DIARIO DO GOVERNO 785
Nham feito com que o mesmo projecto fosse apresentado, ás côrtes; que tofas estas considerações faziam crer que elle devia ser levado avante.
Disse que tambem entendia (como se tinha dito) que o trabalho e aeconomia eram as duas fontes de prosperidade, mas, perguntava, de que serviriam os productos de qualquer trabalho, se elle havia de morrer na loja de quem os produzia? De que serviriam sem meios de os trocar, e por conseguinte sem a opportunidade de novas reproducções? Que era evidente não poder haver commercio nem industria sem vias de communicação interior; e por tanto entendia que por estas se devia começar, a afim de obter que assim prosperassem os diversos ramos que concorrem para a riqueza de uma nação. Notou que os habitantes da Beira tinham abundancia de muitos generos, e comtudo os de Tras-os-Montes íam comprar alguns desses mesmos generos á Calisa, e isto porque uma provincia quasi que não tinha communicação com a outra! Que era pois necessario começar por aqui, pois este seria um dos primeiros motores das finanças do paiz, qual é a riqueza publica. Que não era possivel fazer economias quando não havia em que; mas que primeiros se devia habilitar o povo para pagar as contribuições, e que um dos melhores meios para isso era facilitar-lhe a possibilidade do consumo dos diversos productos. Disse que um alqueire de trigo custava em Lisboa quasi outro tanto daquilo por que se comprava no Atempejo, e que a tal preço o faz subor a difficuldade do transito; não as havendo pois que todo o trabalho seria improductivo.
Observou que estas cousas não podiam fazer-se compassamente, porque a nossa situação já o não permittia. - Aqui alludio o orado ao contracto de que se fallara, e disse (entre outroas cousas) que os melhoramentos que delle resultaram não tinham comparação com as concessões feitas.
Que escusado era por tanto mostrar a necessidade das communicações internas, e que se fossem precisos exemplos poderia provar que, em consequencia dellas, hoje se vive em Londres mais barato metade do que se viria ha dez annos. - Votou pelo projecto na sua generalidade.
O sr. D. da Palmella (que deixara a presidencia) disse que estava preparado para ouvor objecções a cada um dos artigos do projecto, para ouvir pôr em duvida a conveniencia ou a praticabilidade de algum dos impostos (por exemplo, o de barreiras) para ouvir apresentar duvidas sobre o traçado das estradas, ou ácerca do plano proposto para as fazer ou concertar; mas que não esparava ouvir naquella camara pedir, primeiro a rejeição do projecto, e em segundo logar, o seu addiamento, que tambem equivalia a uma rejeição, ao menos por um anno, porque infelizmente o orçamento ainda não tinha vindo para a camara, nem lhe comstava que tivessem feito progressos na outra casa, e que por isso difficultosamente poderia tractar-se antes dos ultimos dias da actual sessão: que esse era mal que (o orador) não só deplorava, mas contra o qual se dispunha até a propestar, e a reclamar com instancia que não torne a renovar-se nas futuras sessões, (apoiados) porque do inconveniente de chegar alli o orçamento tão tarde, como havia de vir nesta e tinha vindo nas sessões passadas, resultava nada menos do que privar a camara dos pares de um dos direitos mais importantes que a Carta lhe confere. Que porém punha isto de parte, por que não pertença á materia de que se tractava, e diria que adiar o projecto das estradas até a discussão do orçamento, vinha a ser o mesmo (e invocava a sinceridade do digno par) que fazer com que elle não fosse discutido este anno.
