O governo paternal, com as suas andadeiras e bafejos, não faz senão entorpecer o vigor e acalentar a indolencia. E assim o demonstram os factos na questão pendente. Estes emprestimos têem já produzido no ultramar o triste effeito de enfraquecer a iniciativa propria, e de concentrar no estado, todas as esperanças de prosperidade.

As vossas commissões bem desejavam apresentar-vos um algarismo certo e documentado do que o thesouro tem gasto com as colonias nos ultimos tempos: mas a dispersão cahotica da nossa contabilidade publica é a oppressão dos trabalhos parlamentares não lhes consentiram fazer esse difficil e moroso trabalho. Tem-se computado esse algarismo, em relação aos dezenove annos decorridos, em 26.000:000$000 reis; isto é, muito mais do que a somma em que a colonia do Cabo tem orçado a sua rede completa de caminhos de ferro, estradas, e pontes (veja-se o relatorio do consul da cidade do Cabo nos Relatorios dos consules de Portugal, 1877). Mas em todo 5 caso, não ha duvida que constitue

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elle uma das parcellas não insignificantes da nossa divida nacional. E todos esses subsidios ás colonias têem sido pedidos ao credito sob o regimen do deficit. Ora as colonias não podem, nem devem, esperar que a nação, de que ellas fazem parte, lhes faça o sacrificio da propria vitalidade. A miseria da metropole é a ruina das colonias.

E os mais fecundos melhoramentos não requerem ruinosos emprestimos. O governador integro e zeloso, o magistrado fiel á justiça, o soldado disciplinado, o missionario evangelico, o mestre da escola primaria, não demandam extraordinarios recursos de dinheiro, e são os mais poderosos fautores da civilisação.

Outro melhoramento capital que a metropole deve ás colonias, e tambem não ha para elle necessidade de emprestimo, é a plenitude da liberdade civil e commercial. Deve a lei franquear-lhes o accesso da civilisação do mundo inteiro, de todas as intelligencias, aptidões, braços e capitães, venham elles de onde vierem, que ali se queiram empregar. Vale mais para a prosperidade de Moçambique uma pauta liberal, como a que lhe foi ordenada peio decreto de 30 de julho de 1877, do que todos os milhões que se embebam nos seus brejos.

Mas os erros politicos e economicos, accumulados durante quatro seculos, não se destroem em uma dezena de annos. É necessario contar com o tempo, que, é um elemento indispensavel de todo o progresso. E, se cumprirmos o que realmente constitue o nosso dever, tudo o mais virá por accrescimo. E, se a historia, a observação e a sciencia não mentem, o futuro se encarregará de realisar uma d'aquellas inesperadas harmonias economicas e sociaes, que o presumptuoso intromettimento do estado, com as suas series de emprestimos, regulamentos e deslocada actividade, não faz senão desconcertar ou tornar impossivel.

Estes são os principios. Mas os principios governativos não são de uma rigidez geometrica. Póde o subsidio ás colonias ser excepcionalmente aconselhado pela benevolencia ou exigido pela suprema lei da necessidade: mas nunca póde nem deve ser arvorado em systema. É d'este pensamento que se inspira o projecto de lei. As vossas commissões são, portanto, de parecer que elle merece a vossa approvação.

Sala da commissão, em 12 de maio de 1880. = Visconde de Soares Franco = Antonio de Serpa Pimentel (com declarações) = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto Conde de Samodães = Joaquim Gonçalves Mamede. = Barros e Sá = José de Mello Gouveia = Marino João Franzini = João José de Mendonça Cortez = Thomás de Carvalho = Conde de Castro = Duque de Palmella = Carlos Bento da Silva = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Antonio de Sousa Silva Costa Lobo, relator.

Projecto de lei n.° 65

Artigo 1.° É o governo auctorisado a contrahir um emprestimo até á quantia de 400:000$000 réis, para ser exclusivamente applicado na conclusão e conservação das obras e melhoramentos publicos nas provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, e nas despezas do regresso á metropole do pessoal empregado n'essas obras, quando findem os prasos dos seus contratos.

§ unico. Os encargos d'este emprestimo, comprehendendo a sua amortisação, não excederão a 7 por cento ao anno.

Art. 2.° Os juros e amortisações d'este emprestimo, e dos que foram auctorisados pelas leis de 12 de abril de 1876, 9 de maio de 1878 e 23 de junho de 1879, ficarão desde a data da presente lei a cargo da metropole, emquanto a situação financeira das provincias não lhes permittir pagal-os.

Art. 3.° As quantias que representam tanto os encargos actuaes como os que resultarem da presente lei, e as que as provincias deverem pelos que lhes foram distribuidos, constituirão receita especial com applicação a obras e melhoramentos publicos nas mesmas provincias.

Art. 4.° A importancia total dos desembolsos provenientes das disposições dos artigos 2.° e 3.° d'esta lei será sempre considerada divida das provincias á metropole, exigivel a cada uma, na proporção em que para ella tiver concorrido quando as suas circumstancias financeiras lhe permitiam pagal-a.

Art. 5.° Serão reorganisados os quadros do pessoal das obras publicas que ha de servir nas provincias ultramarinas a que se refere esta lei, procurando o governo desde já contratar entre o pessoal technico aquelle que for necessario para não se interromperem as obras em execução, nem se desprezar a conservação das que se acham terminadas.!

Art. 6.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 30 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes V az, presidente = Antonio José d'Avila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario.

Proposta de lei n.° 96-G

Senhores.- Na ultima sessão parlamentar apresentou o governo uma proposta, que foi convertida na lei de 23 de Junho do anno findo, auctorisando-o applicar a quantia de 300:000$000 réis á continuação das obras publicas nas provincias ultramarinas de Africa oriental e occidental. Esta auctorisação teve por fim habilitar o governo a não interromper as obras encetadas e a pagar ao pessoal contratado até que podesse submetter á approvação do parlamento, na actual sessão, uma outra proposta em que se attendesse definitivamente á resolução d'este importante assumpto.

E o que tem em vista, realisar a proposta que hoje temos a honra de vos apresentar.

Não parece que possa continuar o systema seguido de onerar successivamente os orçamentos da metropole com emprestimos para as obras publicas das provincias de Africa ou de lançar a estas encargos sem a creação da receita correspondente; mas julgâmos indispensavel que o governo seja ainda uma vez auctorisado a despender o necessario para satisfazer ás condições dos contratos, e preparar a transição para que o, serviço de obras publicas fique completamente a cargo das provincias.

A fim de facilitar a execução d'este pensamento foi expedida, em 4 de setembro do anno findo, uma portaria, circular aos governadores das provincias ultramarinas de Africa, ordenando-lhes que o pessoal de obras publicas se applicasse especial e determinadamente á execução das obras em contracção, não se dando começo a qualquer outra senão quando fosse muito urgente e podesse ficar, concluida antes de terminar o tempo da commissão do pessoal respectivo. E a distribuição da quantia auctorisada pela citada lei de 23 de junho do anno findo, de cuja execução opportunamente darei conta ao parlamento, foi igualmente ordenada, tendo em attenção o mesmo pensamento da circular a que nos referimos.

Como se vê da nota junta, se se attender unicamente ao pagamento dos vencimentos do pessoal europeu e das suas passagens para o reino e ás despezas com operarios e materiaes que serão necessarios para que esse pessoal se occupe, durante o tempo em que tem de permanecer em Africa, na continuação das obras começadas, a despeza total a fazer será approximadamente de 287:000$000 réis, Considerando, porém, que, em relação ás provincias de Moçambique e Angola, nas quaes os contratos do respectivo pessoal europeu terminam nos primeiros mezes do anno corrente, póde julgar-se de conveniencia dar-lhes algum tempo para organisarem, como melhor entenderem, o serviço de obras publicas, tornando-se, portanto, necessario destinar algum pequeno subsidio para uma ou outra obra de mais urgente utilidade, e bem, assim pagar, du-

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rante algum tempo, emquanto se não providenciar convenientemente sobre o seu destino, ao pessoal operaria não europeu, parece-nos rasoavel applicar, para occorrer, a estas necessidades, uma verbas embora não avultada. É com este fundamento que propomos que o subsidio se eleve a 400:000$000 réis.

Parece-nos que d'este modo o governo fica, habilitado para, nas condições mais convenientes, operar a transição do systema actual para aquelle que deixamos indicado.

Á proporção que o tempo dos contratos do pessoal europeu de cada uma das expedições for terminando, as differentes provincias irão diligenciando contratar, sendo possivel d'entre esse mesmo pessoal, aquelle que ha de constituir o quadro do serviço d& obras publicas, que ficará, completamente a cargo d'ellas, e o governo terá unicamente de attender á urgencia de continuar qualquer obra mais importante, emquanto a transição se não houver realisado definitivamente. Esta necessidade, porém, só se dará nas provincias de Moçambique e Angola, porque nas de S. Thomé e Principe e Cabo Verde, como os contratos do pessoal europeu terminam em epocha mais afastada, haverá o tempo preciso para que ellas se preparem com antecedencia para tomarem a seu cargo o serviço de obras publicas.

Por estas considerações temos a honra de submetter á vossa approvação a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar, pelo modo mais conveniente, até á quantia de 400:000$000 réis, para ser exclusivamente applicada ás obras publicas das provincias ultramarinas de Africa, tanto no material a empregar nas mesmas obras, como nos vencimentos do respectivo pessoal e transportes de regresso nos termo dos seus contratos.

Art. 2.° Os encargos d'este emprestimo não excederão a 7 por cento ao anno, e deverão ser pagos pelas provincias ultramarinas na proporção das quantias para cada uma d'ellas applicadas.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 23 de fevereiro da 1880. = Henrique de Barros Gomes = Marquez de Sabugosa.

Nota da despeza approximada que haverá a fazer com o pessoal das obras publicas das provincias de Africa, até terminar o tempo dos respectivos contratos

Moçambique

Vencimento do pessoal technico e administrativo, durante quatro mezes, incluindo o tempo da viagem..................20:000$000
Jornaes de 86 operarios durante tres mezes...13:545$000
Jornaes dos mesmos durante a viagem ....1:290$000
23 passagens de l.ª classe..............5:123$250
90 passagens de 2.ª classe..............13:365$000
Despezas extraordinarias (transportes na provincia e outros)...............................500$000
53:823$250
Angola

Pessoal de estudos do caminho de ferro do Ambaca: Vencimentos durante cinco mezes em Angola 14:000$000
Vencimentos durante a viagem de regresso..360$000
10 passagens de l.ª classe...............1:500$000
3 passagens de 2.ª classe................530$000
Despezas extraordinarias (transporte na provincia, etc.)...................................210$000
16:000$000

Pessoal das obras publicas de Angola:
Vencimento do pessoal technico, administrativo e telegraphico em Angola, durante circo mezes......
15:000$000
Vencimento do mesmo pessoal durante a viagem de regresso..............................1:032$350
Jornaes de 85 operarios europeus durante cinco mezes ................................22:312$500
Jornaes dos mesmos durante a viagem...1:375$000
Despezas extraordinarias (transportes na provincia e outros) ............................500$000
27 passagens de l.ª classe ...........4:050$000
91 passagens de 2.ª classe.............10:010$000
54:179$850

S. Thomé e Principe

Vencimento do pessoal technico e administrativo durante um anno ..................9:708$000
Jornaes de 43 operarios europeus durante um anno..............................22:575$000
4 passagens de l.ª classe...........480$000
47 passagens de 2.ª classe..........36:993$000

Cabo Verde

Vencimento do pessoal technico e administrativo durante um anno..............11:880$000
Jornaes de 12 operarios......5:400$000
10 passagens de l.ª classe...720$000
12 passagens de 2.ª classe...200$000
Despeza extraordinaria.......18:848$000
Para que o pessoal a que se referem estas notas possa occupar-se utilmente, é necessario juntar ás despezas indicadas as que se referem aos trabalhadores ordinarios indigenas que auxiliam o pessoal europeu e aos materiaes a adquirir.

