Página 793
N.º 69
SESSÃO DE 26 DE MAIO DE 1880
Presidencia do exmo. Sr. Duque d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares
Eduardo Montufar Carreiros
Francisco Simões Margiochi
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Continuação da discussão do parecer n.° 80, sobre o projecto n.º 65, que auctorisa o governo a contrahir um emprestimo de 400:000$000 réis para melhoramentos publicos nas provincias da Africa portugueza. - Discursos dos dignos pares Andrade Corvo, Costa Lobo, Vaz Preto e ministro da marinha.
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 24 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte.
Correspondencia
Um officio da presidencia, da camara dos senhores deputados, enviando a proposição da lei que tem por fim annexar ao concelho e comarca de Castro Daire a freguezia de Almofalla, que actualmente pertence ao concelho de Mondim da Beira e á comarca de Armamar.
A commissão de administração publica.
Outro do ministerio do reino, remettendo dois documentos originaes, a fim de ser satisfeito o requerimento do digno par Quaresma e Vasconcellos, apresentado na sessão de 15 do corrente mez.
Para a secretaria.
Outro do ministerio da marinha, remettendo, já sanccionado por Sua Magestade El-Rei, o authographo do decreto das côrtes geraes, sob o n.° 30, datado de 23 de abril do corrente anno.
Para o archivo.
Outro orneio do ministerio do reino, remettendo o decreto authographo pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes até ao dia 2 do proximo, mez de junho inclusivamente.
O decreto foi igualmente lido na mesa e mandado revistar e archivar.
(Estava presente o sr. ministro da marinha, e entrou durante a sessão o sr. ministro da guerra.)
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão na generalidade, do parecer n.° 84, sobre é projecto de lei n.° 65. Continua com a palavra o sr. Andrade Corvo;
O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, v. exa. e a camara sabem que, quando a hora hontem veiu interromper as reflexões que estava fazendo ácerca do projecto de lei que se discute, um digno par, interrompendo-me, pareceu querer-me fazer sentir que eu estava em presença de juizes que me iam julgar a mim e não o projecto do governo.
O digno par já estava tomando logar entre os juizes, e empunhando a vara da justiça.
Se a camara quer julgar a minha responsabilidade, acceito o seu julgamento, assim como tomo a responsabilidade completa dos meus actos; responsabilidade absoluta, em todos os casos e em todas ás situações. Mas o julgamento a que, de certo, o digno par se podia referir, não era o da minha pessoa que pouco vale; era sim o julgamento de uma idéa grande, elevada e nobre, para a qual me esforço de captar as sympathias da camara, esperando até captar as do sr. ministro da marinha, cuja lealdade e boa fé me merecem muita confiança.
Trata-se, pois, de julgar não a minha pessoa, mas uma idéa; e como se trata disto peço perdão á camara por me alongar nalgumas reflexões, que julgo opportunas, e na apresentação de documentos e dados estatisticos a favor d'essa ideal
A idéa é simples. A camara conhece-a bem. Trata-se, por um lado, de manter a acção do governo central sobre as colonias de Africa, para as desbravar e fazer d'ellas centros de civilisação, que irradiem o seu influxo benefico por aquelle vasto continente.
Por outro lado, trata-se de sustentar a doutrina de que se deve deixar á iniciativa dos povos d'aquellas colonias o emprego dos meios que julgarem opportunos para alcançar essa civilisação.
Procurei já mostrar, que isto se não podia conseguir, porque um pequeno numero de europeus entre populações selvagens não tinha meios nem iniciativa para desenvolver os elementos da civilisação n'aquellas paragens inhospitas. São os portuguezes, infelizmente, pouco dotados de iniciativa, quando se trata de melhoramentos publicos; e se elles na sua terra, na Europa, não podem desenvolver ainda essa iniciativa, que mais tarde hão de manifestar, segundo espero, como se póde acreditar que, longe da patria, nas regiões da Africa, luctando com grandes difficuldades, desenvolvam uma iniciativa que não teem na patria?... Rareia a população europea-na Africa, abunda a selvagem; e, se se acrescentar a tudo isto, que ainda ha poucos dias a população indigena era escrava, e a europea quasi composta de escravos ou libertos, e a população europea em grande parte composta de degredados, reconhecer-se-ha que não é possivel conseguir a civilisação d'aquella parte da monarchia pela iniciativa local.
A exposição que tive ensejo de fazer noutro dia foi apenas um relancear de olhos sobre a generalidade das nossas colonias de Africa.
Permitta-me agora a camara que, particularisando o que tem succedido e as condições especiaes em que se acha cada uma d'essas nossas possessões coloniaes, principalmente as grandes colonias de Angola e Moçambique, eu primeiro prove a necessidade da acção do governo para desenvolver ali os melhoramentos publicos; e em segundo logar prove que as condições daquellas colonias são de tal ordem que esses melhoramentos podem trazer resultados de immensa fecundidade.
Pouco direi das outras colonias, e apenas me referirei de passagem a Cabo Verde e a S. Thomé. Mas antes de ir avante, advertirei de novo o seguinte.
Se effectivamente se tratasse de julgar, não um principio, mas a minha pessoa, por haver ousado Acordar a somnolencia do paiz, e emprehendido as obras publicas no ul-
Página 794
794 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tramar, eu pediria licença para levar ao banco dos réus todos os meus cumplices.
Tenho-os que são meus amigos; tive outros que já morreram, mas cuja memoria está gravada no espirito de todos que amam a patria; e una e outros podem ser chamados á autoria.
Aqui na camara existe um digno par e meu amigo, o sr. José de Mello Gouveia, que não só adoptou a idéa de melhoramentos publicos no ultramar, mas buscou realisal-a relativamente a S. Thomé e Cabo Verde. Mostrou-se zelosissimo, em actival-a. Os resultados que obteve foram proficuos para aquellas colonias e conseguintemente para o paiz.
Porque, desenganem-se os dignos pares, não se podem os nossos interesses; separar dos interesses das colonias. A nossa grandeza futura, ou o nosso abatimento total, dependem absolutamente do estado do nosso dommio colonial.
Chamarei tambem á auctoria o meu amigo, o sr. Mendes Leal, e a memoria illustre de Rebello da Silva, que tanta saudade nos deixou.
Peço licença para não dizer nada de mim. É costume affirmar, as cousas sem as provar; mas isso não o fazem os homens que se prezam e prezam a verdade.
Dizia o sr. Mendes Leal no seu relatorio de 1864:
"No serviço de obras publicas não se estacionou. Estão a ponto de concluir ás da alfandega de Loanda, continuam as do cães e varias reparações em diversos edificios.
"Em Benguella prosegue o aterro do pantano junto á fortaleza de S. Filippe, que muito deve melhorar o Bestado sanitario da cidade.
"Em Mossamedes foi restaurado o hospital e vae ser augmentado. Em data de 29 de setembro ía o respectivo e muito intelligente e activo governador traçar a directriz, e logo fazer começar os trabalhos da, estrada que, ligando com o porto de Mossamedes os povoados de Compungombo, indo reduzir a dois dias de jornada apenas o longo e penoso trajecto que actualmente separa d'aquella villa estes ricos territorios, prejudicando á extracção dos seus productos.
"Ao norte, a linha de fortes que devia prolongar-se até ás margens do Loge, a fim de proteger as communicações por aquelle lado, e cuja construcção fóra auctorisada em agosto de 1862, não póde ser ainda levada a effeito, como tinha toda a rasão para esperar, em virtude de difficuldades independentes da acção do governo.
"Acha-se, porém, concluido, e foi já enviado ao ministerio das obras publicas, para sobre elle ser consultado o voto competente dos corpos technicos, o nivelamento do caminho de ferro de Loanda a Calumbo, na margem do Quanza.
"Posto assim á mão da capital da provincia este. importante rio, navegavel por espaço de 32 leguas até Cambambe, reduz-se incomparavelmente a distancia para a fronteira e para o interior, o maior obstaculo no desenvolvimento do commercio e incremento das industrias.
"Sem contar sequer o tão desejado abastecimento de boas Aguas, condição essencial de salubridade, será por isso bastante áquella consideração para accommodar e fazer desejar a rapida execução de tão importante obra, a que estão a bemdizer ligados os destinos da Africa occidental, o que no imposto destinado a obras publicas locaes achará toda a facilidade de prompta execução."
São claras e bem acentuadas as opiniões do sr. Mendes Leal. São urgentes as obras publicas no ultramar; a communicação entre Loanda e o interior de Angola, uma obra de summa utilidade. No imposto especial para obras publicas está o recurso para levar a effeito as obras publicas. Mas, note-se bem, ha dezeseis annos, que o ministro da marinha annunciava no seu relatorio que estacam a ponto de concluir-se as obras na alfandega de Loanda.
Vieram essas obras, comtudo, a concluir-se só bastante tempo depois.
Os estudos do caminho de ferre não tinham levado a resultado algum; e o saneamento de Benguella, dizem os engenheiros agora, é impossivel realisal-o ainda porque não ha estudos, nem planta, nem nivelamento, nem nada.
Em Mossamedes planeou-se e poz-se era construcção um palacio para o governador, é a commissão de obras publicas entendeu, que, no adiantado das obras, seria um desperdicio deixar de o concluir. De modo que o palacio do governador de Mossamedes virá a ser um dos mais importantes se não o mais importante edificio publico da provincia!
Estes eram os resultados do anterior systema de obras publicas adoptado nas provincias ultramarinas; porque o que se passava em Angola estava-se passando em toda a parte.
Para evitar as delongas os desperdicios e a má execução de obras que resultavam de um mal organisado serviço, que o sr. ministro da marinha quer agora resuscitar, foi que eu entendi que era indispensavel seguir outro systema. Os resultados têem justificado as minhas previsões.
Uma idéa que a todos assusta é a de fazer caminhos de ferro no ultramar. Para este ponto chamo a attenção da camara.
Era a opinião do sr. Mendes Leal, em 1864, que se construisse em Angola um caminho de ferro de Loanda a Calumbo, e as rasões que então levaram o illustre ministro a pensar assim são hoje mais poderosas.
O caminho de ferro é indispensavel e é indispensavel prolongal-o até á região do planalto interior.
Mas, sr. presidente, a doutrina que eu tenho, ao que parece, a desgraça de seguir, era tambem a do sr. Rebello da Silva em 1870. Dizia o meu sempre lembrado amigo no seu relatorio:
"Entre os melhoramentos que é preciso introduzir na provincia, para coadjuvar efficazmente o desenvolvimento das riquezas naturaes, merecem as obras publicas o primeiro logar.
"Embora a sua dotação seja inferior por ora ao que pedem tantas necessidades urgentes, ainda chega bem aproveitada para trabalhos de certo vulto, e alguns se fizeram já de reconhecida utilidade. Entre elles figuram: os executados na alfandega de Loanda, e no quartel do corpo estacionado em Loanda, e as reparações effectuadas em varios edificios publicos e nas fortalezas, construindo-se ao mesmo tempo uma casa para alfandega em Benguella, e concluindo-se a estrada que liga Mossamedes a Capangombe.
"Não nos illudamos, porem. A prosperidade nascente de Angola impõe deveres, e a, metropole não póde cruzar os braços, entregando-a inteiramente a si mesma. As communicações terrestres e fluviaes acham-se muito atrazadas, e á excepção da navegação a vapor, contratada para o Quanza, o modo por que .são .feitos os transportes- dos generos e das mercadorias accusa a rusteza e a negligencia de epochas em que a agricultura e as industrias tinham aos olhos dos poderes publicos menos do que secundaria importancia.
"Sem estradas e conducções baratas não ha economia de tempo, de braços e de dinheiro, nem concorrencia valiosa nos mercados.
"Importa formar quanto antes o plano da viação mais essencial e adequada, orçar a despeza d'ella, e executal-a sem levantar mão do empenho. Importa gastar o indispensavel, mas só o indispensavel.
"Se os recursos da provincia não bastarem, á mãe patria cumpre auxilial-a. (O relatorio falla de Angola.) Os subsidios que tão pouco fecundos são para cobrir a despeza ordinaria, são mui reproductivos applicados à promover as forças vivas do paiz. Quem não souber semear não colherá."
