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CAMARA DOS DIGNOS PARES,
Sessão de 2 de Junho de 1849.
Presidiu—O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios — Os Sr.s Simões Margiochi.
V. de Gouvêa.
(Summario — O Sr. Macario de Castro requer, que novamente se previna o Sr. Ministro do Reino da interpellação, que annunciára em 15 de Maio proximo passado ter a fazer-lhe — Ordem do dia, Projecto de Lei n.º 109, do Sr. C. de Lavradio, para serem pagos como os Empregados effectivos os individuos reformados, aposentados e jubilados.)
Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 28 D. Pares, leu-se a Acta da ultima Sessão, sobre a qual não houve reclamação.
O Sr. Macario de Castro — Sr. Presidente, tendo eu no dia 15 do mez passado apresentado por escripto uma interpellação dirigida ao Sr. Ministro do Reino, e como S. Ex.ª não tenha ainda até hoje dado resposta alguma a esse respeito, nem aqui tenha comparecido para responder ao que eu desejava, persuado-me de que a Camara me não poderá chamar importuno sobre o negocio do Douro, quando tenho esperado pela resposta deste objecto, a que a minha interpellação se referia, todo este tempo que tem mediado desde o dia 15 do mez passado até hoje.
O Sr. Presidente — Em vista da observação do D. Par o Sr. Macario de Castro, a Mesa toma a competente nota para se officiar novamente ao Sr. Ministro do Reino sobre esse objecto.
O Sr. Silva Carvalho — O Sr. V. da Granja está doente, o que priva-o de poder comparecer na Camara: escreveu-me pedindo, que houvesse eu de fazer esta participação á Camara.
O Sr. Presidente — Passámos á Ordem do dia.
Ordem do dia.
Parecer n.° 134 sobre o Projecto de Lei n.º 109, estabelecendo que a todos os individuos reformados se pague ao mesmo tempo que aos Empregados effectivos.
Parecer n.º 134. Senhores: A Commissão de Fazenda foi remettido um Projecto de Lei, apresentado nesta Camara, pelo Digno Par o Sr. Conde de Lavradio, pelo qual elle pretende que os Lentes, Professores, publicos, Militares reformados, e, em geral, todos os Empregados reformados, sejam em tudo igualados aos effectivos para o effeito do pagamento de seus ordenados ou soldos, pagos na mesma Folha e occasião dos Empregados das respectivas Universidades, Lycêus, Academias, Escólas, Corpos ou Repartições a que tiverem pertencido.
A Commissão, juntamente com o Digno Par, e o Sr. Ministro da Fazenda, que estiveram presentes, considerou com a maior attenção a importante materia do Projecto, e depois de madura discussão, conheceu que o pensamento do Digno Par era fundado em rigorosos principios de justiça, que manda pagar com igualdade a todos os Servidores do Estado, aquelles salarios a que tem direito, e esta é a Lei do Reino; todavia este justissimo principio é subordinado aos meios de pagamento, que nem sempre póde ter logar como era de desejar para todas as classes da Sociedade, rio que tambem conveio o Digno Par auctor do Projecto, depois de ouvir o Sr. Ministro da Fazenda, sobre a falta de recursos do Thesouro, o que é bem notorio.
A Commissão, tendo assim ouvido as ponderações expendidas pelo Sr. Ministro da Fazenda, no sentido de não ser possivel pagar a todas as classes inactivas, como se propõe no Projecto, fazendo justiça ás intenções do Digno Par, intende que não é necessaria Lei para o que está legislado, a cujo cumprimento só obsta a falta de meios, como fica dito: todavia confia que elles serão dados ao Governo na proxima Lei do Orçamento, para ir satisfazendo os doze mezes do anno, pagando a todos, em proporção em que estiverem, um mez em cada mez do mesmo anno, e por isso não póde adoptar o Projecto como desnecessario, ainda que muito louvavel da parte do seu auctor.
Sala da Commissão de Fazenda, em 27 de Maio de 1849. = C. de Porto Côvo de Bandeira = José da Silva Carvalho = Felix Pereira de Magalhães = B. de Chancelleiros — V. de Algés = C. do Tojal.
Projecto de lei n.º 109.