Estas despezas são approximadamente as seguintes:

Moçambique ....... . .................. 30:000$000
Angola ................... ............ 50:000$000
S. Thomé e Principe . ..... .... ...... 12:000$000
Cabo Verde ............................ 15:000$000
107:000$000

Recapitulação

Despeza com o pessoal europeu:

Moçambique.......................... 53:823$250
Angola.............................. 70:579$850
S. Thomé e Principe ................ 36:993$000
Cabo Verde.......................... 18:848$000
Despeza com o pessoal operario indigena e
em materiaes........................ 107:000$000
287:244$100

Observações

O pessoal europeu das obras publicas de Moçambique deve regressar ao reino em abril de 1880, o de Angola era junho ao mesmo anno, o do S, Thomé e Principe quasi todo em janeiro de 1881; havendo, porém, alguns individuos cujas commissões se prolongam até 1882, o de Cabo Verde em epochas diversas. Para o pessoal de Cabo Verde foi feito o calculo da despesa suppondo que se conservava todo na provincia durante o anno de 1880.

Na provincia de Angola ha tambem engajados por cinco annos, dos quaes tem decorrido um, 300 operarios indigenas, que trabalham actualmente nas estradas do districto de Benguella. A despeza mensal com estes operarios póde computar-se em 200$000 réis.

Na provincia do Moçambique ta engajados 180 operarios indios, por tres annos, cujos contratos terminam em

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1881. A despeza mensal com estes operarios póde calcular-se em 2:700$000 réis, não contando com os trabalhadores indigenas ordinarios, que têem de auxiliar aquelles nos trabalhos.

Na provincia de S. Thomé e Principe ha engajados 64 serviçaes, podendo a despeza mensal calcular-se em réis 500$000.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 23 de fevereiro de 1880. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, director geral.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O sr. Vaz Preto: - Antes de fazer algumas considerações sobre este projecto, preciso dirigir duas perguntas ao sr. ministro da marinha.

Desejava saber se estes 2.100:000$000 réis, votados pelas cartas de lei de 12 de abril de 1876, 9 de maio de 1878 e de 23 de junho de 1879, foram todos mandados para o ultramar ali gastos; assim como desejo tambem saber qual é a receita com que o governo conta para fazer face aos encargos d'este emprestimo de 400:000$000 réis?

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa):- Em resposta ao digno par devo dizer que do primeiro emprestimo, que foi de 1.000:000$000 réis, estão gastos réis 960:000$000 em obras publicas, como consta das contas da gerencia.

Do segundo emprestimo, que foi de 800:000$000 réis, estão gastos 799:000$000 réis. E do ultimo, que foi de réis 300:000$000, feito pelo actual governo no anno passado, já está todo gasto, e a esta hora já se precisa d'este que estamos discutindo, para poder satisfazer ás necessidades do serviço.

Quanto á segunda pergunta, que é qual a receita com que o governo conta para attender a estes novos encargos, tenho a dizer que esta despeza é indispensavel, e sem se contrahir este emprestimo o governo não póde gerir os negocios do ultramar, porque não póde deixar de satisfazer a estes contratos, e á obrigação que tem contraindo.

Eu já disse em outra occasião ao digno par, que o governo procurou, não só para este, mas para outros encargos, augmentar o rendimento do estado, e com esse augmento de rendimento é que se ha de satisfazer a estes novos encargos de momento, porque estes encargos hão de futuro ser pagos por aquella provincia, logo que ella o, possa fazer.

O sr. Vaz Preto: - Ouvi as explicações dadas pelo sr. ministro da marinha em resposta ás minhas perguntas.

As explicações expostas por s. exa. em relação á primeira pergunta, satisfizeram-me em parte, porque s. exa. acaba de declarar que estas sommas foram todas mandadas para o ultramar e que já estão gastas. N'este ultimo ponto acredito a affirmativa do sr. ministro, visto s. exa. o asseverar, comtudo os documentos que acompanham este documento dizem o contrario, como eu provarei.

Quanto á resposta que s. exa. deu á minha segunda pergunta, não me satisfez.

Logo darei as rasões, e farei algumas considerações relativas ao systema que o governo vae seguindo, porque antes d'isso careço de fazer algumas observações ácerca da primeira pergunta.

As explicações do sr. ministro da marinha não me satisfizeram, nem me podiam satisfazer, porque fiquei sem saber o que pretendia; alem d'isso os documentos, são diametralmente oppostos ao parecer da commissão.

As discussões correrão sempre mal todas as vezes que os projectos não vierem acompanhados dos documentos essenciaes e dos esclarecimentos precisos. N'este ha uma grande falta de documentos, e os esclarecimentos a que se refere a commissão são insufficientes. Vejamos se não é exacto o que affirmo.

Comparando um periodo do relatorio que precede o projecto em discussão com a opinião do governo a este respeito, vejo que não ha certeza do que se affirma n'esse periodo, porque o sr. ministro da marinha acaba de declarar formalmente, o contrario. O periodo a que me refiro diz o seguinte:

"Senhores. - As cartas de lei de 12 de abril de 1876, 9 de maio de 1878 e 23 de junho de 1879 votaram successivamente para obras publicas no ultramar emprestimos das seguintes sommas:

"1876.............................1.000:000$000
"1878............................ 800:000$000
"1879.............................. 300:000$000
Somma réis......................... 2.100:000$000

"Estas leis preceituaram que o encargo dos emprestimos fosse pago pelo producto dos impostos que, nas provincias ultramarinas, se cobrassem com applicação especial para obras publicas.

"Este preceito, não ha possibilidade de que tenha sido executado, em consequencia dos saldos totaes negativos das provincias, a que os emprestimos foram destinados.

"Com effeito, segundo o orçamento do ultramar para o anno economico corrente, o déficit total dessas provincias - Cabo Verde, Angola, Moçambique, S. Thomé - é computado em 240:027$747 reis.

"O orçamento do anno proximo calcula o deficit em réis 284:576$513 réis.

"Proveitoso seria saber-se qual é, e como tem sido a applicação dos 2.100:000$000 réis obtidos por emprestimo.

"Todos os documentos existentes na secretaria d'estado vos foram communicados. Mas esses documentos são incompletos e deficientes. E, por cabaes e detalhados que fossem, pouco valor teriam.

"A fiscalisação, pelo governo da metropole, de obras multiplices, desconnexas e dispersas por terras mui entre-distantes das nossas longinquas possessões, é absoluta e intrinsecamente impossivel.

"Quanto ao objecto da sua applicação até 30 de junho de 1878, podereis delle fazer uma idéa pelo documento que o anno passado vos foi distribuido, e que se intitula. Obras publicas nas possessões portuguezas de Africa, 1.ª serie.

"Tomando era vulto as despezas de que faz menção esse documento, poderemos classifical-as em tres grupos, e, sem grave incorrecção, formulal-as do seguinte modo em contas de réis.

"Pessoal, installação materiaes de construcção........................ 610:000$000

"Edificios publicos, (principalmente reparações) fortalezas, residencia do governador, quarteis, igrejas....................... 167:000$000
"Estradas, pontes, telegraphos, caes, portos, rios, pharoes e pantanos............. 88:000$000
"Dos documentos recentemente enviados, a esta camara, e ainda não publicados, colhemos os seguintes resultados:

Angola

"Despezas feitas na provincia, de 1 de julho de 1878 a 30 de junho de 1879:

"Pessoal, despezas imprevistas, expediente,
estudos........................... 42:058$610
"Construcção, conservação, reparação 230:969$132
Somma réis.......................... 273:0270742

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Moçambique

"Despeza até 30 de junho de 1879 com obras em andamento em 31 de janeiro de 1880:

"Pessoal technico.................... 12.0810$019
"Construcção, expediente, despezas geraes,
estudos ............................. 243:336$726
Somma réis........................... 364:146$745

Cabo Verde

"Despeza de 1 de julho a 31 de dezembro de 1879:

"Pessoal................................18:742$925
"Material...............................6:8777$410
Somma réis..............................25:620$335

S. Thomé

"Despeza total feita na provincia até 30 de setembro de 1879:

"Pessoal technico e administrativo......... 19:845$841
"Estudos ..............................2:774$773
"Despezas geraes é depositos de materiaes 49:225$592
"Construcção ..........................51:148$697
Somma réis.............................122:999$903

"Todos estes dados são parciaes e desencontrados, e não podem, por isso, servir de base a nenhum juizo, seguro; todavia é para notar o que se antolha como uma desproporcionada relação entre as despezas pessoaes e as despezas de construcção."

D'este periodo deduz-se, que os documentos são insufficientes, e que a commissão pouco confiou. N'esses; que do emprestimo de 1876 gasto até 1878, a commissão apenas apurou que se gastassem 865:000$000 réis, e do resto não sabe a applicação que teve; do emprestimo, de 1878 gasto até 1879, só conhece as despezas no valor de 785:789$725 réis, do resto d'este, emprestimo, e do emprestimo de réis 300:000$000 votado em 1879 é que se vê qual fosse a sua applicação.

Tudo isto que affirma a commissão é diametralmente ao contrario do que fez o sr. ministro da marinha.

Sr. presidente, se o governo entende que para fazer um orçamento no ultramar é necessario satisfazer á prescripção da lei de 1842, segundo a qual não se podem votar despezas, sem ao mesmo tempo crear a receita correspondente, doutrina esta que tambem está consignada no artigo 51.° da reforma de contabilidade de 1870, e no projecto de lei que ha pouco votámos n'esta camara, relativa tambem á contabilidade.

Se o governo entende que essa doutrina é conforme aos bons principios, se ella está nas leis em vigor, se deve reger para a metropole, pergunto por que é que o sr. ministro da marinha vem trazer á camara um projecto que está completamente em contradicção com os bons principios, com a legislação vigente e com a reforma da contabilidade ultimamente votada?

Chamei a attenção do governo sobre este ponto, quando se discutiu aqui essa reforma, e pedi á camara que olhasse bem para o que ia votar, porque da outra casa do parlamento estavam pendentes projectos de lei em opposição com as prescripções dessa reforma, para que não succedesse ver-se depois n'uma posição difficil quando esses projectos aqui viessem.

Realisou-se o que eu previa, e agora o governo, trazendo aqui o projecto de que nos occupamos, quer obrigar a camara a uma especie de reconsideração, pedindo-lhe que vote o contrario do que approvou ha dias.

Ouça ainda a camara o que diz o relatorio da commissão de marinha e ultramar que examinou o projecto em debate.

"Tal é a situação a que se refere o projecto de lei n.° 65, indo da camara dos senhores deputados e da iniciativa do governo, sujeito ao exame das vossas commissões do ultramar e de fazenda.

"O governo entende que se não póde continuar o systema seguido, de onerar perennemente os orçamentos da metropole com emprestimos para obras publicas nas provincias de Africa.

"Entende elle igualmente que sobre estas se não devem lançar encargos sem a creação da receita correspondente.

"As vossas commissões dão pleno assentimento a estes principios.

"Em relação ao primeiro, observareis que servia elle de fundamento ás leis que auctorisaram os emprestimos contrahidos.

" O segundo é a expressão de uma verdade trivial, que a nossa legislação tem mais de uma vez convertido em preceito positivo; preceito, todavia, mais frequentemente recordado pela infracção do que pela observancia.

"E esta verdade é sobretudo momentosa, quando o encargo a satisfazer é o juro de um emprestimo. Porque a falta de receita para o cobrir importa a necessidade de um novo emprestimo para esse fim, e abre a perspectiva illimitada de uma serie superveniente de emprestimos a juros compostos, que rapidamente se avolumam em onus incomportavel para a extenuada fazenda, que a principio encontrou n'este expediente um momentaneo allivio.

"O projecto de lei, submettido ao nosso exame, é a realisação dos salutares principios adoptados pelo governo, e ao mesmo tempo a demonstração dos inconvenientes que acabamos de referir, inherentes ao procedimento contrario.

"Por elle se propõe que seja auctorisado o emprestimo de 400:000$000 réis, com encargo, comprehendendo a amortisação, não excedente a 7 por cento ao anno. Este encargo é o mesmo dos anteriores emprestimos, dos quaes este emprestimo é tambem a consequencia.

"Como vereis da nota particularisada, que acompanha a proposta do governo, 287:000$000 réis são requeridos para cumprimento dos contratos celebrados com o pessoal das obras; publicas das provincias de Africa.

"Os restantes 113:000$000 réis são indispensaveis para preparar a transição da situação actual para aquella em que o serviço das obras publicas fique inteiramente a cargo das provincias ultramarinas. Seria na verdade altamente inconveniente que se suspendessem de golpe as obras em via de andamento, e se perdessem as quantiosas sommas n'ellas despendidas.

Isto significa que o governo quer applicar ás colonias a sã doutrina de não votar despezas sem a receita correspondente. Mas sendo assim, qual é a rasão por que no projecto, em que se pretende applicar esses bons principios, os esqueceu completamente para a metropole?

