O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

2480

minha parte, confesso que não encontro expressão para traduzir o sentimento de verdadeira surpreza que se possue do meu espirito, quando vejo negócios de tanta transcendência tratados com a irreflectida precipitação com que foi tratado por parte do governo este negocio que discutimos; precipitação que aliás devemos condemnar, mesmo nos menos importantes actos da publica administração. A camará verá no correr da discussão como o governo desprovido de todos os cálculos, de todas as bases para poder justificar o contrato que celebrou, se apresenta ao parlamento pedindo-lhe que sanccione um acto cuja importância elle próprio desconhece, porque se a não desconhecesse demonstra-la-ia á camará comprovandoa com documentos, que a habilitassem a pronunciar o seu voto depois de reflectida e profunda apreciação da questão que se discute. Mas fez o governo isso? Não o fez: e ainda ha pouco viu a camará, pela res posta que o sr. ministro das obras publicas deu á perguntas que eu lhe dirigi, tendentes a obter de s. ex.a alguns esclarecimentos necessários para esta discussão, ainda ha pouco, digo, a camará viu, que o governo se apresente falho de todos 03 elementos para poder illustrar o debate! É realmente incrivel que depois de tantos annoé de vida constitucional, depois de trinta annos de vida parlamentar, succeda o apresentar-se um governo perante o parlamento, escondendo-se atraz da sua maioria e dizendo: se tendes confiança em mim votae o contrato, e jurae na fé das minhas palavras, que tanto basta para tranquillisar as vossas consciências. Eu creio que esta camará ha de dar o seu voto com toda a consciência e independência, e que para isso ha de ponderar devidamente as rasões que o governo possa apresentar para justificar o projecto, e as que nós produzirmos para o combater. Emquanto porém á questão politica creio que difficilmente o governo se poderá justificar por forma tal que a camará o deva absolver de ter praticado o acto mais inconstitucional que tem sido apresentado ao parlamento.

Pelo que respeita porém ás rasões económicas, pergunto quaes são ellas? O sr. ministro das obras publicas conser-va-se silencioso, e não vejo tenção em s. ex.a de pedir a palavra para dar explicações e esclarecimentos sobre esta matéria.

O sr. Ministro das Obras Publicas:—Eu já pedi a pa-lsvra quando estava fallando o digno par o sr. Aguiar.

O Oraãor: — Eu não reparei n'isso, aliás não teria feito tal observação. Ainda bem que s. ex.a se não quer esquivar ao debate: talvez o nobre ministro deseje ouvir primeiro as rasões e argumentos da opposição, para lhes responder em globo, comprehendendo-os em uma synthese brilhante.

Será assim. Mas como não ouvi ainda a defeza do sr. ministro dada n'esta casa, e estou usando da palavra, vou referir-me ás rasões adduzidas no relatório que precede a proposta que s. ex.a apresentou ao parlamento.

Sr. presidente, a primeira rasão que se dá no relatório para justificar a compra do caminho de ferro do Barreiro ás Vendas Novas e ramal de Setúbal, é a da necessidade de uniformisar as condições das duas linhas, adoptando o mesmo typo para a largura das duas vias, typo que a camará sabe que era differente, por isso que o adoptado na linha de Barreiro ás Vendas Novas era de lm,44 ao passo que o da de Beja a Évora é de lm,67. Ora a camará facilmente comprehenderá, que os encargos d'esta reconstruc-ção da linha hão de necessariamente ser muito grandes; e tanto isto é assim, que o illustre ministro ha pouco teve já occasião de o confessar á camará.

S. ex.a disse, que se o governo negociasse com a companhia esta obra de reeonstrucção da linha, a companhia não exigiria de certo por tal encargo uma somma inferior a 500:000$000 réis. Em vista d'isto já a camará vê o quanto é pesadíssimo este encargo: nem pôde deixar de o ser, porque a obra é importante, e creio que com propriedade lhe chamo reeonstrucção da linha, porque com effeito equivale a uma reeonstrucção.