Estas são exactamente as. opiniões que eu adopto, e as que busquei realisar o melhor que soube. Que o novo systema de obras publicas é realisavel, está provado; que é proveitoso, tambem esta praticamente provado. Não estou,
Página 795
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 795
pois, arrependido de o haver inaugurado; mas outros se arrependerão de o haver distraindo. A cada um as suas responsabilidades. Eu acceito as minhas sem hesitação.
Sobre a construcção do caminho de ferro do Loanda no interior de Angola, consultei eu o nosso illustre collega, então governador geral de Angola, o sr. José Baptista de Andrade, e dizia-me s. exa. por essa occasião:
"Tenho demorado a resposta á regia portaria de 5 de agosto, sobre um projecto de viação publica para esta provincia, porque fui informado de que alguns negociantes da praça de Loanda se haviam quotisado para, á sua custa, mandarem pessoa competente fazer estudos e orçamentos para um caminho de ferro que, partindo do Donde no concelho de Cambambe, fosse por Carenzo para os concelhos mais de leste.
"Como, porém, até ao presente não tenham podido engajar pessoa habilitada para dar principio a taes estudos, que o governo da provincia havia de auxiliar para d'elles ter conhecimento e informar com exactidão o governo de Sua Magestade, vejo-me na necessidade de responder a tão importante assumpto, muito mais superficialmente do que desejava.
"A viação publica n'esta provincia não tem sido tão descurada como muita gente imagina. As portarias e relatorios existentes no archivo da secretaria do governo geral provam que bem raros foram os governadores que não attenderam a este tão efficaz meio de desenvolver a riqueza do paiz.
................................................
"Para mim não é nova a idéa da applicação dos caminhos de ferro n'esta provincia, e já em 1862 mandei o engenheiro João Soares Caldeira fazer o nivelamento e traçado para um caminho de ferro entre Loanda e Calumbo, cujos trabalhos foram concluidos em setembro de 1863."
Já lá vão dezesete annos sem nada se fazer pelo processo de obras publicas no ultramar até hoje seguido.
Depois d'isto o sr. Andrade mostrava que esse caminho de ferro se podia e devia prolongar 348 kilometros, indo de Calumbo até Oeiras, no alto Zambeze, e d'ahi a Ambaca e mesmo até Malunge.
O custo de toda a linha calculava-a o sr. Andrade em 5.000:000$000 réis.
E provava com dados estatisticos, sobre a producção d'aquellas regiões e sobre o movimento da alfandega de Loanda, que este caminho de ferro pagaria logo os encargos da sua construcção.
Isto mesmo provou no seu estudo sobre este mesmo caminho de ferro o sr. Sarrea Prado, e confirma o estudo dos engenheiros actualmente occupados no serviço de obras publicas de Angola.
Sem alongar mais estas considerações, lendo á camara o resto do relatorio, citarei, comtudo, o que elle diz ácerca do custo de transporte das mercadorias, dos concelhos do interior para Loanda, por intermedio dos denominados carregadores.
Diz o sr.. Andrade:
"Só estes generos (os que vem do interior a Loanda para serem exportados) dão para 94:352 cargas de 45 kilos cada uma, e deixo de mencionar 1.199:832 kilos de azeite de palma, e 486:676 kilos de coconote e mais alguns generos das margens do Quanza que podem aproveitar a via fluvial.
"Para a compra de generos vindos do interior, vão de Loanda muitas cargas de aguardente, de fazendas de algodão, de contarias, de espingardas e de ferragens, avultando tudo pelo menos metade do que se recebe, eleva-se o total das cargas a 141:528. Actualmente bem poucos são os pontos em que se paga menos de 2$000 réis a cada carregador, pagando-se em muitos pontos a mais de 3$000 réis a carga; portanto, calculando a media; ternos 2$500 reis por carga, importando assim a totalidade d'ellas em 363:820$000 reis."
(Interrupção do sr. Costa Lobo.)
Offender-me, não. Eu não me offendo nem mesmo quando o digno par me mandou para o banco dos réus.
É pois evidente, sr. presidente, que o nosso collega, o sr. Andrade, governador de Angola em 1874, funccionario zelosissimo e muito conhecedor das condições economicas e das necessidades da provincia, tem, ácerca de obras publicas e da construcção do caminho de ferro de Angola, idéas analogas ás que tinha o sr. Rebello da Silva, e que eu procurei realisar.
Verdade é que o sr. Andrade acreditava, quando escreveu o officio a que me estou referindo, e que está publicado no relatorio do ministerio do ultramar de 1875, que se podia levar a effeito o projecto do caminho de ferro pela iniciativa particular. Como negocio lucrativo, já se vê, e não pela iniciativa provincial.
Mas os tempos e os factos têem vindo provar que, sem auxilio ou caução directa do governo, tal obra se não póde executar; e para tomar a tal respeito qualquer alvitre, a primeira cousa era o governo estudar, technica e economicamente, a questão. E foi isto que se fez já, em resultado dos ousados trabalhos dos engenheiros que esta na Africa.
Tenho, pois, como a camara vê, muitos cumplices n'este crime de querer fazer no ultramar obras publicas, a fim de ali desenvolver os elementos da riqueza.
E estes cumplices, os que estão vivos, de certo acceitam essa cumplicidade; os que estão mortos, não o duvidemos, acceitariam tambem o responsabilidade de um tal crime. Fiquemos certos que á sua memoria ficará vinculada uma grande gloria, qual é: para Rebello da Silva, o ter sido um distincto ministro da marinha, um representante condigno tias idéas progressivas e dos melhoramentos das nossas colonias; para o marquez de Sá, a de ter promovido um grande melhoramento nas nossas colonias, a abolição da escravatura, e com ella o desenvolvimento do commercio e da agricultura.
Assim, pois, criminoso não sou eu só. Não se trata porém de defender, que não precisam de defeza, esses grandes vultos, esses nobilissimos caracteres. Trata-se de principios, e é d'estes que vou occupar-me agora.
Tem-se dito, e repetido muitas vezes, que todas as despezas feitas com as nossas colonias são despezas perdidas. Os factos, porém, dizem exactamente o contrario. Basta ver os dados estatisticos para se avaliar a rapidez progressiva do desenvolvimento commercial que têem tido as nossas colonias africanas, e isto sem se haver estabelecido a plena liberdade dos indigenas, a qual começou ha pouco.
Assim a provincia de Cabo Verde que em 1844 tinha uma população de 71:500 pessoas, sendo a população da Guiné de 4:500, e incluindo uma população de cerca de 8:000 escravos; tinha em 1874, pelo natural desenvolvimento que resultou da acção fecunda da abolição da escravatura, uma população de cerca de 97:000 individuos, sendo a população da Guiné 6:000.
Quando em 1874 eu tive a honra de referendar um decreto que acabava com os ultimos vestigios da escravidão em Cabo Verde, havia ainda mais de 1:000 libertos.
Na população da Guiné ha a notar que de 6:154 individuos da metropole são unicamente 40, estrangeiros europeus 62, o resto são indigenas barbaros, ou individuos que, vindos das outras colonias, permanecem pouco tempo na Guiné.
É esta uma circumstancia pela qual sou levado a affirmar, não em relação a Cabo Verde, mas em relação ás outras colonias, que ali se não póde estabelecer um systema politico, comparavel com o das colonias inglezas, onde existem assembléas deliberantes, ministros responsaveis, e outras instituições de caracter liberal.
N'uma população, como a da Guiné, o caso é evidente. Mas ainda mesmo em Angola não são, infelizmente ainda, as condições propicias para uma tal organisação, como logo mostrarei.
Na Guiné, com uma população de 40 a 100 europeus, e
Página 796
796 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
de 5:400 selvagens, como se póde estabelecer um systema fundado sobre a iniciativa particular; um systema de liberdade, com governo responsavel, com parlamento, com camaras municipaes, com todas essas instituições que distinguem a mais adiantada civilisação?
Sr. presidente, v. exa. sabe, sabe-o a camara, e sabe; muito bem o sr. ministro da marinha, que nas colonias inglezas ha diversas fórmas de administração, organisação diversa; dependendo tudo da natureza da população e de qualidade e numero dos individuos que constituem a população europea.
As colonias inglezas propriamente ditas têem um governo sujeito, em virtude da lei, á acção de um parlamento local.
Mas, alem d'essas possessões inglezas, ha outras que se assimilham muito á maior parte das nossas possessões da Africa Occidental e oriental.
Isto é, por um lado existe uma grande massa de individuos que, pertencendo á população selvagem, são incapazes de comprehender as instituições representativas, de se governarem segundo as nossas formulas politicas, de ter iniciativa creadora e civilisadora, e por outro lado um pequeno numero de europeus, a quem falta a concatenação, a força, a unidade, a educação, a concentração, a igualdade, essenciaes para constituirem um governo parlamentar.
Nas possessões inglezas a que ultimamente me referi não ha parlamentos: ha um governador com um conselho de governo, encarregado de administrar; empregados destinados a receber os impostos, e empregados para fazerem a justiça á europea, e nada mais.
Ao sul de Africa, nas proximidades das nossas colonias, têem os inglezes vastos dominios, que elles designam com o titulo de Extra-colonial- territoria, onde o governo é proximamente este.
A terra dos Basutos, por exemplo, situada na fronteira sudoeste de Natal. Habitam ali 127:000 basutos, e como "a tribu não está sufficientemente adiantada em civilisação e progresso social para ser admittida no pleno goso, e sujeitar-se á inteira responsabilidade garantida e imposta pela lei commum da colonia (a do Cabo), determinou-se que o territorio ficasse sujeito a especial administrarão e legislação.
"O poder legislativo do territorio está, por consequencia, confiado ao governador, e sujeito á revisão do parlamento, e acto algum votado pelo parlamento colonial tem força na terra dos Basutos até que designadamente se resolva."
Assim falla uma publicação recentissima do Cabo da Boa Esperança.
Fallei ha pouco, sr. presidente, dos impostos que se cobram dos cafres; e este é um ponto importante da administração colonial.
Não se imagine que isto de lançar e cobrar os impostos das tribus selvagens é uma circumstancia pouco attendivel. Não é, porque os impostos têem uma influencia immediata nos progressos das colonias, e na civilisação dos negros.
Os impostos que se recebem nos territorios britannicos de que estamos fallando são de natureza differente da d'aquelle que nós temos geralmente cobrado até hoje nas nossas possessões africanas, mesmo nas da costa oriental. O imposto é pago em cada palhota ou casa dor, negros; entre nós só accidentalmente isto succede, e mais como signal de vassallagem do que como imposto.
D'aqui resulta que, emquanto nós recebemos, e isto só perto de Inhambane, 200 réis por palhota, os inglezes recebiam dos cafres meia libra até ao 1.° de janeiro d'este anno, e de janeiro em d'este esse imposto é de uma libra por palhota.
E não têem ali fortificação alguma os inglezes, nem consideraveis forças militares, mas unicamente um governador que se faz respeitar pela justiça e imparcialidade benefica dos seus actos.
Tal é, porém, o receio que incutem nos selvagens pela sua superioridade moral, que não encontram grandes difficuldades em cobrar o imposto.
Esta fonte de receita é incontestavel, póde-se estabelecer francamente nas nossas colonias; e creio que fazendo n'ellas melhoramentos successivos, e reformando o systema de impostos, melhorando a administração e a justiça, darão ellas largamente para pagar todas as suas despezas, para satisfazer os encargos dos capitães que se empregarem racionalmente em obras publicas, para viverem, emfim, á sr. custa; e por esta fórma a emigração será para ali chamada e a população europea augmentará consideravelmente.
Então poder-se-lhes-ha dar uma organisação similhante á das colonias do Cabo e do Natal; antes d'isso, porém, é impossivel.
Em Cabo Verde, como anteriormente disse, pelo seu desenvolvimento natural, e debaixo da acção successiva da liberdade, e de uma administração mais regular do que tinha anteriormente á abolição da escravatura, a população cresceu rapidamente.
De 1844 a 1874, em bem pouco tempo, subiu a população de 71:000 individuos a 97:000, e ao mesmo tempo desappareciam os libertos, ou quasi que desappareciam pela acção benéfica do mesmo systema, sendo os proprios senhores que lhes davam a liberdade.