"Os resultados serão aquelles que aponta, a commissão, que hão de advir da falta de coherencia e de systema.

O aggravamento do deficit da metropole e os emprestimos que hão de succeder-se uns aos outros para pagar os encargos que vão ficando, fiem trazerem vantagens correspondentes, serão consequencias fataes.

Isto significa que o governo e o sr. ministro da marinha continuara a administrar as colonias pela fórma que s. exas. censuraram, Isto significa. Isto significa quaes colonias continuarão a ser um sorvedouro das riquezas da metropole sem vantagens reciprocas!

Mas diz o sr. ministro da marinha, que a. receita para fazer face á despeza que traz este projecto de lei, ha de sair das receitas geraes que .estão, no orçamento. Então porque censurava, s. exa. os outros governos, quando pro-

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cediam, como s. exa. desprezando a lei de 1842 e os regulamentos de contabilidade que têem força de lei, que determinam que se não crie despeza alguma sem ao mesmo passo se propor a receita correspondente?

S. exa., para ser coherente com as suas idéas anteriores, devia ter acompanhado este projecto da indicação da receita que havia de cobrir a despeza que ha de resultar d'este emprestimo de 400:000$000 réis.

D'onde é que sáe a receita para satisfazer os encargos que o juro e amortisação d'esta somma hão de trazer?

O que tudo isto mostra, sr. presidente, é que se esqueceram todas as promessas e todas as declarações, que as leis continuam a não ser cumpridas, e que os governos que deviam ser os primeiros a dar o exemplo de respeito á lei e aos principios de boa administração e economia, são pelo contrario os primeiros a desprezal-os.

Sr. presidente, eu peço á camara que veja bem o que vae fazer, que repare que a votação d'este projecto importa uma reconsideração formal do que a camara aqui tem votado já, e ainda ha poucos dias tornou a votar.

Alem do que acabo de expor, note a camara, ainda o projecto apresentado pelo governo e o que foi modificado pela camara dos senhores deputados são muito differentes: no primitivo projecto limitava-se o sr. ministro da marinha a pedir uma auctorisação de 400:000$000 réis, e indicava que os encargos d'este emprestimo não excederiam 7 por cento ao anno, e que seriam pagos pelas provincias ultramarinas: no da camara dos senhores deputados vêem-se consignados os bons principios para a confecção do orçamento das colonias, creando-lhe receita a par das despezas, mas passando para a metropole o encargo d'este emprestimo, e dos tres antecedentes, o que me repugna completamente, e acho pouco rasoavel.

Perguntarei eu agora - pois nós devemos continuar a prejudicar a metropole em favor das colonias, quando ellas não têem dado senão maus resultados por serem mal administradas?

Têem-se feito enormes despezas com as colonias, sem se verem os resultados; e serão, porventura, medidas, como esta, que o governo tenciona propor para acabar com o pessimo systema que se tem seguido? Sr. presidente, têem-se despendido com as colonias até agora 26.000:000$000 réis; a mim parecia-me que o sr. ministro da marinha e ultramar deveria vir propor á camara outras medidas, que tivessem por fim fazer com que a administração das colonias fosse mais proficua, e não vir aqui só propor emprestimos e mais emprestimos; todo este dinheiro se tem despendido, e o resultado que se tem tirado qual tem sido? Aggravar o deficit da metropole e os dinheiros despendidos inutilmente sem vantagem conhecida para as colonias!

Têem-se feito diversos emprestimos para as colonias, ultimamente os de 1876, 1878 e 1879, e procura-se o que ha de real d'estes emprestimos em melhoramentos? Nada. Com as sommas d'estes emprestimos poderia ter-se feito no paiz o primeiro caminho de ferro internacional, o caminho do valle do Tejo, se n'este paiz se fizesse alguma cousa com acerto e com methodo. Quasi todo este grande rendimento tem sido gasto com o pessoal! Resultado para as colonias e metropole? Nenhum.

Sr. presidente, muitas outras considerações tenho a fazer ainda, mas entendo dever circumscrever-me a estas, até que o sr. marquez de Sabugosa, ministro da marinha, ou o sr. relator da commissão dêm á camara os esclarecimentos indispensaveis, e responda ás minhas arguições e duvidas.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Ao que a commissão se refere é á repartição das obras publicas, com referencia ás que se tem feito no ultramar; e eu referi-me á repartição de contabilidade, ás verbas que têem sido pagas por Londres e outras procedencias; não tem a repartição de obras publicas que haver nada com isto.

Ás contas, porém, acham-se publicadas.

O sr. Vaz Preto: - S r. presidente, v. exa. e a camara ouviram a resposta do sr. ministro da marinha, que assevera que os emprestimos foram gastos, e que existem da sua applicação todos os documentos; a commissão, porem, assevera que todos os documentos lhe foram patentes mas que elles eram incompletos e deficientes, e que ainda que fossem cabaes e detalhados, pouco valor teriam, porque a fiscalisação pelo governo da metropole é absoluta e intrinsecamente impossivel.

Esta asseveração da commissão no periodo que ainda ha pouco li, quer dizer que todos os documentos lhe foram apresentados, tanto os que diziam respeito ás obras publicas, como os que estavam na repartição de contabilidade. Eu escuso de ler os periodos que já li, e que são bem claros no relatorio. N'elle vem os dados que a commissão póde colher, e as contas que soube apurar, e d'ellas se vê que do primeiro emprestimo apenas tem documentos que justificam as despezas até 865:000$000 réis, e do segundo até 786:000$000 réis, cifra redonda.

D'aqui conclue-se o que a commissão affirma, que os documentos que lhe foram apresentados eram incompletos e deficientes, e sem valor nem importancia.

O sr. ministro acaba de dizer, que os dois primeiros emprestimos, um de 1.000:000$000 réis, e outro de réis 800:000$000, tinham sido gastos, como se provava pelas contas de gerencia, e que o de 1879 tambem estava gasto, mas que não havia ainda as contas; mas a commissão declara que viu todos os documentos, e por consequencia as contas, e conclue por uma proposição diametralmente opposta ao sr. ministro da marinha! Como se entende, pois, isto?

N'esta conjunctura era conveniente que o sr. relator da commissão e o sr. ministro da marinha se pozessem de accordo, e averiguassem se effectivamente ha documentos de despeza que justifiquem ter-se gasto toda a somma dos emprestimos.

Sr. presidente, é mister nas circumstancias difficeis em que nos achâmos, que todos saibam como são applicados os dinheiros publicos, e que elles são despendidos com parcimonia, e bem fiscalisados, e isto é tanto mais necessario quanto se vae affrontar o contribuinte com impostos altamente vexatorios.

Sr. presidente, como já disse estes 400:000$000 réis que se pedem no projecto é mais uma somma que vae aggravar as dificuldades financeiras da metropole, e vae ao mesmo tempo sumir-se na voragem africana das nossas colonias, que já tem tragado inutilmente 26.000:000$000 réis.

Sr. presidente, o governo devia estudar, madura e minuciosamente, o modo de administrar no ultramar, e só depois de ter adoptado as providencias necessarias para a boa fiscalisação dos dinheiros publicos, quer por meio do parlamento, quer por meio de medidas que a lei lhe permitte tomar, podia vir pedir auctorisação para levantar este emprestimo.

Mas, pedir uma somma importante, parte da qual já está gasta com O pessoal, que acabou ou está a acabar o seu contrato, e faltarem todos os esclarecimentos que podem elucidar a camara e habilital-a a votar com conhecimento de causa, é o que custa a comprehender.

Cumpre notar que o pessoal technico tem custado, talvez, metade das quantias que se têem votado com applicação ás obras do ultramar, e que o governo quer continuar com as obras e o pessoal por conta da metropole, em logar de fazer com que seja tudo pago pelas provincias interessadas!

Obras publicas, quer sejam no ultramar, quer na metropole, absorvendo o pessoal technico metade das sommas a despender, são impossiveis, e não se comprehende similhante systema.

Sr. presidente, s. exa. diz muito claramente no seu relatorio para que quer os 400:000$000 réis, e no projecto de

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lei que o precede, estabelece-se doutrina diametralmente opposta ás modificações introduzidas na camara dos senhores deputados.

Eis o projecto primitivo do governo:

"Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar, pelo modo mais conveniente, até á quantia de 400:000$000 réis, para ser exclusivamente applicada ás obras publicas das provincias ultramarinas de Africa, tanto no material a empregar nas mesmas obras, como nos vencimentos do respectivo pessoal e transporte de regresso nos termos cos seus contratos.

"Art. 2.° Os encargos deste emprestimo não excederão a 7 por cento ao anno, e deverão ser pagos pelas provincias ultramarinas na proporção das quantias para cada uma d'ellas applicadas.

"Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

"Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario."

É exactamente o projecto de lei identico apresentado pelos seus antecessores. Como muda, pois, o governo de opinião e systema? A commissão comprehende-se que queira outro systema, que pretenda introduzir systema novo nas colonias, systema que effectivamente seria muito mais proveitoso se tivessemos nas colonias bom pessoal e numeroso. Mas desgraçadamente nem bom pessoal, nem numeroso lá temos; o pessoal, que avulta principalmente, nas colonias, são os degradados.

N'estas circumstancias, ao governo o que lhe competia fazer era informar-se minuciosamente do estado das colonias, nomear bons governadores, e introduzir na administração os correctivos convenientes.

O projecto da commissão é o seguinte:

"Artigo 1.° É o governo auctorisado a contrahir um emprestimo até á quantia de 400:000$000 réis, para ser exclusivamente applicado na conclusão e conservação das obras e melhoramentos publicos nas provincias de Cabo Verde, S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique, e nas despezas do regresso á metropole do pessoal empregado nassas obras, quando findem os prasos dos seus contratos.

"§ unico. Os encargos d'este emprestimo, comprehendendo a sua amortisação, não excederão a 7 por cento ao anno,
"Art. 2.° Os juros e amortisações d'este emprestimo, e dos que foram auctorisados pelas leis de 12 de abril de 1876, 9 de maio de 1878 e 23 de junho de 1879, ficarão desde a data da presente lei a cargo da metropole, emquanto a situação financeira das provincias não lhes permittir pagal-os.

"Art. 3.° As quantias que representam tanto os encargos actuaes como os que resultarem da presente lei, e as que as provincias deverem pelos que lhes forem distribuidos, constituirão receita especial com applicação a obras e melhoramentos publicos nas mesmas provincias.

"Art. 4.° A importancia total dos desembolsos provenientes das disposições dos artigos 2.° e 3.° d'esta lei será sempre considerada divida das provincias á metropole, exigi-givel a cada uma, na proporção em que para ella, tiver concorrido quando as suas circumstancias financeiras lhe permittam pagal-a.

"Art. 5.° Serão reorganisados os quadros do pessoal das obras publicas que ha de servir as provincias ultramarinas a que se refere esta lei, procurando o governo desde já contratar entre o pessoal technico aquelle que for necessario para não se interromperem as obras em execução, nem se desprezar a conservação das que se acham terminadas.

"Art. 6.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer desta auctorisação.

"Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario."

Comparem-o com o do governo, e ver-se-ha que os principios são diversos.

De tudo isto vê-se que continuaremos a votar sommas enormes para o ultramar, sem resultado algum. Prepare-se, pois, a camara para dentro em pouco votar mais do que 400:000$000 réis.

A tudo isto acresce que o relatorio do sr. ministro da marinha está em contradicção com o seu proprio projecto.

Eis o relatorio e o mappa que o acompanha:

" Senhores. - Na ultima sessão parlamentar apresentou o governo uma proposta, que foi convertida na lei de 23 de junho do anno findo, auctorisando-o a applicar a quantia de 300:000$000 réis á continuação das obras publicas nas provincias ultramarinas de Africa oriental e occidental. Esta auctorisação teve por fim habilitar o governo a não interromper as obras encetadas e a pagar ao pessoal contratado até que podesse submetter á approvação do parlamento, na actual sessão, uma outra proposta em que se attendesse definitivamente á resolução d'este importante assumpto. E o que tem em vista realisar a proposta que hoje temos a honra de vos apresentar.

"Não parece que possa continuar o systema seguido de onerar successivamente os orçamentos da metropole com emprestimos para as obras publicas das provincias da Africa, ou de lançar a estas encargos sem a creação da receita correspondente; mas julgâmos indispensavel que o governo seja ainda uma vez auctorisado a despender o necessario para satisfazer ás condições dos contratos, e preparar a transição para que o serviço de obras publicas fique completamente a cargo das provincias.