Artigo 1.º Os Lentes e Professores jubilados, os Militares reformados, e, em geral, todos os Empregados reformados, para o effeito do pagamento dos seus ordenados ou soldos, ficarão em tudo igualados aos effectivos, e serão pagos na mesma Folha e occasião dos Empregados das respectivas Universidades, Lycêus, Academias, Escólas, Corpos ou Repartições a que tiverem pertencido.
Art. 2.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.
Sala da Camara dos Pares, era 4 de Maio de 1849. = C. de Lavradio.
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, estou persuadido que tudo quanto vou dizer para defender o Projecto de Lei, que tive a honra de apresentar a esta Camara: é inutil por conseguinte, curtas e muito curtas serão as minhas observações. (Susurro.) Peço a attenção da Camara, e com especialidade a do D. Par (O D. Par dirige-se ao Sr. V. de Algés), porque me hei de talvez referir a S. Ex.ª
Parece-me porém, Sr. Presidente, que não devia deixar de pedir a palavra para mostrar os principios de justiça, em que é fundado o meu Projecto, principios de justiça que foram reconhecidos pela propria Commissão, mas que a final lhe negou a sua approvação.
Sr. Presidente, todo o Projecto de Lei tem uma historia: a de uns é secreta e a de outros é publica: a historia deste meu Projecto de Lei é publica, e bem publica: com tudo eu peço licença á Camara para lhe recordar algumas cousas, que se passaram nesta Casa quando aqui se discutiu o Projecto - de Lei, que regulou as aposentações dos Magistrados Judiciaes do Ministerio Publico.
Quando se discutia o artigo 19.º daquelle Projecto, propuz eu então a sua eliminação, e a propuz, por que se fossem adoptadas as suas disposições, estabelecia-se um privilegio em favor, dos Magistrados Judiciaes do Ministerio Publico, prejudicando-se ao mesmo tempo os Militares, os Professores, e finalmente todos os outros Empregador Públicos reformados: por conseguinte pareceu-me, que aquelle artigo continha uma disposição contraria aos principios de justiça universal, contraria ás disposições claras e expressas da Carta Constitucional. A este argumento que então apresentei não se me podia responder; mas fez-se-me esta observação, e observação que sahiu de todos os lados da Camara!.... Proponde que uma medida similhante a essa que se acha no artigo 19.º do Projecto a favor dos Magistrados Judiciaes do Ministerio Publico seja extensiva a todos os outros Empregados Públicos reformados. Disse se isto de todos os lados da Camara; mas eu desde logo previ qual seria o resultado do Projecto, que eu me comprometti a apresentar á Camara, e nessa occasião disse eu — veremos se quando eu apresentar esse Projecto, aquelles que me convidam agora a apresenta-lo, o approvam ou o rejeitam: desde logo contei com a sua rejeição; mas apresentei-o á Camara, e esta resolveu que elle fosse enviado á Commissão de Fazenda. Esta resolução confirmou-me mais na opinião em que eu estava; levantei-me e fiz vêr, que o Projecto não continha materia da competencia da Commissão de Fazenda; que a questão não era de Fazenda, mas sim de Justiça (Apoiados); disse-o deste logar; no entanto as minhas observações não foram attendidas, e o Projecto lá foi á Commissão de Fazenda.
A illustre Commissão, em consequencia da resolução da Camara, convidou-me para assistir á discussão do meu Projecto, alli fui e encontrei o Sr. Ministro da Fazenda. Na Commissão todos os illustres Membros convieram, em que as disposições do Projecto eram justas; o Sr. Ministro da Fazenda tambem conveio no mesmo; mas respondeu logo — eu não tenho dinheiro para pagar. Esta resposta previa eu, e por isso logo ao principio havia dito, que o Projecto não involvia uma questão de Fazenda, mas sim uma questão de Justiça, porque se não ha dinheiro para se pagar aos Militares, Professores e aos mais Empregados Públicos, como é que o ha de haver para se pagar aos Juizes?! Insisto pois na minha opinião, de que se estabelece um privilegio em favor dos Juizes, uma vez que se adopte o artigo 19.° do Projecto de Lei que regula a aposentação dos Magistrados Judiciaes, se não se approvar a doutrina contida neste meu Projecto. (Apoiados.) Ora, os privilegios são inteiramente contrarios ás disposições expressas da Carta Constitucional: logo ou o meu Projecto ha de ser adoptado, ou o artigo 19.º do Projecto de Lei que regula a aposentação dos Juizes ha de ser reconsiderado.