A ponto que, quando tive a satisfação de referendar o decreto da abolição absoluta d'aquella condição, antes da epocha determinada na lei, apenas existiam 1:167 libertes, sendo o seu numero anteriormente de 8:000.
Já v. exa. vê os beneficos resultados da liberdade naquella colonia, que apresenta hoje uma população tal e tão civilisada que póde receber com vantagem um regimen similhante ao da metropole. Se eu visse o sr. ministro da marinha propor que Cabo Verde deixasse de ser considerado colonia como as outras, para ser considerado como um governo civil, teria para isso o meu completo apoio.
O movimento commercial n'aquellas ilhas era em 1844 da importancia de 286:000$000 réis, quando existia o monopolio da urzella na mão do estado; e em 1874 esse movimento ascendia a 920:000$000 réis. Que enorme differença!
Não se póde dizer, por forma alguma, que as nossas colonias não têem progredido, o que não se deve dar impulso aos seus melhoramentos, porque geria perder dinheiro, tempo e actividade.
Vou mostrar que, o que aconteceu em Cabo Verde, tem acontecido tambem nas outras provincias de Africa. Esta asserção é verdadeira. O progresso é manifesto em toda a parte.
Dizem os engenheiros, que estão em Moçambique, ser o meio mais radìpo de civilisar aquellas populações selvagens o mostrar lhes as maravilhas do progresso, que ellas não conhecem.
Esses espirites rudes e impressionaveis ficam logo subjugados. É necessario fazer ali caminhos de ferro, telegraphos electricos, para que os negros sintam qual é o poder da civilisação e quanto o homem branco domina a natureza.
A camara sabe que o tratado de Lourenço Marques, que eu fiz como negociador por parte de Portugal, e cuja responsabilidade tomo inteira e sem attenuação alguma, emquanto elle for objecto de critica, assegura os meios para a construcção de um caminho de ferro que é a, salvação maior d'aquelle nosso pobrissimo territorio.
Não me demorarei mais no que diz respeito á provincia de Cabo Verde, e direi algumas palavras ácerca de IS. Thomé
Esta provincia teve uma grande prosperidade em epocha já remota, porque foi ali que se fez primeiro a cultura da canna de assacar. Mas aquella prosperidade desappareceu quando esta cultura passou para o Brazil. Então o com-
Página 797
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 797
mercio de S. Thomé ficou reduzido, como o das outras provincias africanas, ao trafico dos escravos que iam para a America. Era um deposito de escravos, e nada mais.
Em 1844 estava n'esta situação. Lopes de Lima diz que nessa epocha a população era composta de 12:753 individuos, dos quaes apenas 185 eram brancos.
O movimento commercial, apesar do haver o commercio de escravos, era de 58:000$000 réis, e a receita publica limitava-se a 10:000$000 réis Desappareceu a escravatura, e apesar dos abusos e oppressões dos senhores sobre os liberto; durarem por muito tempo, a população subiu a 22:000 individuos em S. Thomé, e comprehendendo a ilha do Principe a 26:000.
O movimento commercial, que era apenas de 58:000$000 réis em 1844, chegava em 1875 a 634:000$000 réis. 05 rendimentos publicos subiram, tambem notavelmente, a ponto de que só as alfandegas em 1876-1877 renderam mais de 92:000$000 réis.
Por consequencia, sr. presidente, dizer que as nossas colonias não teem todas os requisitos possiveis para prosperarem, é buscar um pretexto para não fixar-a attenção n'ellas. Não creio que ninguem tenha similhante idéa, mas a opinião publica pouco illustrada, que ouve debater muitas vezes o que devemos ou não fazer a favor das colonia; póde suppor que nos cumpre abandonal as.
Sr. presidente, seria isto um erro inqualificavel, um grande erro economico e politico.
Portugal vale ainda muito, e póde valer muito mais pelas suas colonias. É um paiz importante. Não é um paiz insignificante, como muitos portuguezes por ignorancia e por desalento ousam insinuar; é importante, pelas suas colonias, repito. Mas para que Portugal conserve e acrescente essa importancia torna-se indispensavel, torna-se urgente, o do tarmos as colonias de todos os melhoramentos da civilisação. Só assim chegaremos ao desideratum de collocar as nossas colonias em situação de as podermos entregar aos seus proprios recursos. Mas para isto é preciso coragem ousadia, preseverança, unidade de pensamento, e verdadeiro patriotismo Não se governa com palavras vãas, não se dirigem os destinos, ora com uma sentimentalidade sem grandes, ora com uma mesquinharia quasi burlesca.
Chegamos agora a Angola; occupemo-nos rapidamente d'esta importante provincia africana. Em Angola, sabe v. exa. sr. presidente, e sabe-o a camara, em Angola, como está reconhecido por todos aquelles, que têem estudado a colonia com olhos de naturalista, ha tres regiões distinctas. Ha a região do litoral, que é largamente productiva apenas nas margens dos rios, pois que, quando se caminha para fóra dos terrenos invadidos pelas aguas das cheias, a região é completamente improductiva, pantanosa e doentia onde as aguas se acumulara ou estagnam, ahi a população europea é quasi nulla e a indigena relativamente pouco numerosa.
Á região do litoral segue-se a região montanhosa, onde se encontram os productos tropicaes, é esta a região propria do café e da canna de assucar.
Segue-se a esta a terceira região, um planalto onde se encontram os productos vegetaes da Europa, conjunctamente com os productos africanos, e onde a população é bastante densa e laboriosa.
Pediria eu ao sr. ministro da marinha que, em proveito mesmo da instrucção do paiz, tivesse a bondade de mandar publicar alguns documentos que estão na sua secretaria, documentos que eu tive occasião de ler, e muitos dos quaes o sr. Ministro teve a bondade de mandar a esta casa. Entre esses documentos estão notaveis relatorios dos engenheiros da commissão de obras publicas, e n'esse relatorios encontram-se estudos de immensa importancia sobre as condições economicas da provincia.
O paiz ganharia muito com essa publicação, serviria, ella de grande auxilio a todos os que se occupam do futuro das nossas colonias e que têem fé nos recursos de toda a especie que ellas nos podem vir a dar em poucos annos.
Alguem poderia suppor que eu, pedindo a publicação d'estes documentos, tinha só em vista defender a minha opinião. Desejo defendel-a, não o devo occultar, mas ainda que não encontrasse ahi a sua defeza, a publicação d'esses documentos seria sem duvida alguma de grande proveito para o estudo da Africa, e eu pedil-a-ía ao sr. ministro.
Hoje as duas regiões interiores de Angola, as mais productivas, isto é a região montanhosa e o planalto estão quasi incommunicaveis com o litoral para onde se faz o transporte de mercadorias á cabeça dos negros carregadores. E nós sabemos já que cada negro não leva mais de 45 telegramma á cabeça, dos centros de producção até ao Quanza, custando esse transporte 2$000 a 2$500 réis.
D'aqui se pôde calcular o que lucrará o commercio de Angola quando houver communicações faceis para o interior, e sobretudo uma linha ferrea economicamente construida, e em condições de servir quasi exclusivamente ao transporte de mercadorias que só exigem pequenas velocidades.
Não podemos tambem exercer verdadeira soberania n'aquelles povos emquanto não houver meio de transportarmos as forças militares para os pontos do territorio onde occorrerem conflictos de qualquer ordem.
Sabe v. exa. e a camara que muitas vezes tem havido revolta dos sobas. E porque é que essas revoltas teem tomado importancia? Pela immensa difficuldade que se dá de ir de Loanda a força publica até onde a revolta se manifesta, porque esta acaba logo que a força chega lá. E se ás vezes encontrâmos resistencias, são estas provocadas, ou pelas incomportaveis oppresões das auctoridades portuguezas, ou pela imprudente exiguidade das nossas forças.
Por consequencia, repito, é evidente a enorme vantagem que deriva de termos em Angola communicações faceis para o interior de Africa.
Enganam-se os que pensam que ha n'isto um desperdicio, enganam-se ainda mais os que crêem que em preza d'esta ordem póde ser levada a cabo só pela influencia e, acção do governo local, desajudado e a si proprio abandonado pelo governo da metropole.
A população era em 1844, segundo calcula Lopes de Lima, de 386:000 individuos, sendo, approximadamente, brancos 2:000, pretos e pardos, livres 298:000, escravos 86:000.
Já se vê que a espantosa porção de escravos que havia n'esta epocha é mais uma demonstração estatistica de que o trabalho servil, alem de ser uma barbaridade, um crime social, é tambem de uma extrema esterilidade.
N'esse tempo era o movimento commercial do Angola apenas de 2.300:000$000 réis, sendo a importação avaliada em 800:000$000 réis, e a exportação em 1.500:000$000 réis.
Á medida que o triste cancro social da escravidão e do trafico foi diminuindo a intensidade dos seus funestissimos estragos, a população cresceu, a producção augmentou. o commercio desenvolveu-se. Assim, em 1869 a população era já de 433:000 almas, podendo calcular-se que a decima parte são brancos e pardos. Ainda que esta ultima avaliação não seja perfeitamente exacta, comtudo conclue-se que ao crescimento da população indigena correspondeu um notavel crescimento da população de outras raças. A população europea propriamente dita, é de 3:000 almas proximamente.
O movimento commercial teve um grande incremento, devido á maior actividade da agricultura e do commercio, resultante da abolição, do trafico. Assim, nos ultimos annos, anteriores á actual secca, que tem esterilisado os campos de Angola, o movimento commercial póde avaliar-se em mais de 5.000:000$000 réis.
Os rendimentos publicos teem crescido tambem, e podem hoje calcular-se na media em 600:000$000 réis. No ultimo orçamento estão elles avaliados em 433:000$000 réis, mas isto é evidentemente o resultado de o calculo se fazer em re-
Página 798
798
DIARIO DA
798 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
lação aos ultimos annos que têem sido de excepcional esterilidade.
Assim, pois, vemos nós a rapidez com que, mesmo sem meios de communicação, se tem patenteado a fertilidade d'aquelle vasto territorio, e as possibilidades de desenvolvimento de que é dotado.
O que se trata de avaliar é se estes recursos naturaes, estes elementos de riqueza, são de tal devam que devam levar-nos a desenvolver as estradas, os caminhos de ferro e os outros meios de communicação em Angola, sem perder tempo; e se isso se deve fazer debaixo da acção e fiscalisação do governo, a fim de que se execute depressa, e com methodo, e se não possa receiar que no futuro venham a pesar sobre a metropole os encargos das despezas que houverem de fazer-se. Para mim é indubitavel que, sem a acção directa do governo, nada se conseguirá, assim como é incontestavel que Angola póde pagar os seus encargos todos. O imposto para obras publicas já hoje rende cerca de 80:000$000 réis.
Em Moçambique a situação é muito peior do que em Angola.
Diz o ultimo governador, n'um relatorio em 1875. como já tive, creio, occasião de recordar á camara que a população ida para ali da metropole é tão exigua, que, passados alguns mezes, em Moçambique, se conhecem todos os individuos pelos seus nomes e occupações.
Esta circumstancia prova quanto é impossivel, com tal população, crear instituições que se pareçam com as colonias do Cabo ou do Natal.
As populações indigenas estão ali muito menos dominadas pelo nosso poder do que em Angola, e necessario que procuremos assegurar bem o nosso! pelo commercio, pela energia, pela civilisação, do modo que em logar de termos um dominio incerto, e muitas vezes puramente phantastico, n'este territorio, [...] alcançar um dominio real e francamente [....] por todos.
Basta dizer, que em frente de Moçambique, no continente, se vêem já provação onde per muito [...] negros andaram revoltados contra nós e nem sequer reco-conheciam a nossa soberania.
E o proprio governador, no relatorio a que já me referi; se congratula de ter conseguido que um cheque, muito proximo de Moçambique, que estava havia muitos annos revoltado contra o governo portuguez, houvesse tornando a sujeitar-se ao nosso dominio.
Factos d'estes dão-se quer ao sul, quer ao norte da colonia.