"A fim de facilitar a execução d'este pensamento foi expedida, em 4 de setembro do anno findo, uma portaria, circular aos governadores das provincias ultramarinas do Africa, ordenando-lhes que o pessoal de obras publicas se applicasse especial e determinadamente á execução das obras em construcção, não se dando começo a qualquer outra senão quando fosse muito urgente e podesse ficar concluida antes de terminar o tempo da commissão do pessoal respectivo. E a distribuição da quantia auctorisada pela citada lei de 23 de junho do anno findo, de cuja execução opportunamente darei conta ao parlamento, foi igualmente ordenada, tendo em attenção o mesmo pensamento da circular a que nos referimos.

"Como se vê da nota junta, se se attender unicamente ao pagamento dos vencimentos do pessoal europeu e das suas passagens para o reino e ás despezas com operarios o materiaes que serão necessarios para que esse pessoal se occupe, durante o tempo em que tem de permanecer em Africa, na continuação das obras começadas, a despeza total a fazer será approximadamente de 287:000$000 réis. Considerando, porém, que, em relação ás provincias da Moçambique e Angola, nas quaes os contratos do respectivo pessoal europeu terminam nos primeiros mezes do anno corrente, póde julgar-se de conveniencia dar-lhes algum tempo para organisarem, cone o melhor entenderem, o serviço de obras publicas, tornando-se, portanto, necessario destinar algum pequeno subsidio para uma ou outra obra de mais urgente utilidade, e bem assim pagar, durante algum tempo, emquanto se não providenciar convenientemente sobre o seu destino, ao pessoal operario não europeu, parece-nos rasoavel applicar, para occorrer a estas necessidades, uma verba, embora não avultada. E com este fundamento que propomos que o subsidio se eleve a 400:000$000 réis.

"Parece-nos que deste modo o governo fica habilitado para, nas condições mais convenientes, operar a transição do systema actual para aquelle que deixâmos indicado.

"Á proporção que o tempo dos contratos do pessoal europeu de cada uma das expedições for terminando, as differentes provincias irão diligenciando contratar, sendo possivel d'entre esse mesmo pessoal, aquelle que ha de constituir o quadro do serviço de obras publicas, que ficará completamente a cargo d'ellas, e o governo terá unicamente de attender á urgencia de continuar qualquer obra

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mais importante, enquanto a transição se. não houver realisado definitivamente. Esta necessidade, porém, só se dará nas provincias de Moçambique e Angola, porque nas de S. Thomé e Principe e Cabo Verde, como os contratos do pessoal europeu terminam em epocha mais afastada, haverá o tempo preciso para que ellas se preparem com antecedencia para tomarem a seu cargo o serviço de obras publicas.

Nota da despeza approximada que haverá a fazer com o pessoal das obras publicas das provindas da Africa até terminar o tempo dos respectivos contratos

Moçambique

"Vencimento do pessoal technico e administrativo, durante quatro mezes, incluindo o
tempo da viagem.................... 20:000$000
"Jornaes de 86 operarios durante tres mezes 13:545$000
"Jornaes dos mesmos durante a viagem.... 1:290$000
"23 passagens de l.ª classe............. 5:1230250
"90 passagens de 2.ª classe............ 13:365$000
"Despezas extraordinarias (transportes na pro-vincia e outros)....................... 500$000
53:823$250

Angola

"Pessoal de estudos do caminho de ferro de Ambaca:
"Vencimentos durante cinco mezes em Angola 14:000$000
"Vencimentos durante a viagem de regresso 360$000
"10 passagens de l.ª classe............. 1:500$000
"3 passagens de 2.ª classe.............. 530$000
"Despezas extraordinarias (transporte na
provincia, etc.)....................... 210$000
16:4000000

"Pessoal das obras publicas de Angola:
"Vencimento do pessoal technico, administrativo e telegraphico em Angola durante
cinco mezes........................ 15:000$000
"Vencimento do mesmo pessoal durante a
viagem de regresso.................. 1:032$350
"Jornaes de85 operarios europeus durante
cinco mezes......................... 22:312$500
"Jornaes dos mesmos durante a viagem ... 1:375$000 "Despezas extraordinarias (transportes na
provincia e outros).................. 500$000
"27 passagens de l.ª classe............. 4:050$000
"91 passagens de 2.ª classe............ 10:010$000
54:179$850

S. Thomé e Principe

"Vencimento do pessoal technico e administrativo durante um anno............. 9:708$000
"Jornaes de 43 operarios europeus durante
um anno..................... 22:575$000
"4 passagens de l.ª classe.. 480$000
"47 passagens de 2.ª classe. 4:23$0000
36:9930000

Cabo Verde

"Vencimento do pessoal technico e administrativo durante um anno .......... 11:880$000
"Jornaes de 12 operarios............... 5:400$000
"l0 passagens de l.ª classe........... 720$000
"12 passagens de 2.ª classe............ 6480000
"Despeza extraordinaria................ 200$000
18:848$000

"Para que o pessoal a que se referem estas notas possa occupar-se utilmente, é necessario juntar ás despezas indicadas as que se referem aos trabalhadores ordinarios indigenas que auxiliam o pessoal europeu e aos materiaes a adquirir.

"Estas despezas são approximadamente as seguintes:

"Moçambique........................ 30:000$000
"Angola............................ 50:000$000
"S. Thomé e Principe............... 12:000$000
"Cabo Verde......................... 15:0000000
107:0000000

Recapitulação

"Despeza com o pessoal europeu:

"Moçambique.......................... 53:823$250
"Angola.............................. 70:579$850
"S. Thomé e Principe................. 36:993$000
"Cabo Verde.......................... 18:848$000

"Despeza com o pessoal operario indigena e
em materiaes.......................... 107:000$000
287:2440100

Observações

"O pessoal europeu das obras publicas de Moçambique deve regressar ao reino em abril de 1880, o de Angola em junho do mesmo anno, o de S. Thomé e Principe quasi todo em janeiro de 1881, havendo porém alguns individuos cujas commissões se prolongam até 1882, o de Cabo Verde em epochas diversas. Para o pessoal de Cabo Verde foi feito o calculo da despeza suppondo que se conservava todo na provincia durante o anno de 1880.

"Na provincia de Angola ha tambem engajados por cinco annos, dos quaes tem decorrido um, 300 operarios indigenas, que trabalham actualmente nas estradas do districto de Benguella. A despeza mensal com estes operarios pôde computar-se em 200$000 réis.

"Na provincia de Moçambique ha engajados 180 operarios Indios por tres annos, cujos contratos terminam em 1881. A despeza mensal com estes operarios póde calcular-se em 2:700$000 réis, não contando com os trabalhadores indigenas ordinarios, que têem de auxiliar aquelles nos trabalhos.

"Na provincia de S. Thomé e Principe ha engajados 64 serviçaes, podendo a despeza mensal calcular-se em réis. 500$000.

"Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 23 de fevereiro de 1880.= Francisco Joaquim da Costa e Silva, director geral."

O sr. ministro reconhece que o systema seguido é mau e que é preciso mudar, mas o que fez até agora? Quaes as providencias que deu? Apenas mandou uma ordem para suspender as obras em construcção!

Este relatorio, embora contenha muito boas doutrinas, está completamente em contradicção com o projecto.

Mas vamos a outro ponto.

Os orçamentos das colonias têem sempre apresentado deficit. Lá seguem tambem o systema de administração do metropole, gasta-se com conta, peso nem medida; de fórma, que não ha orçamento algum equilibrado.

Não obstante, o governo agora, estabelece que as colonias se governem por si, e dá-lhes para o primeiro anno certa e determinada receita, mas como esta receita não póde cobrir o deficit do anno economico corrente, das provincias de Cabo Verde, Angola, Moçambique e S. Thomé, que é 240:027$747 réis, e o do anno proximo que está calculado em 284:576$747 réis, resulta d'aqui que a voragem de que fallei continua a engulir os recursos que vão da metropole para as colonias.

Eu quereria que o sr. ministro da marinha, em logar de acceitar as modificações apresentadas pela commissão, tratasse de resolver as questões difficeis que existem relativamente ás colonias; queria mesmo que s. exa. fizesse uma

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despeza extraordinaria afim de mandar uma commissão d homens competentes, que fossem ali examinar o apreciar o modo de administração e observar como os negocios publicos são resolvidos, para depois apresentarem um relatorio sobre o modo como as colonias deviam ser organisadas, e apontando as faltas, os erros que lá se commetem de fórma que se inaugurasse um systema inteiramente novo de regimen colonial.

Desde a mocidade que eu conheço o sr. ministro da marinha, faço justiça ao seu caracter, sei que são muito boa as suas intenções, generosos os seus sentimentos, e quando impugno este projecto não é com animo de melindrar s. exa., mas para lhe dizer cem a minha franqueza habitual, que assim nada resolve, e que todo o dinheiro que despender com as colonias é sem proveito algum, e que nem proxima nem remotamente apparecerão resultados beneficos e salutares.

O sr. ministro, longe das colonias, não póde presencear o modo como lá fóra se fazem os serviços. Não póde fazer juizo algum senão pelas informações que lhe são fornecidas pelas secretarias, onde não existe systema senão a rotina.

Muito embora s. exa. tenha boas intenções ha de enganar-se quasi sempre ácerca d'estas questões.

E estou convencido que neste ponto s. exa. só enganou, porque de certo estes 400:000$000 réis são pedidos pelo sr. ministro sem lhe terem mostrado a necessidade d'elles, ou antes sem lhe darem as informações precisas.

Eu desejo saber se s. exa. fica satisfeito com estes réis 400:000$000, e não vem pedir mais ao parlamento. Se, porém, for necessario vir mais tarde pedir algumas sommas, muito desejaria que s. exa. mandasse fazer estudos sobre o que se passa nas nossas colonias, procurando o modo de remediar os abusos que ali se praticam, e que apresentasse um relatorio circumstanciado ao parlamento ácerca d'esse importantissimo assumpto.

Os 2.100:000$000 réis que ali se teem gasto representam rama somma não pequena, que tem trazido á metropole encargos importantes. O que se gasta nas colonias sem resultado algum muito melhor seria que se tivesse gasto no continente, e ter-se-ía feito a primeira linha ferrea internacional.

Uma commissão de pessoas competentes é de urgente necessidade que vá á Africa, e que faça um relatorio circumstanciado ácerca das necessidades das colonias, da sua actual administração, dos erros e abusos que ali existam, e do modo de regular tudo em harmonia com es interesses das colonias e da metropole.

Sem um estudo serio e maduro feito por pessoas competentes nada se fará mais do que atirar á voragem sommas importantes que empregadas na metropole seriam muito productoras.

Desejando ouvir o sr. ministro, findo, por agora, aqui as minhas observações.

O sr. Costa Lobo: - Na qualidade de relator da commissão, apresentou largas considerações em defesa do projecto, e disse que elle tinha, entre outras, a vantagem de habilitar o governo a concluir obras que estavam começadas, o que era indispensavel para não ficar perdido o dinheiro que se tem gasto.

(O discurso do digno par será publicado guando s. exa. o devolver.)

O sr. Visconde de S. Januario: - Eu concordo inteiramente com as determinações do projecto que está em discussão, e entendo que o governo não podia na actualidade fazer mais, nem devia fazer menos.

Não podia fazer mais, porque tinha naturalmente de limitar-se em vista de déficit consideravel que ha na metropole; tratando de fazer as redacções possiveis no orçamento, e procurando por outro lado augmentar a receita com novos impostos, é a rasão por que me parece que se não poderiam por agora, fazer maiores sacrificios; não podia o governo fazer menos tambem, porque este emprestimo é para occorrer aos encargos de obras publicas do quatro provincias do ultramar e era indispensavel n'esta occasião não só para satisfazer á boa fé dos contratos, cumprindo os compromissos tomados pelo governo com o numeroso pessoal que foi engajado para emprehender aquelles melhoramentos, mas tambem para concluir, rematar e dar andamento a obras já começadas n'aquellas provincias africanas, o que se se não fizesse agora poderia pôr em perigo as construcções já adiantadas.

O pensamento do governo transacto era o desenvolver em larga escala as obras publicas n'aquellas provincias, e sendo devidamente dotado pele parlamento, empregou de certo os meios que lhe pareceram adequados para que a despeza, que se fez, fosse toda empregada em melhoramentos, que, realisados, serão altamente reproductivos.