Mas, Sr. Presidente, eu não posso deixar de notar uma cousa e vem a ser — que neste Parecer da illustre Commissão de Fazenda, que conclua por julgar desnecessario o meu Projecto, vejo eu assignados os nomes dos dous D. Pares, que eu respeito por todos os motivos e de quem sou amigo: todavia, sou obrigado a dizer que estes mesmos nomes que rejeitara o meu Projecto por desnecessario, são aquelles que approvam o artigo 19.° do Projecto de Lei, que regula as aposentações dos Juizes, julgando então necessaria aquella disposição para os Magistrados Judiciaes. Permitta-me ainda a Camara de lhe submetter uma curta observação, já que estou resolvido a não fallar mais sobre esta questão, a abandona-la, e a não responder a quaesquer observações que se me fizerem.
Disse a illustre Commissão, que o meu Projecto era fundado em principios de rigorosa justiça, e a final conclue rejeitando-o como desnecessario: é realmente uma conclusão bem pouco logica!... A Commissão entende que não é necessario Lei para os Militares, Professores, etc... porque já está legislado; mas julga que é necessaria para os Juizes! Julga justas as minhas intenções, reconhece que o meu Projecto é fundado em principios de rigorosa justiça; mas como conclusão propõe a sua rejeição por ser desnecessario! Sr. Presidente, esqueceu, sem duvida, no Projecto de Lei das aposentações dos Magistrados accrescentar depois do artigo 19.º, um artigo 20.°, no qual se estabelecesse mui expressamente — que ficavam outra vez em vigor todos os privilegios de que gosavam os antigos Desembargadores l Este Parecer devia, quanto a mim, concluir com uma sentença de S. Paulo, ou de um outro sabio da antiguidade — Video meliora probaque deteriora autem sequor.
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O Sr. Silva Carvalho — Não é privilegio que dá aos Juizes a disposição da Lei, que manda que elles sejam pagos com os effectivos quando forem aposentados, por isso mesmo que desta disposição ninguem exempla a Lei, que manda que todos, quando forem aposentados, sejam pagos com os effectivos: e se se tem feito o contrario, isso provem dos apuros do Thesouro. Privilegio é uma disposição que abrange a uns e não a outros; mas a Lei manda pagar a todos. Não tem sido executada, e esses individuos dos Lyceus, Universidades, Militares reformados, e mais Empregados, se não recebem em dia com os que estão em effectivo serviço, não é porque a Lei não mande pagar-lhes do mesmo modo, é porque não tem podido ser, e então o Projecto quer tiral-os d'essa situação; mas estamos no mesmo embaraço, não póde ser por isso que não ha meios. Os Juizes que estão reformados tambem até agora estão sem receber com os effectivos; e os que depois da Lei se aposentarem, hão de receber se houver dinheiro.
Eis o que eu tinha a dizer. Não ha duvida que os principios do D. Par são justos, e isso conheceu perfeitamente a Commissão e o Sr. Ministro da Fazenda; mas que disse este? Não tenho dinheiro. Agora se o D. Par intende, que se podem descubrir alguns meios para isso, proponha o que lhe parecer, que nós depois veremos se é possivel adoptal-os, para que assim se pague; mas tambem lhe observo, que os Juizes, quando entrarem na folha com os effectivos, segundo se dispõe no Projecto, se não se lhes poder pagar ao mesmo tempo, hão de ficar como até agora, o que desgraçadamente acontecerá: todavia, espero que no respectivo Orçamento hade attender-se a isso.
O Sr. V. de Algés — Sr. Presidente, com muito custo entro nesta discussão, porque é um pouco difficil entrar nella a sangue frio, e não seguir exemplos que, com quanto muito authorisados pela pessoa que os dá, com tudo parece-me terem pouco cabimento, e nenhuma conveniencia nesta discussão!
