DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES NO REINO 803
Não são menos importantes nem menos urgentes as obras de saneamento em Quelimane. A villa é um dos logares mais insalubres da provincia de Moçambique, mas é das mais populosas e mais procuradas pela emigração; mas situada a menos de um metro do nivel das alias marés, fica como encravada n’um pantano, e o dessecamento d’esse pantano e o esgoto das agua demanda trabalhos urgentissimos. D’elles se tem occupado a zelosa com mis s ao de obras publicas.
N’esta epocha a que me refiro, desde abril de 1877 até abril do anno presente, as obras publicas, concluidas e em construcção, assim como os estudos, andam por réis 500:000$000.
As obras fizeram se sempre de accordo com as auctoridades competentes. As instrucções dadas polo governo eram estas. Quando as auctoridades pedissem aos engenheiros, com obras urgentes, o concerto ou construcção de edificios indispensavel para a uca administração das provincias, quando disserem: tal casa para tribunaes está a caír, tal edificio de alfandega precita reedificado, enfim quando indicassem a necessidade de qualquer obra. os engenheiros deveriam verificar a natureza do pedido, formular os seus planos, e se effectivamente o concerto, a reparação, a construcção fossem precisos, procederem a elles.
Em obras da natureza d’aquellas que acabo de indicar, na construcção de estradas, ha de seccação de pantanos, em estudos de caminhos de ferro e em outras obras publicas de incontestavel necessidade se tem gasto as sommas dadas a titulo de adiantamento ás nossas colonias, e cujos encargos pela lei ellas deveriam opportunamente pagar. A camara póde verificar o que eu digo, porque ou documentos que o provam estão á sua disposição.
Sr. presidente, tomo calor n’estas questões, porque realmente me custa muito ver censurar aquelles que trabalham e cumprem com o seu dever, ouvir condemnar esses homens instruidos, novos, energicos, patriotas e honrados por quem nada faz e nada bom sabe fazer, quando, na verdade, elles nunca deixaram de satisfazer com dedicação ao que lhes cumpria.
Comprehenderam a sua missão e cumpriram-na, e esses que os censuram nem tem missão nenhuma, nem nunca cumpriram nada! É uma injustiça flagrante fazerem-se taes accusações e censuras; levam o desanimo a todos aquelles que querem trabalhar em bem da patria.
Em Angola têem-se já executado obras publicas importantes, e feito estudos da maior difficuldade. Custaram até aqui mais alguns contos de réis do que custariam na metropole. Mas a camara aprecia perfeitamente o que devem ser obras publicas na Africa onde tudo falta; braços que trabalhem, materiaes de construcção, officinas, machinas, meios de alimentação, abrigos, salubridade, tudo emfim.
Não se imagine, por exemplo, que estudar um caminho de ferro nos sertões de Angola é o mesmo que proceder aos estudos de um caminho de ferro no Minho.
É preciso lutar ali continuadamente com as pessimas condições do clima; e, para fazer estudos, abrir caminho atravez dos matagaes e bosques; levar adiante dos engenheiros um partido de homens a cortar arvores e [...] para tornar accessivel o terreno.
Alem do estudo, nas circumstancias que acabo do indicar, de 136 kilometros de caminho de ferro, de mui nos estudos de estradas ordinarias e da construcção de bastantes kilometros d’essas estradas, se levantaram edificios importantes, se melhoraram os cães de embarque, etc., etc. Construiram-se alem d’isto, e estão funccionando, 130 kilometros de linhas telegraphicas; estão em construcção as estradas que vão ao Dondo, outras muitas obras estão começadas, e estão-se fazendo estudos de grande importancia tanto no litoral como no interior.
Tudo isto prova que se não tem deitado o dinheiro á rua, como alguns dizem, sem saber por que o dizem; prova tambem que os homens que foram nas expedições de Africa têem trabalhado com dedicação e energia.
Não sejamos, ao menos, ingratos para com os homens que foram á Africa expor a vida, para servir o paiz. Eu posso affirmar, que poucos d’elles se occuparam de si quando partiram para aquellas regiões remotas, pensaram sim no pão para as suas familias de que se íam separar. E isso faz-lhes honra.
Sr. presidente, eu não desejo tomar mais tempo á camara. Direi só, que se devem continuar as obras publicas nas provincias ultramarinas; que a direcção d’essas obras se não deve deixar á iniciativa colonial por enquanto. A direcção de tão importante emprehendimento não se deve entregar senão a homens de cuja aptidão se não passa duvidar.
É preciso ter em attenção as condições economicas e mesmo as condições naturaes de Africa. Ali a vegetação, por exemplo, é de tal maneira rapida e poderosa, que se
uma estrada se faz pouco a pouco, está ella já destruida em parte peia vegetação quando se chega a concluir. Uma estrada feita de uma vez, sem que os trabalhas parem, por
qualquer motivo, póde prestar grandes serviços, e por isso mesmo conservar-se com facilidade.
Quer-se voltar ao antigo systema eterna de obras publicas estabelecido no ultramar? Mas essa systema está experimentado. É um verdadeiro desperdicio; isso é que é dinheiro deitado á rua.
Quando apegas se destinava a obras publicas o producto do imposto especial em cada anno, muitas obras se emprehenderam que não foram acabadas, e muitos edificios se levantaram; a que aconteceu aquillo que dissemos havia acontecido a algumas das edificações que fallâmos.
Estavam começadas havia muito annos algumas, e quando se quizeram acabar, as paredes desmoronaram se, por fórma que se gastou o dinheiro sem utilidade nenhuma; enquanto que, fazendo-se rapidamente as obras, fazendo-se com methodo e plano, e com as condições necessarias de estabilidade e polidez, as obras haveriam durado, e d’ahi resultaria uma economia real
Estamos, sr. presidente n’um periodo em que a preoccupação maxima é a economia; mas a verdadeira economia é o bom e util aproveitamento do dinheiro; e se deixarmos entregue o rendimento dos impostos especiaes de obras publicas á administração local das colonias, será isso desperdiçar esse rendimento, como aconteceu já durante muitos annos, porque as provincias ultramarinas não têem credito preciso para ir buscar dinheiro aos mercados da Europa; e tambem por que ha obras de tão grande vulto, que as colonias não podem fazer com o rendimento actual os encargos d’ellas, como é, por exemplo, o caminho do ferro e Ambaca.
Esta linha ferrea, como se vê da memoria apresentada pelo illustre governador, o sr. José Baptista de Andrade, não é muito longa, e póde trazer a Loanda as mercadorias por metade do preço que hoje custa o transporte feito pelos carregadores.
Se o transporte das mercadorias custar metade do que custa actualmente, o caminho terá movimento sufficiente para dar rendimento com que cubra todas as despezas da linha e os encargos da construcção.
O meio unico interesse, ao usar da palavra. foi defender uma idéa fecundada e que reputo util ao meu paiz. A sua realisação, estou persuadido, não traz encargos ao thesouro da metropole, logo que o rendimento destinado a obras publicas seja applicado como a lei ordena, sem se desviar do seu destino e se empregar em subsidios a municipalidade, e se desbaratar á direita e á esquerda sem se saber para quê.
O interesse que tenho pelas nossas possessões ultramarinas é de tal ordem, e funda-se em tantas rasões poderosas, que a camara não estranhará que me tenha alongado n’este assumpto.