O governo actual não póde deixar de ter o pensamento de adiantar as colonias, mas teve de se limitar aos recursos de que poderia dispor nas difficeis condições financeiras que vamos atravessando.

Uma parte, pois, da somma que se pede é destinada a continuar e a concluir as obras mais urgentes, e para as suas o estado não concorrerá com outros meios, pois que de futuro a ellas ficam sendo applicados os impostos que nas provincias ultramarinas se lançarem para satisfazer aos encargos dos emprestimos anteriores; e a outra parte é applicada a satisfazer os compromissos contrahidos com o pessoal.

Como pela cobrança se tem reconhecido que os impostos ias provincias ultramarinas, destinados a satisfazer os encargos dos emprestimos feitos para obras publicas ali, não chegam para isso, o governo actual tema sobre si esses encargos e dispõe que o producto d'esses impostos constitua um fundo que venha a se applicado ás despezas de obras publicas nas mesmas provincias, ou aos encargos de novos imprestimos por conta das colonias para esse fim; e quando lá um dia chegar a haver sobras, o thesouro da metropole poderá ser embolsado da arte que tiver adiantado.

O governo, pois, continuando a promover o andamento ias obras publicas ultramarinas por este medo dá um passo acertado para a descentralisação, dispertando a iniciativa propria das colonias e lançando-lhes os encargos dos melhoramentos de que ellas precisarem. Alem d'isso este projecto deve estar de accordo com algumas medidas que governo já tem na camara dos srs. deputados e com outras que, segundo creio, tenciona propor na proxima sessão legislativa.

Sr. presidente, eu enteado que o desenvolvimento das obras publicas das colonias ha de concorrer para a sua prosperidade n'um futuro mais ou menos proximo.

Não posso concordar com o digno par, sr. Vaz Preto, quando diz que este emprestimo póde considerar-se perdido no mesmo sorvedouro em que se têem perdido todos os outros que a metropole tem levantado para melhoramentos nas provincias- ultramarinas. S. exa. suppõe que toda a despeza feita com as colonias é improductiva, mas eu peço licença a s. exa. para não o acompanhar n'esta opinião. Depende seguramente da boa ou má administração dos meios que se votam para as colonias o bom resultado da sua applicação. Sendo bem administrados, entendo que todos esses meios, embora importem muitas vezes um sacrificio para a metropole, hão de produzir os seus naturaes effeitos em uma epocha mais ou menos proxima.

Disse tambem o digno par que as colonias eram um encargo para a metropole.

Tambem não posso partilhar essa opinião, e por mais ás uma rasão; com a posse das colonias dilatamos a nossa extensão territorial e a nossa população, e com as vantagens que d'aqui resultam augmentamos a nossa importancia politica como nação. Tanto mais pequeno é o territorio de um estado, maior importancia deve obter das suas colonias, como supplemento á exiguidade d'esse territorio. Tem

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o proveito de enviar um grande numero de empregados civis e militares áquelles territorios, dando, por assim dizer, provimento ás diversas necessidades dos individuos, que não podem obter collocoção na metropole. Alem d'isso, o commercio da metropole tira grandes vantagens das suas relações com as colonias.

Ainda que eu não estivesse convencido d'estas vantagens, despertava-me de certo esta idéa a leitura de um annuncio que encontrei ha poucos dias em um jornal. Vou ler o annuncio e depois tirarei as consequencias. É um annuncio de uma companhia de vapores.

"The West foreing steam navigation company, carreira mensal de vapores de Londres, com escala por Lisboa a Teneriff, Serra Leoa, Grand Basse Axim, Elmina, Cape Coast, Ajuda, Fernando Pó, ... Ambriz e Loanda.

"Os vapores destinados a este serviço são os seguintes...

"Não se recebe carga para os portos de Ambriz e Loanda, por serem possessões portuguezas e não ser permittido."

Ora, sr. presidente, o facto de não ser permittido aos navios com bandeira estrangeira receberem carga em Lisboa, ou qualquer outro porto de Portugal, para a conduzirem ás colonias, e vice-versa, demonstra que existe uma protecção bastante notavel ao commercio da metropole e principalmente á sua navegação.

Segundo o meu modo de ver, este exclusivo deve deixar de existir (sem comtudo se prescindir em absoluto do emprego de medidas protectoras do commercio e navegação nacional). Com effeito, tenho visitado muitas colonias de outros paizes, e noto que são tanto mais prosperas e mais ricas, e têem um commercio tanto mais importante, quanto mais liberaes são os principios economicos que n'elles predominam.

Sr. presidente, eu sou partidario de todas as liberdades, a liberdade civil, a liberdade de cultos, a liberdade de pensamento, a liberdade commercial, etc., e sou tambem partidario da liberdade colonial, isto é, desejo que nas colonias se reunam, a par das liberdades politicas, todas as liberdades economicas.

Sei perfeitamente que a isenção que ha ainda hoje com referencia ao commercio chamado de grande cabotagem entre a metropole e as colonias, e entre uma e outra colonia, é filha do pensamento de proteger, em justos limites, o commercio e a navegação exclusivamente nacionaes.

Acreditando que o principio da liberdade do commercio, debaixo de todos os pontos de vista em que seja encarado, é mais util ás colonias do que o systema da restricção, entendo, comtudo, que se podia conciliar essa liberdade com as protecção que é necessaria ao commercio e á navegação nacional.

Sr. presidente, se hoje se decretasse o acabamento d'este privilegio e o nivelamento commercial para todas as bandeiras, com accesso entre os nossos portos e os das colonias, estou convencido que immediatamente appareceriam aqui numerosas reclamações da associação commercial de Lisboa, da associação commercial do Porto, do banco ultramarino, de muitos commerciantes, dos armadores de navios, todos impugnando essa medida. E o facto de taes reclamações, muito provaveis, se não certas, o que representa? O interesse que o commercio de Portugal tem com a navegação e commercio das nossas colonias: portanto, não se póde dizer que ellas sejam um simples encargo para a metropole.

Eu desejaria que se decretasse o nivelamento indicado. Bem sei que se oppõe a isso o tratado feito em 1842 com a Gran-Bretanha, tratado em que se equipara a bandeira - ingleza á bandeira portugueza para todos os effeitos aduaneiros.

Com effeito, nesse caso, para proteger o commercio nacional, conviria adoptar-se o systema de differenciaes, carregando mais os direitos dos productos que fossem conduzidos em navios estrangeiros, ou diminuindo os direitos dos que fossem transportados em navios nacionaes.

Naturalmente, a Inglaterra reclamava as mesmas vantagens de pautas, em virtude do tratado a que já me referi, e como nos tratados de commercio e navegação, celebrados com outras nações, ha ordinariamente um artigo equiparando cada uma d'ellas á nação mais favorecida, estas nações pediriam tambem o beneficio concedido á Inglaterra, e assim se annullava o favor concedido por direitos differenciaes á navegação portugueza. Mas nada impede que se denuncie aquelle tratado, já muito antigo, para o reformar em melhores condições.

Os inconvenientes, que naturalmente resultam da excepção indicada pelo annuncio que acabo de ler, são obvios. Os navios estrangeiros, com destino ás nossas possessões ultramarinas, quando tocam em Lisboa ou n'outro ponto de Portugal, não podem receber senão malas e passageiros, e não carga, o que torna menos frequentes do que podiam e deviam ser essas communicações. Isto tem graves inconvenientes para o commercio, como todos sabem.

Ninguem tambem de certo ignora que, da frequente communicação das colonias entre si e a metropole, resulta o desenvolvimento do seu commercio e todas as vantagens que podem ante ver-se pela facilidade d'estas communicações.

São estas as rasões que me levam a indicar o alvitre a que me referi, como conveniente n'estas circumstancias, para que se decrete a liberdade do commercio entre as colonias e a metropole. Mas, alem do inconveniente que apontei, não ha mesmo, nalgumas colonias, navios nacionaes que se aproveitem d'esta excepção.

Macau prepara o chá, manipula-o em grande quantidade, e é esta uma das principaes industrias d'essa nossa possessão. Ha poucos navios portuguezes que façam commercio entre Macau e Portugal; e creio mesmo que, ha alguns annos, nenhum navio de commercio faz carreiras entre Lisboa e Macau; donde se segue que o chá consumido em Portugal embarca no porto de Macau em vapores que fazem carreira para Hong-Kong; d'aqui passa para navios inglezes, que vem a Lisboa, onde deixam malas e passageiros, se os trazem, e tomam carvão; mas a carga que é destinada para Portugal não desembarca, porque isso não é permittido em virtude do artigo 1:315 do nosso codigo commercial. E seja dito de passagem que parece impossivel que um codigo commercial decretado em 1833 esteja ainda em vigor para todos os effeitos do commercio e navegação. E realmente para admirar que ha quasi meio seculo as necessidades do commercio e da navegação não tenham provocado a urgencia da confecção de um outro codigo.

Como ía dizendo, o vapor inglez que conduz chá não descarrega por causa d'este artigo do codigo, e leva a carga para qualquer porto de Inglaterra, onde é transportada para outros navios ou para a alfandega, e depois é que vem para este paiz, sobrecarregada com o excesso do frete da viagem, seguro, agencias, lucros, etc., e, portanto, mais cara do que deveria ser para o consumo nacional. Este absurdo só poderá desapparecer quando houver liberdade de commercio para todas as bandeiras, salvos os direitos differenciaes.

A isto oppõe-se, como disse, o tratado com a Gran-Bretanha, o qual entretanto não vejo inconveniente algum em ser denunciado.

Sr. presidente, disse ha pouco que tenho observado que as colonias mais prosperas de todas as nações são exactamente aquellas em que vigoram systemas mais liberaes. Temos d'isso numerosos exemplos.

As nossas á sombra de um systema protector, que só ha poucos annos começa a alargar-se um pouco, não têem medrado muito durante quatro seculos.

As antigas colonias hespanholas na America do sul, hoje republicas, confirmam tambem o que acabo de dizer.

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Quem conhece a historia d'esses paizes sabe que viveram vida atrophiada e rachitica, emquanto estiveram, debaixo do dominio da Hespanha.

Eram então como umas succursaes de uma grande casa commercial de Madrid.

Essa casa era o governo, que tinha dois ou tres galeões que íam áquelles paizes buscar o oiro e a prata que eram explorados por conta do mesmo governo, dando em cambio os productos que eram necessarios á vida economica das referidas colonias.

Sob este regimen não poderam ellas desenvolver muito os seus recursos naturaes, nem as faculdades que as podiam tomar prosperas.

Pouco a pouco, porém, as colonias a que me estou referindo, lutando sempre para a sua independencia n'um periodo de dez a quinze annos, poderam emancipar-se do dominio da mãe patria, e adoptando um regimen mais ou menos liberal, porque ha legislações differentes, nas differentes republicas da America do sul, começaram rapidamente a desenvolver-se, e hoje ao cabo de cincoenta annos a sua riqueza tem attingido um alto grau.

É certo que as nossas colonias não estão governadas pelo mesmo systema adoptado pela Hespanha; todavia a, intervenção da metropole na sua administração fez-se sempre sentir de um modo pouco vantajoso para ellas, até uma epocha em que se começou a decretar medidas mais descentralisadoras.

Entretanto, as nossas possessões de alem mar estão ainda muito longe de ter um regimen economico que determine um desenvolvimento mais vasto das suas forças vivas, e com elle os progressos da civilisação e a prosperidade.

Se as colonias são dotadas de recursos e de riqueza propria, é necessario que n'ellas haja auctoridade e se facilite a acção local para o seu aproveitamento, (Apoiados.) dando-lhes faculdade para isso.

Todas as leis que forem tendentes a esse resulta fio, creio que hão de merecer o applauso publico, e pela minha parte, quando ellas aqui se apresentem, hei de sempre dar-lhes o meu voto com satisfação.

Eu não quero alongar o debate sobre o projecto que está em discussão, e por isso vou concluir: entendo que a verba que agora se destina para as obras em quatro provincias do ultramar é diminuta, desejaria que ella fosse maior, e sinto que as circumstancias não deixem o governo applicar para este fim outra verba mais importante.

Entretanto, como o governo toma provisoriamente todos os encargos dos emprestimos feitos, para que as provincias ultramarinas, reunindo o producto dos impostos especiaes, possam por sua iniciativa, não só desenvolver as obras actuaes, mas dar impulso a outras por sua propria conta: devemos esperar que por taes motivos, por apropriadas disposições de descentralisação, e por concessão de liberdades, economicas, as colonias despertem e entrem n'uma vida mais activa, que, melhorando as suas condições, lhes permiti?, devolver mais tarde á metropole, em largos beneficios, os sacrificios actuaes.

