niBtro da fazenda, vemos que o deficit não diminue mas ao contrario augmenta; e é exactamente n'estas condições desgraçadas, quando lutamos com um grande deficit aggra-vado com os encargos que se têem votado n'esta sessão, é n'esta conjunctura que o ministério vem temerariamente in-volver-se em uma empreza d'esta ordem, cujo resultado por mais de uma rasão se deve suppor bem funesto para í os interesses do paiz.
Sr. presidente, foi ha poucos dias apresentado na outra camará um calculo sobre a emissão a que nos havemos de soccorrer para acudir aos novos encargos do thesouro; esse calculo ainda não foi impugnado por parte do sr. ministro da fazenda, nem o podia ser, porque é exacto. Calcula-se em 18.000:000)?000 a 20.000:000^000 réis que temos a emittir em inscripções, e é exactamente quando corremos por esse plano inclinado que nos pede conduzir ao abysmo, que se desprezam todos esses voos rasgados que elevam os governos, não á altura da sua missão, mas á altura elevada a que nenhum ministro se levanta sem perigo de cair ingloriamente, arrastando também comsigo o credito publico.
O sr. Presidente: — Peço á camará que me conceda a palavra.
O sr. Ministro da Fazenda: — Peço também a palavra. O Orador: — Sr. presidente, não dissimulemos nem encubramos sob o véu de um silencio convencional o que todos sentimos, e o que todos confessamos. O sr. Vellez Caldeira: — Peço a palavra. O Orador: — As condições do nosso estado financeiro são desgraçadas, e é necessário que não tenhamos escrúpulo de levantar a prega do véu com que pretendemos cobri-las, e escondendo-as aos olhos do publico, como se elle as não conhecesse! O paiz sabe que ao passo que o governo corta largo na receita publica, para acudir a encargos como estes que acaba de crear pelo projecto que discutimos, cerceia as despezas a que indispensavelmente estamos ligados se quizermos encetar vida differente da que temos seguido até hoje.
Não votou a camará ha poucos dias o subsidio de réis 150:000)51000 para Angola? Quando o governo se arrisca a perder uns poucos de centos de contos de réis na desgra cada compra do caminho de ferro, é que contempla aquella importante colónia com um pequeno subsidio que se ha de sumir na voragem das despezas correntes!
Veja a camará como se cura do desenvolvimento das nossas colónias, desenvolvimento a que aliás devemos prestar toda a attenção, se não quizermos que venha cedo o dia em que mão estrangeira no-las roube sob o pretexto de expropriação por utilidade publica!
Mas como satisfaremos nós também os outros encargos de administração publica?
Pois a camará não conhece que retribuímos miserável mente o serviço publico? Eu podia ler as verbas que no orçamento estão votadas para a instrucção publica, epara todos os outros ramos de serviço da maior importância e transcendência, e a camará veria como corta cerce por taes despezas a mão que se abre pródiga para outras como esta que hoje discutimos.
Ainda ha bem pouco tempo, que n'esta camará se votou um projecto pouco importante, e que apenas poderia augmentar de alguns ceitis a despeza do thesouro, levanta-ram-se porém logo grandes escrúpulos contra a sua doutrina, moralisaram a despeza, julgou-se que a nossa situação financeira periclitava porque apenas se creava um encargo pequeníssimo, praticando-se um acto de justiça; hoje, porém que o governo se apresenta a pedir que se lhe sanc-cione uma medida, em consequência da qual se vae crear um encargo gravíssimo para o thesouro, vejo que nada se djz, e que esta demonstração de silencio, que podia ser auspiciosa para os que combatem o projecto,- não passa, como principio agora crer de uma demonstração de assentimento para com a opinião do governo, e de approvação pela proposta que se discute: tendo dado a hora pedia a v. ex.* que me reservasse a palavra para a sessão de amanhã. (Vozes: — Deu a hora).
O sr. Presidente: — Se o digno par quer continuar ainda pode-o fazer, porque as sessões devem durar tres horas.
O sr. S. J. de Carvalho:—Agradeço muito a v. ex.*, mas estou bastante incommodado, e dou por concluído o meu discurso.
O sr. Presiãente: — Então tem a palavra o sr. ministro das obras publicas.