O D. Par o Sr. C. de Lavradio, auctor deste Projecto, referiu-se a mim, não declarando o meu nome, mas olhando para a cadeira em que me assento, e indicando, alem disso, que a mim se dirigia com allusão ao Projecto sobre aposentações dos Magistrados judiciaes; mas S. Ex.ª não tinha razão para se dirigir a mim; porque, na Sessão do 1.° de Maio, em que se discutiu aqui o artigo 19.º do Projecto de aposentações, que passou para a outra Camara, eu não estava presente, e por isso não podia tomar parte nessa discussão; e a proposito digo que se estivesse presente não teria deixado passar sem resposta certa citação da fabula ou conto dos Leões; porque, como tambem sei alguma cousa de fabulas, havia de responder a quem primeiro fallou nella.
Voltando porém á materia, disse agora S. Ex.ª, que no momento em que naquella Sessão clamava, que era injusto o privilegio que se estabelecia a favor dos aposentados para receberem seus vencimentos pela folha dos effectivos, ouvira muitas vozes que lhe diziam — pois venha uma medida geral para todos, e proponde-a. Eu não entrei no numero dos que isso disseram; porque, como já disse, nem presente estava nessa Sessão; porém, visto que todos os Projectos, como bem ponderou S. Ex.ª, teem uma historia ou publica e sabida, ou secreta e de pensamento reservado, sendo a deste publica e bem conhecida; como S. Ex.ª se referiu a ella, peço-lhe licença para a dilatar, ou antes para a tornar mais explicita. - Sr. Presidente, se ha Projecto que fosse tractado entre o Auctor delle e a Commissão incumbida de o examinar, com a maior boa fé, dando cada um na discussão larga e completa explicação de suas idéas, com perfeita placidez de espirito, e pedindo-se ao Auctor do mesmo Projecto todas as explicações necessarias para bem se conhecer e avaliar o seu pensamento, e provisões do Projecto; foi sem duvida este de que nos occupamos; e S. Ex.ª não negará isto, nem tambem que foi virtualmente do parecer da Commissão; porque, assim como todos concordaram com os principios do D. Par, tambem S. Ex.ª concordou nas razões que lhe apresentou a Commissão, e o Sr. Ministro da Fazenda, que assim como esteve presente na Commissão, desejara eu que o estivesse tambem nesta discussão. Agora passo a expender, o mais breve que poder, o que se passou na Commissão.
Em primeiro logar pediu-se ao D. Par, que quizesse ter a bondade de explicar o que pretendia comprehender no seu Projecto; porque, em verdade tinha uma redacção pouco explicita, e eu o leio (Leu-o). Já a Camara vê, que não se comprehende aqui tudo que ha de classes inactivas, e esta foi a primeira falta que a Commissão notou, e por isso disse — V. Ex.ª pretende comprehender tudo que é classe inactiva de qualquer ordem e natureza que seja? S. Ex.ª ao principio disse, que sim, e depois intendeu que havia nisso algum inconveniente; mas tambem a Commissão lhe perguntou depois — Então se V. Ex.ª comprehende tudo que são Reformados, Aposentados, e Jubilados, quer tambem incluir os das chamadas Repartições extinctas? S. Ex.ª disse — que lhe parecia que sim, porque eram Empregados publicos, e que o serem os seus serviços anteriores não lhes tirava o direito. Então ponderou a Commissão a difficuldade de serem pagos estes pelas respectivas Repartições, que é a provisão do Projecto! (O Sr. C. de Lavradio—Peço a palavra.) Sr. Presidente, eu tenho a presumpção de ser historiador fiel e exacto, e então vou escrupulosamente referir as respostas que S. Ex.ª deu, e espero que o mesmo D. Par me ha de declarar exacto nas minhas asserções.
Notarei a proposito, que S. Ex.ª fallou em justiça universal, com relação aos principios do seu Projecto; mas peço licença para lhe dizer, que é a justiça distributiva, e equitativa aquella, que S. Ex.ª invoca; porque compara, quer dar o mesmo direito a Pedro que concedeu a Paulo: pagar a todos é de justiça universal; mas pagar a uns porque já se paga a outros é a distribuitiva. Vamos porém á materia.