Que não se tinha ainda tomado em consideração na camara a maneira por que tivera origem aquelle projecto. Que os desejos de ver melhorar as estradas do reino eram bem naturaes. E cria que geraes em toda a nação, mas que a lembrança de donvocar, para tractarem desse objecto, algumas pessoas que pelas suas luzes, conhecimentos e posição social, estivessem mais nas circumstancias de o promoverem, pertencia (não originariamente ao sr. duque, e por isso o mencionava) e alguns portuguezes, que nessa occasião deram uma prova do seu patriotismo, e que lhe tinham feito a honra de o chamar para concorrer no mesmo empenho: que abráçara com reconhecimento esse convite, e desde então assiduamente procurava que esses trabalhos progredissem: que as primeiras [...] em formar uma associação numerosa, sem a esclusão de partidos, e sem atenção aos seus antecedentes, com tanto que podessem concorrer para illustrar a commissão, e para generalisar a sua idéa. Que depois de longas, demoradas, e mui reflectidas discussões, se formara um projecto, o qual circulara por todo o reino, e voltou á commissão com grande numero de asignaturas de approvação, mas um numero tal de que não havia exemplo (segundo lhe parecia) sobre nenhum outro objecto legislativo apresentado ás camaras; que estas assignaturas, pela composição quer da commissão quer da assembléa geral da associação, não haviam sido captadas por seducções, nem por influencias, nem por promessas, que outra diligencia não tinha havido que não fosse de levar o convencimento ao animo daquelles cuja assignatura se solicitava.
Que o projecto, acompanhado de um grande numero de petições, não só de individuos, mas mesmo de municipalidades(e entre ellas da de Lisboa) fôra apresentado na outra casa assignado (cria que) pela maioria dos seus membros; que ahi fôra sustentado na mesmka camara com todo o talento, que era de espe5rar das pessoas que se achavam no caso de representar as opiniões da commissão externa; e fôra longamente debatido, não sendo provavel que algum dos dignos pares ou não presenciasse a discussão, ou não lançasse os olhos sobre os discursos que nella se proferiram.
Que depois disto lhe parecia provada sufficientemente a attenção que merecia um projecto desta natureza, acompanhado de taes circumstancias, e já debatido quer na commissão externa quer na casa dos srs. Deeputados; e por tanto qur a camara dos pares não podia rasoavelmente recusa-lo na sua generalidade, nem mesmo adia-lo para outra sessão, sem attrahir sobre si uma grave responsabilidade, e parecia-lhe que até o odioso que resulta da resistir a um passo que se pretende dar, é que é mesmo indispensavel que se dê no caminho da civilisação, porque o projecto não tendia sómente a solicitar vias para a prosperidade material do paiz, mas até certo ponto estava ligado com a sua civilisação.
Que não entraria agora (porque o julgava intempestivo) no exame de algumas observações feitas sobre os principaes artigos do projecto, porque o reservava para quando se tractar desses artigos, na esperança de que a camara não poderia deixar de adoptar o parecer da commissão ou de approvar o projecto na sua generalidade; mas sempre diria ao digno par e seu amigo (o sr. Tavares de Almeida) que alguns dos seus argumentos, longe de serem convincentes, podiam adduzir meios contra a opinião de s. exa., ou eram contraproducentes.
Que o digno par reputara que a Nação se achava já tão onerada de impostos, que não poderia pagar outros novos; por isso mesmo que havia difficuldade em se cobrar a decima, entendia que mais difficuldade haveria em a receber quando fosse augmentada; observava (o orador) que essa difficuldade da cobrança da decima (e que tambem dependia de muitas causas cja indagação o obrigariam a saír do objecto em questão) provinha em maxima parte da falta de circulação dos generos e do numerario; que as duas grandes necessidades materiais do paiz eram; primeira, a abertura de vias para a circulação dos generos, para que elles possam obter um preço maior do que teem, e, em algumas circumstancias, um preço qualquer, porque ha taes productos em taes localidades, que não só não tem o preço que razoavelmente deviam esperar, mas mesmo não obteem preço de casta alguma; e appellava para o testemunho do digno par, que se oppoz á admissão do projecto, que mesmo nas suas proprias fazendas havia de reconhecer a difficuldade de reputar os generos.
Que não era exacto o que dissera o digno par - que aquelles que os produzem em propriedades situadas á bordo do mar, ou de rios navegaveis não teem um valor maior do que os outros que existem nas provincias remotas do interior; que o valor das proviedades indicava o contrario, porque ninguem deicava de dar maior preço a uma terra situada á bonda do mar ou de rio navegavel do que daria por outra identica situada no setão do reino.