A não ser nas margens do Quanza, em parte do territorio de Sofala, e em mais alguns logares occupados effectivamente por nós, temos aporias uma soberania de direito e não de facto n'aquelles vastos territorios. E devemos manter e tornar real a soberania portugueza por um dominio claro e positivo, e esse não póde, por agora, se fundado na creação de colonias similhantes ás colonias; propriamente ditas dos inglezes, ditas no systema de administração de que usam nos territorios que elles chamam dominios da corôa. Quer dizer, n'um governo exerça acção sobre a população não civilisada, e a encaminho ella poder entrar no movimento geral da vida politica.
Buscarei dar idéa de Moçambique e dos seus progressos.
Em 1858 a população era calculada em 43:105 individuos, sendo 27:540 escravos.
O movimento commercial era de, 800:000$000 a réis 1.200:000$000. A receita do estado ascendia acenas a 89:000$000 réis.
Em 1874 era a população de 68:000 individuos. O movimento commercial subia a 1.830:000$000 réis, sendo a exportação de mais do 1.000:000$000 réis, A receita publica ía até 230:000$000 réis, sendo só das alfandegas réis 160:000$000.
No actual orçamento as receitas da provincia vem calculadas era 22l:000$000 réis; para este mesmo anno a despeza vem calculada em 363:000$000 réis; o que dá um deficit de 142:000$000 réis.
Deve porém, advertir-se que alguns serviços foram ultimamente reformados com notavel augmento de despeza, e que ao passo que se lançavam á emita da Moçambique os encargos das sommas gastas em obras publicas, o que é justo, a importancia de 59:000$000 a 60:000$000 réis, se extinguia o imposto especial para obras publica? Este contrasenso não tem explicação alguma.
Vê-se, pois, que em Moçambique ha as condições neccesarias para o seu proprio desenvolvimento; mas creio que nós ahi não podemos exercer a mesma acção e promover melhoramentos da mesma ordem d'aquelles de que carece Angola e as outras colonias.
Havemos necessariamente de escolher alguns ponto? para servirem de apoio ao nosso dominio, e algumas obras cujo resultado seja prompto e seguro.
A minha opinião é que se devem escolher os logares onde se possam construir postos fortificados, que sirvam de postos fiscaes, e de centros d'onde nos convem fazer irradiar o nosso dominio effectivo, centros d'onde a nossa acção se possa estender sem esforço militar. Estabelecer pontos fortificados e um dominio civilisador em roda, d'elles, alongando-se pouco a pouco; pontos onde postam vir os indigenas commerciar comnosco; eis o que é necessario.
Ao mesmo tempo estes pontos fortificados teriam muito convenientes para evitar o trafico da escravatura. Com estes elementos obteriamos grandes resultados.
Possuidos em Moçambique, graças á solução favoravel de uma arbitragem que eu promovi e logrei alcançar como ministro dos negocios estrangeiros, um territorio hoje [....] deserto, inteiramente inculto, com uma povoação [......] insalubre, uma taxa de [....] de larguras, onde vagueiam tribus cafres, nem todas avassaladas, mas onde se abre a mais bella bahia da Africa oriental. Esta bahia é a porta onde se pode [...] para uma mais[....] ferteis e salubres regiões da Africa central. O Transwal, que era independente, está hoje sob o dominio da Inglaterra. Estas condições geographicas e economicas, que apenas posso aqui esboçar, estão indicando a necessidade de pôr a bahia de Lourenço Marques em [...] communicação com a nova possessão ingleza. Só assim poderemos fazer d'aquelle decreto uma grande cidade um rico e poderosa emporio commercial. Se fecharmos aquelle porto, se não abrirmos ali um caminho de ferro, Lourenço Marques ficará um deserto, esteril, pobre, desolado e selvagem; se darmos livre passagem ao commercio, se trabalharmos em leal e estreita cooperação com a Inglaterra, nossa vizinha ali o nossa aliada na Europa ha largos seculos, Lourenço Marques tornar-se-ha um dos centros mais importantes do commercio da Africa oriental.
Talvez alguem não comprehenda, ou finja não comprehender, esta verdade de simples intuição, mas ella não deixa por isso de ser uma verdade; e a experiencia só encarregará de a demonstrar em poucos annos. N'esta convicção ajustei, como plenipotenciario, um tratado com a Inglaterra, cujo fim era adaptar a nova situação outro que eu proprio havia celebrado com o artigo governo da republica do Transwal, e que foi approvado pelo parlamento. Estabelece-se ahi o modo de levar á a execução um caminho de ferro da bahia ao Transwal, e esse caminho de ferro é, a meu ver, absortamente indispensavel e da maior urgencia. Em territorio portuguez o caminho terá mais de 70 kilometros, e segundo o estudo dos nossos engenhemos custará o maximo 1.330:000$000 réis.
Vemos, pois, como disso ha pouco, que em Moçambique ha grandissimos recursos, e que é preciso assegurar o seu commercio; e este não se assegura senão pela liberdade. A proposito d'isto tenho verdadeiro prazer em memorar um
Página 799
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 799
acto do sr. José de Mello Gouveia, quando foi ministro do ultramar, acto do qual, sem duvida alguma, o commercio deve tirar resultados proficuos - é a reforma das pautas em sentido liberal. (Apoiados.)
Todavia, parece-me que a respeito de melhoramentos com relação ao commercio, temos muito ainda que fazer para nas nossas colonias e na metropole vencer os preconceitos que se levantam injustificadamente, e impedem que se tomem medidas completas de liberdade e concorrencia, como muito conviria ás mesmas colonias, preconceitos que resultam das velhas tradições de monopolio, que existem ainda nas praças commerciaes de Portugal.
Andâmos a fallar muitas vezes na necessidade de dar organisação independente ás provincias ultramarinas, e a apontar para as colonias inglezas como modelo para imitar; mas a verdade é que na situação em que se encontra a nossa Africa, dar lhe desde já essa organisação seria o maximo erro que poderiamos commetter; seria um enorme perigo, porque d'ahi poderia resultar, não tendo ainda ellas elementos poderosos de civilisação e sobretudo bastante população europea, que os indigenas, que nos são desaffectos, e que são numerosissimos, sentindo-se bastante fortes em presença da pequena população europea que ali ha, e educados como estão, não para a paz, mas para, a guerra, em breve nos expulsariam para o mar. Esses são e foram sempre os seus intuitos, os seus desejos, as suas esperanças.
Por não querer prolongar esta discussão, tratarei de dizer agora o que me parece indispensavel a respeito das obras publicas. Procurei dar uma idéa rapidissima da physionomia e estado das nossas colonias; agora occupar-me-hei do plano de organisação de obras publicas sobre o qual versa este debate.
Que são necessarias obras publicas no ultramar ninguem o contesta. Que é necessario dar-lhes impulso e desenvolvimento rapido, é uma questão de simples intuição. Mas convirá entregar ás propinas colonias essa tarefa? Tem ellas as condições politicas e economicas necessarias para realisar tão difficil e complexo empenho? Creio que não.
Afigura-se-me que confiar-lhes o encargo de dar esse impulso e desenvolvimento ás obras publicas, seria um erro. Convem seguir a opinião de Rebello da Silva, que queria se fizessem na metropole sacrificios consideraveis em favor das colonias?
Não é essa tambem a minha opinião. Qual é minha opinião? É simples, é a que se traduziu em artigos de lei em 1876, quando, sendo eu ministro da marinha, o parlamento votou a lei que creou as expedições de obras publicas para o ultramar. A lei claramente preceituou que o governo da metropole não tomava a si os encargos das que se íam emprehender, e não os tomava por uma rasão muito simples, e era, que nas provincias ultramarinas existiam impostos cujo rendimento podia cobrir a maior parte das despezas que se íam fazer.
O governo central dava só uma cousa indispensavel ás colonias, dava o seu credito em relação aos mercados estrangeiros.
Não dava dinheiro; dava credito. Não dava dinheiro; porque ía fazer uma cousa que não era nova, ía apenas applicar mais regularmente o imposto especial, estabelecido
Das sommas despendidas nas referidas obras, indespensaveis para o melhorar aquellas nossas colonias, o rendimento do imposto especial, e, tornando assim mais concentrada, mais energica, mais rapida a acção dos capitaes, promover a immediata transformação d'aquelles feracissimos territorios. E se alguem não comprehendeu e buscou desvirtuar, isso não prova que elle é mau, prova apenas que nem todos entendem o amor da patria, que me anima a mim e me dá coragem para tudo - até para suportar injustiças - do mesmo modo que eu: prova que não vêem todos, como eu, o perigo de deixar no abandono as nossas colonias. Estimarei enganar-me.
Poder-se-ha dizer, que as provincias ultramarinas de Africa não podem pagar os encargos das dividas que, para obras publicas, se contrahiram ou se hajam de contrahir?
Creio que não. E tenho aqui um documento official, que me foi communicado, pelo sr. Barros e Sá, que mostra o seguinte:
Rendem os impostos com destino a obras publicas nas provincias africanas 163:760$000 réis, distribuidos pela seguinte fórma:
Cabo Verde........................ 21:000$000
S. Thomé e Principe............... 18:250$000
Angola............................ 64:800$000
Moçambique, conforme o orçamento.. 59:710$000
Somma............................ 463:760$000
D'estes rendimentos, as provincias já entregaram ao governo, por conta dos encargos dos emprestimos para obras publicas, o que diz este documento que tenho presente.
"As seguintes provincias ultramarinas têem pago ao thesouro publico por conta dos encargos dos emprestimos para obras publicas o seguinte:
Cabo Verde ....................... 14:000$000
S. Thomé.......................... 14:000$000
Angola............................ 56:000$000
Moçambique........................ 56:000$000
Somma............................ 140:000$000
Assim, pois, as provincias de Africa já têem pago réis 340:000$000.
Com os encargos dos emprestimos não podem exceder 7 por cento, e os emprestimos feitos foram de 1.000:000$000 réis o primeiro em 1876, o segundo e terceiro em 1878 e montam a mais de 1.000:000$000 réis approximadamente senão nos falha a memoria, segue-se que; não
Contando com o ultimo anno decorrido, as provincias de Africa tem pago metade dos seus encargos.
A este proposito disse-se aqui com referencia ao orçamento de Angola, que havia a receiar que o deficit ali se introduzisse d um modo definitivo e permanente: parecia receiar-se que se fosse estabelecer nas nossas colonias mais este animal damninho, ali onde já ha tantos outros animais damninhos.
E receiou se que d'ahi proviesse a impossibilidade de Angola, assim como as outras colonias, não poderem satisfazer os encargos das sommas applicadas a obras publicas. Isto é uma perfeita illusão; illusão de que participa infelizmente o sr. Ministro da marinha.
Nasce esta errada apreciação do actual orçamento das colonias, sem ter em conta, que, no que respeita á provincia de Angola em especial, o orçamento foi feito em circumstancias excepcionaes, e depois de uma secca esterilisadora, em tres annos successivos que diminuiu muito o commercio e os rendimentos da provincia.
Esse rendimento é, ordinariamente, muito maior, e tende a augmentar. Não sou só eu que assim penso, e se não fosse o receio de cançar a camara leria o relatorio do proprio sr ministro da marinha, onde s. exa. diz, que espera que este rendimento seja excedido; o que já tem confirmado pelo augmento do rendimento das alfandegas.
No que respeita a Moçambique, é de notar que se suprimiu o imposto que ali se havia lançado para obras publicas, justamente no momento em que as obras publicas se desenvolviam e o estado, na metropole, parecendo tomar a si os encargos dos emprestimos especiaes, põe á conta da provincia, como se vê do orçamento, a totalidade d'esses mesmos encargos.
Segundo se vê da nota que ha pouco citei, Moçambique,
Página 800
800 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
já pagou 56:000$000 réis ao thesouro. Calculando em réis 750:000$000 as quantias destinadas á provincia, uma parte em 1876, e a outra em 1878 ou 1879, é claro que as garantias pagas por Moçambique apresentam metade dos; encargos.
Estas contas não são rigorosas, são apenas approximadas; mas dão ellas clara idéa do que tem de falsas as apreciações dos terroristas dos deficits, ou dos que especulam com esses terrores.
Quanto a Cabo Verde: vemos que pagou ao thesouro publico por conta dos encargos dos emprestimos para obras publicas a quantia de 14:000$000 réis.
