O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

926 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

como é natural, aos conselhos da corôa e fizer algumas leis em dictadura, poderei então fazer applicação dos principies do sr. Antonio de Serpa e dizer que esse partido tem dictadores, por não ter estadistas.

O digno par disse que o melhor fiador de um justo e ponderado exercicio da liberdade era o systema representativo. Estou perfeitamente de accordo com s. exa. n'este ponto; mas discordo absolutamente do modo de ver de s. exa., que o leva a affirmar que nós estamos em uma epocha em que o interesse domina em tudo, e designadamente na politica.

Não podendo deixar de lamentar esta ultima phrase de s. exa. direi, comtudo, que desde que o mundo é mundo, o interesse tem n'elle tido grande preponderancia. Assim tem sido e continuará a ser. Mas o interesse legitimo, que a final não é mais do que um justo incentivo á applicação das faculdades humanas, nada tem de censuravel, e, por isso pôde, sem inconveniente, ser um dos principios dominantes de qualquer sociedade. S. exa., porém, não se referia a este interesse, mas a um outro que não crê legitimo, que por isso não é legal, e insinuou que é este o que determina completamente as deliberações dos poderes publicos n'este paiz.

Não posso deixar de protestar contra essa doutrina, não só em nome do governo, que tenho a honra de representar n'este momento, mas em nome do systema representativo e em nome do paiz. Não é assim.

Os poderes publicos n'esta nação, não se acham curvados ao jugo de interesses menos justos. E para o protesto, basta, em minha consciencia, na de todos, o affirmal-o.

S. exa. em vez de discutir os actos da dictadura, discutiu um decreto que respeita á antecipação do pagamento de uns direitos que iam ser aggravados, e a esse respeito pretendeu fazer ver que só o receio do funccionamento regular do systema representativo e as imposições da opinião publica é que tinham feito com que o governo se afastasse de um certo caminho que s. exa. imaginara que elle queria seguir. Puro engano. Em primeiro logar devo dizer que o decreto de 27 de janeiro, que foi aquelle a que o illustre orador se referiu, não visava a mais do que a garantir os interesses do estado, todos sabem. Foi aliás, simplesmente, a realisação de uma idéa apresentada pelo partido progressista na outra casa do parlamento, e sustentada principalmente pelo actual sr. presidente do conselho em uma outra occasião em que se tratou de elevar os direitos sobre certos generos. O actual sr. presidente do conselho apresentou na camara dos senhores deputados uma proposta que tinha por fim estabelecer o pagamento antecipado, de sorte a acautelar os verdadeiros interesses do thesouro. Essa proposta não chegou então a ser convertida em lei. Ora, o decreto de 27 de janeiro, ultimamente publicado, traduz essa idéa, teve o exclusivo fim de salvaguardar os interesses do estado.

Se o governo teve de modificar a sua opinião em alguns pontos com respeito á proposta a que o illustre orador se referiu, foi em pontos secundarios, e salvo sempre o principio fundamental d'ella, que desde sempre foi o mesmo. Isto posto, não teve de recuar perante as maiorias parlamentares ou diante das imposições da opinião publica.

E posso dizer a s. exa. que n'este assumpto o governo teve unicamente em vista augmentar a receita publica, sem ferir nenhum legitimo interesse particular.

S. exa. depois, passando especialmente a examinar algumas providencias da dictadura, entendeu que o decreto sobre a reforma administrativa poderia ter justificação, mas não achou que se podessem justificar todos os outros decretos dictatoriaes.

Ora, se s. exa. examinou e reflectiu as rasões que o governo deu com respeito á reforma administrativa, e depois, e só depois, as acceitou, da mesma fórma devia proceder em relação aos outros decretos. O que s. exa. devia era ver as rasões que o governo teve para assumir a dictadura com respeito a cada um dos outros decretos. Examinasse-as, reflectisse-as maduramente, e só depois d'esse trabalho, se entendesse que essas rasões não eram justas, é que devia concluir com aquellas palavras que soltou, e que mostram grande mudança no temperamento do digno par desde que ultimamente assumiu a alta missão a que foi elevado. S. exa., porém, ao que parece, nunca examinou os relatorios que precedem esses outros decretos dictatoriaes, pois não veiu aqui reproduzil-os, como fez com os do codigo administrativo, e combatel-os, como devia ter feito para os condemnar. Em vez d'isso o que fez? Veiu em plena camara dos pares, o chefe de um partido, dizer que os actos do governo mostravam o maior cynismo politico, e até que eram um deboche constitucional! E isto sem ter combatido as rasões que levaram o governo a assumir a dictadura!

Eu, devo dizel-o, é que não sei como classificar as expressões de que julgou dever usar o sr. Serpa Pimentel. Lastimo-as, nada mais; mas entendo que não devo levantal-as por consideração para com a camara dos pares.

Tenho dito.

O sr. Conde de Margaride: - Sr. presidente, nunca me prestei a sanccionar com o meu voto nenhuma especie de dictadura, desde as governamentaes até á das direcções dos bancos no infeliz syndicato Salamanca. Se este precedente não basta para afastar de mim qualquer suspeita de facciosidade na questão sujeita, declaro que, se na minha mão estivesse derrubar immediatamente o ministerio, não o derrubaria. Elle sorriu-nos com a esperança da restauração das nossas finanças. Convem que não se lhe amesquinhe o praso em que os scepticos devem convencer-se ou os crentes desilludir-se. Emquanto na falta de tempo poder basear-se uma desculpa ao mallogro de esperança tão grata, o poder só servirá de comprometter quem o herdar, e não é, em taes condições, que eu o quero, para correligionarios meus.

Posto isto, entro no assumpto.

O projecto consta de duas partes distinctas (são o 1.° e 2.° artigos.)

No 1.° propõe-se-nos a relevação de um attentado contra a constituição e a consequente validação dos effeitos d'esse attentado.

No 2.° a conversão em lei das medidas, impropriamente chamadas dictatoriaes. E digo impropriamente, porque a dictadura em Roma, d'onde foi importado o nome, era uma investidura legal, e entre nós não passa de um arbitrio, em que, demais, nenhuma nação da Europa nos acompanha.

Quanto ao primeiro, aventuro timidamente ligeiras duvidas sobre a nossa competencia para o approvarmos.

Que é a relevação proposta?

Uma sentença absolutoria?

Não estamos constituidos em tribunal, nem o podemos estar por falta de accusação legitima.

Uma amnistia?

A outro poder pertence amnistiar.

Uma lei, como qualquer outra?

Mas a faculdade de legislar acha-se limitada na carta, que nos incumbe de velar na sua guarda, mas não nos permitte dispensal-a; que nos confere a funcção de fazer leis para o futuro, mas expressamente nos prohibe de lhes darmos retroactividade.

Juridicamente parecem-me procedentes estas duvidas.

No campo prático, a nossa relevação ou não relevação póde influir na vida do ministerio, mas, com ella ou sem ella, os effeitos dos decretos dictatoriaes ficam igualmente produzidos; são factos consummados, a que nós mesmos já nos submetternos, approvando a eleição dos nossos dignos collegas, realisada sob a influencia do codigo administrativo dictatorial.

Ora, tendo-me eu já pronunciado pela conveniencia da conservação do governo por emquanto, claro está que não entro n'este debate com o intuito especial de o hostilisar.