Que com todo o respeito devido nos dignos pares, e na certeza de que a enunciação das suas opiniões era tendente a verificar o que julgaram melhor para o paiz, protestação esta que em particular dirigia aos que se oppunham ao projecto, diria que, as ouvidos, parecera (ao orador) quasi estar na Russia pelos tempos de Pedro o Grande, ou em algum paiz em que se defendesse o obscurantismo contra a imprensa; pois querer que não se pense n'um systema geral de estradas, e achar preferivel ir pouco a pouco, á nmingua, e como por esmola, distribuindo quantro ou cinco contos de réis em cada provincia, para que no fim de dous ou tres seculos possam as estradas estar já todas feitas, de certo que não parecia muito conforme, a razão, e menos conforme ainda ás luzes da época em que vivemos!
Que se comparasse a nossa situação com a de outros paizes, e todos veriam que nisto havia um circulo vicioso: não diria que abrir os caminhos seria tirar todos os thesouros do Pactolo, e tornar tudo rico, mas que era certo que a nossa pobreza provinha da falta de communicações, que são um dos meios de prosperidade. Que convinha não perder de vista que o projecto não era um tributo que se fosse impôr á nação, mas que era a nação representada, ao menos por uma grande porção de seus membros, que pedia lhe fosse licito concorrer para que se adopte de uma vez um plano que lhe dê a esperança de ter estradas no fim de poucos annos: que este plano fôra baseado sobre umas poucas de idéas capitaes; em primeiro logar, a applicação de impostos que fossem sufficientes para que a prespectiva de ter estradas em poucos annos se tornasse um facto; em segundo logar (e que esta era talvez a idéa capital), attender á provavel desconfiança que os povos, e as camaras tem sempre, e mui fundadamente, sobre a applicação que se dá a quaesquer impostos do paiz, porque muitos votados com um fim especial, ou não se applicam a esse fim, ou se se applicam, depois de conseguido continuam com differente applicação; que para delir esta justa desconfiança (e dizia justa, porque não injuriava a ninguem) se tinham procurado, nos melhores termos possiveis, pôr fôra do alcance de um qualquer governo o abuso dos meios que se decretassem. Quanto porém á disposição das medidas indispensaveis para levar esta obra ávante, estava claro que era tambem necessario confiar isso ao governo, e com razão, porque elle é nisso interessado com uma parte conspicua da nação.
Referindo-se a objecção fundada no contracto existente com uma companhia para a factura da estrada de Lisboa ao Porto, contracto que se não levara a effeito senão muito percialmente, e que o sr. ministro do reino declarara que ainda considerava como subsistente, disse (o orador) que não entraria nessa questão, que podia decidir-se á vista do contracto, questão de direito, que as camaras já agora não poderiam dar nem tirar, mas que era sempre a mesma cousa em relação a este projecto; porque, na supposição de que o contractador queira ceder do seu direito depois de passar a lei ajustava-se com a nação mediante uma indemnisação futura, e ficavamos no caso de continuar no plano que se acha traçado; e na outra supposição, de que o contractador não queira ajustar-se, queria dizer que essa estrada ficava sendo uma excepção a este plano, e que se conservava em todo o resto, exigindo-se aliás o exacto cumprimento do contracto, applicando para isso os meios necessarios, de que é um dos principaes uma boa lei de expropriações.
Que todos se queixavam de que os impostos são pesados, e (ainda que não attribuia esta intenção a ninguem) era certo que um clamor similhante, parecia um meio de adular o paiz, porque era sempre agradavel á maior parte dos contribuintes: que elle (orador) entrava no numero destes, e por sua parte preferia que não houvesse impostos, ou que fossem menos do que actualmente; entretanto não podia negar-se que a decima rustica não é uma decima verdadeira, e pondo as mãos na consciencia todos concordariam não pagarem a decima parte da renda das suas fazendas; que além disso era de notoriedade que a abolição dos dizimos livrara a nação do peso da decima do producto bruto de toda a agricultura, e que se no pagamento dos impostos municipaes havia menos methodo do que era para desejar, que deviam fazer-se votos para que nesta parte houvessem mais uniformidade: entretanto que era um facto não haver grandes queixas quando se pagavam dizimos, e que actualmente as havia, mais ou menos fundadas que isto provinha da grande difficuldade que ha em Portugal de obter um preço pelos generos, porque não temos nem circulação para os productos da terra, por nos faltarem as vias de