Reconhece-se, pois, que Cabo Verde, que recebeu para obras publicas approximadamente 200:000$000 réis, já tem pago parte dos encargos que deve; devendo acrescentar-se que ali o imposto para obras publicas montava em 1875 a 30:000$000 réis, e no anno seguinte 40:000$000 réis. Ainda no presente orçamento o vemos nós calculado em 30:000$000 réis, apesar da prudencia artificiosa com que os calculos estão feitos. Ora se Cabo Verde pagou um anno os seus encargos, é claro que póde continuar a pagar; vê-se que ali não ha repugnancia em pagar os encargos resultantes dos melhoramentos executados na provincia; o que póde ter havido até agora é má administração. Ali não se emprehendia energicamente e com regularidade nenhuma obra importante. O plano mudava quasi sempre com cada governador. Nas costas e nos portos não ha illuminação. Os cães estão por construir em quasi todas as ilhas. Edificios publicos faltam. As aguas andam desaproveitadas, onde o clima tanto recommenda o seu emprego, e onde ellas são tão poucas. Construcção de estradas ha apenas alguma; as communicações são difficeis, e o custo dos transportes carrega extraordinariamente o preço das mercadorias.
Só algum governador muito zeloso, forçando, por assim dizer, a mão aos inimigos locaes dos melhoramentos publicos — porque em toda a parte os ha — fazia alguma cousa em beneficio da provincia, mas sem systema geral, e acabando o impulso que elle dava quando acabava o seu tempo de governar.
Isto que succedia em Cabo Verde, succedia com maiores inconvenientes em outras colonias.
Sr. presidente, as colonias têem, para obras publicas, um rendimento annual de 163:000$000 réis, e pagaram já 140:000$000 réis ao thesouro por conta dos encargos dos emprestimos para obras publicas.
Supponho eu que, melhorando este imposto, poderia desde já elevar-se sem grande difficuldade a 200:000$000 réis.
Ora, nós temos gasto em obras publicas nas colonias, comprehendendo o emprestimo, de que trata este projecto, 2.500:000$000 réis, quantia que alguem reputa enorme, sem ter lido os relatorios dos engenheiros; aliás saberiam que tudo estava a caír, que foi preciso reparar todas as casas de administração, todas as casas de correio, todos os quarteis, todas as escolas, todas as igrejas. Alguns edificios foi indispensavel reedifical-os. Tudo estava caído, era uma completa ruina; e foi preciso levantar do solo todas essas ruinas.
Na minha opinião, sr. presidente, as colonias podem pagar sem difficuldade alguma os seus melhoramentos; comtanto que se melhoram e acrescentem os impostos destinados a obras publicas, o que não é difficil. Tem-se gasto com as obras 2.500:000$000 réis; comprehendendo, como já disse, o emprestimo de que se trata no projecto em discussão. Os encargos resultantes da quantia dispendida, a 7 por cento, não excedem a 170:000$000 réis. Assim, cumpre-se o que dispõe a lei de 1876 — que não tinha outro fim senão dar ás colonias a vantagem de terem obras publicas dirigidas systematicamente, e com o fim de melhorar as suas condições agricolas, commerciaes, e administrativas, dando-lhes ao mesmo tempo a responsabilidade dos encargos que para proveito d’ellas se houvessem de tomar; cumpra-se a lei de 1876, e nenhum encargo pecará sobre o thesouro da metropole
Disse eu que as colonias, segundo as informações que me foram communicadas, não só podem pagar os seus encargos, mas já pagaram os encargos de um anno; e acrescento que o rendimento dos impostos destinados para obras publicas póde ser augmentado.
Todavia, se ellas entenderem, em vista das disposições do projecto que o sr. ministro da marinha trouxe á camara, e de maus precedentes que se estabeleceram em Moçambique, que podem lançar sobre a metropole todos os encargos, e converter em proveito proprio o rendimento do imposto para obras publicas; como aconteceu, repito, em Moçambique, aonde foi parte d’esse imposto distribuido pelas municipalidades, que não fizeram obras nenhumas, farão todas as colonias o mesmo, e todos os encargos pesarão sobre o thesouro da metropole; em opposição ao que dispõe a lei de 1876, que eu propuz ao parlamento como ministro da marinha. De modo que o inconveniente, o defeito por que se condemna a lei de 1876, é justamente o defeito que ella não tem, mas que tem esta lei que discutimos.
Se não se consentir este abuso ás provincias ultramarinas, e se este projecto de lei que se discute não fosse approvado, não se poderá dizer com rasão que a metropole paga os encargos dos emprestimos para obras publica nas colonias.
Se ha culpa, não é da lei, e sim da sua falta de execução. Se d’aqui em diante o thesouro da metropole vier a pagar os encargos dos emprestimos feitos, a culpa é deste projecto de lei que o actual sr. ministro da marinha trouxe ao, parlamento.
E singular! Accusa-se um erro de administração que não existe, e para o corrigir estabelece-se o erro como disposição legal!
Mas, emfim, receia-se o deficit; e as colonias portuguezas já teem deficit.
Teme-se a divida nas colonias; e a lei de 1876 divida creou, mas para proveito das colonias, que podem com os encargos d’ella. Creou divida amortisavel, para se empregarem os capitães indispensaveis em lucrativas obras publicas. A divida publica não é um phantasma de que se deva ter medo supersticioso. Se é phantasma todas as nações o têem em casa e vivem com elle.
Sendo o orçamento do ultramar, apresentado este anno ás camarás, elaborado sob a inspecção do sr. marquez de Sabugosa, não tenho duvida alguma de que está feito conscienciosamente; mas n’esse documento temos a notar o seguinte, comparando-o com o orçamento de 1875—1876.
São as receitas comparadas as seguintes:
1875-1876 1880-1881
Cabo Verde e Guiné .... 220:377$000 219:098$000 S. Thomé e Principe.... 109:610$000 125:620$000
Angola................. 565:974$000 433:202$000
Moçambique............. 247:713$000 221:520$000
India.................. 528:648$000 478:762$000
Macau e Timor.......... 354:831$000 455:475$000
Somma............ 2.027:153$000 1.933:677$000
A differença, pois, entre o rendimento calculado nos dois orçamentos é de 83:000$000 réis.
Se compararmos a despeza nos mesmos dois orçamentos, encontraremos o seguinte:
1875-1876 1880-1881
Cabo Verde e Guiné....... 218:876$000 255:309$000
S. Thomé e Principe ..... 105:552$000 126:570$000
Angola....................556:110$000 586:658$00
Moçambique................249:953$000 362:913$000
India.................... 496:968$000 497:765$000
Macau e Timor............ 322:702$000 347:071$000
Somma.......... 1.950:161$000 2.176:286$000
Página 801
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 801
A despeza cresceu, entre os dois annos, de 226:000$000 réis, devido principalmente a melhoramentos de administração em Moçambique.
O deficit de todas as colonias é de 242:000$000 réis. Mas se attendermos a que não se inscreveram no orçamento da India os 4 lakes de rupias que o governo inglez tem de nos pagar, e que correspondem a 180:000$000 réis, e a que se supprimiu em Moçambique o imposto destinado para obras publicas e que se póde calcular, pelo menos, em 26:000$000 réis, o deficit totalmente desapparece. Sendo de notar que o orçamento de Angola foi calculado depois de tres annos de esterilidade, e que a receita das alfandegas de Moçambique tende a crescer, pois que em 1874-1875 foi ella de 1.830:000$000 réis, e em 1876-1877 de 2.296:000$000 réis.
D’aqui se conclue que o deficit, com referencia a todas as nossas colonias, é nullo; em relação a Angola só apparente; em relação a Moçambique muito transitorio; e em relação á India ha, pelo contrario, notaveis sobras. Se a applicação do tratado da India produz, por um lado, diminuição no rendimento aduaneiro, dá origem, por outro lado, a um rendimento certo de 180:000$000 réis, e á possibilidade de realisar um caminho de ferro que vae pôr o porto de Mormugão em relação com a rede dos caminhos de ferro da India ingleza, e mudar totalmente a face d’aquelle paiz, hoje na miseria e na indolencia.
Se os governadores e mais auctoridades cumprirem o seu dever, sobretudo coutando que este é um anno de prosperidade, e que as verbas do orçamento do ultramar foram calculadas sobre os orçamentos dos ultimos tres annos, em que uma grande secca deu na Africa origem a escassez de producção, é certo que as receitas excederão necessariamente as despezas.
Sem fazer a critica das apprehensões de alguns politicos terroristas, ácerca do futuro deficit das colonias, a minha persuasão é que tal deficit não existe.
Ainda assim, é de notar, que ha colonias de outras nações que são consideradas como muito prosperas, citadas como modelo de boa administração economica, como é, por exemplo, a colonia do Cabo, as quaes, não obstante essa administração que merece os encomios de alguns dignos pares, têem uma enorme divida.
A divida, no Cabo, sobe a 10 milhões e meio de libras esterlinas, como se póde verificar na Guia official do Cabo da Boa Esperança, para o anno actual, que tenho presente.
E é preciso saber que essa divida da colonia do Cabo, na maior parte, resulta da realisação de obras publicas, em que se têem gasto, até hoje, 8 milhões de libras esterlinas.
E, alem d’isso, tem agora em execução muitas milhas de caminho de ferro, as quaes hão de custar talvez 8 milhões de libras. Tem deficit, tem divida resultante de obras publicas, e vae juntar a tudo isto mais 8 milhões de libras de despezas productivas; e não receia do resultado, porque sabe que as obras publicas têem dado muito, e continuam a dar. Sobretudo dão a segurança do dominio e facilidade da colonisação, a civilisação dos indigenas e a grandeza da patria.
Ainda ha um outro argumento, que foi adduzido, para provar que a intervenção do estado nas colonias era inconveniente.
Disse-se que uma das melhores provas d’isto era o que se passou na Australia, onde o governo quiz exercer uma acção tão directa que, por fim, os seus delegados fizeram enormes dividas, e a Inglaterra teve de Consentir que a Australia fizesse bancarota.
Vamos a ver o que diz um livro que podemos chamar clássico, quando se trata de estudar as colonias inglezas, isto é, o livro do sr. Merivale, que toda a gente que se occupa d’estes assumptos deve conhecer. É bom saber o que diz este livro a tal respeito, para não falsear a verdade inconvenientemente:
«A colonia da Australia do sul foi fundada em 1836 com um systema de governo e de administração economica inteiramente novo. Mas deve attender-se, comtudo, a que este systema era n’alguns pontos differente do que tinham imaginado os seus promotores. A sua intenção era fundar uma colonia privilegiada similhante ás que foram estabelecidas na America do norte no XVII seculo. Segundo o seu plano, uma companhia haveria exercido, por delegação da corôa, muitos dos poderes soberanos; e ao mesmo tempo dispondo dos vastos terrenos e fiscalisando as finanças, dictando as leis e levantando tributos.
«Este projecto não concordava comas vistas do governo da metropole e foi consideravelmente modificado. Os poderes executivo e legislativo foram entregues a um governador em conselho, segundo o methodo geral; mas, alem d’isso, uma junta de commissarios foi designada, devendo uma d’elles residir na provincia, a qual devia dispor dos terrenos e regular a emigração. Os fundos obtidos pela venda dos terrenos devia applicar-se a levar familias laboriosas para a colonia.
«Na lei nada se especificou em relação ao que eu chamei despezas preparatorias da colonia, isto é, avaliação e cadastro dos terrenos, obras publicas, fundação de estabelecimentos, construcção de estradas e outros meios de communicação.»
Estas são as obras preparatorias que, segundo Marivale, é indispensavel executar nas colonias para as tornar aptas a receber colonos, e a desenvolver os seus recursos naturaes e riquezas agricolas. Póde discutir-se o modo de levar a effeito estes trabalhos preparatorios, mas a execução d’elles é indispensavel, e é indispensavel tambem que sejam systematicamente executados sob a direcção de um poder forte que os centralise. E esta tambem a opinião do conde Gray, que é um distincto escriptor sobre as colonias inglezas; e é mesmo a opinião, mais ou menos explicita, de Adderley, que escreveu um livro para refutar as opiniões do conde Gray.