Eu suponho que no ponto a que me refiro as minhas; idéas estão no maior accordo com as do governo.

Com a legislação actual é muito difficil aos governadores promover o adiantamento das colonias, e tanto mais difficil, quanto maior é a distancia a que ellas se acham da metropole.

Como governador do ultramar, tive uma certa facilidade em desenvolver os melhoramentos publicos na provincia de Cabo Verde, como já antes de mim a tinha tido o meu antecessor o digno par o sr. Calheiros; e isto pela proximidade do reino, o que permittia promptas auctorisações, e previa approvação de muitas propostas.

Assim, com a concessão de um imposto de 3 por cento ad valorem, deu-se grande incremento ás obras publicas, cujos projectos principaes tinham de ser approvados em Lisboa. Se a distancia fosse maior e menos frequentes as communicações, as difficuldades seriam muitas.

É o que experimentei noa ^ovemos da India e de Macau, aonde, ou o governador ha de exorbitar, posto que em beneficio publico, ou ha de esperar largo tempo por auctorisações que muitas vezes não chegam ao seu destino.

Os embaraços provenientes de uma legislação centralisadora cançam e esmorecem os governadores; em quanto que as faculdades concedidas á sua auctoridade e á dos corpos locaes despertam e estimulam a sua iniciativa, pondo assim em movimento os recursos e a vitalidade d'aquelles governos.

Digo isto, reforçando as idéas que já aqui apresentei com referencia ás vantagens de que um pensamento descentralisador domine a legislação das provincias ultramarinas.

O governador da provincia, auxiliado pelo seu conselho e por corpos electivos, aonde elles tenham rasão de ser, estará sempre ao alcance de conhecer as principaes necessidades da provincia, de apreciar qual seja o mais poderoso instrumento do progresso local, e de decretar, pelo emprego dos meios proprios, as medidas mais proveitosas ao desenvolvimento do paiz, cuja administração lhe foi confiada.

Em resumo, sr. presidente, n'uma larga descentralisação, na frequencia de communicações, em amplas liberdades economicas e commerciaes, na escolha de óptimos governadores e de bons funccionarios devidamente retribuidos, na justa protecção a companhias de quaesquer nações, que dêem garantias para a exploração da agricultura, das minas e de quaesquer industrias, repousa a futura prosperidade das provincias ultramarinas.

O projecto approvo-o como uma necessidade de occasião e como um passo dado no caminho da descentralisação.

Tenho dito.

(O orador foi comprimento do.)

O sr. Bispo eleito do Algarve (sobre a ordem): - Sr. presidente, mando para a mesa um parecer da commissão de instrucção publica.

Leu-se e foi a imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, tendo escutado attentamente o discurso do sr. visconde de S. Januario, que reconheço que tem bastante conhecimento pratico das colonias, e que por isso mesmo póde-nos indicar alvitres muito aproveitaveis, estou em muitos pontos de acordo com s. exa.

S. exa., como governador que tem sido no ultramar, conhece muito bem as necessidades das colonias, e por consequencia, quando emitte a sua opinião em assumptos do administração colonial, é coro muita auctoridade.

Comtudo s. exa., referindo-se a mim, em alguns pontos está completamente enganado. Eu reporto-me ao que ouvi ao sr. ministro da marinha; o sr. ministro disse que este emprestimo era parte para occorrer ás obras começadas e que não podem suspender-se, e parte para gastar com o pessoal das obras publicas das provincias ultramarinas; mas a mim consta-me extra-officialmente que s. exa. tinha mandado suspender todos os trabalhos, mandando ao mesmo tempo para uma das nossas colonias diversos materiaes, dous pharoes, uma ponte, etc., de maneira que os engenheiros estavam sem saber se os trabalhos deviam continuar ou não, e estavam indecisos, porque os materiaes eram para ser applicados a obras que se tinham mandado suspender.

O que eu disse, e ainda digo, é que as despezas feitas com as colonias, toda a vez que sejam bem administradas e empregadas em melhoramentos reproductivos, podem dar um resultado salutar.

O systema seguido pelo actual governo é que não pede dar esses resultados.

Desejava, pois, que o sr. ministro da marinha, em logar de ter apresentado este projecto de lei, tivesse primeiro mandado fazer todos os estudos por pessoas competentes, e depois de haver todas as garantias, comprehendia então

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que a metropole fizesse sacrificios para beneficiar as colonias; mas, por esta fórma, repico, o emprestimo, que se pede vae cair no sorvedouro, em que caíram todos os outros, que tinham igual destino.

Sr., presidente, peço desculpa ao sr. relator da commissão de me ter dirigido primeiro ao sr. visconde de S. Januario, porque apenas tinha um ponto a discutir, mas agora vou dirigir-me a s. exa.

O sr. relator da commissão esteve collocado sempre em um terreno falso, porque combateu o que eu não tinha dito.

Disse s. exa. que eu julgava que o sr. ministro da marinha não podia gerir bem a repartição a seu cargo, porque não tinha estado em Africa.

Eu não disse similhante cousa.

O que eu disse foi que o sr. ministro da marinha, apesar de ter muito boas intenções e muita probidade, está collocado á frente de uma repartição que comprehende serviços, que não são da sua especialidade, e por isso não póde ter conhecimento exacto do modo como correm os negocios em Africa.

Isto foi o que eu disse.

Disse mais ainda. Mostrei, com argumentos, que s. exa. precisava mandar uma commissão ás colonias, que lhe apresentasse relatorios do modo como se fazem ali os serviços e como se podem evitar os inconvenientes, que se dão na administração.

Ora, isto não tem paridade alguma com o que me attribuiu o sr. relator da commissão.

S. exa. tambem disse que eu, querendo combater o relatorio da commissão, me servi de periodos isolados do relatorio, e que assim discutidos esses periodos as illações tiradas eram absurdas, quando o relatorio é um todo harmonico.

Parece que o sr. relator suppõe que eu estou argumentando de má fé.

Engana-se completamente, eu não sei discutir senão leal e francamente, e por isso conclui que o relatorio e projecto estão ligados um ao outro.

Eu combati o relatorio no seu conjuncto, e tirei d'elle principios que o sr. relator combateu agora, mas que sustentava o anno passado.

Sustentei um principio estabelecido nas nossas leis, e que o sr. ministro da marinha não devia ter esquecido quando trouxe este projecto ao parlamento.

Este principio é que não se vote nenhuma despeza, sem que se crie a receita correspondente aos encargos que ella deve produzir.

Portanto, já v. exa. vê que eu, na minha argumentação, fui logico.

Reconheço que não tenho muita facilidade na expressão do meu pensamento, mas no modo de argumentar sou sempre logico.

Quanto á applicação d'estes dois mil e tantos contos, diz aqui o relatorio que os dados apresentados á commissão foram insufficientissimos e sem valor, e que por elles nada se podia apurar.

Effectivamente assim parece, pois do primeiro emprestimo apenas ha documentos que justificam 800:000$000 réis, do segundo 785:000$000 réis e do terceiro não ha documentos.

Segundo a conclusão tirada pelo sr. relator, as verbas que se teem gasto importam em oitocentos e tantos contos de réis e mais 785:000$000 réis. D'ahi para 2.000:000$000 réis vae uma differença grande.

É preciso saber o destino que tiveram aquelles dinheiros; é necessario que se mostre que estes 400:000$000 réis agora pedidos se tornam absolutamente indispensaveis.

Disse o sr. Costa Lobo que a responsabilidade d'este emprestimo não pesava sobre o actual governo. Perguntei-lhe sobre quem pesava, então, essa responsabilidades. exa. replicou: que o dissesse eu. Naturalmente pesa sobre mim, que não só combato este, mas combati todos os outros emprestimos!

Dizia tambem o sr. relator que eu queria a bancarota, não facultando ao governo os meios necessarios para satisfazer os seus compromissos com os empregados publicos do ultramar.

Aqui está outro erro.

Eu desejo que se satisfaçam todos os compromissos com esses empregados, mas é necessario primeiro que tudo saber se elles cumpriram todas as condições dos seus contratos.

O sr. ministro da marinha está collocado na obrigação, de o demonstrar.

Foi o sr. conde de Cavalleiros quem aqui pediu uma nota pela qual, se conheceu que muitos dos empregados, a que me refiro, tinham faltado ao inteiro cumprimento da seus contratos.

É tambem isto o que o sr. ministro devia averiguar antes de tudo.

Não quero que o governo ponha de parte os seus compromissos, não quero a bancarota, mas quero justiça, moralidade, economia e respeito á lei.

Não quero que se mande dinheiro para as nossas colonias, se não ha meio de fiscalisar a sua applicação.

Eu desejo que a metropole soccorra as colonias, desejo que fomente a sua riqueza, mas desejo tambem que se aproveitem os recursos das colonias, de fórma que ellas não nos sirvam só de onus e de verdadeiros fardos. Entendo que ellas devem pagar os encargos d'estes emprestimos.

O sr. marquez de Sabugosa está no ministerio ha pouco tempo; mas, quando combatia o governo transacto, dizia que era necessario vida nova para o futuro. Eu desejava muito essa vida nova; mas vejo que continua o mesmo systema que s. exa. tanto, censurava, e que o levou a occupar hoje aquelle logar.

O sr. relator da commissão disse que não se tratava de um emprestimo nas mesmas condições em que outros foram feitos; mas parece-me que s. exa. está enganado. Este está nas mesmas condições d'aquelles que s. exa. combateu commigo; e por isso me admira que o digno par não se oppozesse agora a este emprestimo. S. exa. combateu esses emprestimos, porque não vinham acompanhados da necessaria receita para corresponder áquella despeza. Em vista d'isto, não posso, comprehender como s. exa. se prestou a ser relator de um projecto para se fazerem despezas sem haver receita sobre essas despezas.

Não é para estranhar verem-se certas incoherencias e contradicções por parte do governo; mas o digno par que tem discutido e votado n'esta camara segundo os dictames da sua consciencia, vir agora ser relator de um projecto em que se segue um systema que s. exa. condemnou, não posso comprehender. Não posso conciliar este facto com os precedentes de s. exa.

Como estão inscriptos outros dignos pares, e como o sr. ministro da marinha tem estado a tomar apontamentos, naturalmente para me responder, concluirei perguntando a s. exa. se mandou ou não suspender todas as obras, e se o pessoal está sem collocação, e sem saber o destino que ha de dar ao material.

Desejo tambem que s. exa. me diga se esta somma pedida é só para as obras publicas do ultramar, ou se tem tenção de a applicar á transição do systema antigo para o novo?

(O orador não reviu este discurso.)

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa):- Sr. presidente, vou simplesmente responder ás perguntas que acaba de fazer o digno par. Quanto ás outras observações que s. exa. fez, terei mais tarde occasião de responder.

Com relação á pergunta - se mandei ou não suspender as obras publicas no ultramar, - devo dizer que não fiz

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senão cumprir a lei e os contratos. Estes acabam agora, como s. exa. disse ha pouco, e visto que eu não estava auctorisado para continuar as obras publicas em larga escala, ordenei que, quando acabassem os contratos, o pessoal devia regressar; comtudo que se procurasse desde já engajar parte desse pessoal para o seu quadro ordinario de obras publicas.

Quanto ao material, foi todo quanto estava encommendado.

Torno a repetir, o praso dós contratos expira agora, e a somma que eu peco é para fazer com que as differentes provincias ultramarinas fiquem habilitadas a subsidiarem depois com os seus proprios recursos as suas obras. É para essa transição que são necessarios Os 400:000$000 réis que peço n'este projecto, sendo parte d'esta quantia destinada a pagar ao pessoal o que lhe é devido e o seu regresso, á metropole, e tambem o material de obras preciso áquellas provincias.

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, pedindo a palavra sobre este assumpto, a camara comprehende que eu não faço senão cumprir o dever da minha situação.

A responsabilidade das obras publicas no ultramar é minha; e eu não só não recuso essa responsabilidade, mas acceito-a sem hesitações, e com a plena consciencia de que fiz bem.

Este projecto, apparentemente tão simples, afigura-se-me ao meu espirito de uma tal gravidade, de uma tal importancia é influencia sobre o futuro das nossas colonias, que, convencido como estou d'isto, não podia deixar de manifestar as minhas idéas tal respeito; não para procurar convencer a camara, que julgará como entender, mas ao menos para expor o que sinto no foro intimo da minha consciencia de homem de bem e de sincero patriota.