Pertendia S. Ex.ª, que se pagasse aos Empregados das Repartições extinctas quando se pagasse aos effectivos; e o Sr. Ministro da Fazenda, que de todo se não tinha opposto, notou alguma difficuldade na execução desta providencia, e á Commissão considerou-a inexequivel, porque não ha tantas Repartições effectivas quantas são as extinctas. Disse S. Ex.ª então, que poderia ser quando se pagasse á Repartição central da Fazenda, recebendo aquelles Empregados com a Secretaria da Fazenda. Mas isso tinha fortes obstaculos, e ficariam essas Repartições, até aqui de inferior consideração» com melhor direito do que as outras de primeira classe, porque bem se sabe que a Secretaria da Fazenda é das primeiras Repartições a receber, segundo a Tabella estabelecida. Eis aqui uma difficuldade mesmo de methodo quanto á primeira provisão não expressa no Projecto, mas declarada pelo seu Auctor. Agora vamos ás classes inactivas propriamente ditas—das metades, e das de consideração.
Disse S. Ex.ª —que para as classes inactivas chamadas pensionistas não quereria a sua medida, pois não comprehendia os que recebem pelo Thesouro por direito derivado, mas sim os que recebem pelos serviços que pessoalmente prestaram. Com estas explicações, e desenvolvimento que S. Ex.ª deu ao seu Projecto, já tinhamos pontos definidos, e a Commissão desejava concordar com S. Ex.ª no que fosse exequivel; mas já vimos que S. Ex.ª põe de parte as classes inactivas, e quer que os Empregados das Repartições extinctas, Aposentados, Reformados, e Jubilados gozem das mesmas vantagens que se estabeleceram para os Magistrados judiciaes apozentados. Levado agora o negocio a esta claresa, justifica-se a Commissão, de que era necessario pedir explicações a S. Ex.ª; mas o Sr. Ministro da Fazenda declarou positivamente, que as provisões do Projecto lhe davam um augmento de despeza com que não podia, pois se dissesse que acceitava o Projecto, importava isso o mesmo que dizer — acceito com a consciencia de que não posso satisfazer.
Ponderou-se tambem na Commissão uma difficuldade pratica de difficil resolução; porque, achando-se muito mais atrasados os Reformados ou Jubilados do que os effectivos da sua classe, não se podia determinar como se havia de tornar exequivel a medida, porque desde que passasse a Lei, os de consideração achando-se atraz dos effectivos oito mezes, ou se lhes havia de pagar logo de uma vez essa differença, ou haviam de soffrer um salto (O Sr. B. de Chancelleiros — Apoiado.) Pagar todo o tempo atrasado para os igualar aos effectivos era impraticavel, e o salto, na actualidade das circumstancias, pareceu inadmissivel á Commissão, porque no estado em que estão as finanças, fallar em saltos ou banca rota, é uma idéa que faz estremecer e abalar um resto, ou simulacro de credito que ainda existe; (Apoiados) e S. Ex.ª está nisso conforme; porque, faça-se-lhe justiça, o D. Par abundou sempre nas boas idéas, e os principios de S. Ex.ª eram santos e justos, no que todos estavamos de accôrdo; mas o D. Par devia estar lembrado do que se passou, quando se discutiu nesta Camara o Projecto das aposentações dos Magistrados judiciaes, e reconhecer, que as consequencias daquelle Projecto e as do de S. Ex.ª são inteiramente diversas quanto ás despezas. Já aqui se tinha feito ver, que não devia haver receio da cifra, em que importavam aquellas aposentações, quando aconteça que o Projecto passe na outra Camara, porque foi demonstrado, que a despeza seria insignificante, e isto por muitas razões, que eu tive a honra de expender nesta Camara e que resumirei. Aos Magistrados antigos, do modo porque passou o Projecto, nada approveita a sua provisão, porque nenhum tem trinta annos de serviço effectivo (Apoiados); e dos modernos falta ainda muito a quase todos para completarem esses trinta annos, e sobre tudo as circumstancias dos cofres publicos farão capacitar os Aposentados, que o prentendessem ser por estarem comprehendidos na Lei, que ou fosse ou não expressamente decretada a effectividade do pagamento de seus ordenados, visto que ha falta de meios, os Ministros hão de principiar o pagamento pelos effectivos (Apoiados): embora se diga, que se hão de pagar doze mezes em cada anno, as circumstancias continuarão a ser as mesmas, são factos reconhecidos e incontestaveis; e, não se podendo pagar toda a folha do Tribunal (isto fallando mesmo dos Magistrados) havendo doze effectivos é oito reformados, primeiro hão de receber os doze, e os oito hão de tear para traz.