N’este ponto estão todos de accordo, mesmo os que combatem o principio da intervenção directa do governo da metropole na administração colonial.
Marivale, que é de opinião de que as, colonias devem, quanto possivel, progredir com os seus proprios recursos, diz, fallando do systema adoptado na Australia:
«Um dos pontos de vista originaes dos projectadores da colonia era que ella a si propria se devia sustentar. O principio em que ella era fundada era por elles chamado principio do self-supporting.»
De certo que um tal systema, sr. presidente, se não póde chamar systema da intervenção directa do estado. É exactamente o contrario.
Essa tal organisação caíu rapidamente na Australia; e sem lhe contar agora a historia que Marivale expõe longamente, basta dizer que a falta de direcção do governo causou uma deploravel catastrophe e grande desperdicio de capitães.
Concluindo a lamentavel historia, escreve o auctor inglez que estamos citando:
«A commissão primitiva foi demittida, e uma junta de terrenos e emigração organisada para todas as colonias, incluindo a Australia do sul. (Veja a camara como o governo britannico entendia em 1840 á não intervenção nas colonias!) Entraram estes commissarios em exercicio no começo de 1840. No meado d’este anno os saques do governador principiaram a chegar em assustadora quantidade. Os novos commissarios, depois de empregarem algum tempo em ponderar a sua situação, recusaram acceital-os. A colonia ficou em bancarota. A emigração e a venda de terrenos cessou em agosto de 1840; e uma parada repentina e completa substituiu a rapida carreira da chamada prosperidade.
«O parlamento foi obrigado a intervir, e a auctorisar o governo a adiantar uma consideravel somma para acudir ás eventualidades, com as seguranças que se podiam alcan-
Página 802
802 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
çar sem sobrecarregar os recursos das colonias. E assim acabou a parte self supporting do systema; e a Australia do sul, assim como os outros estabelecimentos coloniaes, ficou satisfeita de depender por um tempo dos auxilios da mãe patria.»
E isto que caíu não foi a administração, a intervenção do estado; foi, ao contraria, o self-supporting n’uma colonia incipiente.
E todas as nossas colonias da Africa, á excepção de Cabo Verde, estão ainda no periodo incipiente.
Quer isto dizer que não devem as colonias cuidar e gerir nunca os seus proprios interesses?
Não. Quer dizer que não se comprehende o absoluto em cousas praticas.
É necessario conhecer as condições da população, as condições economicas do paiz para que se legisla, e tirar consequencias nacionaes, regras de boa administração de cada uma d’estas circumstancias. É esta a minha maneira de ver: e vejo por ora rasões de sobra para não deixar as colonias de Africa entregues a si proprias, sobretudo no interesse d’ellas.
Mas, voltemos ao assumpto do debate, sr. presidente.
Diz-se agora: Consumiram-se já 2.100:000$000 réis; e é preciso levantar agora mais 400:000$000 réis para pôr termo ás expedições de obras publicas. E tudo isto foi trabalho e dinheiro perdido, foi dinheiro deitado ao mar, resultado da extravagante concepção de fazer obras publicas methodica e rapidamente no ultramar.
D’essa despeza cousa alguma ficou de util. Se não fosse a prudencia com que o sr. ministro da marinha vem hoje pôr cobro aos desperdicios e gastar 400:000$000 réis para desfazer o que está feito, onde iriamos parar? Grande gloria a de destruir uma idéa incontestavelmente civilisadora! E grande economia a de gastar 400:000$000 réis e a de crear um encargo permanente para o thesouro da metropole, de perto de 200:000$000 réis, para desfazer o que está feito!
Os documentos que eu requeri ao governo, e mo foram remettidos pelo ministerio da marinha, mostram bem que os dinheiros publicos não têem sido malbaratados, e têem dado fructo.
Eu li todas as memorias, todos os relatorios, todas as contas e orçamentos que foram remettidos á camara, e não estou illudido, nem me deixo facilmente illudir, em cousas praticas.
Posso affirmar á camara que, em tão desfavoraveis condições, em tão pouco tempo, com pessoal tão limitada, e tão poucos recursos — quando se attenda á extenso dos territorios de Africa e á multiplicidade das obras — não se podia fazer mais, e melhor.
Não se tratava unicamente de fazer obras de viação; tratava-se de formular um plano geral, de reparar os estragos que o tempo e o desleixo haviam causado nos edificios publicos, de levantar as construcções necessarias para satisfazer os serviços publicos e de estudar dois caminhos de ferro, um em Angola, outro em Moçambique.
Tenho, por exemplo, ouvido censurar o custo, que só diz enorme, dos estudos do caminho de ferro de Ambaca: ora, segundo se vê de documentos publicados, o custo d’estes estudos, n’um sertão inhospito, onde teve de só romper o mato para poder passar, e estudar o terreno com difficuldade de alcançar trabalhadores, enorme carestia do transportes para todo o necessario, muitos doentes; emfim, embaraços de toda a especie; o custo por kilometro anda por 1:000$000 réis.
Os estudos dos caminhos de ferro de Ambaca e de Lourenço Marques deram grande trabalho, e foram executados com grande risco, e devem considerar-se como trabalhos preparatorios de futuras obras da maxima importancia para as provincias de Angola e Moçambique. E a proposito de trabalhos preparatorios de obras publicas no ultramar, direi algumas palavras que reputo indispensaveis.
Censura se o haver-se gasto muito dinheiro com o pessoal e com, os preparativos das expedições. Não sei se a camara conhece a historia d’estas expedições do obras publicas. É difficil formar idéa do trabalho, cuidados, indagações e diligencias que tive que empregar, a fim de poder obter engenheiros instruidos, moços energicos, dedicados, e de os convencer a irem para a Africa.
Os chefes das expedições do Angola e Moçambique foram por mim encarregados de ajustar o pessoal technico e os operarios, e encontraram tambem n’isso muitas difficuldades.
Porque nós temos tido a singular habilidade de fazer crer a toda a gente que quem vae para Africa morre logo: e como ninguem quer morrer, por isso todos se recusavam a ir. A crença publica é que a morte está logo ao desembarcar. E depois falla-se muito em promover a emigração, em alcançar uma emigração espontanea!
Foi preciso emprehender uma verdadeira campanha para convencer engenheiros e artifices, e fazer-lhes ver que se podia ir a Africa sem morrer; quando se empregassem todos os meios hygienicos, que, a sciencia aconselha e que dependiam da acção do homem.
Emfim as expedições partiram. Fui eu que tive a triste, a condemnavel idéa de mandar uma expedição de engenheiros para Africa, e com elles artifices laboriosos e mestres de officio que ensinassem a trabalhar os indigenas, quando as tradições eram mandar para lá vadios e degredados! Pois assim mesmo se conseguiu estabelecer o ensino pratico de varios officios, como mostram os relatorios dos governadores geraes de Angola e Moçambique, e os dos engenheiros que nos dizem que o ensinamento dado pelos operarios n’aquellas provincias tem sido de grande proveito pratico. Não leio os documentos que se referem a isto, porque estão impressos e a camara de certo os conhece.
Tem-se gasto muito dinheiro inutilmente, dizem os detractores de uma idéa eminentemente civilisadora, a que nada sabem substituir senão a destruição de tudo. Pois lancemos as vistas para as despezas em Moçambique.
As despezas feitas, até 18 de maio ultimo, foram:
Estudos.............................. 12:000$000
Expediente........................... 13:000$000
Despezas imprevistas................. 19:000$000
Organisação.......................... 22:000$000
Machinas, instrumentos e materiaes... 28:000$000
Construcção.......................... 375:000$000
Somma................................ 469:000$000
O pessoal technico recebera em Lisboa 27:000$000 réis de adiantamentos e já na epocha a que me refiro os havia restituido integralmente.
Em 31 de janeiro estavam concluidas obras em todos os districtos da provincia, importando em 35:000$000 réis, incluindo edificios, fortificações, quarteis, paioes, hospitaes, igrejas, pontes, cães, etc. Em obras em construcção, da maxima importancia, estavam despendidos 243:000$000 réis, incluindo estradas, postos aduaneiros, illuminação maritima, e saneamento de pantanos, em que avulta o saneamento de Lourenço Marques.
A destruição do pantano de Lourenço Marques era uma necessidade impreterivel. Durante una parte do anno uma zona em volta da povoação esteva invadida pelas aguas, e era dizimada pela morte.
Os miasmas deleterios tornavam contingente a cada instante a vida dos homens, e difficultavam o accrescimo de população e a emigração para aquelle districto, que está; pelo clima chamado a ser uma importantissima colonia.
Foi [....] trabalho importantissimo, o deseccamento d’este pantano; foi uma obra perigosa por causa das doenças que padeceram os operarios e o pessoal technico.
Página 803
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES NO REINO 803
Não são menos importantes nem menos urgentes as obras de saneamento em Quelimane. A villa é um dos logares mais insalubres da provincia de Moçambique, mas é das mais populosas e mais procuradas pela emigração; mas situada a menos de um metro do nivel das alias marés, fica como encravada n’um pantano, e o dessecamento d’esse pantano e o esgoto das agua demanda trabalhos urgentissimos. D’elles se tem occupado a zelosa com mis s ao de obras publicas.
N’esta epocha a que me refiro, desde abril de 1877 até abril do anno presente, as obras publicas, concluidas e em construcção, assim como os estudos, andam por réis 500:000$000.
As obras fizeram se sempre de accordo com as auctoridades competentes. As instrucções dadas polo governo eram estas. Quando as auctoridades pedissem aos engenheiros, com obras urgentes, o concerto ou construcção de edificios indispensavel para a uca administração das provincias, quando disserem: tal casa para tribunaes está a caír, tal edificio de alfandega precita reedificado, enfim quando indicassem a necessidade de qualquer obra. os engenheiros deveriam verificar a natureza do pedido, formular os seus planos, e se effectivamente o concerto, a reparação, a construcção fossem precisos, procederem a elles.
Em obras da natureza d’aquellas que acabo de indicar, na construcção de estradas, ha de seccação de pantanos, em estudos de caminhos de ferro e em outras obras publicas de incontestavel necessidade se tem gasto as sommas dadas a titulo de adiantamento ás nossas colonias, e cujos encargos pela lei ellas deveriam opportunamente pagar. A camara póde verificar o que eu digo, porque ou documentos que o provam estão á sua disposição.
Sr. presidente, tomo calor n’estas questões, porque realmente me custa muito ver censurar aquelles que trabalham e cumprem com o seu dever, ouvir condemnar esses homens instruidos, novos, energicos, patriotas e honrados por quem nada faz e nada bom sabe fazer, quando, na verdade, elles nunca deixaram de satisfazer com dedicação ao que lhes cumpria.
Comprehenderam a sua missão e cumpriram-na, e esses que os censuram nem tem missão nenhuma, nem nunca cumpriram nada! É uma injustiça flagrante fazerem-se taes accusações e censuras; levam o desanimo a todos aquelles que querem trabalhar em bem da patria.
Em Angola têem-se já executado obras publicas importantes, e feito estudos da maior difficuldade. Custaram até aqui mais alguns contos de réis do que custariam na metropole. Mas a camara aprecia perfeitamente o que devem ser obras publicas na Africa onde tudo falta; braços que trabalhem, materiaes de construcção, officinas, machinas, meios de alimentação, abrigos, salubridade, tudo emfim.
Não se imagine, por exemplo, que estudar um caminho de ferro nos sertões de Angola é o mesmo que proceder aos estudos de um caminho de ferro no Minho.
É preciso lutar ali continuadamente com as pessimas condições do clima; e, para fazer estudos, abrir caminho atravez dos matagaes e bosques; levar adiante dos engenheiros um partido de homens a cortar arvores e [...] para tornar accessivel o terreno.
Alem do estudo, nas circumstancias que acabo do indicar, de 136 kilometros de caminho de ferro, de mui nos estudos de estradas ordinarias e da construcção de bastantes kilometros d’essas estradas, se levantaram edificios importantes, se melhoraram os cães de embarque, etc., etc. Construiram-se alem d’isto, e estão funccionando, 130 kilometros de linhas telegraphicas; estão em construcção as estradas que vão ao Dondo, outras muitas obras estão começadas, e estão-se fazendo estudos de grande importancia tanto no litoral como no interior.