Não é só o material circulante que se inutilisa com o alargamento da via; grande parte da madeira que foi empregada na sua construcção fica igualmente inutilisada, acrescendo ainda que ha grandes movimentos de terra a fazer; porque se o fim do governo é uniformisar as condições das duas linhas ha de também fazer os nivelamentos de terreno necessários para poder 'assentar a segunda via quando a necessidade da exploração o exigir, porque é essa uma das eondições da linha de Évora e Beja.

Eu não quero metter fouce em seara alheia, mas devo confessar que se me figura que o encargo em questão é muito grande, e mesmo superior ao que inculca o sr. ministro; e creio que o governo ainda não conhece verdadeiramente qual a importância d'esse encargo: mas dado mesmo que seja de 500:000$000 réis temos de o addicionar ao preço da compra; assim como teremos de o deduzir do preço da venda se o governo trespassar a linha a qualquer companhia; e para que a camará veja como essa operação ha de trazer grande perda ao thesouro, bastará dizer que o preço em que o caminho importa já ao governo é de perto de 2.000:000$000 réis, juntando o valor da subvenção á importância da compra; e encontrará o governo qualquer companhia a quem trespasse o caminho por um preço superior á 400:000$000 réis, quando o encargo immediato a que a companhia se vae sujeitar desde logo é de 500:000#000 réis ?

Sr. presidente, este negocio não traz só um grande encargo para o thesouro, como já demonstrei, traz também um descrédito para os poderes públicos que deixam correr assim á revelia os negócios e interesses do paiz. Quando se souber de futuro que o governo deu 2.000:000j$i000 réis por um pequeno traço de um caminho de ferro, e que depois o vendeu por 300:000^000 ou 400:000$000 réis, é prová-

vel que se não faça uma idéa muito lisonjeira do espirito de economia da nossa administração. (O sr. Conãe ãa Louzã:— Apoiado.)

A segunda rasão com que o governo pretende justifiar a proposta de lei que apresentou, consiste na necessidade de reformar as tarifas que regulam os preços dos transportes na linha do Barreiro ás Vendas Novas, adoptando as tarifas francezas em vez das inglezas que ali vigoravam. Ora sendo as tarifas francezas mais baixas que as inglezas, a camará comprehenderá facilmente a importância desta substituição em relação ao interesse publico, e ao próprio interesse das duas linhas, mas este facto importante em si, e incontestável em these, deixa de o ser no caso presente, na hypothese em que estamos. Com effeito será grande a vantagem que resulta d'essa modificação em uma pequena linha de 70 kilometros? Conviria que o governo a troco de um gravíssimo encargo para o paiz obtivesse apenas esta pequeníssima vantagem? Duvido muito de que o paiz se lisongeie com o presente que se lhe fez (apoiados)! De mais a companhia em seu próprio interesse não era ella mesma que havia de regular o negocio do modo que melhor lhe conviesse? Não é certo e sabido que na companhia de leste estão em uso as tarifas francezas, sem embargo do que o concessionário tem feito algumas alterações favoráveis ao interesse da circulação? Depois, se o governo queria somente obter esse fim, seria para isso necessário adjudicar a si a linha? Não podia conseguir o mesmo fim com as próprias prescripções do contrato de 7 de agosto de 18Õ4. O contrato diz:

Artigo 30.° Dois annos depois da abertura do caminho de ferro o governo poderá mandar proceder á revisão das tarifas, de accordo com a companhia.

§ único. D'essa epocha em diante a revisão será feita toados os quatro annos.

Por consequência pergunto eu: se a reducção se podia fazer usando o governo da liberdade que lhe conferem estas prescripções do contrato, porque não tentou esse meio? Talvez s. ex.a me responda que ainda assim o máximo vem estabelecido n'uma das prescripções do contrato, e que não era possivel obter da companhia concessões tão amplas quanto por interesse publico seria necessário que se obtivessem. É possivel, mas eu peço á camará, visto que o meu desejo é fallar conscienciosamente, que permitta que lhe diga que esta questão é sempre pequeníssima, por isso mesmo que para uma linha de 70 kilometros é cousa insignificante, mesmo para o interesse publico, qualquer modificação nas tarifas. E peço á camará que pondere bem a circumstancia de que os interesses da companhia, a sua própria conveniência a obrigavam a modificar a tarifa, para a ter sempre em harmonia com as exigências do interesse publico por um principio económico que rege todos estes casos, principio que não é mais do que a manifestação da lei económica do equilíbrio entre a offerta e o pedido. Vejamos como o governo continua justificando o projecto (leu).

