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954 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

se preza de portuguez, permitta-me a camara dizer que, quanto nas minhas poucas forças coube, procurei como filho defender a minha patria.

Acham-se publicados em parte no Livro branco os meus trabalhos; são de pouco valor, é certo, mas expressam tudo quanto o meu estudo, o esforço da minha debil intelligencia e o meu amor pela patria poude colligir, poude procurar para auxiliar o governo do meu paiz na grave conjunctura por que se passava e está passando.

Foram publicadas no, Blue-Book as notas de 19 e 28 de janeiro; o seu effeito na apreciação da Europa não nos foi favoravel por mais de um motivo, que escuso memorar. De accordo com o sr. ministro dos negocios estrangeiros tomei o encargo do responder a esses dois documentos, não com a injuria, ou com a offensa; não, tão pouco, com a timidez, que como portuguez desconheço; mas com o confronto dos principios fundamentacs do direito colonial, e com a fixação do valor juridico que não se póde contestar a tradição historica, que sobre os documentos, a auctoridade dos auctores coevos e a opinião dos publicistas modernos procurei firmar.

Sinto, sr. presidente, dil-o-hei sem censura, que, de certo por lapso, este trabalho, o unico que assim foi publicado, não tivesse logar no Livro Iranco, porque nenhuma outra resposta perante a Europa ha áquelles documentos. Em compensação foi publicado na primeira collecção de direito e politica internacional, os Archivcs diplomatiques, e comemorada com favor nos jornaes scientificos e politicos a que a mandei.

Sr. presidente, dito isto succintamente a que naturalmente fui levado quasi insensivelmente, darei resumidamente perante a camara e perante o paiz as explicações dos factos em que tive de interferir.

Não me illudi quando em Roma recebi o encargo de vir organisar o gabinete. Parti, entretanto, immediataraente, e se não cheguei mais cedo foi porque a distancia de Roma a Lisboa não se transpõe em dois ou tres dias.

Tendo chegado a Lisboa era cinco dias e algumas horas, apresentei-me immediatamente ao chefe do estado para receber as suas ordens.

Encarregado de organisar o gabinete nas circumstancias excepcionalmente difficeis do paiz, tratei de me entender com os chefes politicos dos difterentes partidos constitucionaes.

Para a organisação de um plano a que obedecesse, porque nada se faz sem systema, o que vi!

Vi duas situações que se submergiram em frente da questão internacional; uma perante a nota de 11 de janeiro; outra diante do tratado de 20 do agosto. Estes factos haviam creado complicações internas que faziam enfraquecer, com relação a Portugal, a opinião da Europa, que tão favoravel nos fôra no começo d'esta questão e que tanto dos faltava depois.

Encontrava presente á camara um tratado cuja discussão, pela natureza do objecto e pela grave complicação dos acontecimentos, não podia ser espaçada, facto este que se impunha ao meu espirito como inadiavel.

N'estas circumstancias era-me indispensavel o apoio das maiorias parlamentares, melhor direi, de uma maioria parlamentar para a solução que houvesse de dar-se.

Quebrar esse apoio, procurar a lucta, levantar questões que afastassem esse accordo indispensavel para a solução da questão externa, parecia-me erro politico de tal ordem, que não podia entrar na comprehensão de homens publicos.

N'estes termos acreditava impossivel a idéa de dissolução da camara, porque seria um tristissimo exemplo haver tres eleições geraes dentro de um anno! e ainda e principalmente porque, apresentado um tratado ao poder legislativo, não sabia eu como se podesse pensar numa dissolução diante d'esse tratado, a respeito do qual se dão as excepcionaes circumstancias que a nação conhece.

Subordinei assim o pensamento da organisação de uma situação pela ordem de idéas que nestes termos me impunham as circumstancias. N'este sentido dirigi-me ao presidente do conselho do ministerio demissionario, o sr. conselheiro Serpa, e expuz-lhe francamente qual o meu modo de pensar para orgauisar um ministerio que, para resolver principalmente a questão externa, podesse obter a opinião-dos partidos constitucionaes representados no parlamento.

A meu ver, não poderia fazer-se a organisaçào que as circumstancias impunham, sem que o gabinete fosse composto de cavalheiros, que, pela sua importancia e pela sua isenção das luctas tantas vezes violentas, podessem encontrar-se em condições de serem uma garantia aos partidos e ao paiz da sua imparcialidade na administração interna e fossem ao mesmo tempo garantia da circumspeccão com que a questão externa seria encaminhada e tratada, e podesse assim obter o apoio dos partidos coustitucionaes representados no parlamento. Finda esta missão, era minha opinião que o ministerio deveria resignar o poder.

Eu precisava dizer ao sr. Serpa, não só como pensava orgcnisar o gabinete, mas quaes eram as minhas idéas para todas as eventualidades que podessem dar-se na questão externa.

A questão externa, a meu juizo, poderia conduzir a differentes soluções:

A approvação pura e simples do tratado, facto que considerava quasi impossivel;

Tratar de obter modificações sensatas no tratado, modificações essas que tenho a absoluta convicção que se obteriam; e ainda outros meios conhecidos de resolver antes da negociação pura e simples.

Expuz estas idéas em todo o seu desenvolvimento ao sr. Serpa sem reserva alguma, por mais minima que fosse. Disse, assim, a s. exa. tudo quanto entendia com relação a esta questão, que sobre todas me preoccupava, e como me parecia que poderia ser resolvida, de accordo; na falta, ou mallogro deste meio, seria resolvida pelo parlamento, não cortando completamente um tratado, sem que a opinião publica da Europa, com a qual é mister sempre ter conta, soubesse quaes os pontos de divergencia precisos o certos, e não outros, fixando esses pontos na lei que auctorisasse a approvação do tratado.

Hoje, em diplojnacia, as formulas perderam de valor; todos os meios sensatos achara forma de se traduzirem nos factos.

O voto da camara, voto livre, é elemento com que diplomaticamente ha a coutar da parte das nações, nas quaes, como na Inglaterra, o poder executivo exerce soberania perfeita na approvação dos tratados, com relação áquellas era que o governo não tem essa omnipotencia.

Quando uma nação, no livre uso do seu direito sobre um tratado dependente da sancção do parlamento, encontra pontos sobre que não está de accordo, vota inserindo na lei as condições do seu voto, que ficam, assim, sendo os pontos culminantes e precisos de desuccordo, sobre os quaes a opinião publica europca póde fixar-se, e essa opinião, graças a Deus, ainda exerce o seu imperio.

Não ha nações grandes e nações pequenas, nações poderosas e nações fracas perante o direito publico da Europa. Diante d'esse todas as nações são iguaes. Estes são os principios, que não soffrem contestação e, quando sustentados sabiamente, sem injuria, sem offensa, mas com elevação, porque essa é que inspira o homem de bem e deve inspirar as nações, os resultados, sr. presidente, poucas vezes deixam de corresponder.

E depois resta ainda o recurso para conhecer das questões divergentes, recurso que primeiro sustentei e que sustento ainda, porque o firmou um convenio internacional.

Expostas estas rasões em substancia ao sr. Serpa, concordou s. exa. abertamente com ellas, com a designação dos nomes respeitaveis com que me propunha organisar o gabinete, e prometteu-me o seu apoio valioso.