Tudo isto prova que se não tem deitado o dinheiro á rua, como alguns dizem, sem saber por que o dizem; prova tambem que os homens que foram nas expedições de Africa têem trabalhado com dedicação e energia.
Não sejamos, ao menos, ingratos para com os homens que foram á Africa expor a vida, para servir o paiz. Eu posso affirmar, que poucos d’elles se occuparam de si quando partiram para aquellas regiões remotas, pensaram sim no pão para as suas familias de que se íam separar. E isso faz-lhes honra.
Sr. presidente, eu não desejo tomar mais tempo á camara. Direi só, que se devem continuar as obras publicas nas provincias ultramarinas; que a direcção d’essas obras se não deve deixar á iniciativa colonial por enquanto. A direcção de tão importante emprehendimento não se deve entregar senão a homens de cuja aptidão se não passa duvidar.
É preciso ter em attenção as condições economicas e mesmo as condições naturaes de Africa. Ali a vegetação, por exemplo, é de tal maneira rapida e poderosa, que se
uma estrada se faz pouco a pouco, está ella já destruida em parte peia vegetação quando se chega a concluir. Uma estrada feita de uma vez, sem que os trabalhas parem, por
qualquer motivo, póde prestar grandes serviços, e por isso mesmo conservar-se com facilidade.
Quer-se voltar ao antigo systema eterna de obras publicas estabelecido no ultramar? Mas essa systema está experimentado. É um verdadeiro desperdicio; isso é que é dinheiro deitado á rua.
Quando apegas se destinava a obras publicas o producto do imposto especial em cada anno, muitas obras se emprehenderam que não foram acabadas, e muitos edificios se levantaram; a que aconteceu aquillo que dissemos havia acontecido a algumas das edificações que fallâmos.
Estavam começadas havia muito annos algumas, e quando se quizeram acabar, as paredes desmoronaram se, por fórma que se gastou o dinheiro sem utilidade nenhuma; enquanto que, fazendo-se rapidamente as obras, fazendo-se com methodo e plano, e com as condições necessarias de estabilidade e polidez, as obras haveriam durado, e d’ahi resultaria uma economia real
Estamos, sr. presidente n’um periodo em que a preoccupação maxima é a economia; mas a verdadeira economia é o bom e util aproveitamento do dinheiro; e se deixarmos entregue o rendimento dos impostos especiaes de obras publicas á administração local das colonias, será isso desperdiçar esse rendimento, como aconteceu já durante muitos annos, porque as provincias ultramarinas não têem credito preciso para ir buscar dinheiro aos mercados da Europa; e tambem por que ha obras de tão grande vulto, que as colonias não podem fazer com o rendimento actual os encargos d’ellas, como é, por exemplo, o caminho do ferro e Ambaca.
Esta linha ferrea, como se vê da memoria apresentada pelo illustre governador, o sr. José Baptista de Andrade, não é muito longa, e póde trazer a Loanda as mercadorias por metade do preço que hoje custa o transporte feito pelos carregadores.
Se o transporte das mercadorias custar metade do que custa actualmente, o caminho terá movimento sufficiente para dar rendimento com que cubra todas as despezas da linha e os encargos da construcção.
O meio unico interesse, ao usar da palavra. foi defender uma idéa fecundada e que reputo util ao meu paiz. A sua realisação, estou persuadido, não traz encargos ao thesouro da metropole, logo que o rendimento destinado a obras publicas seja applicado como a lei ordena, sem se desviar do seu destino e se empregar em subsidios a municipalidade, e se desbaratar á direita e á esquerda sem se saber para quê.
O interesse que tenho pelas nossas possessões ultramarinas é de tal ordem, e funda-se em tantas rasões poderosas, que a camara não estranhará que me tenha alongado n’este assumpto.
Página 804
804 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
As minhas principaes rasões são: o interesse que tomo pelo engrandecimento de uma parte importante de territorio que pertence a corôa portugueza; e a opinião, inabalavel em mim, do que o futuro da patria, o seu engrandecimento economico e politico, depende absolutamente da prosperidade das colonias.
Para manter a nossa posição, livre e independente, para assegurar a nossa existencia e importancia no meio do embate successivo e constante dos interesses das diversas nações do ultramar e na Europa, precisâmos conservar e desenvolver as colonias; e eu entendo que o verdadeiro modo de conseguir esse fim é dotal-as com os melhoramentos necessarios para que a colonisação europea lá possa ir. Sem isso, essa colonisação ha de sempre evitar o estabelecer se a residir em territorio onde, junto ao litoral, as enfermidades são mortiferas, e onde no interior faltam communicações faceis.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Costa Lobo: - Por parte da commissão sustentou o projecto com o fundamento de que é necessario concluir as obras encetadas; manifestando-se, porém, no sentido de que os melhoramentos das provincias ultramarinas não devem por fórma alguma continuar a pesar sobre o thesouro da metropole.
(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, acabo de ouvir com toda a attenção o discurso do sr. relator da commissão em resposta ao digno par, sr. Andrade Corvo, e confesso ingenuamente que não me satisfez a resposta.
O sr. relator deixou de pé toda a argumentação do sr. Corvo, e sem resposta as judiciosas reflexões apresentadas pelo digno par á camara.
Sr. presidente, tendo este nosso collega mostrado qual era o seu systema em relação a obras publicas no ultramar, desejava tambem que o sr. ministro da marinha precisasse bem a sua opinião, e a manifestasse á camara.
O sr. Andrade Corvo entende que, no estado de atrazo em que estão as nossas colonias, não podem por si só governar-se, e precisam de tutela.
Foi esta a proposição que o sr. Andrade Corvo sustentou desenvolvidamente com argumentos que ainda não foram respondidos.
Ao sr. ministro da marinha e ao sr. relator da commissão, que condemnam aquelle systema, assiste restricto dever de o refutar, e provar que as colonias têem o pessoal bastante e instruido para se administrarem por si, e para se governarem independentemente de tutela da metropole. Emquanto isto não se demonstrar á evidencia, sr. presidente, é uma verdadeira utopia querer dar liberdade para se governar e para se administrar quem a não comprehende.
Espero, pois, que s. exa., usando da palavra, refute as asserções do sr. Corvo.
A proposição que o governo sustenta n'este projecto é inteiramente contraria á do ministerio transacto. O governo quer dar ás colonias liberdade para se dirigirem por si mesmas, administrando os seus haveres.
O sr. Corvo provou á evidencia que ellas não tinham pessoal nem instrucção. Como quer, pois, e governo que ellas administrem sem pessoal e sem instrucção?
Não entro na questão se as colonias podem governar-se sem auxilio e sem a tutela da metropole. O que eu sustentei em opposição ao governo do sr. Corvo, o que eu sustento ainda hoje, é que os emprestimos gastos com as colonias não deram resultado, é que os dinheiros ali enterrados foram improductivos, e a maior parte delles despendidos sem methodo nem economia.
Nas colonias não tem havido fiscalisação por falta de bom pessoal, e por isso tudo tem corrido irregularmente sem vantagem para as colonias, causando detrimento manifesto á metropole. Eu desejo os melhoramentos da civilisação, mas combato o methodo seguido até aqui.
Deixemos a questão colonial que o sr. Corvo tratou admiravelmente, e passemos á analyse do projecto em discussão.
Pelo exame que eu fiz do relatorio da commissão, reconhece-se que tanto do primeiro como do segundo emprestimo ficaram algumas sommas por gastar. Pelos documentos de que se serviu a commissão, conclue-se que do primeiro emprestimo apenas se gastaram oitocentos e tantos contos, e do segundo setecentos e tantos contos. Que é, pois, feito do resto?
É necessario que o sr. ministro da marinha responda, e de esclarecimentos.
É necessario que s. exa. diga que documentos são esses que apresentou á commissão, que nada esclarecem.
S. exa. affirma que os dois emprestimos foram gastos, e que ha documentos comprovativos; a commissão diz o contrario, como se vê pelo relatorio.
Qual, pois, d'estas duas affirmativas é a verdadeira?
Segundo a affirmativa da commissão no primeiro emprestimo não ha documentos comprovativos para perto de 200:000$000 réis, e emquanto ao segundo tambem faliam documentos para comprovar a despeza em perto de 40:000$000 réis; e emquanto ao terceiro, votado o anno passado, não lhe foi presente ainda documento algum.
Nem uma só palavra diz este relatorio ácerca das contas da gerencia do sr. ministro da marinha, as quaes deviam ser presentes á commissão.
Porque o não foram?
S. exa. tinha a obrigação restricta de não só fiscalisar os dinheiros que lhe legára a administração passada, mas mostrar que a verba que s. exa. pedira, apenas tomara conta da pasta, fora gasta productivamente.
Depois de ter procedido com todo o escrupulo no despendio daquella somma, e de ter mostrado que não chegava, é que podia fazer o novo pedido de mais 400:000$000 réis.
Sr. presidente, o relatorio deixou-me certa e desfavoravel impressão.
O que se vê é que o relatorio pretende lançar sobre o governo transacto a responsabilidade de factos praticados pelo actual.
Não o achei nem digno, nem elevado.
Apesar de estar bem escripto, este relatorio tem, não obstante, o cunho da parcialidade.
Peço, portanto, ao sr. ministro da marinha, que de explicações que satisfaçam, que suppram os esclarecimentos, que o relatorio não dá, que faça da sua parte com que os documentos que deviam ser presentes á commissão, e que não foram, o sejam á camara, para que ella possa apreciar a necessidade de votar para o ultramar mais a verba de 400:000$000 réis.
Esta exigencia é tanto mais reclamada quanto o sr. relator da commissão nas declarações que fez não foi exacto. Sobre isso chamo a attenção do digno par e da camara.
S. exa. disse que a rasão, por que se pediam os réis 400:000$000, é porque parte são para gastar em obras publicas que estavam começadas, e que não se podiam nem deviam suspender.
N'esta conjunctura, pergunto eu ao digno par como combina esta sua asseveração com as declarações que hontem fez o sr. ministro da marinha de ter mandado suspender todas as obras publicas no ultramar?
S. exa. declarou ao mesmo tempo que as tinha mandado suspender pelo respeito á lei, porque estavam gastas todas as verbas. Quanto ao respeito á lei, acato os escrupulos de s. exa. Oxalá que todos respeitassem a lei, porque isso seria de grande vantagem para o paiz. (Apoiados.)
O que eu desejo que o sr. relator da commissão me diga, é como póde sustentar no seu relatorio que parte d'essa quantia é para obras publicas., quando parte do pessoal
Página 805
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 805
acabou os seus contratos e o governo mandou suspender essas obras? Não só o disse aqui o sr. ministro da marinha, asseverou-o no relatorio que precede o projecto do governo, relatorio que sem duvida o sr. Costa Lobo leu.
A argumentação do sr. relator foi baseada no fundamento de que o governo precisava d'esta quantia para continuar as obras, cuja demora ou suspensão traria inconvenientes ás colonias, mas como o tal fundamento, a tal base, não existe em vista da declaração que o sr. ministro fez de que tinha mandado suspender as obras, toda a argumentação do sr. relator caiu por terra.
Sr. presidente, não só caíu por terra a argumentação do sr. relator, visto que essas obras foram mandadas cessar pelo governo, mas tambem caíu a parte do relatorio que se referia, a esse ponto e que hão tem rasão de ser.
Effectivamente as obras foram suspensas.
Eu tenho aqui uma carta em que se affirma que ao mesmo tempo em que se davam as ordens para serem suspensas todas as obras se enviava material e um pharol.
Isto é incontestavel, e ninguem já o duvida.
U sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa.): - Mandei-as suspender quando tinha acabado a epocha dos contratos.
O Orador: - A declaração do sr. ministro da marinha é que mandou suspender as obras quando os contratos acabaram.
Por consequencia, as obras foram suspensas, o pessoal ficou sem ter collocação, o material não tinha em que se empregar, os pharoes a quem allumiar, pois ainda não foram collocados, e o peruai não sabe o que ha de fazer, em virtude da ordem do sr. ministro da marinha.
