DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 799
acto do sr. José de Mello Gouveia, quando foi ministro do ultramar, acto do qual, sem duvida alguma, o commercio deve tirar resultados proficuos - é a reforma das pautas em sentido liberal. (Apoiados.)
Todavia, parece-me que a respeito de melhoramentos com relação ao commercio, temos muito ainda que fazer para nas nossas colonias e na metropole vencer os preconceitos que se levantam injustificadamente, e impedem que se tomem medidas completas de liberdade e concorrencia, como muito conviria ás mesmas colonias, preconceitos que resultam das velhas tradições de monopolio, que existem ainda nas praças commerciaes de Portugal.
Andâmos a fallar muitas vezes na necessidade de dar organisação independente ás provincias ultramarinas, e a apontar para as colonias inglezas como modelo para imitar; mas a verdade é que na situação em que se encontra a nossa Africa, dar lhe desde já essa organisação seria o maximo erro que poderiamos commetter; seria um enorme perigo, porque d'ahi poderia resultar, não tendo ainda ellas elementos poderosos de civilisação e sobretudo bastante população europea, que os indigenas, que nos são desaffectos, e que são numerosissimos, sentindo-se bastante fortes em presença da pequena população europea que ali ha, e educados como estão, não para a paz, mas para, a guerra, em breve nos expulsariam para o mar. Esses são e foram sempre os seus intuitos, os seus desejos, as suas esperanças.
Por não querer prolongar esta discussão, tratarei de dizer agora o que me parece indispensavel a respeito das obras publicas. Procurei dar uma idéa rapidissima da physionomia e estado das nossas colonias; agora occupar-me-hei do plano de organisação de obras publicas sobre o qual versa este debate.
Que são necessarias obras publicas no ultramar ninguem o contesta. Que é necessario dar-lhes impulso e desenvolvimento rapido, é uma questão de simples intuição. Mas convirá entregar ás propinas colonias essa tarefa? Tem ellas as condições politicas e economicas necessarias para realisar tão difficil e complexo empenho? Creio que não.
Afigura-se-me que confiar-lhes o encargo de dar esse impulso e desenvolvimento ás obras publicas, seria um erro. Convem seguir a opinião de Rebello da Silva, que queria se fizessem na metropole sacrificios consideraveis em favor das colonias?
Não é essa tambem a minha opinião. Qual é minha opinião? É simples, é a que se traduziu em artigos de lei em 1876, quando, sendo eu ministro da marinha, o parlamento votou a lei que creou as expedições de obras publicas para o ultramar. A lei claramente preceituou que o governo da metropole não tomava a si os encargos das que se íam emprehender, e não os tomava por uma rasão muito simples, e era, que nas provincias ultramarinas existiam impostos cujo rendimento podia cobrir a maior parte das despezas que se íam fazer.
O governo central dava só uma cousa indispensavel ás colonias, dava o seu credito em relação aos mercados estrangeiros.
Não dava dinheiro; dava credito. Não dava dinheiro; porque ía fazer uma cousa que não era nova, ía apenas applicar mais regularmente o imposto especial, estabelecido
Das sommas despendidas nas referidas obras, indespensaveis para o melhorar aquellas nossas colonias, o rendimento do imposto especial, e, tornando assim mais concentrada, mais energica, mais rapida a acção dos capitaes, promover a immediata transformação d'aquelles feracissimos territorios. E se alguem não comprehendeu e buscou desvirtuar, isso não prova que elle é mau, prova apenas que nem todos entendem o amor da patria, que me anima a mim e me dá coragem para tudo - até para suportar injustiças - do mesmo modo que eu: prova que não vêem todos, como eu, o perigo de deixar no abandono as nossas colonias. Estimarei enganar-me.
Poder-se-ha dizer, que as provincias ultramarinas de Africa não podem pagar os encargos das dividas que, para obras publicas, se contrahiram ou se hajam de contrahir?
Creio que não. E tenho aqui um documento official, que me foi communicado, pelo sr. Barros e Sá, que mostra o seguinte:
Rendem os impostos com destino a obras publicas nas provincias africanas 163:760$000 réis, distribuidos pela seguinte fórma:
Cabo Verde........................ 21:000$000
S. Thomé e Principe............... 18:250$000
Angola............................ 64:800$000
Moçambique, conforme o orçamento.. 59:710$000
Somma............................ 463:760$000
D'estes rendimentos, as provincias já entregaram ao governo, por conta dos encargos dos emprestimos para obras publicas, o que diz este documento que tenho presente.
"As seguintes provincias ultramarinas têem pago ao thesouro publico por conta dos encargos dos emprestimos para obras publicas o seguinte:
Cabo Verde ....................... 14:000$000
S. Thomé.......................... 14:000$000
Angola............................ 56:000$000
Moçambique........................ 56:000$000
Somma............................ 140:000$000
Assim, pois, as provincias de Africa já têem pago réis 340:000$000.
Com os encargos dos emprestimos não podem exceder 7 por cento, e os emprestimos feitos foram de 1.000:000$000 réis o primeiro em 1876, o segundo e terceiro em 1878 e montam a mais de 1.000:000$000 réis approximadamente senão nos falha a memoria, segue-se que; não
Contando com o ultimo anno decorrido, as provincias de Africa tem pago metade dos seus encargos.
A este proposito disse-se aqui com referencia ao orçamento de Angola, que havia a receiar que o deficit ali se introduzisse d um modo definitivo e permanente: parecia receiar-se que se fosse estabelecer nas nossas colonias mais este animal damninho, ali onde já ha tantos outros animais damninhos.
E receiou se que d'ahi proviesse a impossibilidade de Angola, assim como as outras colonias, não poderem satisfazer os encargos das sommas applicadas a obras publicas. Isto é uma perfeita illusão; illusão de que participa infelizmente o sr. Ministro da marinha.
Nasce esta errada apreciação do actual orçamento das colonias, sem ter em conta, que, no que respeita á provincia de Angola em especial, o orçamento foi feito em circumstancias excepcionaes, e depois de uma secca esterilisadora, em tres annos successivos que diminuiu muito o commercio e os rendimentos da provincia.
Esse rendimento é, ordinariamente, muito maior, e tende a augmentar. Não sou só eu que assim penso, e se não fosse o receio de cançar a camara leria o relatorio do proprio sr ministro da marinha, onde s. exa. diz, que espera que este rendimento seja excedido; o que já tem confirmado pelo augmento do rendimento das alfandegas.
No que respeita a Moçambique, é de notar que se suprimiu o imposto que ali se havia lançado para obras publicas, justamente no momento em que as obras publicas se desenvolviam e o estado, na metropole, parecendo tomar a si os encargos dos emprestimos especiaes, põe á conta da provincia, como se vê do orçamento, a totalidade d'esses mesmos encargos.
Segundo se vê da nota que ha pouco citei, Moçambique,