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924 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

parlamentar de Luiz Filippe. Nunca a fizeram, ha dezesete annos, depois que a França está constituida em republica.

A Italia não será um paiz da raça latina?

A Italia, a ultima grande nação que se constituiu, que tinha a resolver os mais largos problemas de governação, que tinha a consubstanciar num só o governo de sete estados differentes, que passou por uma crise financeira mais temerosa do que as nossas, a Italia saiu de todas essas difficuldades sem recorrer a dictaduras. (Apoiados.)

Lá não ha dictadores, mas ha estadistas. (Apoiados.)

Fóra da raça latina, temos a Bélgica, temos a Hollanda temos a Dinamarca, temos a Suecia, que se podem citar como exemplo. E na Inglaterra, onde fomos buscar a palavra bill, tambem não ha dictadura; o que ha é no intervallo das sessões do parlamento a dispensa da lei nalgum caso urgente e de salvação publica. Uma cousa é dispensar a lei, n'um caso de necessidade urgente, e quando não ha tempo para reunir o parlamento, outro é fazer leis na ausencia das camaras. Isto nunca fez a Inglaterra.

Nos ultimos cincoenta annos tem-se dispensado, creio que tres vezes a lei, por motivo de subitas crises financeiras.

É prohibido pela lei de 1844 ao banco de Inglaterra fazer emissão de notas alem de um certo limite; mas tem havido crises, e n'essas crises, tem o commercio pedido, como um acto de salvação publica, que o banco alargue a sua emissão.

E isso que o governo tem permittido, pedindo depois ao parlamento o respectivo bill de indemnidade.

Isto não é dictadura, porque não é fazer uma lei, usurpando os poderes legislativos, é dispensar a lei, em caso urgente de salvação publica.

Mas, sr. presidente, não quero abusar da paciencia e do tempo da camara.

Descendo da questão dos principios á questão dos assumptos de que tratam os decretos dictatoriaes, e que a camara vae approvar talvez d'aqui a poucas horas, faço uma distincção.

A antiga escolástica abusou das distincções; das as distincções são necessarias, quando se argumenta de boa fé, porque tudo n'este mundo é relativo, em tudo ha mais e menos.

Por isso eu vou distinguir entre as medidas dictatoriaes e separar de todas ellas a reforma administrativa. Não é porque eu ache boa essa reforma; acho-a má, sobre tudo muito pouco liberal.

Tambem não julgo procedentes e não me satisfazem as rasões que dá o sr. presidente do conselho no seu relatorio pretendendo mostrar, como allegou na camara dos senhores deputados, que similhante reforma era uma necessidade constitucional.

Não me satisfazem as rasões de s. exa. Mas eu não tenho a pretensão de ser infallivel, posso enganar-me.

Em todo o caso o que posso reconhecer e reconheço é a boa fé e sinceridade do sr. presidente do conselho. S. exa. entende que por causa da origem que teem os membros electivos d'esta camara na eleição proveniente de eleitores que são escolhidos pelos corpos administrativos, era uma necessidade constitucional a reforma administrativa e que sem ella o governo d'este paiz estava necessariamente enfeudado a um partido.

Não tenho essa opinião, mas respeito a de s. exa. Se está convencido do que allega, tem uma desculpa, tem uma justificação.

Mas, sr. presidente, as outras medidas de dictadura?

Pois, porventura, uma reforma de aposentações era uma necessidade constitucional?

Pois não podia haver rotação de partidos no poder, se não se reformasse a engenheria ou se não fosse abolido o imposto do sal?

Pois á reforma das secretarias dos ministerios das obras publicas e da fazenda era uma necessidade constitucional?!

Pois a lei decretada em dictadura que diz respeito aos empregados addidos, e que ainda não começou a executar-se, era uma providencia urgente ou de salvação publica, ou tinha alguma relação com a rotação dos partidos no poder?

A reforma administrativa ainda pôde, pois, ter uma sombra de justificação, visto o sr. presidente do conselho ter julgado que era uma necessidade constitucional; mas as outras medidas nenhuma rasão constitucional as desculpa nem até se recommendam sequer pela sua grande importancia e pelas suas incontestaveis vantagens.

Os srs. ministros entendiam ser uma impreterivèl necessidade constitucional a reforma administrativa, e como estavam com as mãos na massa, permitta-se-me esta phrase vulgar, promulgaram tambem em dictadura diversas leis.

Isto não é mais do que o cynismo politico, e o desprezo pelo systema parlamentar.

Sr. presidente, o governo no intervallo da sessão legislativa entendeu conveniente ratificar, sem a approvação do parlamento, uma concordata, usurpando as mais importantes funcções legislativas. Do mesmo modo fez leis, sem necessidade nem urgencia sobre os assumptos que lhe approuve.

O sr. ministro da fazenda, que eu sinto não ver agora presente, não apresentou ás côrtes um unico projecto que não trouxesse uma ampla auctorisação para fazer mais dictaduras. O que é isto? Perdoe-me a camara a phrase e o gallicismo; mas isto não tem outro nome senão o de deboche constitucional.

Eu bem sei, sr. presidente, que o sr. relator me vae responder com os precedentes.

Em primeiro logar os precedentes não podem servir de justificação, e em segundo logar, quando se trata de precedentes é necessario distinguir, como eu distingui, entre as providencias do governo, as que podem ter sido filhas de uma necessidade urgente, d'aquellas que se publicaram ultimamente sem urgencia nem necessidade constitucional.

Em ultimo logar, finalmente, eu tomo a responsabilidade moral e collectiva dos actos do meu partido, mas não tomo a responsabilidade pessoal dos actos que não pratiquei. E eu nunca fiz dictadura.

N'esta questão de precedentes tem-se citado aquelle famoso episodio do Evangelho de S. João, e as palavras de Jesus:

"Aquelle que está sem culpa que me atire a primeira pedra."

Mas quando Jesus disse isto, queria dar uma lição aos accusadores, quiz attenuar a culpa da peccadora, mas não quiz justifical-a, porque o adulterio não se justifica.

Christo, depois de sairem os que accusavam a mulher adultera, com aquella suave mansidão, com aquella doce tolerancia, que foi o caracteristico da sua personalidade e da sua doutrina, disse á peccadora:

"Vae e não tornes mais a peccar."

É exactamente isto mesmo que devemos dizer aos srs. ministros e a todos os homens publicos.

"Vão e não tornem mais a fazer dictadura."

E talvez não seja necessaria esta recommendação. Ha um proverbio portuguez muito verdadeiro "é que do mal vem ás vezes o remedio."

Esta dictadura desacredita tanto todas as dictaduras, que talvez ninguem mais queira praticar este erro com receio das duas cousas que acompanharam esta ultima, o odioso e o ridiculo.

Tenho concluido.

O sr. Ministro da Justiça [Francisco Beirão): - Sr. presidente, cumpre-me em primeiro logar dar uma explicação á camara e ao digno par que acaba de fallar.

O sr. presidente do conselho, a quem naturalmente pertencia responder ao digno par o sr. Antonio de Serpa Pimentel, se não se acha presente é em consequencia de uma reunião do conselho d'estado a que teve de assistir. Alem