Em vista do exposto vê se claramente que o relatorio da commissão está laborando n'um erro, pois a applicação, que julga dever dar-se aos 400:000$000 réis, não é a que o sr. ministro da marinha lhes quer dar.
Eu desejaria, e supponho que a camara o deseja tambem, que o sr. ministro da marinha se pozesse de accordo com o sr. relator.
Sr presidente, a minha questão agora é outra, e- diz respeito ao sr. ministro da marinha.
Reduz-se ao seguinte:
S. exa., que combateu o systema do governo transacto, dizendo que aquellas sommas foram gastas á larga, e que não havia a necessaria fiscalisação; o anno passado, logo que subiu ao poder, pediu 300:000$000 réis, não tratando de empregar os convenientes meios de fiscalisar esta quantia, e até agora ainda não deu conta do modo por que foram gastos esses 300:000$000 réis.
Isto demonstra que o systema empregado por s. exa. não foi differente do seguido pelo ministerio transacto, pois agora vem pedir mais 400:000$000 réis, seguindo o systema que combateu.
Esta incoherencia é que eu não posso deixar de observar ao sr. ministro da marinha, que está seguindo e sustentando hoje uma opinião diversa da que sustentou hontem quando estava na opposição!
Eu não esperava que s. exa. fosse tão contradictorio comsigo mesmo, sempre imaginei que s. exa. seguisse systema contrario ao que está seguindo.
Sr. presidente, afóra estas contra dicções do sr. ministro vejo que o projecto do governo é completamente differente e em sentido opposto ao parecer que a com missão, apresentou. O projecto do governo pede auctorisação simples para contrahir um emprestimo de 400:000$000 réis para as colonias. Quer dizer que o governo actual já perfilhou as idéas do governo transacto que entendia que era necessario melhorar as nossas provincias ultramarinas, mandando uma, expedição para ali dar começo a obras publicas, e que era necessario, para ser logico, dar-lhes os meios para se tirar os resultados que se tinham em vista.
A apresentação de um similhante projecto significava aos olhos de todos que o sr, ministro da marinha continuava a seguir o caminho encetado pelo seu antecessor, pelo menos assim se deduz das medidas tomadas por s. exa. até agora e de todas as providencias dadas para o ultramar.
Se s. exa. seguia a estrada traçada pelo seu antecessor, se os 400:000$000 réis que pede é para continuar a obra começada pelo sr. Corvo, se o projecto apresentado é identico aos do sr. Corvo, como é que acceita na camara dos senhores deputados uma transformação completa para o seu projecto, e um systema diametralmente opposto ao que tem seguido até agora?
Pergunto: Qual é a rasão por que o sr. ministro da marinha mudou de opinião? Qual é a rasão por que s. exa., depois de ter apresentado um projecto de lei com certo intuito, o deixa modificar essencialmente na camara dos senhores deputados, e sustenta aqui as modificações que lhe foram impostas e que destroem o seu primitivo pensamento? Se o sr. ministro tinha opinião firme e assentada ácerca da administração colonial, não devia consentir que lhe alterassem o seu pensamento na essencia. No seu projecto pedia s. exa. auctorisação para gastar mais 400:000$000 réis em obras publicas no ultramar, ficando os encargos d'esta medida a cargo das provincias a que ellas aproveitassem, encargos que podiam muito bem satisfazer, como mostrou o sr. Corvo, com a sua propria receita destinada a esses encargos, por quanto essa receita eleva-se a 200:000$000 réis, ao passo que aquelles encargos não sobem de réis 150:000$000. Ora, sendo assim, como é que s. exa. apresenta um orçamento com um déficit, e porque é que quer agora que o estado carregue com os encargos d'este emprestimo até que as colonias possam pagar? Convem que o sr. ministro da marinha explique estes factos e diga a rasão por que mudou de repente de systema. Vou ler o projecto do governo e o da commissão, para a camara comparar.
(Leu.)
No primitivo projecto pedia-se auctorisação para contrahir o emprestimo de 400:000$000 réis, não excedendo os encargos a .7 por cento e devendo ser pagos pela receita das colonias no modificado, os encargos ficam sendo pagos pela metropole, emquanto as colonias não poderem, e o emprestimo fica receita das colonias para as obras publicas. I
Veja a camara como o projecto primitivo está modificado, e como se contradizem as doutrinas do relatorio do governo e do relatorio da commissão, e como o sr. ministro queria primeiro a somma de 400:000$000 réis para obras publicas, e agora já não é para isso que os pede, mas para a transição para outro systema!
Não comprehendo, este modo de governar nem do administrar.
Quer-se proceder á transição...
Uma voz: - É liquidação.
O Orador: - É verdade, foi essa a palavra empregada pelo sr. relator da commissão, mas não fiquei entendendo melhor o sentido d'ella, nem é procedimento do sr. ministro da marinha. A palavra liquidação póde ser muito significativa; eu, porém, torno a dizer, não comprehendo o que seja nem o que significa essa liquidação. Liquidação de que e para que?
O anno passado disse o sr. ministro da marinha que pedia mais 300:000$000 réis para acabar as obras que não deviam ficar paradas, porque, isso seria tornar inutil toda a despesa até então feita; agora pede 400:000$000 réis, mas não quer já acabar as obras, já não receia que se perca todo o dinheiro que se tem despendido com ellas.
Oh! sr. presidente, tudo isto para n'um é incomprehensivel!
Eu o que desejava, pelo menos, era que o sr. ministro, fizesse a liquidação dos 300:000$000 réis que pediu o anno passado para as colonias.
Quaes são as providencias que o governo tem tomado para fiscalisar as obras publicas no ultramar? Conviria
Página 806
806 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES
tambem que o governo [....] á camara [...] sobre este ponto, porque é sabido que, ainda que [...] governadores e empregados muito dignos no ultramar [...] bem tem havido [...] o que têem sabido fazer explorar as colonias em proveito proprio. A primeira cousa que o governo devia ter em vista era tratar de pôr em toda a parte bons empregados, pois sem elles de certo que ha de ser-lhe difficil levar a cabo, com proveito das colonias
e sem prejuizo da metropole, o estabelecimento do seu novo systema, e tanto mais que o pessoal das obras publicas ali existente acaba agora os seus contratos segundo disse o sr. Ministro da marinha. Alem d'isso. Alem d'isso, a população europea ali, pela maior parte, são condemnados que d'aqui foram mandados pelos tribunaes cumprir sentença; e portanto pouco dignos e pouco aptos para exercerem os empregos e para servirem como é mister que se sirva n'aquellas regiões.
Sr. presidente, é impossivel, quando a parte mais illustrada é composta de degredados, repito, é impossivel dar ás colonias a sua independencia pelo que toca á administração.
Se a parte principal do pessoal nas colonias são os degredados, como diz o sr. Corvo, está claro que ainda as colonias carecem de grande tutella, e de verdadeiro cuidado da metropole, para que a sua administração e o seu governo prospere, e seja regular.
Pelo que diz o sr. Corvo, vê-se que as colonias estão ainda na sua infancia, e deixal-as entregues a si, n'estas circumstancias, é um erro politico e um erro de administração.
Sr. Presidente, este projecto tem ainda o inconveniente de continuar o systema de emprestimos consecutivos sem se saber d'onde ha de vir a receita para cobrir os encargos.
Isto a que conduz? Mais tarde ou mais cedo ao systema do calote, de que fallou o sr. Carlos Bento.
Assim ha de succeder se os governos continuarem a gastar sem conta, peso, me medida, e a esgotar as fontes de receita publica.
Sr. presidente, tem sido triste para mim e dolorosa a decepção de ver que os cavalheiros que combatiam commigo na opposição a favor da economia, da moralidade, e do respeito á lei, apenas ascenderam ás regiões do poder, esqueceram as suas promessas, desdenharam, as suas affirmativas, e têem procurado demonstrar que estas palavras, que tanta attracção tinham na opposição, no governo não são mais do que meras utopias.
É triste e dolorosa a decepção, repito, sr. presidente, e sinto-a tanto mais quanto o soffrimento e as consequencias amargas hão de ser para este desditoso paz, que tem sido abandonado e escarnecido.
O sr. Ministre da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Agradece as benevolas palavras ao sr. Andrade Corvo, com quem diz estar de accordo em muitos pontos. No que diverge da opinião de s. exa., é em a metropole continuar permanentemente a subsidiar despezas ordinarias e das colonias do ultramar, por meio de credito, o que me parece que não succedia nos outros paizes. Que não se podem conferir certas liberdades a todas as provincias ultramarinas, pois que algumas ainda não estavam n'essas circumstancias. Entende que os recursos ordinarios das nossas possessões ultramarinas podem servir para as obras ordinarias e que só em circumstancias muito extraordinarios deve a metropole fornecer recursos extraordinarios. O sr. Andrade Corvo mostrára qual era a divida da colonia ingleza do Cabo, mas o que não dissera fóra que todos os melhoramentos tinham sido feitas pela localidade. Remara por dizer que o seu systema é que devem pertencer ás colonias os encargos das mesmas, o que não quer significar que seja intransigente e que se conserve este principio com uma rigidez inquebrantavel, e tanto que ainda este anno apresentára á apreciação do parlamento alguns projectos em que elle, orador pede para ficar habilitado em alguns casos, a [...] despezas das colonias Que não mandara suspender de prompto as obras publicas no ultramar; que ao entrar para o ministerio, mandára dizer que se não emprehendessem novas obras, mas que se [cons....sem] as que estavam começadas, para se não perder o que estava feito.
(O discurso do orador será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Mendonça Cortez: - Mando para a mesa um
parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei n.° 112, vindo da camara dos srs. deputados.
Leu-se na meta e mandou se imprimir.
O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): - Aproveito os tres minutos que faltam para se levantar a sessão, lendo á camara a carta a que me referi ha pouco quando fallei, e que é escripta de Angola. Com ella respondo cabalmente a algumas palavras do sr. ministro da marinha.
Esta carta tem a data de 2 S de março de 1880, e diz:
"Loanda, 28 de março de 1880.
"Ninguem podia esperar que, fosse qual fosse o governo, mandasse parar com obras que estão em meia construcção e algumas a concluir, sendo esta ordem acompanhada de uma remessa importante de material.
"Mandam uma ponte para Mossamedes, dois pharoes, cobertura para uns 5:000 metros quadrados, e dizem que parem com as obras!!"
Eu desejava que o sr. ministro da marinha dissesse á camara, se mandava parar as obras, para que fazia uma remessa tão importante de material? Para que eram os
dois pharoes, a ponte e cobertura para 5:000 metros, etc.?
É, portanto certo e fóra de duvida que o sr. Ministro da marinha mandou terminantemente suspender todas as obras, das quaes umas estavam em meia construcção e outras a concluir.
N'estes termos, não sei para que vem aqui este projecto para um emprestimo que não tem já rasão de ser, uma vez que o governo mandou parar com essas obras.
Deixo á camara a apreciação dos factos.
O sr. Presidente: - Não posso consentir que se abra um parenthesis na discussão a proposito da palavra pedida sobre a ordem pelo digno par o sr. Vaz Preto. O debate está aberto e só darei a palavra pela ordem da inscripção. O sr. Vaz Preto pediu de novo a palavra e eu vou inscrevel-o.
Os dignos pares, que estão inscriptos, são os seguintes: os srs. Carlos Bento, Barres e Sá, e Costa Lobo, a favor; o sr. Vaz Preto, contra.
A hora está a dar, e por consequencia vou levantar a sessão.
Tendo cedido da palavra os dignos pares Sarros e Sá, e contra Lobo, disse
O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar na proxima sexta feira, 28 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.
Ficam inscriptos os srs. Vaz Preto contra, e Carlos Bento a favor.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 26 de maio de 1880
Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Rio Maior, de Samodães, de Valbom, da Ribeira Grande; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Asseca,
de Bivar, de Borges de Castro, de S. Januario, da Praia, da Praia Grande, de Vahoor; Barão de Ancore; Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Sarros e
Página 807
DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 807
Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiras, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Pestana Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Mello e Gouveia, Costa Cardoso, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Matinas de Carvalho. Canto e Castro, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Daun e Lorena, Mexia Salema, Coutinho de Macedo.