Alem d'isto á companhia exploradora d'esta linha se con cedeu por noventa e nove annos a entrada, livre de quaesquer direitos, de todos os materiaes, machinas e utensilios necessários para a construcção do caminho e sua exploração.

Este é o cavallo de batalha do ministério; a sua ma-china de guerra é esta, este é o vaivém com que espera destruir as muralhas da opposição; todavia o argumento é de pequena importância, e a camará vae ver se elle effectivamente tem o valor que o governo lhe pretende dar. A companhia concedeu-se pelo contrato de 7 de agosto a entrada livre de todos os direitos, de todos os materiaes, machinas e utensilios necessários para a construcção e exploração da linha; mas note v. ex.a e note a camará, que a maior importância d'e9ta clausula está nos dois primeiros annos, porque depois da linha construída os materiaes necessários para a conservação d'ella são de muito menor importância do que os que foram necessários para a sua construcção, e portanto este privilegio, a ter um grande valor, é durante a epocha da construcção da linha, mas durante essa epocha têem sido concedidos taes privilégios a outras emprezas, lá os encontrámos também no contrato que o governo celebrou com a companhia ingleza, alem de que a isenção de que se trata podia ter toda a importância, se as tendências da nossa reforma aduaneira não fossem no' sentido da liberdade, graças porém ás idéas económicas do illustre ministro da fazenda, caminhámos n'esse sentido ainda que pausada e paulatinamente. É natural porém que s. ex.a continue sustentando as idéas que tem manifestado tanto n'esta como na outra camará do parlamento, e a ser assim essa reforma matava todos estes priyilegios. Note a camará que uma das isenções principaes, a do direito que pagava o carvão, só hoje não vale nada, porque pela ultima reforma o carvão de pedra não paga direitos; mas alem d'isso o privilegio não consiste na duração por espaço de noventa e nove annos, como diz o relatório do illustre ministro, o governo pôde remir a concessão no fim de trinta annos. E a propósito direi, que a previsão do governo estabeleceu no contrato o modo como se devia fazer a liquidação da companhia no caso de remissão, e que o governo actual quando não tivesse outra base devia ao menos procurar conhecer o valor do caminho que comprou pelo rendimento da sua exploração. Quando essa base não fosse sufficientemente segura, ao menos sempre valia mais do que a base de que parece haver-se servido o illustre ministro quando julgue que o preço da compra é rasoavel só porque o preço de 13:500^000 réis por kilometro lhe não parece exagerado para qualquer caminho de ferro, como s. ex.a ha pouco declarou á camará.

Diz se, para reforçar os argumentos adduzidos a favor do projecto que se discute, que quando o privilegio de que tratamos não valesse pelo uso, valia bastante pelo abuso

que d'elle podia fazer o concessionário, isto é uma referencia á questão do contrabando, e penso que mesmo o illustre ministro alludiu a ella na outra casa do parlamento, dizendo que a fiscalisação era difficil; mas, a dizer a verdade, não sei como essa idéa se possa sustentar por parte do governo, sem que elle por esse facto irrogue uma grave censura á repartição a que compete essa fiscalisação, e pela qual só podem dar entrada os materiaes, machinas e utensílios a que a isenção do, contrato se refere, porque a condição do contrato é expressa (leu).

Artigo 41.° O governo concede, debaixo da sua fiscalisação, a entrada livre de quaesquer direitos, pela alfandega grande de Lisboa, a todos os materiaes, machinas e utensilios necessários para a construcção do caminho de ferro, e para a sua exploração durante o praso estabelecido n'este contrato.

Por consequência se o contrabando se fizesse á sombra do privilegio, o illustre ministro não se devia pronunciar contra elle, mas contra a fiscalisação da repartição competente.

O outro privilegio é a isenção de toda e qualquer contribuição geral ou local.