Não temos nós o exemplo mais palpitante nas Classes inactivas? Ha nada mais impolitico, injusto e digno dos epithetos mais fortes, que se possam applicar, do que o haver dito a Lei, a quem tinha dez que receberia cinco, mas em dia, e faltar como se tem faltado ás Classes inactivas? Ora se isto acontece a respeito de quem tendo dez ficou com cinco, o que acontecerá a quem ficar com os dez por inteiro? Isto parece-me concludente, e eu vi pela publicação da discussão que houve no 1.° de Maio sobre o artigo 19.º do Projecto de aposentações, que alguem impugnou fortemente aquella provisão, e que um D. Par que não está presente, senão eu seria mais extenso, disse—que se fosse nova a medida, que regulasse um ramo do Serviço, que não o estivesse, não impugnaria que se consignasse o bom principio de serem pagos os Aposentados com os effectivos; mas que a provisão sobre aposentações não era nova, e que não o sendo, era nesse caso injusto o privilegio, que se queria estabelecer.
Ora eu direi agora (e creio que já o disse quando se discutiu aquelle Projecto), que as aposentações da Magistratura não estavam definidas, porque o direito velho não as estabelecia senão de um modo facultativo, generico e amplo, dizendo na Ordenação do Reino, que pertencia ao Rei aposentar os Empregados de setenta annos de idade; e não estavam definidas por Direito novo, porque a Lei de 12 de julho de 1822 tinha provisões especiaes, e tornando se, pelo menos, duvidosa a sua applicação a todos os Magistrados do Poder Judicial, intendiam alguns Membros do Tribunal, que era ampla, e outros que era limitada, e restricta a certa Classe de Magistrados. Eis-aqui por consequencia demonstrado, que não havia Legislação expressa, e que aquelle Projecto é que era o primeiro assento positivo sobre uma medida de tal natureza: logo não podia o D. Par oppor-se ao Projecto por esse fundamento, nem tambem pelo outro da grande despeza que causava, porque se levou á evidencia a insignificancia da cifra do Projecto, e que ella mesmo assim, só de futuro podia vir a figurar no Orçamento, e não Jogo que passasse o Projecto, como aconteceria com este em discussão, que importa desde já era centenares de contos de réis; mas a Commissão de Fazenda, vendo que o Projecto, abstractamente considerado, era de justiça e declarando-o assim, não conclue cousa alguma contra elle: o que propôz é um adiamento definido, porque, diz que está proximo a vir a esta Camara a Lei do Orçamento, _e que nessaJLei se hão de estabelecer os meios necessarios para o Governo pagar aos Empregados Públicos doze mezes em cada anno. Eu creio, Sr. Presidente, que o Goveruo alguma cousa ha de pagar, e que se hão de crear os meios em cifras, mas que ellas não hão de produzir senão o necessario para pagar cinco ou seis mezes em cada anno (Apoiados), e pelo que vejo, cada vez me vou persuadindo mais de que assim ha de acontecer.
