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SESSÃO DE 11 DE AGOSTO DE 1887 923

stitucional, isto é, debaixo do ponto de vista da infracção do nosso codigo politico, debaixo do ponto de vista da dictadura.

Não me occuparei do primeiro ponto, porque os decretos dictatoriaes são vinte e dois, e dizem respeito a variados assumptos de administração, incluindo um codigo administrativo, assumptos de administração civil, assumptos de administração judiciaria, assumptos de fazenda, assumptos de obras publicas, uma lei de aposentações, abolição de um imposto, e outros; para discutir tudo isto seriam precisas algumas semanas, e nós ternos apenas algumas horas.

A questão de que me occupo neste momento é só a da dictadura.

Sr. presidente, eu detesto as dictaduras, e já se vê que não fallo das dictaduras a que se têem referido alguns oradores, das dictaduras revolucionarias ou em consequencia das revoluções. Essas são dictaduras fataes, são necessarias, são inevitaveis, como as proprias revoluções. Essas não se discutem.

Essas são muitas vezes fecundas; estás de que agora trato são quasi sempre ridiculas.

Essas são muitas vezes dictaduras de gigantes.

Estas são quasi sempre dictaduras de pigmeus.

Não me refiro pois ás dictaduras como á da ilha Terceira e do Porto até 1834, que destruiu o antigo regimen e reconstruiu a sociedade portugueza, nem á dictadura depois da revolução de setembro, chamada a dictadura de Passos Manuel, nem á que teve logar depois do nosso ultimo movimento politico chamado a regeneração. Refiro-me ás dictaduras em plena paz e no meio do funccionamento regular das instituições. Aquellas dictaduras representavam força, estas significam quasi sempre fraqueza e impotencia, porque não é facil ser ministro constitucional, mas fazer dictaduras, quando a indifferença publica as consente, é facilimo.

Detesto as dictaduras, porque sou liberal, porque sou ainda liberal, e digo ainda, porque estamos em uma epocha em que muitos homens que pertenceram á escola liberal, e alguns até que se diziam avançados, fazem hoje pouco caso da liberdade, e encaram com indifferença estas questões de liberalismo.

N'outro tempo, os homens tinham fé n'uns principios, tinham crença n'um ideal, eram muitas vezes arrastados pelas paixões; mas hoje, em grande parte, são apenas movidos pelo interesse pessoal.

Estamos, sr. presidente, em uma epocha em que se affirma no parlamento que as dictaduras estão nos nossos habitos e nos nossos costumes, é em que se avança que certas reformas só podem conseguir-se perfeitas e completas por meio de uma dictadura; estamos em uma epocha, em que muitos homens, inspirando-se n'um certo positivismo, estreito e mesquinho, dizem que o systema parlamentar no continente é um systema gasto, que fez o seu tempo, e que nunca foi senão uma imitação do regimen politico, que só teve rasão de ser na Inglaterra.

Não, sr. presidente, todo o progresso, toda á civilisação d'este seculo, tanto na Inglaterra como no continente, progresso intellectual, progresso material, progresso moral, é maxima parte filho da liberdade é do systema representativo.

A liberdade, diz com rasão um moderno pensador inglez, é a luz e o calor do mundo politico. Ora, a garantia da liberdade é o systema representativo e parlamentar. Póde ser que se descubra outra garantia e outro systema mais perfeito; mas não sé descobriu ainda. O progresso e o bem estar das nações é maior sob o actual regimen diz que sob todos os que o precederam.

Até debaixo do ponto da vista historico é, menos exacto que o systema representativo e parlamentar seja uma imitação do que se faz em Inglaterra.

É necessario não conhecer a historia do nosso tempo, nem a historia antiga, para se avançar similhante proposição.

Todos sabem que a Inglaterra tinha, havia mais de um seculo, o seu systema parlamentar quasi tão perfeito como actualmente, sem que nenhuma nação do continente o tivesse imitado. Foi da revolução franceza, e não da imitação de Inglaterra., que nas outras nações do continente provieram as idéas de emancipação politica, e o regimen representativo e parlamentar.

Se olhãmos para epochas mais remotas, vemos que o systema representativo no continente tem mais fundas raizes no passado.

Todos sabem que esta idéa das assembléas politicas, e do imposto consentido e votado pelos contribuintes ou pelos seus representantes, que é o fundamento do moderno systema constitucional, é uma idéa antiga e tradicional em toda a Europa.

A differença é que a Inglaterra nunca interrompeu a tradição, emquanto que os paizes continentaes tiveram uma interrupção de tres seculos de governo absoluto.

Sr. presidente, n'estes tempos em que estamos, de pouca fé e poucas crenças politicas e moraes, n'estes tempos em que o interesse domina tudo, é exactamente quando as garantias parlamentares carecem mais de ser sustentadas. (Apoiados.)

N'esta epocha de interesses particulares, e que aqui se tem chamado a epocha dos syndicatos, o que não fariam certos governos se não fossem as garantias do nosso regimen politico?

Nem se diga que os parlamentos não são uma garantia, porque os governos têem as maiorias, que approvam todos os seus actos e todas os seus projectas. Isto não é completamente a verdade pratica. O governo apresenta ás camaras os seus projectos. Mas quantos sáem das suas commissões completamente transformados? E quantos morrem e ficam enterrados para sempre nos archivos d'essas commissões?

Citarei um exemplo da mais palpitante actualidade - o decreto dos tabacos.

O governo, graças ao bom senso e previdencia do sr. presidente do conselho, que não quiz que se fizesse dictadura em assumptos financeiros, apenas publicou o decreto dos tabacos como uma providencia preparatoria e de effeitos provisorios.

E qual era o intuito d'este decreto?

Era dar o monopolio dos tabacos a uma só companhia, á companhia nacional.

Mas a opinião agitou-se, e já não foi exactamente n'esta ordem de idéas que o projecto foi apresentado ás camaras. Passou tempo depois d'esta apresentação, a opinião continuou a agitar-se, e o projecto que saiu das commissões, e que aqui está para ser discutido, já é uma outra cousa differente.

Póde acontecer que com este projecto se vá ainda cair no monopolio, porque ha grandes interesses, e uma vontade poderosa que os serve que actuem n'esse sentido; mas já se lucrou, ainda que mais não fosse, ficar estabelecido o principio importantissimo do concurso.

E a que se deveram estas modificações, senão á intervenção parlamentar? (Apoiados.)

Não se diga pois, que não serve de nada o systema parlamentar, porque os governos têem por si as maiorias.

Nenhum governo póde existir sem ter maioria, porém isto não quer dizer que as maiorias votem seja o que for. Uma prova foi que o governo recorreu á dictadura.

Para vergonha nossa, sr. presidente, somos o unico paiz constitucional da Europa onde se fazem dictaduras.

Dizem que isto é tendencia da raça latina, que está na nossa indole. Mas a Franca tambem pertence á mesma raça. Ali fazem-se revoluções, mas, estabelecida a legalidade constitucional, os governos não fazem dictaduras.

Nunca a fizeram durante os dezoito annos da monarchia