Sr. presidente, é necessario que não nos illudamos. Se este projecto não fosse senão o complemento de outro, que o meu antigo amigo, o sr. marquez de Sabugosa, apresentou o anno passado, louvava-o e votava-o, como voto este, mas sem fazer a respeito d'elle as considerações que vou expender. As considerações, porém, que se apresentam conjunctamente com este emprestimo de 400:000$000 réis, a natureza do destino que se lhe quer, dar como commentario, a palavra liquidação, que apparece por toda a parte, immediatamente, chamaram a minha attenção, é obrigam-me a fallar contra o projecto não contra o emprestimo.

E, fallando contra o projecto, preciso declarar desde já qual é a natureza das reflexões que tenho a fazer.

Não vou atacar o sr. ministro da marinha. O meu fim é chamar a sua attenção para assumptos que devem interessar todos os homens publicos e particularmente o sr. marquez de Sabugosa, que tem actualmente a responsabilidade do que se votar em relação ao ultramar.

A epocha em que. nos encontramos em relação ás colonias é, sr. presidente, uma epocha critica. Epocha unica na historia moderna das nossas colonias, e na historia moderna das colonias de todo o mundo.

Para não cançar a camara, não quero fazer o quadro retrospectivo do que foram as, nossas colonias; mas direi em brevissimas palavras por que é que se me affigura que a sua situação actual é critica.

.Sem recordar os grandes descobrimentos dos portuguezes n'outras eras, sem recordar mesmo as gloriosissimas tradições que nos legaram os nossos maiores, lembrarei sómente qual a natureza, e qual o fim das nossas conquistas.

Abstrahindo agora do seu intuito moral e notabilissimo que se inspirava-na crença religiosa, e pondo de parte tambem o fim scientiiico d'ellas, que não vem ao caso tratarei só do seu intuito economico e commercial, que é; preciso definir claramente.

Nós íamos atravéz de mares incognitos a toda a parte, a conquistar os povos barbaros; é assentavamos ahi o monopolio absoluto.

Não era esse um defeito dos homens politicos e dos economistas d'aquella epocha; era-o dos seculos em que viviam. Não se comprehendia o dominio e a conquista senão estabelecendo o monopolio; era regra dos tempos; por isso o foi dos portugueses, sem que tenhamos de lançar desfavor sobre os nossos antepassados.

Houve, pois, um largo periodo de conquistas, de descobrimentos e de monopolio.

A natureza das cousas de então era muito diversa da de hoje. Chegava-se a qualquer logar do mundo, onde dominavam barbaros, levantava- se um castello, onde se estabelecia uma feitoria; estabelecida a feitoria, o nosso fim era assegurar o monopolio, para que ali não fossem outros povos fazer trafico, resgatar mercadorias.

Esses principios desappareceram felizmente do mundo civilisado; e hoje quem tentasse resuscital-os seria severamente censurado por toda a Europa; ainda mais, a Europa rir-se-iá de quem tivesse tal idéa.

Seguiu-se depois nova epocha. Aos monopolios oppoz-se a concorrencia das nações, principalmente do norte da Europa; e por toda a parte encontravamos concorrentes e adversarios por mar e por terra. E quando as fraquezas de homens que mal comprehendiam o amor da patria nos trouxeram a perda temporaria da autonomia; n'essa epocha desastrosa perdemos grande parte das nossas conquistas. A fraqueza foi geral e, manifesta.

Chegando, porém Portugal a reanimar-se, pelo nobre feito da restauração, veiu de novo a renascer o periodo dos monopolios.

Os olhos dos portuguezes, nesse tempo, voltavam-se todos para o Brazil. E, não contentes de sacrificarmos a. Africa á America, fazendo da Africa uma especie de caudelaria, permitta-se-me a phrase, d'onde saiam aos milhares escravos para trabalharem na America, onde nós não sabiamos trabalhar, onde os indigenas fugiam á acção da verdadeira civilisação; levámos para lá por fim o governo do estado com a côrte, e, depois de vermos, na America, primeiro nossa e depois independente, adiantar-se o desenvolvimento da riqueza, depois de reconhecermos que não tinhamos industria, não tinhamos actividade, não tinhamos força, não tinhamos nada, estabelecemos o trafico dos homens da Africa para os vendermos na America.

O que esperavamos nós de tudo isto?

Que nos succedesse o que succedeu. Depois de fazermos, durante alguns annos, do Brazil a metropole e de Portugal a colonia, a consequencia era o facto da perda do Brazil; era a proclamação, natural e justa, da independencia d'aquelle imperio.

Não nos causa isso pena; ao contrario muito temos ganho com a independencia ido Brazil, porque as circumstancias, mais do que os homens, prepararam aquelle grande, paiz a tornar-se independente.

O Brazil, independente, é nos mais proveitoso do que o Brazil colonia; devendo ser para nós uma gloria o ter sido os progenitores de um tão grande e tão feliz imperio.

Depois da constituição gloriosa do Brazil voltámos toda a nossa attenção para ali, e com elle conservámos, e conservamos ainda, felizmente, uma verdadeira e estreita amisade: porque a elle nos. prendem agora a harmonia dos principios e a homogenidade do sangue. (Apoiados.)

Levantou-se nas nações da Europa a opinião justissima de que a escravatura, que por ellas tinha sido por muito tempo tolerada, era um crime e uma deshonra para a civilisação.

levar o beneficio das obras publicas as estradas, os caminhos de ferro, os telegraphos electricos, emfim os grandes instrumentos da civilisação moderna, ao seio das nossas colonias; quando me lembro, sr. presidente, que houve um homem illustre n'esta terra que foi um luctador; constante

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pela regeneração das colonias, que pugnou longos annos pela abolição da escravidão, e que, como elle proprio diz no seu livro sobre os Trabalhos na Africa, foi victima de injurias e doestos dos que o não comprehendiam. Este homem foi o nobre marquez de Sá. O sr. marquez de Sá deixou-me um legado, a abolição definitiva da escravatura, legado que eu sube cumprir. Cumpri o legado fazendo passar nas duas casas do parlamento a lei de abolição.

Parece impossivel, mas achei resistencias para o conseguir. Pois esse homem, cuja competencia em assumptos coloniaes não, póde ser posta era duvida, assim como outros homens illustrados e competentes, entendia, como eu entendo, que é conveniente levar ás colonias que possuimos na Africa occidental e na oriental os elementos da civilisação e do progresso e desenvolver entre os indigenas o amor pelo trabalho. Não me importa, pois, ser condemnado em tão honrosa companhia; mesmo porque me sinto bem com a minha consciencia, por ter tomado a iniciativa d'esses melhoramentos. (Apoiados.)

Pois bem, cumpriu-se o legado, mas ficou uma multidão de homens, que eram escravos hontem, e não sabiam o que era ganhar a subsistencia por meio do trabalho livre, nem quaes as vantagens que esse trabalho lhes podia trazer. Que melhor meio tinhamos de os ensinar e de lhes levar ali o amor da civilisação e da riqueza,1 senão emprehendendo as grandes obras que, para isso, eram necessarias? Foi para este fim que se contrahiram esses emprestimos tão condemnados hoje. Felizmente o dinheiro destinado a obras publicas no ultramar foi todo bem aproveitado.

É digna de toda a consideração a maneira porque têem servido o paiz os mancebos que compozeram as expedições de obras publicas para o ultramar. Esses homens, novos, distinctos pelo vigor e pelo talento, foram para a Africa animados da melhor vontade, com a alma cheia de fé. O que elles têem feito é muito, os resultados da sua dedicação são já maravilhosos.

Aquelles homens cumpriram o seu dever; partiram cheios de ardor e enthusiasmo e ainda se conservam assim, apesar dos perigos a que constantemente andam, expostos, vivendo dia, e noite no campo, atravessando matos virgens, recebendo as emanações mortiferas dos pantanos, porque tudo isto tem sido preciso para fazer traçados de caminhos de ferro no sertão da Africa. Aquelles homens foram para ali contentes, cheios de fé, e conservam-se ainda animados da mesma fé. Respeitemos, pois, a fé nas almas que sabem sentil-a. Onde tudo está apagado, uma luz que se acende merece que a venerem os homens.

Chegámos a um novo periodo politico, porque o escravo entrou n'um periodo de liberdade.

É necessario fazer-lhe adquirir os habitos do trabalho, fazer-lhe comprehender as necessidades dá vida, os progressos da civilisação.

Está presente o sr. José Baptista de Andrade, que tive a honra de nomear para governador de Angola, e que de lá me deu excellentes esclarecimentos. A opinião des. exa. era que se fizesse o caminho de ferro, para que a Africa occidental podesse tirar-se da miseria em que ha de jazer sempre, se se conservar o systema dos carregadores negros conduzirem as mercadorias á cabeça por preços fabulosos, do sertão até aos portos de embarque.

O sr. Andrade enviou-me uma longa memoria, acompanhada de numerosos, estudos, e toda ella converge para este fim. Mostra ella que não podemos esperar regeneração para a nossa Africa, senão emprehendendo obras publicas em larga escala, dando sempre preferencia ás estradas e caminhos de ferro.

Este periodo grave da nossa existencia colonial é preciso não o olvidar.

Se não soubermos acompanhar com a nossa energia, trabalho incessante e vigilancia que não canse, este periodo de liberdade, triste é dizel-o, arriscamo-nos a perder as nossas colonias, não em virtude da conquista de estranhos, mas porque se não civilisâmos aquelles povos virão elles empurrar-nos para o mar, como é sua tentação constante. Temos nós forças para lhes resistir?... Temos forças para nos manter?... Não.

A unica força que podemos empregar, e que ha de dar resultados seguros, é á civilisação.

Civilisemos! civilisemos! civilisemos!

A este periodo, a que acabo de referir-me, correspondem factos que demonstram a minha asserção.

Disse eu ha pouco que tivemos um periodo de conquista, e nesse periodo estabelecemos, como regra, o monopolio em toda a costa da Africa e na Asia.

Pois bem, o producto desse monopolio, posto, em moeda de hoje, seria, approximadamente, de 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis. Em moeda d'aquella epocha era de 830:000$000 reis. Isto era ainda no periodo da nossa grandeza colonial, quando o nosso dominio se estendia da costa da Africa aos confins da Asia, em que tinhamos feitorias em toda a parte e exclusivo do commercio em largos mares.

Não imaginem que isto é um calculo sem fundamento. É o resultado do unico orçamento que eu nunca me canço de estudar, porque não ha documento nenhum que falle mais claramente aos olhos. Refiro-me ao Livro de toda a fazenda.

Pois bem. Todos aquelles enormes monopolios rendiam 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis, e hoje, só a nossa África, uma parte do que possuiamos n'aquelle tempo, rende mais de 1.000:000$000 réis. .

Eis a conta do que rendiam as nossas possessões no fim do seculo XVI:

As ilhas de Cabo Verde................. 27:400$000
A ilha de S. thomé..................... 9:500$000
A Mina................................. 24:00$0000
Angola................................ 22:000$000
Gran-Brazil........................... 21:000$000
Dizimos do Brazil..................... 42:000$000
Rendimento do estado da India .........355:560$000
Pimenta................................240:000$000
Drogas e mais fazendas da India........102:250$000
843:710$000

Como se vê, as colonias da Africa rendiam proximamente 30:000$000 a 90:000$000 réis; tomando em conta o provavel rendimento de Moçambique.

Vamos a uma epocha proximamente anterior ao periodo em que foi abolido o trafico. N'essa epocha, isto é, em 1834, o rendimento das provincias da Africa era:

Cabo Verde............................ 92:500$000
S. Thomé e Principe................... 8:500$000
Angola................................132:900$000
Moçambique............................ 56:100$000
290:0000000

290:000$000 a 300:000$000 réis, antes do decreto que aboliu o trafico, era o rendimento das provincias da Africa, e se calcularmos, como o marquez de Sá da Bandeira, em 200:000$000 réis os rendimentos provenientes do commercio de escravos, e o monopolio da urzella, ficam os outros rendimentos, que são, os que correspondem aos actuaes, reduzidos a 90:000$000 réis apenas.

Talvez não seja fóra de proposito dizer algumas palavras sobre uma idéa que parece vogar no espirito publico; a idéa de que, em vez de obras publicas, em vez de meios para desenvolver a civilisação nas colonias, em vez de lhes ensinarmos as vantagens do trabalho e fazermos conhecer os instrumentos da producçao, podiamos conceder-lhes liberdades e mais liberdades, seguindo assim o exemplo da

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Inglaterra. Ora a idéa é inexequivel, e o exemplo da Inglaterra mal applicado ao caso sujeito.