Quando eu ha mais de um mez, tive de representar ao Sr. Ministro da Justiça para o fazer constar aos seus Collegas, especialmente ao da Fazenda, a urgentissima necessidade que havia de activar na Camara electiva os negocios de Finanças, observei que era necessario que elles fossem presentes a esta Camara o mais cedo possivel, para se tomar conhecimento delles e discutirem-se pausadamente, attenta a gravidade da materia; mas o facto é, que nós estamos a 2 de Junho, e que a Sessão está prorogada até 2 de Julho, e ainda não vieram! E na presença disto é minha convicção, que hão de vir com tal pressa, que não se poderão examinar e discutir como era mister. Estou persuadido de que ou nos havemos de contentar com cifras fantasmagóricas, ou havemos de sahir pela porta mais ampla e mais larga que é possivel; por essa porta já conhecida; isto é, dando authorisação ao Governo para levantar fundos: por uma destas portas necessariamente havemos de sahir, e qualquer dei-las é de fataes resultados! (Apoiados). Se pois for esta a alternativa que se prepara, então certamente tem logar todas as observações do Digno Par; quer dizer, não estará o Governo habilitado, para pagar doze mezes em cada anno aos Empregados publicos; mas se assim fôr como ha de então o Governo ter meios para equiparar o pagamento dos Empregados das Repartições extinctas ao dos Empregados effectivos, o que elevaria muitissimo mais a cifra necessaria para esses pagamentos?! Não é possivel. Agora se querem que sem resultado se reconheçam os bons principios de Justiça, que aliás estão em vigor; se querem mais uma Lei especial para não ser executada; vamos a isso, eu estou prompto, mas prevendo o que ha de acontecer. '
Sr. Presidente, para esta materia se tractar devidamente, havia outro modo, que era examinar bem o direito de cada uma destas Classes; o direito dos Jubilados, dos Reformados, e de todos os outros Empregados civis desta natureza; examinar a respectiva Legislação; e tambem a respeito dos Militares ver se é justa e util a distincção que se faz quanto ao pagamento de Officiaes Generaes. e outros que o não são: aqui está a razão justificada, porque a principio eu dizia que não fosse o Projecto do D. Par á Commissão de Fazenda; por quanto, o que tinha a dizer a Commissão de Fazenda, a que um D. Par chamou de mathematica? Que se pagasse a todos? Ha por ventura meios para isso? Pois á Commissão de Fazenda tem alguma incognita de descobrir os meios para se pagar a todos? Não tem; e foi por essa razão que combali aquella Proposta, e disse, que fosse o Projecto a todas as Commissões, ou antes a uma Commissão especial composta de Membros escolhidos da de Administração Publica, de Guerra, de Legislação, de Fazenda, ele.
Ora, é indubitavel que nem todos os que recebem pelos cofres do Estado tem o mesmo direito; ha Classes de muito diversa consideração; e em todas ellas é necessario ver a origem do direito, e a qualidade dos serviços para concluir pela justiça da classificação em que se acham, pois que tudo isto tem uma significação, e só se poderia conhecer, quando cada uma das Commissões examinasse o que era relativo aquella Classe dos Servidores do Estado, que especialmente lhe diz respeito. Por exemplo: quer o D. Par o Sr. C. de Lavradio fazer differença entre os Pensionistas do Estado, e os Empregados reformados ou de Repartições extinctas: a estes quer S. Ex.ª attender para a effectividade do pagamento por que prestaram pessoalmente o serviço, e aquelles não, porque é um direito derivado do serviço que outrem prestou. Se esta distincção é sempre justa e conveniente, não entro agora nisso; porém muito boas razões se podem produzir a favor dos serviços prestados por uns, e que aproveitam a outros; isto é, pelos seus antepassados. Ha tambem Pensionistas por serviços, que realmente reclamam maior consideração, e taes são as pensões chamadas de sangue, fundadas em motivos justíssimos. (Apoiados.)
Ora aqui está, Sr. Presidente, a historia deste Projecto, referida o mais breve que me foi possivel, porque a materia era tão vasta, que eu me podem alargar muito, e fazer um longo discurso; aqui e Ião as razões que teve a Commissão para dizer, que o Projecto era desnecessario, reconhecendo com tudo que é de justiça pagar-se a todos. É isto o que diz o Parecer; e o D. Par, de certo não fará questão da sua redacção, que aliás me parece clara e terminante. Se acaso o D. Par soubesse, que se pagava a todos doze mezes em cada anno, pouco importaria ao D. Par que se pagasse aos inactivos na occasião em que se pagasse aos outros, ou quinze ou vinte dias depois; mas isto não é por agora possivel, pela propria declaração do Sr. Ministro da Fazenda; e o Projecto do D. Par ou não tem execução, ou complicaria mais o negocio em vez de o melhorar. O Projecto do D. Par é de justiça, é verdade; mas o que a Commissão intendeu que tambem era de justiça foi, que viesse primeiro á discussão o Orçamento. A este respeito observarei de passagem, que na Camara dos Srs. Deputados ainda se não apresentou o Parecer da Commissão de Fazenda sobre a Receita do Estado; e tambem de passagem direi, que não julguei conveniente a Proposta feita pelo D. Par o Sr. C. de Lavradio era uma das Sessões passadas, para que precedesse nesta Camara a discussão da Receita á da Despeza, porque me pareceu prematura a Proposta do D. Par. visto que ella deve vir a ter cabimento, quando se tractar de discutir o Orçamento como o D. Par aliás observou.