O sr. Ministro ãas Obras Publicas:—Pede por um pouco a attenção dos dignos pares, porque não podendo amanhã comparecer á sessão d'esta camará por objecto de serviço, deseja dar todas as possíveis explicações acerca do que têem dito os dois illustres oradores que o precederam.
Tendo sido muitas as considerações que fizeram os dignos pares que acabaram de fallar, procurará quanto isso lhe for possivel responder ás mais essenciaes; mas antes de o fazer pede que lhe permitta a camará encarar a questão por um lado novo, que se tivesse sido examinado pelos dignos pares, talvez ss. ex.as não tirassem as conclusões que tiraram. A primeira cousa que convinha saber era o custo da linha férrea do sul das Vendas Novas ao Barreiro, e as condições do seu contrato; e comparar depois a epoebia da sua construcção com aquella em que se acha hoje, em relação á communicação accelerada, para d'aqui concluir se era conveniente que deixasse de continuar aquelle caminho depois dos contratos feitos. Tínhamos uma estrada ordinária das Vendas Novas a Elvas e á raia hespanhola, e tinha-se hesitado por muito tempo se devia concluir-se a porção da estrada entre Vendas Novas e Aldeia Gallega, porque uma estrada ordinária n'estas nove léguas seria muito despen diosa. Por um lado vendo-se que era exagerada a despeza que se exigia para uma estrada ordinária, e por outro lado
vendo que se podia obter um caminho de ferro mais barato | e com maior vantagem, alguns cavalheiros pertencentes mesmo a esta camará, fizeram uma proposta ao governo para se construir um caminho de ferro; e foi isso que deu logar á construcção do caminho actual.
O sr. ministro demorou-se historiando o que fez o governo para que se podesse levar a effeito a patriótica lembrança dos dois dignos pares; que n'esse intuito apenas se formou a companhia deu-lhe uma subvenção e com ella as madeiras precisas para esta obra e certos, privilégios que podessem compensar a exiguidade da subvenção, como a isenção dos direitos dos materiaes e machinas, assim para a construcção como para a exploração, e bem como a de todos os impostos; e não se lhe exigiram muitas coudições que são communs a quasi todos os contratos de caminho de ferro, e principalmente a que vem no relatório, de conduzir as malas do correio em comboyos especiaes. Os dignos pares que acabaram de fallar reputaram estas condições de pouca importância, mas pede a ss. ex.as que attendam a que estas condições são muito vantajosas e valem contos de réis. Quando o governo não tinha a idéa de fazer o caminho- de ferro das Vendas Novas para diante não era necessário que a companhia tivesse um comboyo mais accele-rado para conduzir as malas do correio, porque antes de se construir este caminho, as malas eram transportadas por uma estrada maedamisada; mas hoje o caso já não é o mesmo; já não pôde prescindir-se de que a mala do correio do Barreiro ás Vendas Novas seja conduzida pelo modo que está consignado nos cadernos dos encargos da companhia das Vendas Novas a Évora e Beja e nos de todas as outras; e ou o governo havia de prescindir d'essas vantagens para o commercio, ou teria de obrigar a companhia a ter um comboyo especial para aquelle fim; mas que esse novo ónus obrigaria o governo a dar a essa companhia uma indemnisação, a qual se se calcular pelo que se faz em Hespanha, e mesmo no nosso paiz, não podia ser menos de 100 réis por kilometro, o que corresponde a 5:000)5(000 réis cada anno. Ora, esta despeza havia o governo faze-la se tivesse exigido da companhia um comboyo especial para o correio;'; e se a não exigisse, os dignos pares certamente haviam de 1 ser os primeiros a desejar que o correio viesse com maior brevidade, e pelo methodo mais veloz. Todos os caminhos de ferro têem um comboyo especial para as malas do correio e não conduzem senão passageiros de primeira e Segunda classe.
O sr. ministro notou o que costumam fazer as companhias de caminhos de ferro em taes circumstancias.
Esta mesma companhia das Vendas Novas ao Barreiro quando teve, por tolerância do governo, aberta a circulação particularmente, levava as malas do correio nos seus comboyos, mas como ainda não estava aberta officialmen-te não era obrigada a faze-lo sem uma indemnisação que era bastante avultada.