A historia das colonias inglezas é inteiramente diversa da historia das nossas colonias. Os principios applicaveis para umas não podem ser applicaveis para outras.

A denominação de colonias applica-se muito vagamente, e com significação mui diversa entre nós. Os inglezes têem estabelecimentos seus na terça parte do mundo; mas n'uns a população é formada só de inglezes e emigrados europeus; noutros misturam-se os inglezes com os novos indigenas, mas os inglezes são muitos, e o seu dominio completo; n'outros, emfim, é a população nativa muito numerosa, e os inglezes sustentam o seu dominio por meio de um governo severo, e que não deixa nenhumas liberdades aos povos sujeitos.

Quaes são os colonias que gosam de iniciativa propria; que têem parlamento; que teem ministerio responsavel? Suo as que se constituiram com uma população ingleza.

Como toda a gente sabe, o inglez, para onde quer que vá, leva comsigo a sua patria, os seus costumes, os seus habitos publicos, as suas liberdades, o seu justo orgulho nacional.

Para não continuar a insistir n'este assumpto, lembrarei apenas o que diz um publicista que estudou profundamente a questão colonial e que sobre ella fez uma conferencia de grande valor em Westminster Palace.

Segundo este publicista, a colonia que póde ter liberdade completa, que se póde governar a si mesma, que tem iniciativa propria, que tem parlamento, que tem ministerio responsavel, essa é que é propriamente a colonia na recepção scientifica da palavra.

Essa é que é propriamente colonia, porque os inglezes dão o nome de colonia áquellas a que se póde applicar a seguinte definição: "uma parte separada de toda a população que constituo o estado, permanentemente estabelecida n'um territorio pertencente ao estado, e sufficientemente numerosa e independente para em si mesma conter um governo que exerça proximamente todas as funcções activas commummente exercidas pelo governo de um estado independente". Esta definição é perfeita.

Ora, como eu tenciono dizer algumas palavras ácerca da população de Moçambique, referir-me-hei em primeiro logar ao que disse no seu relatorio de 1875 o sr. governador d'aquella provincia. Diz elle, que quem está em Moçambique, por pouco tempo que seja, conhece desde lego o pequeno numero de europeus que ali existe. Conhece-os quasi pelo seu nome; conhece-lhes a profissão e o valor. Tão limitada é ali a população europea.

Na propria Angola, a população europea, comparada com a indigena e selvagem, é pequena, em condições em que não póde formar o que os inglezes entendem por uma colonia propriamente dita.

N'estas nossas colonias a população europea é pequena, espalhada n'uma area immensa, e não póde constituir um governo responsavel, nem um parlamento. Não poda ser. Uma organisação como a das colonias inglezas não convem, portanto, áquellas nossas possessões africanas. Não são bastante fortes ainda, politicamente, para viverem por si.

Isso succederá algum dia, assim o espero. Para tal succeder, precisa o governo do paiz ter sempre fixadas as suas attenções na Africa, e não se descuidar de cumprir energicamente o seu dever, não de dominador, mas de tutor.

Nós, para prepararmos a prosperidade futura, a futura liberdade de Angola, ainda não fizemos o que íamos fazer agora, e é indispensavel que se faça. O que fizemos até hoje, para termos ali uma verdadeira colonia, para estabelecermos ali uma população europea, sã, energica, numerosa, laboriosa e preparada para ter instituições como as da metropole, é pouco, muito pouco. É pouco e mau. Na maior parte a população europea que para lá mandamos é composta de degredados.

Vejo, por exemplo, o seguinte, olhando para uma estatistica que publiquei no meu relatorio, como ministro da marinha, em 1870. Nos cinco annos de 1870 a 1874 mandámos para Africa uma população de 1:900 degredados, e só para Angola de 963. 1:000 degredados em cinco annos para renovar uma população a que queremos conceder liberdades, muitas liberdades, liberdades como as do Canadá.! Deixemos-nos de utopias infantis, vamos ao que é real, ao que é util.

O sr. ministro da marinha veiu o anno passado ao parlamento pedir 300:000$000 réis para proseguir as obras no ultramar.

G que fez o sr. ministro da marinha dos 300:000$000 réis para obras publicas nas colonias? Não sei. O que sei é que o pensamento então do illustre ministro era um pensamento civilisador, e que ha a um anno lhe não perecia condemnavel o systema de obras publicas no ultramar, porque a elle se associava. Este anno as suas opiniões mudaram, e emquanto os seus collegas pedem largas sommas para obras publicas na metropole, cujos encargos hão de pesar sobre a metropole, o sr. ministro pede meios para acabar com as obras no ultramar. O que sei é que o estado das cousas na Africa é tal, que ninguem quer para lá ir. Ora isto é mau, é pessimo.

Para crear colonias é necessario estabelecer n'ellas e para ellas meios de communicação regulares, que tornem facil a agricultura e o commercio, o bem estar dos europeus e a civilisação dos indigenas.

Mesmo a formação de colonias penaes, e ellas são indispensaveis querendo continuar a ir andar degredados para Africa, não póde ser realisada sem se abriram meios do communicação do litoral para o interior. Á beira-mar, na região interior do litoral, se não podem ellas estabelecer; porque o paiz é mortifero, e, a não ser na margem dos rios, onde o europeu morre, o solo não é apropriado para uma cultura productiva. Têem as colonias penitenciarias de ser creadas, a serem-no, nas zonas afastadas da costa, no interior; o é preciso que o sejam em logares para onde haja meies de communicação faceis, em logares finalmente accessiveis.

Esses esbanjamentos, como a opposição lhes chama, feitos com a Africa, e que o sr. ministro da marinha, no anno passado, parecia querer continuar, do que segundo creio pretende arrepender-se agora, ninguem póde contestar que deram bons resultados. Basta ler os relatorios dos engenheiros, e as informações das auctoridades das provincias, para o não duvidar. E eu, sr. presidente, como amigo do sr. marquez de Sabugosa, aconselho-lhe que não pare, mas antes continue, n'esses melhoramentos; para que mais tarde o arrependimento lhe não venha a pezar na consciencia.

É sabido que as condições a que ficam sujeitos os degredados, que vão para as nossas possessões africanas, suo terriveis. Mortos de fonte, rotos, vivendo na mais completa miseria, não podem por sua propria iniciativa melhorar a sua sorte.

"Não exagero, diz o director das obras publicas de Angola no seu relatorio ultimo, dizendo a v. exa. que causa horror ver a maioria dos degredados na Guiné e em Benguella principalmente, esfaimados, arruinados pelos alojamentos infectos, onde vivem quando presos, ou pelos vicios e viver desregrado quando estão livres; parece que estão soffrendo apenas o lento e incidioso processo da morte e depravação moral, a que os condemnaram por falla da coragem precisa para lhes tirarem a vida por fórma, que ao menos servisse de exemplos sua morte."

Não se póde suppor que, quem está n'esta condições, tenha iniciativa na Africa, e a população, que viva misturada com estes desgraçados criminosos, de certo não aprende com elles a moral, a energia, o amor do trabalho, a iniciativa de homens livres. Se elles não podem ter iniciativa propria para se alimentarem e vestirem, como hão de ter iniciativa para emprehender e dirigir grandes obras publi

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cas? Em Angola, por exemplo, ha quem pense, quem seja illustrado, quem tenha energia, quem seja capaz de se occupar de negocios, mas falta-lhes em roda uma população que os ajude, eu, sequer ao menos, que os comprehenda. Façamos justiça a quem a merece, mas não confundamos uma pequenissima minoria com a população das nossas colonias.

Pois os condemnados que estão na Africa, que para ali mandamos, é que hão de ter a iniciativa, antes do governo da metropole os ajudar e preparar-lhes o terreno para elles se poderem regenerar e trabalhar? Os colonos de outra classe, laboriosos e honrados, de certo que não vão para lá, a não ser em pequenissimo numero, porque conhecem as difficuldades enormes que ali encontram, devidas á falta de estradas, de boas condições de navegação nos rios, de salubridade, emfim, de todas aquellas commodidades indispensaveis ao europeu, para viver, trabalhar e crear riqueza; porque sabem que vão ali lactar com a falta de recursos precisos para desenvolver efficazmente a sua actividade; porque, n'uma palavra, teem de soffrer necessidades de toda a especie

Hoje as obras publicas de Angola têem já melhorado algum tanto, e de um modo bem sensivel, como direi logo, as condições d'aquella provincia, no que toca ás possibilidades de colonisação.

Essas obras serviram já para estabelecer a communicação rapida do pensamento do litoral para uma região remota, visto que ha de Loanda ao plano alto interior, onde á população é densa, e relativamente laboriosa, 140 a 150 kilometros de linha telegraphica, isto é, o telegrapho electrico chega já ao planalto que é uma zona de tanto ou de mais valiosa producção que o litoral, e de clima excellente para os europeus.

E não é só isto, ha alguma cousa mais devido a essas obras, e que me parece muito importante para o futuro d'aquella nossa colonia.

Têem os trabalhos de obras publicas servido para ensinar a trabalhar a população de Africa, modificando profundamente o seu caracter indolente, e os seus costumes, creados no tempo em que existiam escravos.

Ao começarem as obras, essa população mostrava receiar que a quizessem fazer trabalhar sem remuneração, ou desconhecer o valor do salario e do trabalho livre, temia uma nova escravidão que a obrigasse a trabalhar nas obras publicas; mas depois começou a comprehender que eram infundados os seus receios, e os proprios indigenas foram espontaneamente procurar trabalho nessas. obras e auxiliar os agentes do governo.

É esta uma das grandes vantagens dessas obras e d'essas commissões, que foram mandadas para África; foi esse um dos principaes fins. Iam ensinar a trabalhar, e tanto assim e, que foi essa uma das mais instantes recommendações feitas a essas commissões e que ellas comprehenderam e cumpriram immediatamente, creando officinas onde se tem habilitado um numero consideravel de operarios. É isto em regiões onde não existia uma officina sequer, e onde não havia quem soubesse um officio. Eram em pequenissimo numero, em Angola e Moçambique, os individuos que sabiam um officio. Hoje, felizmente, como disse, já ali ha consideravel numero de operarios habilitados.

Creio que isto é uma vantagem enorme, e que é um
acto civilisador e patriotico ensinar os indigenas a trabalhar e ganhar a vida pelo trabalho honrado, preparando-lhes o caminho para passarem do estado selvatico ao de homens civilisados.

Sr. presidente, as considerações que tenho a fazer devem levar um tanto longe, não para combater o emprestimo proposto pelo sr. ministro da marinha, mas para explicar, quaes as minhas idéas, e quaes foram os principios que me levaram a praticar um acto que me parece ser condemnado.

O sr. Costa Lobo: - Apoiado.

O Orador: - Estou aqui qual réu, para o digno par me condemnar ou absolver como um juiz!

O sr. Costa Lobo: - O juiz é o parlamento.

O Orador: - O digno par sabe muito bem que nunca disputei ao parlamento nem ao paiz o direito de me julgar, porque sou um homem essencialmente parlamentar e liberal, (Apoiados.) um homem que não tem caracter para recusar o julgamento da opinião, ou fugir a elle.

Sei quaes são as minhas responsabilidades immediatas o mediatas. Se errei condemnem-me, se acertei não peço nem premio nem louvor.

São meus juizes os dignos pares, acceito o seu julgamento, não recuso nunca a responsabilidade dos meus actos, em todos os casos e em todas as situações.

Sr. presidente, deu a hora, e peço a v. exa. que me reserve a palavra para ámanhã.

O sr. Bispo eleito do Algarve: - Mando parada mesa um parecer de commissão.

Leu-se na mesa mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar ámanhã, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão. Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 25 de maio de 1880

Exmos. srs. duque d'Avila e de Bolama; marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; arcebispo de Evora; condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, da Fonte Nova, de Gouveia, de Podentes, da Ribeira Grande, de Rio Maior, de Samodães, da Torre, de Linhares, de Castro; bispo Deleito do Algarve; Viscondes, de Borges de Castro, de S. Januario, de Ovar, de Soares Franco, de Valmor, da Praia; barão de Ancede; Ornellas, Quaresma, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corro, Mendonça Cortez, Mamede, Pestana Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro. Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.

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