Ora, á Commissão do Orçamento na Camara dos Srs. Deputados é composta não só dos Membros da Commissão de Fazenda, mas tambem de alguns Membros das nutras Commissões que para aquella são reclamados; e então é avultado o numero de Srs. Deputados, que tem esclarecimentos sobre a materia, e possuem por isso um pensamento deffinido sobre os meios de Receita, e podem discutir a Despeza porque tem um juizo feito e determinado sobre a maneira de lhe fazer face; mas a Commissão desta Camara, que não advinha o que tem feito a Commissão do Orçamento da outra Casa, nem quaes são os elementos com que conta, não póde examinar nem discutir bem essa materia sem ao menos lêr conhecimento do pensamento da Camara dos Srs. Deputados, sobre qual é o deficit e o modo de o cobrir. Aquella Camara tem a iniciativa especial sobre crear meios de Receita, e conviria que esta conhecesse as idéas dos Srs. Deputados a tal respeito, o que só lhe póde resultar do conhecimento do Parecer da Commissão de Fazenda da outra Casa do Parlamento, ácerca da Lerdos meios; e se; estivesse presente algum dos Srs. Ministros eu lhe pediria, que empregasse os meios possiveis, para que se imprimisse e publicasse quanto antes aquelle Parecer.
Concluo portanto dizendo, que a Commissão não rejeitou o pensamento do Projecto do D. Par, antes o achou de justiça; mas reconheceu, que era incompativel com relação ás circumstancias actuaes, sendo o Sr. Ministro da Fazenda o primeiro a reconhecer, que não tinha meios para cumprir a Lei, se porventura o Projecto passasse; e então ir fazer agora uma Lei com a prevenção de que não póde ser executada não me parece conforme á dignidade desta Camara: (Apoiados) assim o pensa a Commissão. Entretanto, como está proxima a discussão do Orçamento, quando ella tiver logar se tractará deste objecto; e é na presença destes fundamentos, que a Commissão concluiu propondo o adiamento até então, e por esta fórma intendo eu, que ficam preenchidas as vistas do D. Par. (Apoiados.)
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, quando pedi a palavra, foi porque me pareceu que talvez seria conveniente, mesmo necessario, fizer algumas observações sobre a historia do que se tinha passado na Commissão; mas devo declarar que me abstenho de as fazer, porque o D. Par que me precedeu contou essa historia com tanta exactidão, que eu confesso não o poderia fazer melhor, nem mesmo tão bem. Por tanto não tenho mais nada a dizer.
Quanto porém aos argumentos que produzi quando fallei da primeira vez, nada mais accrescentarei agora, não só porque elles não foram combatidos, mas porque já declarei que não tornaria a tomar a palavra sobre a materia, por não dever fazer gastar mais tempo á Camara inutilmente.
O Sr. Presidente — Não ha quem mais tenha a palavra, nem tambem ha numero para se proceder á votação. Talvez a Camara quizesse passar á discussão do outro Parecer n.º 135, ficando reservada a votação para quando houvesse numero; porém eu não tenho esperanças de que o possa hoje haver, e por consequencia parece-me melhor levantar a Sessão, e ficar para a immediata. (Apoiados.) Por tanto, darei para Ordem do dia de Segunda feira a votação do "Projecto que se discutiu hoje, o Parecer n.º 135 sobre a Proposição de Lei n.º 113, e juntamente o Parecer n.º 132 da Commissão especial sobre o commercio e agricultura dos vinhos. Está levantada a Sessão. — Eram quatro horas da tarde.
Repartição de Redacção das Sessões da Camara, em 9 de Junho de 1849. = O Sub-Director da Secretaria, Chefe da dita Repartição
José Joaquim Ribeiro e Silva.