É este um dos privilégios concedidos á companhia que mais do que nenhum pôde ser explorado na discussão como argumento a favor da compra do caminho, porque só por esta isenção se pôde julgar o estado privado de um rendimento importante. Será bom porém que a camará se lembre que este mesmo privilegio está em todos os outros contratos; no contrato celebrado com a companhia ingleza en-contra-se a mesma isenção por espaço de vinte annos; e em alguns porém o que está especificado é que o governo poderá lançar 5 por cento sobre o transporte de passageiros e mercadorias; mas esse não é de certo o fim do illustre ministro, porque tal fim seria repugnante com a reforma das tarifas que o governo deseja modificar sobre o pretexto de que são exageradas inconvenientemente; assim eu acho provável que o governo não lance mão d'este meio, e que continuará existindo 'a isenção de toda e qualquer contribuição geral ou local, mesmo quando o governo trespasse a linha a qualquer companhia.

Outro argumento que o governo apresenta no seu relatório é, que sendo a companhia obrigada pelo contrato apenas a conduzir as malas do correio nos seus comboyos ordinários, é necessário recorrer a convenções especiaes quando o governo carecer de comboyos extraordinários para a con-ducção da sua correspondência.

Não sei bem o que vale esta consideração, mas devo suppor que não valerá muito. Pelo contrato de 7 de agosto tinha a companhia a obrigação de transportar a correspondência do governo e diz o artigo (leu).

Artigo 35.° As malas do correio serão tranportadas gratuitamente em wagons bem acondicionados.

Artigo 37.° Quando o governo carecer de comboyos extraordinários para a conducção de sua correspondência, pro-ver-se-ha a isso por meio de convenções que se celebrarão para cada caso.

Por consequência o governo quando sentisse a necessidade da companhia lhe ministrar um comboyo extraordinário para a sua correspondência podia faze-lo segundo as condições do mesmo contrato, e isso não traria de certo um grande encargo para o governo.

O governo limitou-se a apresentar estas considerações, e entendeu que com ellas satisfazia cabalmente não só o desejo que o parlamento tinha de se convencer da utilidade da medida que o governo propunha, mas mesmo que assim satisfaria as exigências da imprensa, que censurava o myste-rio em que este negocio parecia envolvido. Emquanto a mim confesso que taes considerações me não satisfazem e declaro que á precipitação com que o governo conduziu esta questão só corresponde a inviolabilidade do segredo que sobre ella conservou. E espero, que a camará dando a estas ponderações do sr. ministro a importância que ellas intrinsecamente merecem, lavre um protesto contra a pratica abusiva de vir aqui um governo pedir um bill de indem-nidade, sem trazer á camará todas as provas documentaes que podessem provar que só por circumstancias imperiosas saiu íóra da lei.

O governo por não fazer isto, teve até difficuldades em apresentar ¦& camará os poucos documentos que nos foram presentes, "e isto confessando o governo que estava na sua mente ha muito tempo negociar com a companhia o trespasse d'este contrato! Esta é uma asserção que s. ex.a apresentou no relatório, e que a ser verdadeira obrigava o governo a ter os esclarecimentos que confessa não existirem, e isto é mais uma prova de quanto se abusou, porque o governo não pôde conhecer nem as condições da linha, nem o seu valor, pelo relatório de uma commissão de inquérito que visitou a linha ha seis ou oito mezes.

Se o governo tinha a idéa de comprar a linha, devia primeiro procurar saber o que ella valia, para isso não devia recorrer á opinião de uma commissão que o governo nomeou ha oito mezes.

E3te negocio foi conduzido do modo mais irregular possivel, este negocio constitue um precedente terrivel na nossa historia parlamentar, se a camará o sanecionar approvando o procedimento do governo.

O illustre ministro das obras publicas devia ter por todas as rasões muito mais contemplação com a opinião parlamentar; isto é o que elle não tem quando confia decididamente no seu apoio, sem primeiro tratar de o merecer pelos actos da sua administração.

Sr. presidente, ninguém ignora que nÓ3 estamos em condições desgraçadíssimas, para que nos possamos arriscar a emprezas desta ordem; os encargos que pesam sobre o,thesouro são gravíssimos; o nosso deficit é espantoso, e apesar de todas as famosas combinações arithmeticas do sr. mi-