O sr. ministro acrescentou diversas considerações para mostrar a vantagem que o estado recebia com esta compra, fundando-se já no custo do caminho de ferro, já no rendimento que d'elle se esperava logo que se concluisse o outro lanço do caminho de ferro, que com elle vem entestar: e nesta parte respondeu ao digno par que disse que esta idéa não se podia bem combinar com a outra que o governo tem, de que as tarifas sendo altas devem baixar, mas esta differença é menor do que a tarifa que hoje tem para a que deve ter; e em segundo logar não é indifferente que esse excesso reverta a favor do estado.
O sr. ministro demorou-se nas considerações referentes, já ao estado das tarifas e impossibilidade em que o governo estava de fazer substituir as inglezas pelas francezas, no caso de resistência da parte da companhia; pois ainda que o contrato auctorisava a revisão em certos prasos, exigia que esta fosse feita de accordo com a companhia; e quando esta não viesse ao accordo, não havia meio de traze-la ao que o goVerno entendia mais vantajoso. Também tratou da concessão de isenção de direitos; e observando a necessidade da fiscalisação acrescentou que a maneira de fisca-lisar, para que d'esta concessão não se abusasse n'um raio de certo e determinado numero de kilometros, isso é que é muito difficil; e certamente, sem uma fiscalisação bastante despendiosa, havia todo o perigo de que se abusasse d'este privilegio.
Quanto á direcção da via pareceu-lhe que não haveria duvida em ser a mesma, mas, sendo differentes os interesses, o governo devia por força vir a uma conciliação para que esta differença desapparecesse. Os interesses é verdade que se dividiam entre o estado e as duas companhias, mas como se sabe o estado havia de procurar por todos os modos que esta differença desapparecesse o mais cedo possivel, as companhias haviam por interesse próprio de obstar a que se effectuasse essa conciliação. O governo bem capacitado de que este estado de cousas não podia manter-se, que aquella linha se tinha concedido para vencer apenas algumas léguas de areal, e nunca para ser a rede dos caminhos de ferro do Alemtejo, e vendo que a companhia não quiz adquirir os prolongamentos da linha, mostrando antes que desejava fazer venda d'ella; desde que o governo viu isto, comprehendeu logo que a companhia não queria senão gosar do privilegio, e então avisou a companhia nacional, e bem assjm a companhia ingleza, de que quando quizes-sem fazer qualquer negocio, elle queria ser ouvido, porque não consentia no traspasse sem que se harmonisassem as condições. As companhias pareceram querer ajustarem-se no preço. Assim estavam as cousas quando a companhia offe-receu ao governo a venda. Mas pedia então 16;000|5!000 réis por cada kilometro, o que pareceu ao governo exagerado. O ultimo preço pedido depois pela companhia e estipulado em inscripções a 50 por 100, posto que fosse muito mais favorável, assim mesmo equivalia a 15:000)5000 réis:
o governo julgou-o ainda excessivo, e não quiz fazer o contrato com a companhia, que podia ser em tal caso um contrato provisório; mas depois appareceu uma terceira entidade, um novo comprador, que offereceu um preço certo á companhia, e foi determinada a forma do pagamento: e então o governo ou havia de deixar passar o caminho de ferro para as mãos d'esse novo comprador ou havia de ob-te-lo pelo único modo que era possivel, e foi por isto que optou, porque deixar passar aquella linha para as mãos do novo comprador, nas condições em que estava, era um tão mau principio de administração, que nenhum governo haveria que podesse consentir n'isso, pois quando uma vez qui-zesse apropria-lo, havia de custar muito mais caro para remir as condições docontrato, com que era trespassado para o novo comprador. >
O sr. ministro não disse, como se lhe attribuiu que o alargamento da linha havia de custar muitos contos de réis, talvez mais de quinhentos: o que s. ex.a disse foi = que as companhias estavam no direito de o fazer de modo que o governo fosse obrigado a pagar 500:000)51000 réis. As companhias sabem tratar dos seus negócios, e se vissem que effectivamente deviam pedir 500:000)51000, haviam de faze-lo. (O sr. Sebastião José ãe Carvalho: — O governo podia transigir com a companhia). O governo via se obrigado a transigir, porque tinha necessidade de o fazer; mas não havia de transigir em cousa muito desarrasoada. Alem d'isso, quando o governo exigisse um comboyo regular para o correio, a companhia havia de dizer qual era o custo d'elle, que ainda ha pouco teve occasião de dizer qual fosse annualmente.
O governo entendeu, e com elle muita gente, que era de toda a conveniência adquirir aquella via. Admittido isso, qual era o meio que o governo tinha para evitar que outrem o adquirisse?... Era sustentar o preço offerecido.
Maravilhou-se o sr. ministro porque não suppunha que o governo fosse arguido por ter sustentado o seu direito; mas vê que effectivamente o arguem até por ter defendido os interesses do estado n'esta questão.
Diz-se: «Se o governo estava tão seguro do seu direito de optar, porque é que não usou plenamente d'esse direito, não fazendo um contrato definitivo, mas obstando á venda, e promettendo fazer uma compra?» Mas a isto responde o sr. ministro — que dizer-se obsto á venda, faço um contrato provisório, e vou depois submette-lo á approvação das cortes, quando ellas talvez m'o não approvem, é certamente um direito de outra ordem. (O sr. Sebastião José ãe Carvalho:—Eu lhe mostrarei a carta.)
O sr. ministro observou que já tinha demonstrado que o governo n'este contrato não abusou. Não é jurisconsulto; mas o digno par que encetou este debate, elle mesmo disse, que duvidava que houvesse quem podesse obstar á venda, pois é sabido que os individuos possuidores das acções, constituidos em sociedade, tinham muitos meios para desfazerem o contrato; bastava endossarem as suas acções a terceiras pessoas1. Esta é que é a circumstancia especialíssima em que se achava este negocio. O caminho de ferro podia assim passar ás mãos de outro possuidor com muita facilidade, e por isso o governo entendeu que devia expedir uma portaria em que declarasse á companhia que optava; mas ao mesmo tempo não podia deixar de lhe garantir o preço.
E como se censurasse o governo por não ter ao menos tido tempo' para ouvir o conselho d'estado, disse que o governo nunca se poupa a ouvir o conselho d'estado, mas parece que n'este caso elle não podia substituir o poder legislativo.
Disse-se mais: «Pois nem ao menos uma conferencia?!» O governo teve essa conferencia com ambas as camarás, e com a outra foi até na véspera do contrato; por consequência teve tanta attenção com os corpos legislativos, quanto as circumstancias lh'o permittiam. Não diria que foi uma deferência, fez o seu dever, communicou o negocio aos membros de ambas.as camarás, sem distineção de cor politica, porque entendeu'que não podia haver differença de partidos em um negocio que era puramente de interesse do paiz.
Parecendo-lhe ter mostrado em primeiro logar, que havia não só utilidade n'esta compra, mas que o paiz teria ¦uma grande desvantagem senão tivesse adquirido o caminho de ferro pelo modo porque o adquiriu, e se o tivesse deixado ir para as mãos de outro possuidor; em segundo logar, quevnas circumstancias em que se achou o governo não tinha remédio senão garantir á companhia o preço que lhe davam, e que o governo effectivamente lisonjeia-se de que já hoje teve propostas que se approximam muito do preço por que contratou, o que prova que esse preço não é des-arrasoado.
O sr. Ministro ãa Fazenãa: — Muito bem.
O sr. Presiãente:—Amanhã teremos sessão, e será a ordem do dia a continuação d'esta discussão. Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 22 de agosto de 1861
Os srs. Visconde de Castro; Marquezes, de Loulé, de Niza, de Ponte de Lima, da Ribeira; Condes, do Bomfim, de Linhares, da Louzã, de Paraty, de Peniche, do Rio Maior, do Sobral; Bispo de Beja; Viscondes, da Borralha, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, da Luz, de Sá da Bandeira; Barões, da Vargem da Ordem, de Foscoa; Mello e Carvalho, Avila, Pereira Coutinho, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Costa Lobo, Margiochi, Silva Carvalho, Aguiar, Soure, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Baldy, Silva Sanches, Vellez Caldeira, Sebastião José de Carvalho.